No último caso, muitas vezes encontramos um homem de meia-idade ou mais velho que se apaixona por um homem mais jovem, que possui os atributos de um jovem Adônis. O jovem que é alvo do amor do homem mais velho parece encarnar em si tanto virtudes masculinas quanto femininas. Tipicamente ele tem um corpo forte e viril, mas igualmente possui certos atributos e dotes femininos que lhe dão uma qualidade bela e juvenil; ele lembra o jovem Davi, um Antínoo, ou um jovem deus, mais do que uma pessoa unilateralmente masculina. Tal jovem recebe a projeção do Si-mesmo, a imagem da plenitude na psique do homem mais velho. A maioria dos homens, como vimos, projetam a metade que lhes falta, o elemento feminino, numa mulher. O homem, então, representa o lado masculino, e a mulher o lado feminino, de uma totalidade masculino-feminina. No caso que estamos considerando, porém, a totalidade é representada pelo jovem, que parece incluir em si tanto o lado masculino quanto o feminino. Esse jovem na realidade não é essa pessoa completa; ele simplesmente é portador da projeção da alma andrógina do homem mais velho. De fato, quando as duas pessoas conseguirem conhecer-se como seres humanos, poderão ficar profundamente desapontadas uma com a outra.
Assim, existem alguns homens cujo outro lado -aquele que representa a plenitude para eles -, não é representado por uma mulher, porém, por essa figura do jovem andrógino e divino. Marie-Louise von Franz escreve: Existe a mesma idéia no ensinamento persa que diz que, depois da morte, o homem nobre encontra ou um jovem que se parece exatamente com ele, ... ou uma menina de uns quinze anos, ...e, se ele perguntar à figura quem ela é, esta dirá: "Eu sou o teu próprio Si-mesmo".
Um bom exemplo dessa espécie de desejo homoerótico encontra-se no pequeno romance de Thomas Mann Morte em Veneza. O autor Mann conta a respeito do idoso Aschenbach, que se apaixonou pelo jovem Tazio:
"Seus olhos mergulharam no orgulhoso porte dessa figura como se mergulhassem nas águas azuis da ponte; com o ímpeto de um êxtase ele disse a si mesmo que o que ele via era a própria essência da beleza; a forma
era como o pensamento divino, a perfeição única e pura que reside na mente; sua imagem e semelhança, raras e sagradas, ali se erguiam para a adoração.
Uma tal projeção do Si-mesmo sobre um jovem é possível porque a imagem do Si-mesmo é tipicamente representada por outro homem, ou mais velho ou mais moço, como Marie-Louise von Franz salientou em seu livro The Feminine in Fairy Tales. Isso nos ajuda a compreender o forte laço que, às vezes surge entre um homem mais jovem e um mais velho. Para o jovem, o Si-mesmo está colocado no homem mais velho, que representa o pai, a força e a autoridade positivos do Si-mesmo. Para o homem mais velho, o Si-mesmo está colocado no jovem, que representa o filho, o eros e o aspecto eternamente jovem do Si-mesmo. Por serem tais projeções tão numinosas e o anseio de um relacionamento com o Si-mesmo tão grande, o laço entre eles fica imediatamente colorido de sexualidade, transformando-se no que pensamos constituir um relacionamento homossexual. Na verdade, o relacionamento tende a tornar-se sexual, mas em seu cerne o que existe é o desejo de plenitude, e a energia que sustenta o relacionamento é propiciada pela necessidade profunda que cada um dos homens tem de integrar em si mesmo o que o outro representa.
Como vimos, tendemos a desejar sexualmente algo que nos está faltando em nosso desenvolvimento consciente. No caso do velho que deseja o jovem, geralmente encontramos uma pessoa que esteve demasiadamente ligada ao arquétipo do senex, isto é, por demais rígido, velho, exageradamente apegado ao poder de dirigir, ou intelectual demais. Assim, o anseio se volta para o eros, para a juventude plena e eterna, em suma, para o espirito, sob a forma de uma figura simbólica que compense o consciente unilateral do homem e que se ofereça para trazer o êxtase da totalidade.
Em outros tipos de homossexualismo, o objeto do desejo sexual não pode ser outro homem como tal, mas ante o anseio de contato com o órgão masculino. Mais uma vez temos de dizer que isso pode ocorrer com um homem casado, ou com um que tenha uma vida heterossexual de algum modo normal, nos quais este desejo homeopático surge de tempos em tempos. Muitas vezes tal desejo representa simbolicamente uma necessidade profunda de ligação com o Si-mesmo, representado pelo falo, símbolo do espírito criativo masculino. Um tal desejo muitas vezes se introduz na consciência de um homem, quando ele se sente particularmente exausto ou fragmentado, e precisa da cura ou da sintetização do seu ego através do contato com o Si-
-mesmo. Ele pode ocorrer também como uma compensação por se haver exposto exageradamente à mulher, tanto à mulher interior quanto à mulher exterior, porque o homem considera a mulher perigosa e, a fim de manter o seu relacionamento com ela, ele precisa de vez em quando renovar e consolidar sua masculinidade.
E muito comum encontrar no meio de todos esses homens que descrevemos um problema de amor de grande duração. Não raro, houve muito pouco amor entre a mãe e o filho, ou existiu o tipo errado de amor possessivo e envolvente. De igual importância, porém, pode ser a falta de amor do pai. Há uma época na vida de um menino em que ele necessita e implora o amor de seu pai, inclusive expressões físicas da afeição do pai por ele. No tipo de desejo homoerótico que descrevemos, geralmente houve falta de tais expressões de amor entre o menino e seu pai. Ou o pai faltava - estava ausente -, ou não era capaz de dar essa espécie de amor, ou odiava e rejeitava o menino, ou mostrava-se um homem tão fraco que o seu amor não tinha valor. Essas necessidades insatisfeitas na área da afeição masculina criam uma insegurança no desenvolvimento do ego do menino a respeito de sua própria masculinidade, pois a identificação masculina num menino se desenvolve parcialmente como resultado da identificação do menino com seu pai e com o sentimento, daí decorrente, de que ele se acha incluído no mundo dos homens como um homem entre os homens.
Essa necessidade será particularmente grande se o animus da mãe se dirigir para o menino de maneira tal que lhe prejudique ou impeça o desabrochar do seu lado masculino primitivo. Como o salientou Marie-Louise von Franz, no esforço de socializar o menino, a mulher pode consentir que o seu animus perturbe e atrase exageradamente o desabrochar da masculinidade do filho, o tipo de masculinidade que traz sujeira para casa, que usa palavrões, que ainda frango quer cantar como galo. Essas manifestações de vulgaridade infantil e pueril são, naturalmente, difíceis para a mãe aceitar num nível social, embora elas contenham as sementes de uma evolução masculina positiva posterior. Inúmeras vezes o animus da mãe reprime esses sinais de masculinidade no menino de modo exagerado e, principalmente em se tratando de um menino sensível, ele pode perder o contato com esse lado de si mesmo em conseqüência da atitude materna. Uma educação religiosa extremamente rigorosa pode reforçar tal processo, acentuando demasiadamente os valores da bondade, do perdão etc., quando o menino ainda não conseguiu ter confiança nas suas proezas e nos seus brios masculinos que começam a desabrochar.
Quando isso acontece, as necessidades insatisfeitas de um primitivo desenvolvimento masculino por parte do jovem e o desejo também insatisfeito da afeição de seu pai que lhe faltou podem refletir-se em desejos sexualizados de intimidade com outras pessoas do mesmo sexo. As mulheres, por outro lado, são evitadas, pelo fato de que o homem tem medo da força sexual da mulher, de sua emocionalidade e de seu animus, o qual só pode ser superado quando o homem adquire suficiente confiança no seu lado masculino instintivo e terreno.
Por isso que, nas culturas primitivas, os jovens que chegam à puberdade são iniciados pelos homens num mundo exclusivamente masculino por meio de experiências de força e de ritos secretos. As mulheres são proibidas de presenciar esses ritos masculinos, talvez não só porque elas podem sentir-se um pouco influenciadas, mas também porque podem rir, e isso haveria de ferir a auto-estima masculina que o menino ou jovem precisam tanto construir. Além dos treinos de força e de resistência à dor, que tais ritos contêm e que servem para fortalecer o ego do menino, há a transmissão para o jovem da doutrina espiritual da tribo que passa dos mais velhos para os mais novos. Assim, o menino chega à posse de segredos conhecidos somente pelos homens (uma doutrina análoga é passada das mulheres mais velhas para as mais novas na iniciação feminina). Somente depois que o jovem é adequadamente iniciado nesse mundo todo masculino, fica ele pronto para entrar em contato com o mundo, fascinante mas perigoso, das mulheres. Nossas culturas atuais não se preocupam com essa espécie de iniciação ritual, e boa parte do que chamamos de homossexualismo representa uma tentativa de satisfazer a necessidade psicológica que não foi preenchida por essa omissão.
Estivemos considerando tipos de homossexualismo que parecem representar um desenvolvimento masculino incompleto, ou que surgem da projeção da imagem da alma numa forma andrógina. Entretanto, existem outros tipos de homossexualismo em que a anima parece desempenhar o papel dominante, por dar a impressão de que tem um controle mais ou menos completo sobre o ego do homem. Em tais casos, as qualidades da anima se homogeinizam, por assim dizer, com as qualidades do ego masculino e produzem um tipo de ego masculino efeminado. Isso leva ao que deveríamos chamar de homossexualismo clássico. Enquanto que geralmente o homem identifica seu ego com masculinidade,
ou tenta fazê-lo, esse tipo de homem recusou-se a ou foi incapaz de realizar uma tal identificação masculina, e sua estrutura do ego possui, como resultado, um cunho hermafrodítico. Na psicologia do seu ego, consequentemente, a anima desempenha um papel dominante. Em tais condições, os relacionamentos heterossexuais estão fora de questão, porque os opostos não podem relacionar-se nem unir-se enquanto antes não tiverem sido separados e distinguidos um do outro. Os relacionamentos homossexuais, portanto, são a norma para um homem de tal tipo.
Esses homens podem ter muitas qualidades positivas. Podem ser muito sensíveis, freqüentemente têm facilidade para conversar, não raro possuem qualidades delicadas e curativas e são dotados de inclinações artísticas. Nas comunidades primitivas, muitos xamãs (curandeiros) eram homossexuais, e em nossos próprios dias existem alguns indivíduos com dotes de cura que demonstram a mesma disposição homossexual. No lado negativo, eles podem ser mesquinhos, inconstantes nos relacionamentos, e supersensíveis, o que muitas vezes dificulta relacionamentos íntimos e duradouros.
Os índios americanos tinham uma explicação para essa espécie de homossexualismo que julgamos tão boa quanto qualquer outra que conheçamos, embora esteja baseada e esboçada em termos mais mitológicos do que científicos. Os índios acreditavam que, durante a puberdade, a lua aparecia ao menino para oferecer-lhe um arco e uma flecha, e à menina para dar-lhe uma trouxa de roupa. Se o menino hesitasse em apanhar o arco e a flecha, a lua lhe entregava a trouxa de roupa. Esses jovens se tornavam "berdaches" ou homossexuais. Eles usavam uma espécie particular de veste e desempenhavam funções especiais na tribo. Por exemplo, muitas vezes eles trabalhavam no preparo de encontros e reuniões e, já que não podiam ir para a guerra como os outros jovens, tinham permissão de acompanhar os que iam para a guerra com a finalidade de cuidar dos feridos. Os homossexuais eram perfeitamente aceitos na comunidade
indígena. Não eram ridicularizados nem desprezados, mas simplesmente encarados como um tipo especial de homem. 15 Em linguagem psicológica, esta era a maneira de dizer que, se um jovem não conseguia identificar-se com sua masculinidade, simbolizada pelo arco e pela flecha, ele cairia nas mãos da anima.
Há poucas demonstrações mais convincentes da realidade da anima no homem do que esses tipos de homossexualismo masculino, em que a presença da força feminina é tão evidente. Nas maneiras, no vestir, no sistema de linguagem que surge na subcultura que tais homens criam para si mesmos, inclusive nos nomes femininos adotados, eles mostram a realidade da anima a um mundo que do contrário permaneceria descrente. Pode ser que certo número de homens em cada geração sejam escolhidos, de alguma maneira, pelo inconsciente para viver a vida de uma forma tão hermafrodítica, que são destinados, como já disse Jung, a rejeitar a identificação com "o papel da sexualidade unilateral", como se quisessem lembrar-nos de que ninguém é exclusivamente masculino ou feminino, mas de que cada um de nós possui uma natureza andrógina.
Além dos homens com tendência homoerótica ou com natureza homossexual, existem outros homens, heterossexuais, que também ficam bem perto do arquétipo feminino. Esses homens conseguiram chegar a uma identificação masculina do ego, e seus sentimentos sexuais e necessidades amorosas foram dirigidos para mulheres, mas as coisas acontecem como se o arquétipo feminino fosse numinoso de modo incomum para eles e parecesse muito grande na sua psicologia. Eles também muitas vezes são homens sensíveis com dotes curativos ou inclinações artísticas, embora a proximidade entre eles e a anima possa provocar fantasias sexuais fora do comum. Essas fantasias, como o enfatizou GuggenbuhlCraig, não deveriam ser consideradas perversas, pois pode evidenciar-se uma personalidade potencialmente sensível e diferenciada. O Dr. Zhivago de nossa sociedade parece necessitar de uma iniciação para compreender o sentido e o mistério do feminino em todos os seus níveis. Homens como ele, devem ser convidados a compreender as mulheres, a compreender o feminino em si mesmos, a reconhecer e dar importância aos valores femininos na vida e a fazer uma experiência pessoal e imediata com o inconsciente. Dessa maneira, eles ficam iniciados da Grande Deusa. Tal iniciação no sentido do feminino não efemina esses homens, pois, ao entenderem o feminino, eles também diferenciam o feminino de si mesmos. O ego deles continua masculino, mas é transformado por essa iniciação num estado mais diferenciado de consciência. Tais casos sugerem que a influência psicológica da anima é maior em alguns homens do que em outros. Por causa de sua numinosidade, a anima exerce uma influência profunda na psicologia de alguns homens, destinando-os a levar um tipo especial de vida que deles requer a aquisição de um autoconhecimento incomum.
esse elemento numinoso que a anima introduz que pode entrar na sexualidade
para tornar-se o laço entre sexualidade e religião. Se usássemos
a linguagem dos tempos antigos, diríamos que um deus ou deusa havia
entrado na situação sempre que uma atração
sexual se tornasse numinosa. Na linguagem psicológica, deveríamos
dizer que um arquétipo está exercendo seu fascínio
sobre nós. Assim, na sexualidade não só procuramos
a satisfação de necessidades físicas, o relaxamento
de tensões físicas e, às vezes, intimidade psicológica
com outras pessoas; nela também podemos expressar nosso anseio de
êxtase, isto é, de uma ampliação da estreita
consciência do ego através do contato com o divino. Se, porém
nossa consciência estiver num baixo nível, as exigências
religiosas contidas na sexualidade não serão satisfeitas.
O pior que pode acontecer é que, então, só teremos
expressões de desejos ansiosos e egocêntricos e não
a satisfação de nossa necessidade de êxtase. Para o
lado religioso da sexualidade ser satisfeito, precisamos relacionar-nos
corretamente com os fatores arquetípicos nos desejos sexuais. Precisamos
"prestar-lhes culto", dando-hes uma atenção justa e consciente.
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