Hospital
Erasto Gaertner, Curitiba, 26 de fevereiro de 1993.
Hoje uma paciente, Dona F., portadora de câncer de colo de útero, estadio inicial IIIb, atualmente RHD (Regime Higieno-Dietético, sigla usada para designar pacientes fora de possibilidades terapêuticas, onde só eram tomados cuidados de higiene, alimentação e controle da dor), morreu após longo e penoso sofrimento às 19 horas, 32 minutos e 56 segundos.
A sobrinha veio ao posto de enfermagem avisar de uma mudança no padrão respiratório da mulher, ficando mais espaçado.
Fui ver.
Cheguei e a paciente estava hipotérmica, pálida, respirando muito mal, visivelmente consumida.
Em outro momento a respiração dela parou. Peguei o estetoscópio e auscultei o coração dela: parado.
Acho que falei:
- Ela acabou de morrer...
A sobrinha desesperou-se e tornou-se trêmula, pálida. Tentou chamar Dona F., mas eu disse:
- Chame o pessoal da enfermagem.
Ela nervosamente apertou a campainha, mal conseguiu fazer isso enquanto dei um murro no peito da paciente. A sobrinha saiu do quarto. Auscultei: nada.
Dei outro.
O acadêmico Zé Mauro entrou.
- Pegue o prontuário dela.
Ele saiu depressa.
Comecei a massagem cardíaca, não sei porque, eu sabia pelo aspecto dela que era RHD e que o protocolo me negava esforços para reanimação.
O Zé Mauro chegou.
Vi o prontuário e deixei a paciente ir.
Em pouco tempo parou de esforçar em respirar.
Em mais algum tempo os olhos foram a anisocoria com midríase em olho direito. Cessaram os reflexos: era a morte.
Medi a pressão, etc., como rotina de constatação de óbito.
Saí na porta: a sobrinha estava num canto chorando.
- Desculpe, mas não tinha mais nada a ser feito...
- Eu sabia... Eu sabia...
Entrou. Seguí-a.
- Tadinha! - exclamou dolorosamente - Ela fechou o olhinho!... - disse com um carinho tão doloroso que conseguiu me fazer transbordar pela garganta um suspiro engasgado de emoção.
- Qualquer coisa, estou no posto de enfermagem, tá?
- Tá bom - respondeu chorando.
Fui escrever a constatação no prontuário. Mas eu não sabia o nome da sobrinha e precisava registrá-lo também.
Voltei e a encontrei com uma vela acesa na mão.
Apagou-a quando me viu.
Sorriu um sorriso amargo.
- ... É uma oração para ela...
Comoveu-me.
- Descansa em paz... Descansa em paz...!