Ele é apenas um pequeno ponto na minha vida, mas que muda tudo. Esta pequena partícula me fez ver a própria morte face a face, e, pela primeira vez em minha vida eu percebi que não era imortal e que não tinha todo o tempo do mundo para viver. E isso é muito doloroso perceber.
A história do vírus se confunde com a minha própria história: assim é virtualmente impossível falar sobre mim e as pessoas que eu amo sem falar sobre ele. O fato mais interessante é que eu não o adquiri numa simples relação ao acaso: eu sei o dia e a hora que ele entrou na minha vida: e eu estava chorando neste momento. E o homem que causou esta infecção (cujo nome não tenho coragem de pronunciar) nem é HIV positivo... O Destino escolhe caminhos muito estranhos para se expressar.
Meus primeiros sintomas foram aqueles que fazem parte da Síndrome Mononucleótica ou também conhecida como Síndrome da Soroconversão: febre alta (39-40ºC), ulcerações na mucosa oral, perda de peso (8 kg em 7 dias), hepatoesplenomegalia, linfonodomegalia generalizada, placas anginosas orais... por aproximadamente 10 dias. Estes sintomas todos iniciaram em torno de 10 semanas após aquele dia de lágrimas.
Eu já tinha lido a respeito desta síndrome em revistas médicas e eu suspeitei que pudesse sê-la no momento que vi 13% de linfócitos atípicos no leucograma do sangue periférico, mas assim mesmo eu não podia acreditar que aquilo estivesse acontecendo, até que vi meu teste positivo 5 semanas depois.
Eu não podia acreditar! O chão desapareceu debaixo dos meus pés, meu sangue correu da minha face e parecia que eu estava caminhando em núvens. Eu estava dando um plantão na obstetrícia e a primeira pessoa que encontrei foi a Vanessa.
Contei para ela porque eu tinha que contar para alguém sobre aquele desastre. Eu confiava nela também.
Naquela noite eu tive um sonho terrível.
Sonhei que estava na recepção da obstetrícia e troxeram uma mulher numa maca. Ela estava com uma forte dor e distenção abdominal. Primeiro pensei que era mais uma gestante para dar a luz, mas então percebi que que ela era tão velha, tão magra, tão pálida... Ela não poderia estar grávida. Na verdade aquele barrigão era uma ascite e ela estava com câncer e morrendo...
Os dias que se seguiram passei na esperança que aquele único teste Elisa estivesse errado. Então um segundo veio, e por fim, a imunofluorescência indireta sentenciou: eu estava realmente infectado com HIV.
Assim, a morte e eu estávamos fundidos no mesmo corpo. O vírus entrou no meu local mais sagrado e fez residência lá pelo resto da minha vida e se transformou em parte do lugar. Eu e ele eramos um, afinal.
O tempo passou e eu destruí todos os vínculos afetivos que tinha na época, muitas amizades. Só o que eu conseguia pensar era sobre minha própria morte e o HIV 24 horas ao dia, 7 dias por semana.
Foi neste tempo cheio de desesperança e tristesa que apareceu El-Jah. Pude aprender com ele que era possível amar, viver e - c:-O - ser feliz de novo! El-Jah é uma pessoa maravilhosa e um amante formidável. Ele me ensinou tudo o que sei sobre política, sobre o movimento negro e outros movimentos populares, a como enxergar o meu próprio povo. E, mais importante de tudo, ser orgulhoso dele. c:-) Nós vencemos juntos o medo. E ele me mostrou que eu realmente poderia amar de novo.
Então Solar apareceu na minha vida, enchendo tudo com sonhos, poesia e emoções. Foi uma coisa mágica encontrá-lo onde eu jamais poderia imaginar.
O HIV mudou meu jeito de ver muitas coisas. A Religião foi a primeira a ser repensada. Eu pude compreender que o Destino realmente existe e como ele funciona. Também tive de esquecer tudo o que eu pensava saber sobre a morte.
Bem, eu até poderia dizer que eu NUNCA vivi tanto como após o HIV. Eu só gostaria que não tivesse sido necessário que ele estivesse comigo para eu descobrir isto.
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