Relatório de Vivência
Estágio Eletivo de Saúde Integrada no Município de Guaraqueçaba


Abril a junho de 1995
Abadom
Jaque
Vanessa atlanta

 

      I - SELEÇÃO DOS ESTAGIÁRIOS:

      II - ATIVIDADES  DOS ESTAGIÁRIOS NA SEDE DO MUNICÍPIO:

a) TRABALHO NA NIS-I.

b) TRABALHO NA CRECHE.

      III - ATIVIDADE EM ILHA  RASA

  •       a) A POPULAÇÃO  DA LOCALIDADE

  •       b) SERVIÇOS DISPONÍVEIS NAS COMUNIDADES

  •       c) ATIVIDADE ECONÔMICA

  •       d) A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO FEMINO

  •       e) RELAÇÕES  ENTRE AS COMUNIDADES

  •       f) A RELIGIÃO NO COTIDIANO DAS COMUNIDADES
  •       IV - PROGRAMA  DOS AGENTES DE SAÚDE

          V - TRABALHO EM OUTRAS LOCALIDADES

          VI - NOSSO PAPEL NA LOCALIDADE DE ILHA RASA

          VII - DIFICULDADES ENCONTRADAS NO ESTÁGIO

          I - SELEÇÃO DOS ESTAGIÁRIOS:

           O estágio eletivo em Guaraqueçaba tem 80 dias de duração  e é coordenado  pelo departamento  de Saúde Comunitária  da UFPR. Teve início  em janeiro  de 1995 e até então é composto por  02 equipes  com 03 componentes em cada uma delas. A primeira  atuou de Janeiro a abril e a segunda equipe  de 06 de abril a 15 de junho.

           O grupo optou pelo  estágio  por ter sido  estimulado  pela equipe anterior  e também pelo desejo  de vivenciar  uma realidade  diferente  do que habitualmente  está acostumada a trabalhar, dentro do hospital escola.

          II - ATIVIDADES  DOS ESTAGIÁRIOS  NA SEDE DO MUNICÍPIO:

     

  •                 a) TRABALHO NA NIS-I

           Um dos acordos  feitos entre  a prefeitura  local e a UFPR, foi que os estagiários  deveriam  atender  a demanda  na NIS-I  por meio período, sob supervisão do médico local.

           A quantidade diária de  pacientes  que  procuram   atendimento  médico é de aproximadamente 25 pessoas.  Pela parte da manhã  atende-se a população  da sede do município, ficando as tardes reservadas  para o restante da população.  O que mais se  mostrou gratificante  para o grupo  foi o fato  de poder acompanhar o doente, dando uma seqüência adequada no tratamento  e com isso  reforçar o vínculo médico-paciente.

           Percebemos também, através da convivência  com  a população, que o  fato  do paciente  procurar  o médico  no posto, na grande maioria  das vezes  mascara  a real condição de vida a que está exposto. Por exemplo: No dia da consulta ele põe a sua melhor roupa, faz sua higiene corporal e, por vergonha ou preconceitos, pode mentir sobre sua real condição de vida.

           Percebemos ainda que há uma predominância de mulheres que buscam  assistência e que estas preferem a figura da médica (mulher) para confiar seus problemas e de seus filhos. Um dos pontos positivos nestes atendimentos foi o fato de dispormos de uma grande quantidade de medicamentos provenientes da CEME ou de outros laboratórios, dando-nos tranqüilidade na hora de preencher a receita por saber que a aquisição do remédio estava garantida e, com isso, grande parte do sucesso do tratamento. Em contrapartida a falta de recursos diagnósticos e a sua ineficiência fez com que alguns pacientes fossem prejudicados.

           A convivência com os funcionários da unidade deu-se de forma harmoniosa respeitando-se  sempre o trabalho um do outro.

  •                 b) TRABALHO NA CRECHE

           O trabalho desenvolvido na creche  da sede do município, só iniciou nos últimos 30 dias de estágio. Durante as visitas que   eram feitas semanalmente, procurávamos ajudar a resolver os problemas básicos, porém de grande incidência nas mais de 50 crianças. São eles: escabiose, pediculose e verminoses.

           Examinávamos as crianças uma a uma, procurando essas doenças. Caso alguma delas estivesse com outra patologia era examinada mais detalhadamente, tratada  e, se fosse o caso, encaminhada para um serviço especializado.

           Procuramos, além de tratar os problemas básicos acima citados, conscientizar os pais  a respeito da higiene e parasitoses de seus filhos através de reuniões. Elaboramos uma carta sobre a importância de garantir a saúde de seu filho e sua família através da eliminação de todo e qualquer parasita. Solicitamos ainda que colhessem amostras de parasitológicos para  avaliar os índices de verminoses nas crianças.

           Outra atividade realizada neste trabalho foi a avaliação do desenvolvimento pôndero-estatural das crianças através de uma curva de tendências. A partir desses dados, propomos um trabalho mais organizado, com duração maior, comparando-se, ao final, os índices atualmente levantados com os mesmos índices após o trabalho.

           Percebemos também haver uma necessidade de treinamento dos funcionários que alí trabalham para que estes consigam cuidar melhor não só da saúde das crianças bem como do seu desemvolvimento humano dando-lhes carinho, atenção e amor.

          III - ATIVIDADE EM ILHA  RASA

           Com o decorrer do tempo, o grupo percebeu que seria necessário  trabalhar junto a duas localidades e com elas realizar um trabalho mais intenso. Para  isso teríamos que solucionar o problema de transporte regular semanal para essas visitas.

           Em reunião  com Dr. Jonatan Löschner (médico e diretor clínico do hospital) e Marta Peña (assistente social da SPVS), ficou decidido que a SPVS teria interesse em que os estagiários os acompanhassem nas visitas a Ilha Rasa semanalmente (quartas-feiras) e o Dr. Jonatan  ofereceu  recursos do hospital para o transporte até a outra localidade. Localidade esta, de preferência, deveria  ser no continente,  para que o grupo percebesse a real diferença entre as comunidades, tanto econômico como socio-culturais. Ficou ainda decidido que trabalharíamos com as mulheres nestas localidades tendo em vista o diagnóstico de saúde feito pela equipe anterior e por percebermos  a importância do papel feminino no contexto social de Guaraqueçaba.

           As visitas a Ilha Rasa tiveram sua continuidade, pois o transporte semanal foi rigorosamente fornecido e  a população já contava com o trabalho de consientização feito pela SPVS. O grupo  teve boa aceitação por parte da comunidade e percebeu que o trabalho alí era fundamental visto que a população está entre as mais carentes do município. A orientação da assistente social  Marta foi de suma importância para a concretização deste trabalho.

           O trabalho na outra localidade, devido a falta de  transporte, não pode ser efetuado.

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  •                 a) A POPULAÇÃO  DA LOCALIDADE

           A população se divide em três comunidades: Almeida , Ponta do Lanço  e Ilha Rasa.

           Segundo Diagnóstico Sócio-cultural Das Comunidades de Ilha Rasa, Medeiros de Baixo e Massarapuã (Relatório de pesquisa - SPVS), a comunidade de Ponta do Lanço é a que hoje se encontra em um processo acelerado de decadência, com poucas famílias moradoras. Havia pelo menos umas quarenta famílias moradoras há 50 anos atrás. Aos poucos esse número foi diminuindo e na última década acelerou-se  a migração principalmente para Paranaguá.

           A comunidade de Ilha Rasa, localizada na ilha do mesmo nome, antigamente denominava-se Ponta do Lanço de Baixo. Contam os moradores que a formação da mesma ocorreu a partir de uma "transferência" dos moradores da Ilha das Gamelas, situada ao lado da localidade.

           Com relação ao número de famílias residentes, poucos chegaram de fora. Alguns foram casando e permanecendo, embora exista  um número maior daqueles que já foram embora para Paranaguá, em busca de melhores condições de vida.

           A comunidade de Almeida, localizada também  em Ilha Rasa, pelas informações da maioria dos entrevistados, é a de reestruturação mais recente. As demais localidades da ilha relatam que Almeida até uns  vinte ou trinta anos atrás era pequena, tendo cerca de oito a dez casas. Hoje é a comunidade com maior número de famílias residentes, cerca de 40 casas com duzentos moradores. Os dados de pesquisa de campo demonstraram que não há moradores antigos (com mais de sessenta anos) originários de Almeida. A maioria da população nasceu e constituiu família em outra localidade e, em determinado momento, migrou para Almeida. As principais comunidades de origem ou de passagem destes intrevistados são: Itaqui, Taquanduva, Tromomô, Engenho, Caçada. Sendo que Caçada e Engenho já não existem mais.

  •                 b) SERVIÇOS DISPONÍVEIS NAS COMUNIDADES;

           Em Almeida, a prefeitura construiu um reservatório de água. Entretanto, como não há água suficiente e de qualidade na comunidade, a maioria dos moradores continua usando água de poço, que é insuficiente  e salobra. As duas outras comunidades, Ilha Rasa e Ponta do Lanço, só dispõe de poços para abastecerem-se  de água.

           Observa-se  a precariedade no abastecimento de água em todas as comunidades, sendo  esta uma das maiores necessidades. A existência de serviço adequado e eficiente é uma das demandas principais dos moradores.

           A energia elétrica é outro dos serviços demandados pelas comunidades. Um projeto da COPEL (Companhia Paranaense de Energia) para eletrificação de Ilha Rasa já está pronto e os moradores cadastrados.

           O saneamento básico, relativo ao destino adequado dos dejetos é um problema dos mais graves nas comunidades. Não há fossas e as necessidades fisiológicas são feitas diretamente no "mato" ou em "casinhas", sem nenhum tipo de tratamento. Este problema, conjugado a precariedade do abastecimento de água, tem contribuído significativamente para o alto índice de verminose presente na região.  Também são expressivos os problemas de pele observados que certamente estão correlacionados ao quadro apresentado.

           Com relação a oferta dos serviços de saúde, há somente em Ponta do Lanço um mini-posto que  presta  os primeiros socorros, dispõe de alguns medicamentos para distribuição, auxilia nos períodos de vacinação e serve para realização das consultas médicas. A população conta ainda com um agente de saúde com pouca qualificação e interesse pelo seu trabalho.

           Com relação aos serviços de educação, só Ilha Rasa não tem  uma escola para a 1º e 4º série do primeiro grau.  Os professores, em geral são de formação leiga passando por períodos anuais de reciclagem. Atualmente a SPVS vem desempenhando um papel importante nessas comunidades onde implantou o supletivo de 1º grau em Ponta do Lanço, visitando as  localidade duas vezes semanais.

           A população conta com um posto telefônico situado em Ponta do Lanço.

  •                 c) ATIVIDADE ECONÔMICA

           A atividade econômica das três comunidades de  maior relevância é a pesca artesanal. Almeida  se dedica mais a extração de caranguejo, e Ponta do Lanço e Ilha Rasa à manjuba. Os pescadores reclamam da escassês dos produtos no mar, sendo que a quantidade de peixe   capturado vem diminuindo progressivamente, bem como o preço do produto no mercado que por vezes é insignificante. Esta e outras pequenas atividades exercidas pela população são todas executadas dentro de um regime de trabalho familiar.

  •                 d) A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO FEMINO

           O papel desempenhado pelas atividades produtivas e reprodutivas da mulher no seio dessas comunidades é de extrema importância para a produção  desse modo de vida tradicional. São elas as responsáveis  pelo cuidado da  família, preocupando-se com a saúde e educação dos membros, além de assumirem as atividades reprodutivas na unidade familiar, não se restringindo somente ao espaço da casa (lavar roupa, cozinhar, limpar a casa, costurar) e de seu entorno (criações, hortas, corte de lenha, dentre outras atividades domésticas), como também  ajudando seus maridos na atividade pesqueira.

           Outro ponto fundamental e que foi de relevante importância para o êxito do nosso trabalho foi a receptividade que essa  população apresenta para mudanças, estando sempre dispostas a ouvir ou confiar seus problemas ao seu médico, não só relacionados à saúde.

  •                 e) RELAÇÕES  ENTRE AS COMUNIDADES

           Um dos traços que marcam as relações entre as comunidades de pescadores artesanais é a importância da família como unidade de produção, de consumo, de manutenção e reprodução das relações econônicas, sociais e culturais. A organização social das comunidades pesquisadas está assentada principalmente nas relações de parentesco existentes entre as unidades familiares, sejam elas nucleares, pais e filhos, sejam elas extensas, envolvendo avós, tios, primos, etc. Estas relações é que tem garantido a estes grupos a solidariedade e a cooperação. Vale lembrar ainda que as relações de compadrio e de vizinhança entre os membros da comunidade, também se constituem  como referências.

           Não há cercas ou outras  marcas visíveis que demarquem  os espaços  físicos, são as unidades familiares que acabam delimitando e definindo a  ocupação do espaço social local. Quando um filho casa ou um parente próximo chega à comunidade, que alí pretendia residir, é nas vizinhanças dos núcleos familiares que será construída a nova moradia. Estes espaços são legitimados pela tradição de uso. Por este motivo a convivência numa  mesma comunidade geralmente se dá de forma harmoniosa.

          Por outro lado, entre as comunidades da localidade há uma certa rivalidade, principalmente pela questão econômica e política. Ilha Rasa possui o melhor nível econômico e estrutura social. Na questão do cadastramento para recebimento de energia elétrica, foram os primeiros a se organizar. Também foram os primeiros a formarem  a Associação de Moradores do local. Almeida, por sua vez, é a mais desorganizada e carente, sendo a população feminina  mais dependente e ociosa.Tome-se como exemplo o comentário de uma mulher de Ilha Rasa em uma ocasião onde foi convidada a participar de uma reunião organizada por este estágio: "Nós, as mulher de Ilha Rasa, não podemo participá porque nós ajuda nossos maridos na manjuba. As mulher de Almeida que não fazem nada podem ir ".

  •                 f) A RELIGIÃO NO COTIDIANO DAS COMUNIDADES

          A religião é um elemento a mais  de aglutinação  da organização social, tanto a nível  da comunidade como fora dela. Normalmente são as mulheres que  definem  qual igreja frequentarão e, a partir daí, iniciam um trabalho de convencimento de outros membros da família. Este é um espaço de domínio basicamente feminino, embora sejam os homens que tenham a função de dirigente de culto e responsabilidade sobre os fiéis.

          A religião, ao ser a expressão de uma determinada concepção de mundo, ao designar as regras e normas nas relações sociais, exerce seu clássico papel de regulador ideológico do grupo social. Também é clássica e histórica a relação entre o poder religioso e o poder político na sociedade humana.

           O fato de Almeida possuir quatro religiões diferentes chama a atenção. Nesta comunidade faz-se presente as igrejas Católica, Adventista, Batista e Assembléia de Deus. Elas refletem não só o fluxo migratório ocorrido nos últimos vinte a trinta anos na região, mas também trazem sérios problemas de organização. As diferenças ideológicas de cada religião, bem como o poder que o dirigente religioso exerce sobre a população faz com que haja sérios confrontos.

          Ilha Rasa e Ponta do Lanço tem a mesma religião, Católica. A igreja fica em Ilha Rasa.

          IV - PROGRAMA  DOS AGENTES DE SAÚDE:

          Em diversas regiões da América Latina, o agente de saúde tornou-se, nos últimos anos, elemento importante dos cuidados de saúde voltados para a comunidade. Diversos grupos religiosos e entidades não governamentais  fazem o treinamento desses promotores de saúde. Em grande parte, os habitantes de povoados rurais ainda recorrem aos curandeiros locais, ervanários, curiosas e benzedeiras.

          Até recentemente, os Ministérios de Saúde dos países latinoamericanos não tomavam conhecimentos dessa mão de obra de amadores, ou tentavam eliminá-la. Os médicos, com sua formação pautada nos países industrializados, criados e educados na cidade, não apenas se mostravam antieconômicos em termos de custo benefício, mas também se recusavam a trabalhar na zona rural. Em vista deste quadro, tornou-se cada vez mais óbvio, nos países em desenvolvimento, que a assistência à saúde nas zonas rurais não pode ser realizada apenas por profissionais.

          Atualmente,  no Brasil,  o Ministério de Saúde lançou um programa de treinamento e utilização dos auxiliares de saúde, que desempenham um papel importante nos cuidados da saúde em comunidades  rurais e bairros periféricos.

          Em Guaraqueçaba, estão atuando 20 agentes de saúde nomeados pela Prefeitura e distribuídos em localidades diferentes sendo treinados bimensalmente pela SPVS  de acordo com o convênio feito com a  Secretaria de Sáude local.

          Esses treinamentos  tem duração de três dias, com discussão sobre os  problemas enfrentados por cada um em suas respectivas localidades, tais como: dificuldades no diagnóstico, tratamento de doenças e uso de medicamentos, horário de trabalho e remuneração salarial. Em cada treinamento são escolhidos temas básicos em saúde, visando aprimorar o conhecimento dos agentes.

          A equipe participou do 7º treinamento realizado entre 16 e 18 de maio, que contou com a participação  de 9 agentes de saúde. O assunto em questão foi sobre a saúde da mulher, envolvendo temas como: Prevenindo Riscos para a Mulher; A Família e a Mulher; Planejamento Familiar; Câncer ginecológico; Plantas Medicinais e Uso e Risco de alguns Medicamentos.

          Os agentes demonstraram grande interesse e participação, facilitados pela metodologia interativa usada durante o treinamento. Apesar disso, percebemos  algumas diferenças culturais entre os agentes, o que dificulta o processo de conscientização, uma vez que somente alguns demonstraram ser ativos o suficiente para trabalhar com a comunidade. Pudemos perceber ainda, o medo que eles possuem  ao denunciar publicamente os problemas de saúde existentes em sua comunidade, explicitado numa das atividades propostas, que era a criação  de um jornal mural. O nome  do jornal e foi escolhido por votação: Diário do Município. A cor com a qual seria escrito também foi votada.Os agentes escreveram  as ocorrências de suas localidades, sendo então fixadas num quadro de isopor. As notícias  variavam entre as realizações da prefeitura (reforma da escola em Ilha Rasa, ruas de acesso em Rio Verde, vacina para hepatite B para menores de 1 ano, posto de saúde em Tagaçaba); notícias da formação de associação de moradores e suas conquistas  (eletricidade em Tagaçaba de Cima) e sobre os acidentes ocorridos (menina de Rio verde que fraturou  o braço  e ficou com deformidade óssea após o gesso, falecimento de um homem de 42 anos no NIS-I por infarto fulminante, duas meninas de Superagui que ingeriram gardenal, ficando 1 dia desacordadas).

          Após fixadas as notícias,  foi colocado em votação o local onde deveria ficar exposto este jornal mural. Surgiram três propostas: no NIS-I, na Prefeitura e no banco. Após discutidas as vantagens e desvantagens de cada um dos locais, levou-se à votação, ficando empatadas a proposta da prefeitura e a do NIS-I.

          Apesar de tudo ter sido decidido em conjunto, os agentes de saúde não  quiseram colocar seus nomes  no jornal. No último  dia de treinamento o secretário de saúde do município e a assistente social apareceram  e leram as notícias.Percebemos então o medo estampado no rosto de cada um, especialmente quando a assistente social leu a notícia do óbito no NIS-I e perguntou, áspera, quem tinha escrito aquilo. Diante disto os agentes não queriam mais que o jornal fosse para a prefeitura.

          Esta passagem reflete bem o medo e a instabilidade de cargos a que os agentes estão expostos. Este meio bloqueia  sua atuação política enquanto promotores de saúde e implementadores de uma sociedade melhor.

          Outra  atividade importante foi a explicação sobre o plano de vigilância da mulher, no qual os agentes farão o cadastramento de todas as mulheres da sua localidade,incluindo dados de pré-natal, preventivo de câncer ginecológico e outros (ver em anexo). Desta maneira pretende-se acompanhar  a participação das mulheres nos programas de saúde referentes a ela, e o agente de saúde terá o importante papel de fazer a busca ativa das faltosas, além de promover a conscientização e dar ensinamentos sobre questões de saúde para as quais foi preparado.

          Ao final, pudemos concluir que a continuidade e eficácia deste projeto só se dará  com uma ampla integração entre Prefeitura, SPVS e a Universidade.

          Mas qual é o verdadeiro  papel do agente de saúde? Será que o agente de saúde está sendo encarado como promotor de saúde e cidadania de seu povo ou apenas como uma forma  rápida e barata de apenas remediar os efeitos nocivos de todo um sistema falho?

          Não nos pareceu que os agentes compreendessem realmente qual é sua verdadeira  atuação nas suas comunidades. Pareceu-nos que todos, órgãos governamentais, comunidade e eles próprios, enxergam os agentes de saúde como um "guardião"dos minipostos e dos medicamentos, sem nenhuma atuação efetiva. Isto se mostra claro quando eles demonstram desânimo diante, por exemplo, do cadastramento e busca ativa das mulheres para integração nos programas de saúde  do município, restringindo-se apenas a fazer pré consultas quando o médico visita o miniposto e distribuir os medicamentos.

          Encarar e tratar o agente de saúde como mero distribuidor de remédios grátis é sepultar sua verdadeira missão, que é muito maior.

          Encará-los assim é apenas substituir  o médico por uma mão de obra barata, diminuindo o ônus do Estado.

          A lei diz que promover o ato de curar sem estar legalmente licitado é crime (curandeirismo). Será  que  encarar o agente de saúde como simples repassador de medicamentos não é licitar uma nova  espécie  de curandeiros do Estado?

          Se os agentes de saúde não estão se prestando ao seu papel enquanto construtores de cidadania, de quem é a culpa então? Do Governo do Estado? Do Ministério da Saúde? Não. A culpa recai sobre todos nós que esquecemos  de lutar pelo nosso povo e por nós mesmos. Esquecemos que fazer as pequenas coisas que estão ao nosso alcance. Esquecemos de lembrar ao agente de saúde o seu verdadeiro papel.

          V - TRABALHO EM OUTRAS LOCALIDADES

          Na primeira semana do estágio foi feito um roteiro de visitas a 11 localidades do município. Esta visita seria realizada nas terças e quintas feiras com o trasporte da prefeitura municipal, onde além da equipe de estagiários iria um médico e a enfermagem para  vacinação. Dois fatos  nos chamaram a a atenção: a escasses  com que essas visitas seriam feitas, e que o  mar,  fonte de vida para a população,  traz também sério problemas, já que as comunidades só poderiam ser visitadas na maré cheia, caso contrário não haveria condições de chegar até o local (como por  exemplo Medeiros).

          Por problemas  políticos, esse roteiro não  foi comprido na sua íntegra pois,  na grande maioria das vezes,  a falta de transporte, alimentação para o pessoal da saúde  e pessoal para acompanhamento, fez com que as localidades não fossem visitadas.

          Nas poucas vezes que a equipe conseguiu fazer alguma visita, a experiência foi sempre muito gratificante.

          MASSARAPOÃ:  Abadom fez cinco visitas  a esta comunidade, que fica a 30 min da sede do município de voadeira, a última com a Jaqueline para coleta de preventivos. Possui  27 famílias, e localiza-se  no continente, porém, com  acesso somente através do mar. Não há miniposto, agente de saúde ou posto telefônico como há em Ilha Rasa,  apesar disto o nível socio-econômico é muito semelhante. As consultas eram feitas na escola ou em uma das casas dos próprios moradores locais. O que mais nos chamou atenção foi a maneira carinhosa com que eram tratados.

          ILHA DAS PEÇAS:  A localidade fica  há 1 hora da  sede do município, de voadeira. Neste local há miniposto, agente de saúde  e posto telefônico. Não fizemos atendimento na ocasião, somente conhecemos  a ilha e a população, sendo difícil ter  uma noção do local.

          TAGAÇABA DE CIMA: Localidade  do continente , há mais ou menos 40 minutos da sede do município. O que chama atenção é que muitas vezes as construções são precárias, porém existem antenas parabólicas nas casas e muitos bares. O agente de saúde comentou que a região é muito violenta.  Há miniposto no local, bem como posto telefônico e agente de saúde.

          DISPENSÁRIO DE TAGAÇABA: Localidade do continente, há 30 minutos da sede do município, com miniposto, posto telefônico e agente de saúde. Próximo ao miniposto foi construído um posto de saúde mais moderno até mesmo com sala para parto. Possui um médico recém contratado, que está  de plantão continuamente. Neste  miniposto existem vários medicamentos supérfulos e perigosos se usados sem indicação e estão sob responsabilidade do agente de saúde, como por exemplo: acetato de clomifeno, e compostos contendo hormônios masculinos.

          BARRA DO ARARAPIRA: Esta localidade é a mais distante do município. Fica na divisa com o Estado de São Paulo. Além de ficarmos impressionados  com a paisagem local, pudemos perceber uma comunidade mais organizada e com condições de vida um pouco melhores do que costumavamos ver. Nesta localidade há miniposto, posto telefônico e agente de saúde.

          VI - NOSSO PAPEL NA LOCALIDADE DE ILHA RASA

           Principal objetivo do estágio é a saúde comunitária, por isso, a princípio, o grupo se propunha a fazer medicina preventiva nas localidades. Percebemos porém que isso seria um tanto difícil, visto que a necessidade imediata da população é a cura dos problemas e, se isso lhes fosse negado, seríamos rejeitados.

          Estabelecemos portanto um plano de trabalho: pela parte da manhã atenderíamos a população no domicílio, ajudando os doentes mais idosos e com dificuldade de locomoção. Além disso,  procuraríamos fazer um trabalho de conscientização junto às comunidades para melhorar as condições de saúde da população.  À tarde ficaria reservada para consultas no miniposto local, e para as  reuniões.

          No início, como era de se esperar, a população  nos chamava para que fizessemos o atendimento nas suas próprias casas com a desculpa de que o miniposto era muito distante. Precisamos dar limites a população neste sentindo, pois tornava-se  cansativo e de baixa qualidade, visto que muitas vezes não dispunhamos de material para efetuarmos o atendimento.

          A princípio também  fazíamos a convocação para as reuniões que eram realizadas à tarde no miniposto, com temas relacionados  à saúde da mulher. às vezes usávamos outros estabelecimentos como a  escola, igreja Adventista  e até residência dos moradores.

          Era pequeno o número  de participantes em cada reunião no início do trabalho, e sua participação  dependia  de uma insistente convocação. Com o decorrer do estágio as mulheres começaram a participar mais, puderam conversar mais sobre problemas que para elas  eram tabus e até permetiram que suas filhas adolescentes tivessem uma conversa sobre sexualidade, o que no início não lhes era permitido.

          A população que buscava atendimento médico no posto era quase que exclusivamente de mulheres  acompanhadas de seus  filhos e, como já citado  anteriormente, preferiam a figura da médica  para cofiar seus problemas. As queixas eram as mais variadas e percebemos, não só através  das consultas mas como também nas visitas domiciliares, as mais diferentes patologias, desde as mais complexas como Esquizofrenia, mal formações, alcoolismo, depressão até as mais, simples na grande maioria das vezes não sentidas, como por exemplo escabiose e pediculose. A população masculina solicitava medicamento através de suas mulheres. Isso reflete não só um  comportamento machista  como também  a distribuição de tarefas entre a população. O homem,  por estar envolvido na pesca não procura  o médico. No último dia  de visita  à comunidade  um fato nos chamou a atenção:  dois homens vieram  a consulta, sendo motivo de  risos e gozação por parte das mulheres. Eles não seguiram a ordem de chegada para o atendimento e foram deixados por último nas consultas.

          Com o decorrer do estágio ganhamos a simpatia da população. Nas visitas domiciliares erámos  sempre muito bem recebidos e percebemos que se também assim não o faziam era pela figura distante e um tanto mistificada em que vem o médico. O vínculo entre os estagiários e a população se fez sentir  mais intensamente após  os dois dias que ficamos acampados  na ilha, talvez por nos sentir mais próximos e realmente preocupados com seus problemas.

          Um dos fatores que mais nos preocupou foi o  uso abusivo que a população faz do medicamento distribuído no posto. Eles esqueceram-se  dos ensinamentos de seus ancestrais, principalmente no que diz respeito a utilização das ervas medicinais. Talvez seja necessário um trabalho de conscientização junto à comunidade.

          VII - DIFICULDADES ENCONTRADAS NO ESTÁGIO:

          A primeira grande dificuldade encontrada no estágio foi o fato  de muitas vezes não dispormos  de médico para nossa supervisão quando das visitas nas outras localidades. Isso se fez sentir logo na primeira semana de estágio, quando um paciente foi a óbito por infarto  do miocárdio no posto de saúde. Esse período  foi muito difícil para a equipe, pois tivemos que repensar em todas as implicações legais que esse estágio estava exposto, como também nos conscientizamos do cuidado que teríamos que ter em lidar com cada paciente, visto que a população no geral não é receptiva a um trabalho somente preventivo. Assim ficou decidido  em supervisão com os professores do departamento de  Saúde Comunitária, que o atendimento nessas localidades, quando não acompanhadas pelo médico, seriam só de consultas básicas, doenças mais simples, pois  os próprios agentes as fazem coriqueiramente. Pacientes crônicos e casos mais graves deveriam ser trazidos para o hospital da sede do município.

          Outra grande dificuldade  sentida principalmente pelo estagiário Edilson foi a dificuldade em trabalhar com a população feminina. Era  constantemente rejeitado  devido   tabus, preconceitos e até mesmo pelo machismo, muito evidente nessas populações.

          A falta de moradia também foi um fator que nos atrapalhou um pouco, pois mudamos quatro vezes durante esses 80 dias de estágio. Quando estávamos começando a nos ambientar tínhamos que mudar.

          A falta de transporte fez com  que  grande parte do estágio fosse prejudicada, pois não pudemos ter uma visão maior das outras localidades e  analisar realmente as diferenças culturais e sócio-econômicas de cada uma.

          A dificuldade com verbas para nossos gastos básicos, como café da manhã e trasporte até o município, não foi totalmente compensada. A experiência de sentir que se está trabalhando pela comunidade, tentando fazer um trabalho sério, sem contar com remuneração para coisas básicas, quando sabe-se que neste país o dinheiro público é disperdiçado, causa muita indignação.

          As divergências políticas entre prefeitura e SPVS, por vezes também  prejudicaram nosso trabalho. Percebemos que se houvesse um maior entendimento entre os órgãos, isto somente reverteria em benefício a própria comunidade.

           A orientação no estágio por parte da UFPR também foi bastante falha. Sabemos que esta  é uma experiência nova para o departamento e  que os professores possuem várias atividades paralelas. Sugerimos então que os responsáveis pelo estágio, acompanhem mais de perto os estagiários, principalmente no início, onde muitas vezes não sabíamos que atitude tomar frente a determinadas situações.

          Para finalizar, gostaríamos de ressaltar que, apesar de todas as dificuldades acima citadas, a experiência que tivemos talvez seja única em nossas vidas e  nos fez crescer, não só como  profissionais que aprenderam a diagnosticar melhor a doença e fazer seu tratamento, mas também como seres humanos sensíveis para os problemas  da população.

     

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