IV - PROGRAMA DOS AGENTES DE SAÚDE
V - TRABALHO EM OUTRAS LOCALIDADES
VI - NOSSO PAPEL NA LOCALIDADE DE ILHA RASA
I - SELEÇÃO DOS ESTAGIÁRIOS:
O estágio eletivo em Guaraqueçaba tem 80 dias de duração e é coordenado pelo departamento de Saúde Comunitária da UFPR. Teve início em janeiro de 1995 e até então é composto por 02 equipes com 03 componentes em cada uma delas. A primeira atuou de Janeiro a abril e a segunda equipe de 06 de abril a 15 de junho.
O grupo optou pelo estágio por ter
sido estimulado pela equipe anterior e também
pelo desejo de vivenciar uma realidade diferente
do que habitualmente está acostumada a trabalhar, dentro do
hospital escola.
II - ATIVIDADES DOS ESTAGIÁRIOS
NA SEDE DO MUNICÍPIO:
Um dos acordos feitos entre a prefeitura
local e a UFPR, foi que os estagiários deveriam atender
a demanda na NIS-I
A quantidade diária de pacientes que
procuram atendimento médico é de aproximadamente
25 pessoas. Pela parte da manhã atende-se a população
da sede do município, ficando as tardes reservadas para o
restante da população. O que mais se mostrou
gratificante para o grupo foi o fato de poder acompanhar
o doente, dando uma seqüência adequada no tratamento e com
isso reforçar o vínculo médico-paciente.
Percebemos também, através da convivência
com a população, que o fato do paciente
procurar o médico no posto, na grande maioria
das vezes mascara a real condição de vida
a que está exposto. Por exemplo: No dia da consulta ele põe
a sua melhor roupa, faz sua higiene corporal e, por vergonha ou preconceitos,
pode mentir sobre sua real condição de vida.
Percebemos ainda que há uma predominância
de mulheres que buscam assistência e que estas preferem
a figura da médica (mulher) para confiar seus problemas e
de seus filhos.
Um dos pontos positivos nestes atendimentos foi
o fato de dispormos de uma grande quantidade de medicamentos provenientes
da CEME ou de outros laboratórios, dando-nos tranqüilidade
na hora de preencher a receita por saber que a aquisição
do remédio estava garantida e, com isso, grande parte do sucesso
do tratamento. Em contrapartida a falta de recursos diagnósticos
e a sua ineficiência fez com que alguns pacientes fossem prejudicados.
A convivência com os funcionários da unidade
deu-se de forma harmoniosa respeitando-se sempre o trabalho um do
outro.
O trabalho desenvolvido na creche da sede do município,
só iniciou nos últimos 30 dias de estágio. Durante
as visitas que eram feitas semanalmente, procurávamos
ajudar a resolver os problemas básicos, porém de grande incidência
nas mais de 50 crianças. São eles: escabiose, pediculose
e verminoses.
Examinávamos as crianças uma a uma, procurando
essas doenças. Caso alguma delas estivesse com outra patologia era
examinada mais detalhadamente, tratada e, se fosse o caso, encaminhada
para um serviço especializado.
Procuramos, além de tratar os problemas básicos
acima citados, conscientizar os pais a respeito da higiene e parasitoses
de seus filhos através de reuniões. Elaboramos uma carta
sobre a importância de garantir a saúde de seu filho
e sua família através da eliminação de
todo e qualquer parasita. Solicitamos ainda que colhessem amostras de parasitológicos
para avaliar os índices de verminoses nas crianças.
Outra atividade realizada neste trabalho foi a avaliação
do desenvolvimento pôndero-estatural das crianças através
de uma curva de tendências. A partir desses dados, propomos um trabalho
mais organizado, com duração maior, comparando-se, ao final,
os índices atualmente levantados com os mesmos índices após
o trabalho.
Percebemos também haver uma necessidade de treinamento
dos funcionários que alí trabalham para que estes consigam
cuidar melhor não só da saúde das crianças
bem como do seu desemvolvimento humano dando-lhes carinho, atenção
e amor.
III - ATIVIDADE EM ILHA RASA
Com o decorrer do tempo, o grupo percebeu que seria necessário
trabalhar junto a duas localidades e com elas realizar um trabalho mais
intenso. Para isso teríamos que solucionar o problema de transporte
regular semanal para essas visitas.
Em reunião com Dr. Jonatan Löschner
(médico e diretor clínico do hospital) e Marta Peña
(assistente social da SPVS), ficou decidido que a SPVS teria interesse
em que os estagiários os acompanhassem nas visitas a Ilha Rasa semanalmente
(quartas-feiras) e o Dr. Jonatan ofereceu recursos do
hospital para o transporte até a outra localidade. Localidade esta,
de preferência, deveria ser no continente, para que o
grupo percebesse a real diferença entre as comunidades, tanto econômico
como socio-culturais. Ficou ainda decidido que trabalharíamos com
as mulheres nestas localidades tendo em vista o diagnóstico de saúde
feito pela equipe anterior e por percebermos a importância
do papel feminino no contexto social de Guaraqueçaba.
As visitas a Ilha Rasa tiveram sua continuidade, pois
o transporte semanal foi rigorosamente fornecido e a população
já contava com o trabalho de consientização feito
pela SPVS. O grupo teve boa aceitação por parte da
comunidade e percebeu que o trabalho alí era fundamental visto que
a população está entre as mais carentes do município.
A orientação da assistente social Marta foi de
suma importância para a concretização deste trabalho.
O trabalho na outra localidade, devido a falta de
transporte, não pode ser efetuado.
<
A população se divide em três comunidades:
Almeida , Ponta do Lanço e Ilha Rasa.
Segundo Diagnóstico Sócio-cultural Das Comunidades
de Ilha Rasa, Medeiros de Baixo e Massarapuã (Relatório de
pesquisa - SPVS), a comunidade de Ponta do Lanço é
a que hoje se encontra em um processo acelerado de decadência, com
poucas famílias moradoras. Havia pelo menos umas quarenta famílias
moradoras há 50 anos atrás. Aos poucos esse número
foi diminuindo e na última década acelerou-se
a migração principalmente para Paranaguá.
A comunidade de Ilha Rasa, localizada na ilha do mesmo
nome, antigamente denominava-se Ponta do Lanço de Baixo. Contam
os moradores que a formação da mesma ocorreu a partir de
uma "transferência" dos moradores da Ilha das Gamelas, situada ao
lado da localidade.
Com relação ao número de famílias
residentes, poucos chegaram de fora. Alguns foram casando e permanecendo,
embora exista um número maior daqueles que já foram
embora para Paranaguá, em busca de melhores condições
de vida.
A comunidade de Almeida, localizada também
em Ilha Rasa, pelas informações da maioria dos entrevistados,
é a de reestruturação mais recente. As demais localidades
da ilha relatam que Almeida até uns vinte ou trinta
anos atrás era pequena, tendo cerca de oito a dez casas. Hoje é
a comunidade com maior número de famílias residentes, cerca
de 40 casas com duzentos moradores. Os dados de pesquisa de campo demonstraram
que não há moradores antigos (com mais de sessenta anos)
originários de Almeida. A maioria da população nasceu
e constituiu família em outra localidade e, em determinado momento,
migrou para Almeida. As principais comunidades de origem ou de passagem
destes intrevistados são: Itaqui, Taquanduva, Tromomô, Engenho,
Caçada. Sendo que Caçada e Engenho já não existem
mais.
Em Almeida, a prefeitura construiu um reservatório
de água. Entretanto, como não há água suficiente
e de qualidade na comunidade, a maioria dos moradores continua usando água
de poço, que é insuficiente e salobra. As duas outras
comunidades, Ilha Rasa e Ponta do Lanço, só dispõe
de poços para abastecerem-se de água.
Observa-se a precariedade no abastecimento de água
em todas as comunidades, sendo esta uma das maiores necessidades.
A existência de serviço adequado e eficiente é uma
das demandas principais dos moradores.
A energia elétrica é outro dos serviços
demandados pelas comunidades. Um projeto da COPEL (Companhia Paranaense
de Energia) para eletrificação de Ilha Rasa já está
pronto e os moradores cadastrados.
O saneamento básico, relativo ao destino adequado
dos dejetos é um problema dos mais graves nas comunidades.
Não há fossas e as necessidades fisiológicas são
feitas diretamente no "mato" ou em "casinhas", sem nenhum tipo de
tratamento. Este problema, conjugado a precariedade do abastecimento
de água, tem contribuído significativamente para o alto índice
de verminose presente na região. Também são
expressivos os problemas de pele observados que certamente estão
correlacionados ao quadro apresentado.
Com relação a oferta dos serviços
de saúde, há somente em Ponta do Lanço um mini-posto
que presta os primeiros socorros, dispõe de alguns medicamentos
para distribuição, auxilia nos períodos de vacinação
e serve para realização das consultas médicas. A população
conta ainda com um agente de saúde com pouca qualificação
e interesse pelo seu trabalho.
Com relação aos serviços de
educação, só Ilha Rasa não tem uma escola
para a 1º e 4º série do primeiro grau. Os professores,
em geral são de formação leiga passando por períodos
anuais de reciclagem. Atualmente a SPVS vem desempenhando um papel importante
nessas comunidades onde implantou o supletivo de 1º grau em Ponta
do Lanço, visitando as localidade duas vezes semanais.
A população conta com um posto telefônico
situado em Ponta do Lanço.
A atividade econômica das três comunidades
de maior relevância é a pesca artesanal. Almeida
se dedica mais a extração de caranguejo, e Ponta do Lanço
e Ilha Rasa à manjuba. Os pescadores reclamam da escassês
dos produtos no mar, sendo que a quantidade de peixe capturado
vem diminuindo progressivamente, bem como o preço do produto no
mercado que por vezes é insignificante. Esta e outras pequenas atividades
exercidas pela população são todas executadas dentro
de um regime de trabalho familiar.
O papel desempenhado pelas atividades produtivas e reprodutivas
da mulher no seio dessas comunidades é de extrema importância
para a produção desse modo de vida tradicional. São
elas as responsáveis pelo cuidado da família,
preocupando-se com a saúde e educação dos membros,
além de assumirem as atividades reprodutivas na unidade familiar,
não se restringindo somente ao espaço da casa (lavar roupa,
cozinhar, limpar a casa, costurar) e de seu entorno (criações,
hortas, corte de lenha, dentre outras atividades domésticas), como
também ajudando seus maridos na atividade pesqueira.
Outro ponto fundamental e que foi de relevante importância
para o êxito do nosso trabalho foi a receptividade que essa
população apresenta para mudanças, estando sempre
dispostas a ouvir ou confiar seus problemas ao seu médico, não
só relacionados à saúde.
Um dos traços que marcam as relações
entre as comunidades de pescadores artesanais é a importância
da família como unidade de produção, de consumo, de
manutenção e reprodução das relações
econônicas, sociais e culturais.
A organização social das comunidades pesquisadas
está assentada principalmente nas relações de parentesco
existentes entre as unidades familiares, sejam elas nucleares, pais e filhos,
sejam elas extensas, envolvendo avós, tios, primos, etc. Estas relações
é que tem garantido a estes grupos a solidariedade e a cooperação.
Vale lembrar ainda que as relações de compadrio e de vizinhança
entre os membros da comunidade, também se constituem como
referências.
Não há cercas ou outras marcas visíveis
que demarquem os espaços físicos, são
as unidades familiares que acabam delimitando e definindo a ocupação
do espaço social local. Quando um filho casa ou um parente próximo
chega à comunidade, que alí pretendia residir, é nas
vizinhanças dos núcleos familiares que será construída
a nova moradia. Estes espaços são legitimados pela tradição
de uso. Por este motivo a convivência numa mesma comunidade
geralmente se dá de forma harmoniosa.
Por outro lado, entre as comunidades da localidade há
uma certa rivalidade, principalmente pela questão econômica
e política. Ilha Rasa possui o melhor nível econômico
e estrutura social. Na questão do cadastramento para recebimento
de energia elétrica, foram os primeiros a se organizar. Também
foram os primeiros a formarem a Associação de Moradores
do local. Almeida, por sua vez, é a mais desorganizada e carente,
sendo a população feminina mais dependente e ociosa.Tome-se
como exemplo o comentário de uma mulher de Ilha Rasa em uma ocasião
onde foi convidada a participar de uma reunião organizada por este
estágio: "Nós, as mulher de Ilha Rasa, não podemo
participá porque nós ajuda nossos maridos na manjuba. As
mulher de Almeida que não fazem nada podem ir ".
A religião é um elemento a mais de
aglutinação da organização social, tanto
a nível da comunidade como fora dela. Normalmente são
as mulheres que definem qual igreja frequentarão e,
a partir daí, iniciam um trabalho de convencimento de outros membros
da família. Este é um espaço de domínio basicamente
feminino, embora sejam os homens que tenham a função de dirigente
de culto e responsabilidade sobre os fiéis.
A religião, ao ser a expressão de uma determinada
concepção de mundo, ao designar as regras e normas nas relações
sociais, exerce seu clássico papel de regulador ideológico
do grupo social. Também é clássica e histórica
a relação entre o poder religioso e o poder político
na sociedade humana.
O fato de Almeida possuir quatro religiões
diferentes chama a atenção. Nesta comunidade faz-se presente
as igrejas Católica, Adventista, Batista e Assembléia de
Deus. Elas refletem não só o fluxo migratório ocorrido
nos últimos vinte a trinta anos na região, mas também
trazem sérios problemas de organização. As diferenças
ideológicas de cada religião, bem como o poder que o dirigente
religioso exerce sobre a população faz com que haja sérios
confrontos.
Ilha Rasa e Ponta do Lanço tem a mesma religião,
Católica. A igreja fica em Ilha Rasa.
IV - PROGRAMA DOS AGENTES DE SAÚDE:
Em diversas regiões da América Latina, o
agente de saúde tornou-se, nos últimos anos, elemento importante
dos cuidados de saúde voltados para a comunidade. Diversos grupos
religiosos e entidades não governamentais fazem o treinamento
desses promotores de saúde. Em grande parte, os habitantes de povoados
rurais ainda recorrem aos curandeiros locais, ervanários, curiosas
e benzedeiras.
Até recentemente, os Ministérios de Saúde
dos países latinoamericanos não tomavam conhecimentos dessa
mão de obra de amadores, ou tentavam eliminá-la. Os médicos,
com sua formação pautada nos países industrializados,
criados e educados na cidade, não apenas se mostravam antieconômicos
em termos de custo benefício, mas também se recusavam a trabalhar
na zona rural. Em vista deste quadro, tornou-se cada vez mais óbvio,
nos países em desenvolvimento, que a assistência à
saúde nas zonas rurais não pode ser realizada apenas por
profissionais.
Atualmente, no Brasil, o Ministério
de Saúde lançou um programa de treinamento e utilização
dos auxiliares de saúde, que desempenham um papel importante nos
cuidados da saúde em comunidades rurais e bairros periféricos.
Em Guaraqueçaba, estão atuando 20 agentes
de saúde nomeados pela Prefeitura e distribuídos em localidades
diferentes sendo treinados bimensalmente pela SPVS de acordo com
o convênio feito com a Secretaria de Sáude local.
Esses treinamentos tem duração de
três dias, com discussão sobre os problemas enfrentados
por cada um em suas respectivas localidades, tais como: dificuldades no
diagnóstico, tratamento de doenças e uso de medicamentos,
horário de trabalho e remuneração salarial. Em cada
treinamento são escolhidos temas básicos em saúde,
visando aprimorar o conhecimento dos agentes.
A equipe participou do 7º treinamento realizado entre
16 e 18 de maio, que contou com a participação de 9
agentes de saúde. O assunto em questão foi sobre a saúde
da mulher, envolvendo temas como: Prevenindo Riscos para a Mulher; A Família
e a Mulher; Planejamento Familiar; Câncer ginecológico; Plantas
Medicinais e Uso e Risco de alguns Medicamentos.
Os agentes demonstraram grande interesse e participação,
facilitados pela metodologia interativa usada durante o treinamento. Apesar
disso, percebemos algumas diferenças culturais entre os agentes,
o que dificulta o processo de conscientização, uma vez que
somente alguns demonstraram ser ativos o suficiente para trabalhar com
a comunidade. Pudemos perceber ainda, o medo que eles possuem ao
denunciar publicamente os problemas de saúde existentes em sua comunidade,
explicitado numa das atividades propostas, que era a criação
de um jornal mural. O nome do jornal e foi escolhido por votação:
Diário do Município. A cor com a qual seria escrito também
foi votada.Os agentes escreveram as ocorrências de suas localidades,
sendo então fixadas num quadro de isopor. As notícias
variavam entre as realizações da prefeitura (reforma da escola
em Ilha Rasa, ruas de acesso em Rio Verde, vacina para hepatite B para
menores de 1 ano, posto de saúde em Tagaçaba); notícias
da formação de associação de moradores e suas
conquistas (eletricidade em Tagaçaba de Cima) e sobre os acidentes
ocorridos (menina de Rio verde que fraturou o braço
e ficou com deformidade óssea após o gesso, falecimento de
um homem de 42 anos no NIS-I por infarto fulminante, duas meninas de Superagui
que ingeriram gardenal, ficando 1 dia desacordadas).
Após fixadas as notícias, foi colocado
em votação o local onde deveria ficar exposto este jornal
mural. Surgiram três propostas: no NIS-I, na Prefeitura e no banco.
Após discutidas as vantagens e desvantagens de cada um dos locais,
levou-se à votação, ficando empatadas a proposta da
prefeitura e a do NIS-I.
Apesar de tudo ter sido decidido em conjunto, os agentes
de saúde não quiseram colocar seus nomes no jornal.
No último dia de treinamento o secretário de saúde
do município e a assistente social apareceram e leram as notícias.Percebemos
então o medo estampado no rosto de cada um, especialmente quando
a assistente social leu a notícia do óbito no NIS-I e perguntou,
áspera, quem tinha escrito aquilo. Diante disto os agentes não
queriam mais que o jornal fosse para a prefeitura.
Esta passagem reflete bem o medo e a instabilidade de
cargos a que os agentes estão expostos. Este meio bloqueia
sua atuação política enquanto promotores de saúde
e implementadores de uma sociedade melhor.
Outra atividade importante foi a explicação
sobre o plano de vigilância da mulher, no qual os agentes farão
o cadastramento de todas as mulheres da sua localidade,incluindo dados
de pré-natal, preventivo de câncer ginecológico e outros
(ver em anexo). Desta maneira pretende-se acompanhar a participação
das mulheres nos programas de saúde referentes a ela, e o agente
de saúde terá o importante papel de fazer a busca ativa das
faltosas, além de promover a conscientização e dar
ensinamentos sobre questões de saúde para as quais foi preparado.
Ao final, pudemos concluir que a continuidade e eficácia
deste projeto só se dará com uma ampla integração
entre Prefeitura, SPVS e a Universidade.
Mas qual é o verdadeiro papel do agente de
saúde? Será que o agente de saúde está sendo
encarado como promotor de saúde e cidadania de seu povo ou apenas
como uma forma rápida e barata de apenas remediar os efeitos
nocivos de todo um sistema falho?
Não nos pareceu que os agentes compreendessem realmente
qual é sua verdadeira atuação nas suas comunidades.
Pareceu-nos que todos, órgãos governamentais, comunidade
e eles próprios, enxergam os agentes de saúde como um "guardião"dos
minipostos e dos medicamentos, sem nenhuma atuação efetiva.
Isto se mostra claro quando eles demonstram desânimo diante, por
exemplo, do cadastramento e busca ativa das mulheres para integração
nos programas de saúde do município, restringindo-se
apenas a fazer pré consultas quando o médico visita o miniposto
e distribuir os medicamentos.
Encarar e tratar o agente de saúde como mero distribuidor
de remédios grátis é sepultar sua verdadeira missão,
que é muito maior.
Encará-los assim é apenas substituir
o médico por uma mão de obra barata, diminuindo o ônus
do Estado.
A lei diz que promover o ato de curar sem estar legalmente
licitado é crime (curandeirismo). Será que encarar
o agente de saúde como simples repassador de medicamentos não
é licitar uma nova espécie de curandeiros do
Estado?
Se os agentes de saúde não estão
se prestando ao seu papel enquanto construtores de cidadania, de quem é
a culpa então? Do Governo do Estado? Do Ministério da Saúde?
Não. A culpa recai sobre todos nós que esquecemos de
lutar pelo nosso povo e por nós mesmos. Esquecemos que fazer as
pequenas coisas que estão ao nosso alcance. Esquecemos de lembrar
ao agente de saúde o seu verdadeiro papel.
V - TRABALHO EM OUTRAS LOCALIDADES
Na primeira semana do estágio foi feito um roteiro
de visitas a 11 localidades do município. Esta visita seria realizada
nas terças e quintas feiras com o trasporte da prefeitura municipal,
onde além da equipe de estagiários iria um médico
e a enfermagem para vacinação. Dois fatos nos
chamaram a a atenção: a escasses com que essas visitas
seriam feitas, e que o mar, fonte de vida para a população,
traz também sério problemas, já que as comunidades
só poderiam ser visitadas na maré cheia, caso contrário
não haveria condições de chegar até o local
(como por exemplo Medeiros).
Por problemas políticos, esse roteiro não
foi comprido na sua íntegra pois, na grande maioria das vezes,
a falta de transporte, alimentação para o pessoal da saúde
e pessoal para acompanhamento, fez com que as localidades não fossem
visitadas.
Nas poucas vezes que a equipe conseguiu fazer alguma visita,
a experiência foi sempre muito gratificante.
MASSARAPOÃ: Abadom fez cinco visitas
a esta comunidade, que fica a 30 min da sede do município de voadeira,
a última com a Jaqueline para coleta de preventivos. Possui
27 famílias, e localiza-se no continente, porém, com
acesso somente através do mar. Não há miniposto, agente
de saúde ou posto telefônico como há em Ilha Rasa,
apesar disto o nível socio-econômico é muito semelhante.
As consultas eram feitas na escola ou em uma das casas dos próprios
moradores locais. O que mais nos chamou atenção foi a maneira
carinhosa com que eram tratados.
ILHA DAS PEÇAS: A localidade fica há
1 hora da sede do município, de voadeira. Neste local há
miniposto, agente de saúde e posto telefônico. Não
fizemos atendimento na ocasião, somente conhecemos a ilha
e a população, sendo difícil ter uma noção
do local.
TAGAÇABA DE CIMA: Localidade do continente
, há mais ou menos 40 minutos da sede do município. O que
chama atenção é que muitas vezes as construções
são precárias, porém existem antenas parabólicas
nas casas e muitos bares. O agente de saúde comentou que a região
é muito violenta. Há miniposto no local, bem como posto
telefônico e agente de saúde.
DISPENSÁRIO DE TAGAÇABA: Localidade do continente,
há 30 minutos da sede do município, com miniposto, posto
telefônico e agente de saúde. Próximo ao miniposto
foi construído um posto de saúde mais moderno até
mesmo com sala para parto. Possui um médico recém contratado,
que está de plantão continuamente. Neste miniposto
existem vários medicamentos supérfulos e perigosos se usados
sem indicação e estão sob responsabilidade do agente
de saúde, como por exemplo: acetato de clomifeno, e compostos contendo
hormônios masculinos.
BARRA DO ARARAPIRA: Esta localidade é a mais distante
do município. Fica na divisa com o Estado de São Paulo. Além
de ficarmos impressionados com a paisagem local, pudemos perceber
uma comunidade mais organizada e com condições de vida um
pouco melhores do que costumavamos ver. Nesta localidade há miniposto,
posto telefônico e agente de saúde.
VI - NOSSO PAPEL NA LOCALIDADE DE
ILHA RASA
Principal objetivo do estágio é a
saúde comunitária, por isso, a princípio, o grupo
se propunha a fazer medicina preventiva nas localidades. Percebemos porém
que isso seria um tanto difícil, visto que a necessidade imediata
da população é a cura dos problemas e, se isso lhes
fosse negado, seríamos rejeitados.
Estabelecemos portanto um plano de trabalho: pela parte
da manhã atenderíamos a população no domicílio,
ajudando os doentes mais idosos e com dificuldade de locomoção.
Além disso, procuraríamos fazer um trabalho de conscientização
junto às comunidades para melhorar as condições de
saúde da população. À tarde ficaria reservada
para consultas no miniposto local, e para as reuniões.
No início, como era de se esperar, a população
nos chamava para que fizessemos o atendimento nas suas próprias
casas com a desculpa de que o miniposto era muito distante. Precisamos
dar limites a população neste sentindo, pois tornava-se
cansativo e de baixa qualidade, visto que muitas vezes não dispunhamos
de material para efetuarmos o atendimento.
A princípio também fazíamos
a convocação para as reuniões que eram realizadas
à tarde no miniposto, com temas relacionados à saúde
da mulher. às vezes usávamos outros estabelecimentos como
a escola, igreja Adventista e até residência dos
moradores.
Era pequeno o número de participantes em
cada reunião no início do trabalho, e sua participação
dependia de uma insistente convocação. Com o decorrer
do estágio as mulheres começaram a participar mais, puderam
conversar mais sobre problemas que para elas eram tabus e até
permetiram que suas filhas adolescentes tivessem uma conversa sobre sexualidade,
o que no início não lhes era permitido.
A população que buscava atendimento médico
no posto era quase que exclusivamente de mulheres acompanhadas de
seus filhos e, como já citado anteriormente, preferiam
a figura da médica para cofiar seus problemas. As queixas
eram as mais variadas e percebemos, não só através
das consultas mas como também nas visitas domiciliares, as mais
diferentes patologias, desde as mais complexas como Esquizofrenia, mal
formações, alcoolismo, depressão até as mais,
simples na grande maioria das vezes não sentidas, como por exemplo
escabiose e pediculose. A população masculina solicitava
medicamento através de suas mulheres. Isso reflete não só
um comportamento machista como também a distribuição
de tarefas entre a população. O homem, por estar envolvido
na pesca não procura o médico. No último dia
de visita à comunidade um fato nos chamou a atenção:
dois homens vieram a consulta, sendo motivo de risos e gozação
por parte das mulheres. Eles não seguiram a ordem de chegada para
o atendimento e foram deixados por último nas consultas.
Com o decorrer do estágio ganhamos a simpatia da
população. Nas visitas domiciliares erámos sempre
muito bem recebidos e percebemos que se também assim não
o faziam era pela figura distante e um tanto mistificada em que vem o médico.
O vínculo entre os estagiários e a população
se fez sentir mais intensamente após os dois dias que
ficamos acampados na ilha, talvez por nos sentir mais próximos
e realmente preocupados com seus problemas.
Um dos fatores que mais nos preocupou foi o uso
abusivo que a população faz do medicamento distribuído
no posto. Eles esqueceram-se dos ensinamentos de seus ancestrais,
principalmente no que diz respeito a utilização das ervas
medicinais. Talvez seja necessário um trabalho de conscientização
junto à comunidade.
VII - DIFICULDADES ENCONTRADAS NO ESTÁGIO:
A primeira grande dificuldade encontrada no estágio
foi o fato de muitas vezes não dispormos de médico
para nossa supervisão quando das visitas nas outras localidades.
Isso se fez sentir logo na primeira semana de estágio, quando um
paciente foi a óbito por infarto do miocárdio no posto
de saúde. Esse período foi muito difícil para
a equipe, pois tivemos que repensar em todas as implicações
legais que esse estágio estava exposto, como também nos conscientizamos
do cuidado que teríamos que ter em lidar com cada paciente, visto
que a população no geral não é receptiva a
um trabalho somente preventivo. Assim ficou decidido em supervisão
com os professores do departamento de Saúde Comunitária,
que o atendimento nessas localidades, quando não acompanhadas pelo
médico, seriam só de consultas básicas, doenças
mais simples, pois os próprios agentes as fazem coriqueiramente.
Pacientes crônicos e casos mais graves deveriam ser trazidos para
o hospital da sede do município.
Outra grande dificuldade sentida principalmente
pelo estagiário Edilson foi a dificuldade em trabalhar com a população
feminina. Era constantemente rejeitado devido tabus,
preconceitos e até mesmo pelo machismo, muito evidente nessas populações.
A falta de moradia também foi um fator que nos
atrapalhou um pouco, pois mudamos quatro vezes durante esses 80 dias de
estágio. Quando estávamos começando a nos ambientar
tínhamos que mudar.
A falta de transporte fez com que grande parte
do estágio fosse prejudicada, pois não pudemos ter uma visão
maior das outras localidades e analisar realmente as diferenças
culturais e sócio-econômicas de cada uma.
A dificuldade com verbas para nossos gastos básicos,
como café da manhã e trasporte até o município,
não foi totalmente compensada. A experiência de sentir que
se está trabalhando pela comunidade, tentando fazer um trabalho
sério, sem contar com remuneração para coisas básicas,
quando sabe-se que neste país o dinheiro público é
disperdiçado, causa muita indignação.
As divergências políticas entre prefeitura
e SPVS, por vezes também prejudicaram nosso trabalho. Percebemos
que se houvesse um maior entendimento entre os órgãos, isto
somente reverteria em benefício a própria comunidade.
A orientação no estágio por
parte da UFPR também foi bastante falha. Sabemos que esta
é uma experiência nova para o departamento e que os
professores possuem várias atividades paralelas. Sugerimos então
que os responsáveis pelo estágio, acompanhem mais de perto
os estagiários, principalmente no início, onde muitas vezes
não sabíamos que atitude tomar frente a determinadas situações.
Para finalizar, gostaríamos de ressaltar que, apesar
de todas as dificuldades acima citadas, a experiência que tivemos
talvez seja única em nossas vidas e nos fez crescer, não
só como profissionais que aprenderam a diagnosticar melhor
a doença e fazer seu tratamento, mas também como seres humanos
sensíveis para os problemas da população.
Esta página é vinculada àPegue já a sua gratuitamente | Clique aqui para fazer o download do ICQ - o melhor jeito de entrar em contacto com seus amigos na Rede, não importa onde eles estejam! |