A metadona é usada como substituta da heroína, em tratamentos orientados quer para a abstinência (cura de redução) quer para a manutenção. A metadona aparenta ter resultados que não são inferiores aos do Librium no tratamento medico da do síndroma de abstinência. (Nota 17)
A ideia de substituição e paragem não é particularmente moderna: um decreto real feito pelo segundo rei da Tailândia em 1908 sugeriu um processo de auto tratamento para a dependência de ópio, o qual consistia em diminuir gradualmente a dosagem diária até que a abstinência completa fosse alcançada. (Nota 18)
O método de fornecer metadona a viciados de heroína foi descoberto por Dole e Nyswander, e foi baseada numa teoria somaticomedicinal: o consumo de heroína parece produzir uma distúrbio metabólico que faz com que o uso futuro de heroína ou outros opiáceos seja uma necessidade.
Pelo fornecimento de metadona, que deve corrigir este distúrbio e bloquear o efeito eufórico da heroína, os pacientes devem ser capazes de viver normalmente (Notas 19, 20). Os resultados do tratamento revelaram-se impressionantes (Notas 21, 22, 23). Pelo menos existe uma tratamento medicinal para o vicio da heroína direccionado para a melhoria das condições de vida: a manutenção de metadona.
A razão para este tratamento era e ainda é o facto do fornecimento da metadona reduzir a criminalidade e permitir aos viciados em heroína possuir uma vida social produtiva, ou, como foi dito num recente folheto Holandês, o objectivo da administração de metadona permite ao consumidor viver sem o consumo de substancias ilegais se sem os riscos relacionados, como a criminalidade, doenças infecciosas, etc. (Nota 24).
Como já foi dito, as expectativas em relação aos resultados do fornecimento de metadona parecem ter sido ultrapassadas pelo que realmente aconteceu: a avaliação do programa de Dole feita por Gearing (Nota 22, 23) mostrou que 50 a 80% dos pacientes regressaram à vida social produtiva.
Já o instituto Trimbos (Nota 25) o qual, já em 1971, visitou o programa de Dole & Nyswander em Nova York, tinha as suas duvidas. Quando o vicio era resultado de deficiências de carácter, o tratamento pela metadona apenas mascarava esses defeitos, e deste modo era apenas uma forma barata de apresentar sucessos. Dole e Nyswander rejeitaram o comportamento sociopata pré mórbido como a causa do vicio e o Trimbos sentiu-se mais ou menos obrigado a segui-los, impressionados com os dados que lhes foram fornecidos, se bem que se tenham mantido vigilantes e perderam "a atenção para a sociogenese da doenças do vicio". As suas duvidas podem ser lidas nas entrelinhas. Para além disso, assim que os receptores opiáceos foram descobertos por Kosterlitz em 1972, foi, é claro, fácil de evitar ambas as proeminentes posições da altura. Em 1972, Maddux e Bowdon (Nota 26) avançaram com fortes criticas ao tratamento com metadona. Eles afirmaram que: 1) a substituição da heroína pela metadona é em si mesma olhada como um sucesso, 2) a redução do comportamento criminoso não é demonstrado claramente nos dados publicados, 3) o numero propalado daqueles que trabalham é apenas 15% superior em média aos programas de tratamento por abstinência, e não é de forma alguma claro que estes 15% se devem à metadona. Eles classificaram os relatórios sobre o sucesso dos tratamentos com metadona com ambíguos e exagerados.
Preble, (Nota 27) a quem as suas próprias observações no terreno deram uma perspectiva distintamente menos agradável que os resultados apresentados por Gearing, mostrou que os números de Gearing eram provenientes dos programas e que por sua vez eram baseadas em informações, não verificadas, dadas pelos próprios pacientes. Como Gearing não verificou por si próprio como é que os seus pacientes se comportavam, os seus dados são deste modo totalmente incertos. O próprio Preble descreveu o comportamento dos chamados "pessoas socialmente produtivas" da seguinte forma: "eles vão buscar a sua metadona e o cheque da segurança social, pagam a renda, compram comprimidos e bem álcool", uma imagem que na Holanda dos anos 80 se tornou bastante familiar. Apenas 14% da população investigada por ele usou a metadona como era devido, ou seja, permanecendo abstinente de todas as outras drogas, não se envolveu em actividades criminosas e estava a trabalhar. Para além disso, Haddox e Acobson (Nota 28) indicaram logo em 1972 que é possível prever quando é que os tratamentos de manutenção dão resultados validos, ou não, com a ajuda de testes psicológicos.
Até agora, abordamos a história da administração de metadona nos Estados Unidos. Na Holanda poderemos observar um desenvolvimento completamente diferente. Na Holanda, no fim dos anos 60, os viciados em ópio também foram tratados pela primeira vez com metadona, procedimento que foi alargado após a introdução da heroína em 1972, mas em contraste com os programas americanos, na Holanda o programa era de redução, no qual as doses eram mantidas em níveis mais baixos. Contudo a reincidência após o fim do tratamento tornou-se a regra em vez de ser a excepção, seguindo-se a readmissão no programa para uma nova cura. Esta pratica cresceu numa espécie de padrão aos ziguezagues; não existia manutenção, mas sim uma serie de reduções graduais na dosagem alternadas com subidas súbitas.
Em 1977, a Stichting Kontakt Sentra de HUK iniciou um programa de manutenção com um baixo nível de entrada para os seus clientes, os quais já conhecia antecipadamente devido aos anos de observação que o precederam.
"Com esta assistência, nós esperamos potenciar as circunstancias nas quais o papel da heroina na vida do viciado terá menos ênfase (humanizar), em que os ritmos da vida do consumidor se tornarão mais regular, e sendo assim, o acesso a mais ajuda será incrementado e todos os tipos de actividade (trabalhar, viver fora de Amsterdão, sadias em grupos, etc.) poderão ser realizados mais facilmente." (Nota 29) Com o chamado "baixo nível de entrada" como característica do programa, deve ser notado que se refere primariamente à exigência que é feita dentro do programa por aqueles que dele fazem parte, enquanto que a admissão no programa era extremamente difícil, e orientada apenas para os viciados bastante problemáticos.
Os objectivos deste programa eram bastante diferentes quer dos programas de manutenção dos Estados Unidos, quer dos programas graduais de desintoxicação e re-socialização.
A crença de que um junkie tomando metadona se torna num respeitável cidadão, conforme exposto por Dole & Nyswander, a qual ainda parece sobreviver em alguns círculos, foi em todos os casos preterida.
O conceito de tratamento desapareceu. Outros sugeriram um novo, igualmente com uma perspectiva de orientação médica, para tomar o seu lugar. Foi baseado no conceito de auto-medicação. Nesta visão, o fornecimento de metadona é visto como um remédio dado de acordo com as indicações psiquiátricas: a metadona como um anti-psicótico ou, e, importante tranquilizante.
Esta situação é bem ilustrada com o principio da administração "básica", formulado por W. G. Mulder, no principio dos anos 80 e com base na epidemiologia. Esta tornou-se na directriz para a política da metadona de Amsterdão. O mote, combinado com os mais elementares cuidados médicos era, "vem, engole e vai". Dentro deste sistema não existia lugar para outros tipos de intervenções destinadas à reabilitação, e se os clientes o quisessem, teriam de o procurar noutro local. Os políticos de Amsterdão traduziram isto (sem visão médica) como o principio do "o cão não morde a mão que o alimenta", ou "nós damos-te para que nos dês, o que quer dizer que o junkie recebe a sua metadona para que ele se comporte de forma mais social.
O erro neste pensamento é que por um lado o junkie deseja alterar o seu comportamento, enquanto é claro desde há muito que o consumo de heroina dá um sentido à vida do viciado (Notas 30, 31), e por outro lado, tem a expectativa de que a metadona oferecida se aproxime da desejada heroina. Mas o junkie que procura lugar no programa de metadona não o faz por desejo de tratamento com o objectivo de modificar o comportamento que ele próprio tenta, mas como uma intervenção farmacológica de emergência, á qual ele recorre apenas quando é incapaz de sobreviver de forma independente. Ele não pretende acabar com os consumos, mas ele não a consegue e por um período longo ou curto continua da maneira como tem procedido; ele é demasiado velho, demasiado cansado, e demasiado fraco. (Nota 32, 33)
Quer os programas de desintoxicação regulares quer os programas orientados apenas para os consumidores de drogas extremamente problemáticos, tem em comum a visão de que o fornecimento de metadona é apenas uma parte do tratamento total destinado à reabilitação. É irónico notar que o que pretendem prevenir com o administração básica com um baixo limiar é precisamente o que acontece na Holanda. Mas no já mencionado artigo de Preble (Nota 30) e no artigo de Soloway (Nota 32), os efeitos dos programas de manutenção alargados e de fácil acesso, eram já claros nos aos setenta. Debaixo destas circunstancias, a administração de metadona é meramente paliativa. Exactamente tudo o que foi descrito nessa altura aconteceu durante os anos 80 na Holanda. Nós não aprendemos quando nos é dito, mas sim pela experiência.
Oferecer metadona aos viciados nas suas mais variadas formas continua a ser encarado como um tratamento médico, uma intervenção farmacológica. A pratica dá-nos uma outra visão. O fornecimento básico sem um programa de tratamento estruturado orientado para a reabilitação não é de forma nenhuma um tratamento.
Quem continua a prescrever uma terapêutica quando se apercebe que não funciona? Existem poucas duvidas possíveis em relação ao facto de que numa proporção considerável de utilizadores, a metadona não conduz a uma reabilitação social significativa, conforme descrita por Dole & Nyswander.
Acima de tudo isto, a pratica ensina-nos que o fornecimento de metadona vincula "para a vida" a maioria dos pacientes. Não que exista algo contra a situação caso funcionasse, mas é visível que não funciona.
Existe até um pobre pensamento (poorly thougtout) pronunciado por um tribunal Holandês, segundo o qual a metadona é um direito do viciado. É claro que todos os cidadãos Holandeses tem o direito à assistência médica, e que esse direito está definido nos estatutos dos seguros de saúde. Mas de qualquer modo as companhias de seguros na área da saúde, de forma absolutamente correcta recusam-se a pagar (os mais ou menos básicos) programas de metadona, já que a metadona fornecida na Holanda não é na generalidade um tratamento medicinal. A metadona é fornecida pelo governo como um estimulante subsidiado para todos os junkies.
Outro dos modelos que vale a pena considerar é a combinação do fornecimento com a mudança: a metadona será fornecida apenas enquanto o paciente mantenha um comportamento correcto. Esta será uma aplicação racional do principio "o cão não morde a mão que o alimenta", de acordo com o modelo americano de Dole & Nyswander, mas sujeito a um estrito controlo individual. Se alguém inserido no programa falhar, como por exemplo, arranjando problemas com a policia, ele terá de esperar, por exemplo, 2 anos antes de lhe ser permitido começar de novo. Nesta perspectiva já não se está a falar de um tratamento medico, mas sim de promover um determinado comportamento funcional observado do ponto de vista dos agentes da autoridade. O numero de participantes nesta espécie de programa não será maior do que 5% dos abrangidos pelos actuais programas de metadona.
Em 1984, o De Mug (um jornal Holandês para os desempregados) (Nota34), sugeriu que a metadona pode ser utilizada de modo puramente medicinal, e desse modo orientada para o tratamento. Podemos assumir com segurança que não mais de 10% do numero de pacientes poderiam ser elegíveis para esse tratamento. Em todos os casos, a administração de metadona continua uma possibilidade enquanto parte de um tratamento integrado, no qual objectivos concretos e pontos de controlo têm de ser alcançados num determinado período. No caso de falhanço, a metadona pode ser rapidamente abandonada.
A administração básica enquanto função médica está agora a ser estendido como um engodo, particularmente no que se refere á SIDA, mas assim é como se as pessoas fossem presas a uma duradoura cadeia farmacológica da qual é mais difícil de se libertar do que da heroina. Seria mais lógico no que respeita à SIDA, legalizar a heroina. Participar num programa de metadona não parece de forma nenhuma incrementar o sentido de responsabilidade, o qual é no fundo o principal ponto que diz respeito à SIDA, já para não falar da re-socialização.
É claro que a metadona, ou a morfina, podem ser administradas por via endovenosa como um tratamento paliativo (por exemplo em viciados que sofrem de SIDA), mas isto é também possível com heroina.
O leitor pode ser perdoado por pensar que o autor deste texto se opõem à metadona. O que contudo não é o caso. O autor não se opõem à metadona nem mais nem menos que à heroina e outras drogas. Mesmo que o objectivo original da administração de metadona, que é transformar os crimes sobre a propriedade em atitudes desnecessárias para satisfazer a necessidade de opiáceos, não tenha alcançado um numero significativamente alargado dos viciados, o fornecimento médico, e legalizado, de metadona não teve apenas um efeito positivo no mercado de heroina, mas também teve um impacto na epidemia da SIDA.
Não, o autor é contra a hipocrisia que existe nos fundamentos da administração de metadona. A conclusão inevitável é que a administração de metadona na Holanda não teve em muitos casos, qualquer objectivo medicinal ou cientifico, e está assim em conflito com a lei do ópio, e na realidade é mantida de forma a prejudicar a lei.
Este é, como é evidente, um assunto sério. O autor já
anteriormente defendeu a abolição da lei do ópio (Nota 35), já que a abordagem penal
ao abuso de substancias não provou ser um sucesso indiscutível.
O vicio é suficiente mau sem que se transforme um viciado num
criminoso. Esta observação compele-nos a perguntar se estamos
de facto contentes com o "difícil consenso" entre os
médicos e os agentes da autoridade, os quais em grande parte
decidem a forma como a actual política da metadona é aplicada.
É bom agarrar os buracos na lei do ópio, mas abolindo-a então,
ou isso não será possível devido ás consequências
"internacionais", ao menos admita-se que se está a
tornear a lei, por exemplo removendo todo o rigor que envolve as
drogas: dando a cada junkie um cartão de credito que ele
apresenta na farmácia local para obter a desejada substancia em
vez de se dirigir a um "drug helper". E deixando-o
pagar pelo seu cartão de crédito de modo a que ninguém consiga
os seus "chutos" por nada.
O problema da criação de dependência levou a pesquisa de substancias com os efeitos analgésicos da morfina mas que não possuíssem os seus efeitos viciantes. O primeiro resultado dessas pesquisas foi a nalorfina, um antagonista opiáceo que pode ser utilizado para o tratamento de uma overdose aguda de opiáceos.
Esta substancia bloqueia os receptores opiáceos, de modo que eles não podem ser estimulados pelos opiáceos. Ela tem de ser administrada com cuidado: uma overdose provoca um síndroma de abstinência agudo nos viciados nos opiáceos. Como sempre, a nalorfina também provou ter algum efeito enquanto um agonista opiáceo, e em consequência um assunto de maiores pesquisas.
A substancia seguinte foi um antagonista completo: naloxon.
Este antagonista genuíno não tem praticamente nenhum efeito,
excepto após o uso de opiáceos. Pouco tempo depois foi
desenvolvido o naltrexon. Esta substancia tem os mesmos
efeitos que o naloxon mas é mais apropriada para a
administração oral e tem um período de efectividade mais
alargado. Estas substancias bloqueiam completamente o efeito dos
agonistas opiáceos sem que qualquer efeito secundário
apreciável. A substancia é virtualmente isenta de toxicidade.
Se o naltrexon for administrado em doses suficientes (120 mg, 3
vezes por semana), os efeitos da heroina são completamente
contrariados. A base farmacológica para a terapia com naltrexon,
a qual foi proposta nos Estados Unidos e está também a ser
considerada na Holanda está fora de discussão. Já que a
blocagem é competitiva, doses elevadas de heroina podem
ultrapassar o naltrexon. Contudo, isto parece irrelevante: as
elevadas quantidades de heroina necessária são demasiado
dispendiosas, e é mais fácil tomar naltrexon uma vez do que
continuar os consumos de heroina. Não existe deste modo qualquer
atractivo na manutenção do naltrexon para aqueles que não
pretendem viver uma vida limpa, mas é útil para aqueles que o
pretendem. O naltrexon pode proteger este grupo contra as
situações imprevistas, nas quais eles podem sucumbir a uma
tentação súbita ( o regresso de um antigo amigo do meio, etc.)
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ou
O que é perseguir o dragão?
(C) 1995 DrugTexT Web Lab
Tradução do texto disponível no Drugtext website.
Publicado com o consentimento da DrugText.
Setembro de 1997