por Dr. Antonio Teleginski
INTRODUÇÃO
Quando a Vila de São Vicente desapareceu pela fúria das águas movidas por uma gigantesca ressaca ou por um maremoto, o lugar escolhido pelos antigos para a construção da nova Matriz foi a Pça. João Pessoa. A nova Matriz, de taipa e pilão, foi inaugurada em 1545.
Pela força das águas, a barra de São Vicente e seu porto de mar também foram desaparecendo, conforme muito bem relatou o ilustre Professor e Prefeito Jonas Rodrigues, em sua brilhante palestra do dia 16 de janeiro de 1996.
Por isso é que, em 1585, escrevia Anchieta:
São Vicente fora antigamente, porto de mar, mas depois, com a corrente das águas e de terras do monte, se tem fechado o canal, nem podem chegar as embarcações por causa dos baixios e arrecifes. (Porto Seguro - I Vol. pág. 155) Fernão Cardim - Tratado da Terra do Brasil pág. 315/316), diz que São Vicente Foi rica, agora é pobre por se fechar o porto do mar e a barra antiga.
ANTONIO RODRIGUES, MESTRE COSME (Bacharel) e JOÃO RAMALHO, foram os primeiros moradores portugueses em São Vicente, aqui desembarcados em 1493, da esquadra de Francisco de Almeida.
Para comprovar essa teoria, apraz-me trazer o precioso depoimento do escritor vicentino, Frei Gaspar da Madre de Deus em Memórias para a História da Capitania de São Vicente pág. 232.
(Frei Gaspar nasceu em Samaritá no dia 03/05/1715, morreu em Santos em 28/01/1800).
Diz o escritor: - Eu tenho uma cópia original do testamento de João Ramalho, escrito nas notas da Vila de São Paulo pelo Escrivão Lourenço Vaz aos três de maio de 1580.
Segundo Frei Gaspar, João Ramalho declarou naquela oportunidade que residia no Brasil, havia alguns 90 anos. Repetiu por duas vezes essa afirmativa sem que nenhum dos presentes lhe dissesse que se enganava na contagem do tempo, porque sabiam que dizia a verdade.
Afirma o escritor vicentino, que João Ramalho viera com Antonio Rodrigues. Ramalho era casado com Bartira, filha de Tibiriçá, e Antonio Rodrigues, com uma das filhas do cacique Piquerobi. Consta que Piquerobi residia na Vila de São Vicente.
Mestre Cosme (Bacharel) era dono das terras do Japuí e do Porto das Naus, onde construiu um estaleiro, conforme se infere da Escritura lavrada em São Vicente pelo escrivão Antonio do Vale em 1542. Essas terras foram, posteriormente, doadas por Pero Correia à Confraria do Colégio dos Meninos de Jesus, dirigido pelos Jesuítas.
Esses portugueses foram trazidos na armada secreta enviada por D.João II, logo depois do descobrimento de Cristóvão Colombo.
É por isso que o Porto de São Vicente consta do mapa de Américo Vespúcio feito em 1501 e, com esse nome, era conhecido na Europa, em 1502, conforme abundante documentação.
Os primeiros moradores exerciam o comércio com os aventureiros que para cá vinham, fornecendo-lhes farinha de mandioca, milho, carne, frutas, água, artefactos de couro , recebendo em troca, roupas, armas e ferramentas.
Nessa época já se comercializavam escravos índios pelo Porto de São Vicente, que chegou a ser conhecido também, como Porto dos Escravos. Temos conhecimento, através da Varnhagem, que a nau denominada Bretos, que saiu de Lisboa em 22 de fevereiro de 1511, levou de São Vicente para mais de 30 índios cativos, tendo retornado com essa carga a Lisboa, em outubro do mesmo ano.
Mestre Cosme, Bacharel, possuía um estaleiro no Porto das Naus. Em 1527, ele construiu um bergantim que vendeu a Diogo Garcia, contratando com ele o envio de 800 escravos índios para a Espanha.
Os índios prisioneiros de guerra eram reduzidos à escravidão. Por isso, João Ramalho e Antonio Rodrigues estimulavam os respectivos sogros a promover a guerra com as tribos vizinhas.
Essa prática tornou-se o maior flagelo do Brasil. A Capitania de São Vicente forneceu escravos índios, em grande quantidade para os Senhores de Engenho do Nordeste. Havia traficantes de escravos, no inicio do século XVII que mantinham em estoque 1.500 a 2.000 índios, dentre esses, o próprio Amador Bueno da Ribeira, ilustre morador da Vila de São Vicente.
A luta dos Jesuitas contra a escravização dos índios valeu-lhes a expulsão do Brasil, no tempo de Pombal, com requintes de perversidade.
SÃO VICENTE PRECURSORA DA INDÚSTRIA.
A luta insistente dos portugueses pelo domínio dos mares, tinha um objetivo puramente comercial:a busca de riquezas e o domínio do comércio das especiarias que se produziam nas Índias e no Extremo Oriente - pimenta, cravo, canela, açúcar etc., artigos de alto luxo e muito caros na Europa. Vinham pelo Mediterrâneo, tendo os árabes e os turcos, como intermediários. Com a queda de Constantinopla, essa rota tornou-se difícil e vinha sendo explorada somente pelos italianos de Veneza. Os esforços dos portugueses foram coroados de êxito, a partir do descobrimento do novo caminho para as Índias, por Vasco da Gama em 1497.
Nesse tempo, os Portugueses já plantavam cana de açúcar na Ilha da Madeira e em S.Tomé. Contrataram um técnico veneziano. A partir daí, sua produção de açúcar aumentou, e com a importação da Índia pela circunavegação da África, os portugueses conseguiram fazer com que o preço das especiarias, em Lisboa, fosse reduzido pela metade do que era praticado pelos italianos. Com isso, monopolizaram o comércio de açúcar no mundo.
O cultivo da cana em São Vicente foi iniciado entre 1515/1520. No diário de Fernão de Magalhães, consta que já se plantava cana no ano de 1520. Nesse período, foram trazidos ao Brasil através de São Vicente, o gado e os cavalos.
Narra Vasconcelos que dos engenhos saíram canas para as outras capitanias, assim como também sairam desta São Vicente, as éguas, vacas e ovelhas que se propagaram em todas as demais.
Verifica-se dai, que São Vicente foi a "cellula mater" da economia do Brasil.
As pesquisas indicam que os índios brasileiros são sadios porque adotam uma dieta alimentar balanceada, das mais perfeitas do mundo.
A mandioca, o milho, o arroz, o algodão e vários espécies de batatas, eram conhecidas dos índios. Industrializavam a farinha de mandioca, produziam, também, variado artesanato. Na industrialização da mandioca, os brancos adotaram as técnicas indígenas, melhorando, apenas, o enchugamento da polpa, substituindo em parte o tipiti, pela prensa de lagar.
O algodão nativo passou a ser cultivado. Com isso, teve início, em São Vicente, a indústria caseira do pano. Nesse pormenor, as técnicas dos brancos prevaleceram sobre as nativas, embora os índios e os mestiços fossem os tecelões mais hábeis da capitania. Em 1578 a câmara de São Paulo determinou aos tecelões que não fizessem pano de algodão de menos de três palmos e meio de largura, a não ser com licença municipal.
Confeccionavam-se em São Vicente redes, franjas, chapéus, bem como, trabalhava-se o couro, confeccionando-se sapatos, sandálias e botas. Narra o Pe. Anchieta, que os índios faziam do couro de anta uma espécie de colete à prova de flechadas.
O trigo foi, largamente, plantado em São Vicente, segundo dão conta numerosos documentos da época. A industrialização do trigo, era, todavia, dificultosa.
Nessa época, segundo documentos, foi introduzido o monjolo, no Brasil, que deu ensejo à produção do fubá e da canjica.
O arroz foi plantado em grande escala e seu beneficiamento era feito em pilões, usados, ainda, no interior.
A criação de gado, cavalos ovelhas, cabritos e outros animais europeus teve início em 1520. Segundo registrou Aurélio Porto, foi de São Vicente que a criação do gado estendeu-se para o Sul até o Paraguai (1555), Uruguai e Rio da Prata. Daqui o gado foi levado para a Bahia e para outras capitanias do Nordeste.
Na direção do Oeste chegaram os currais de gado a Goiás e Mato Grosso. No futuro território das Minas Gerais, antes da Mineração, eram conhecidas as manadas de gado dos criadores de São Vicente (pág. 94). Era a chamada civilização do couro. Lugares onde eram apenas as pousadas dos tropeiros, tornaram-se cidades como Campinas, SP, Campo Grande MS, Campos RJ e Vacaria RS, dentre outras, todas, porém, com origem na expansão territorial do gado.
Capistrano de Abreu, Eugênio de Castro e outros historiadores realçam a função histórica do gado na penetração do interior e na fixação de suas populações, como na formação da unidade nacional, pela aproximação dos brasileiros do Norte e do Sul.
A criação do gado ensejou emprego aos índios e mamelucos que se tornaram excelentes boiadeiros, dada sua natural tendência à vida livre. Favoreceu, também, as migrações internas pela criação, transporte e comércio do gado.
Diz Fernando de Azevedo que em fins de 1.600, no século XVII havia mais de cem paulistas com fazendas de gado no alto São Francisco.
Frei Gaspar da Madre de Deus admite que em 1532, já existiam engenhos de açúcar em São Vicente. Dentre eles, menciona o da Madre de Deus, de Pero Góis, o de São João, dos irmãos Adorno sendo o terceiro, o Engenho do Sr. Governador, que em seguida passou a chamar-se Engenho dos Armadores e por fim, São Jorge dos Erasmos, por ter sido vendido ao alemão Erasmo Scheter. Havia, ainda, engenhos em Santos e um, na Ilha de Santo Amaro. Tinham engenho de açúcar em São Vicente, em 1534 Estevão Pedrozo, Jerônimo Leitão, Salvador do Vale e os Guerra.
João Antonio Andreoni, padre Jesuíta, em Cultura e Opulência do Brasil descreve as duas categorias de engenho:
Quem chamou as oficinas em que se fabrica o açúcar, engenhos, acertou, verdadeiramente, no nome. Porque, quem quer que as vê é obrigado a confessar que são uns dos principais partos e invenções do engenho humano, pelo seu modo admirável de se produzir o açúcar".
"Dos engenhos, uns são reais, outros, engenhocas. Os reais ganharam esse apelido porque são bem aparelhados, dispondo de grande número de escravos, com canaviais próprios e outros subsidiários e principalmente por terem a realeza de moerem com água, a diferença dos outros que moem com cavalos ou bois e são menos aparelhados e com poucos escravos.
Os engenhos reais produzem excelente açúcar; as engenhocas produzem açúcar de qualidade inferior, cachaça e melado".
Antes de haver engenho em qualquer outro lugar do Brasil, SãoVicente conheceu várias categorias de engenhos. Daqui se espalhou a industrialização da cana, pelo Brasil.
Martim Afonso de Souza fundou, em São Vicente, em 1534, uma sociedade mercantil denominada ARMADORES DO TRATO.
Essa empresa era formada pelos senhores de engenho de São Vicente.
Monopolizou a comercialização de todos os produtos importados. Impôs aos pequenos produtores, o preço do açúcar e monopolizou a exportação dos produtos da terra, especialmente do açúcar. O açúcar era a moeda corrente em São Vicente. Os salários eram determinados pelos Senhores de Engenho, agora, detentores dos poderes mais expressivos sobre a sociedade local. Obtiveram os Senhores de Engenho, inclusive, títulos de nobreza que a cana real lhes outorgava.
As medidas não agradaram ao povo, que, paulatinamente, abandonou o litoral e subiu a serra fazendo com que Piratininga crescesse com o esvaziamento do Litoral.
A partir daí, a hegemonia do açúcar passou para o Nordeste, especialmente, Bahia e Pernambuco.
O que se deve aqui reconhecer é o fato de que as grandes iniciativas para o engrandecimento do Brasil, tanto no campo espiritual como no material, tiveram seu início nesta humilde e pobre cidade de São Vicente, que muito nos orgulha.
Dr. Antonio Teleginski.
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