Texto de Referência nº 1
Cidadania Digital: Hipermídia e Democracia na Sociedade da Informação
Paulo C. Cunha Filho & Rômulo César Pinto
Resumo
Este artigo propõe uma analise da superação da comunicação interativa
restrita (ponto a ponto, oral, interpessoal) e da comunicação de massa
(poucos pontos de difusão e múltiplos pontos de recepção, não interativa) e a
transição para um novo ambiente comunicacional reunindo os avanços da telefonia
e da informática o ciberespaço. É observada, especificamente, a
possibilidade de organização de comunidades virtuais e de novas oportunidades de
modelagem das relações Estado-Sociedade e seus reflexos nas negociações entre governos
e indivíduos. A hipótese central é que a mídia tradicional pratica um discurso
unificado e não plural, enquanto a instalação do ciberespaço aponta novas
oportunidades democráticas para os grupos conectados e para novas responsabilidades do
Estado e da Sociedade Civil.
1 Introdução: o Estado e a instalação do ciberespaço
As profundas transformações que as novas tecnologias da informação vêm produzindo nas
sociedades contemporâneas afetam também, e particularmente, o Estado e as suas
relações efetivas com os cidadãos. A organização de comunidades virtuais, observadas
a partir da instalação social do espaço cibernético das redes de computadores,
oferece, no presente momento histórico, novas oportunidades na modelagem das relações
Estado-Sociedade - privilegiando seus reflexos nas negociações entre governos e
indivíduos. O que se pretende com esse artigo é fazer uma análise algumas dessas
oportunidades a partir de alguns parâmetros da Ciência Política e da Comunicação
Social.
A idéia de Democracia remete, obviamente, à participação dos indivíduos no processo
político que determina a formação das estruturas de Estado. Nas democracias
contemporâneas, os cidadãos se fazem representar por seus eleitos a quem delegam poderes
de decisão sobre os rumos de uma nação. Apesar de sua concepção remontar à Grécia
antiga, esse modelo de democracia sobreviveu na sociedade industrial graças ao suporte
que lhe foi dado pelos instrumentos tecnológicos, alguns deles responsáveis pela
circulação de informações, isto é, os media. Jornais, rádios e mais
recentemente as TVs cansaram de "eleger" e "derrubar" governos ao
redor do mundo no século XX.
Conhecidos como meios de comunicação de massa, esses media caracterizam-se
por seu modo linear e vertical de fazer circular as informações, com pouquíssimas
oportunidades de feed-back para a grande maioria dos indivíduos, aos quais foi
retirado o poder de narrar, de emitir um juízo ou, sob um outro ponto de vista, de
abordar um representante eleito ou o mandatário de um cargo público. Não se trata de
negar aqui os benefícios que eventualmente os media ofereçam à sociedade, mas de
ressaltar dois aspectos fundamentais:
o monopólio da narrativa | |
a intermediação das informações |
Estes dois aspectos são exercidos pelos media a partir de sua complexidade
estrutural, fato que adquire aspectos de "naturalidade" a partir de um processo
de reificação. Em outras palavras: já estamos tão acostumados (alienados) com o papel
de receptores que não conseguimos enxergar o quão artificial é essa forma de fazer
circular informações.
Os homens públicos falam para a mídia que, por sua vez, filtra o discurso, elaborando
uma versão do fato (que para muitos cidadãos nem existe), distribuindo-o através de
seus canais. Isso é tão "natural" que não é questionado - pelo contrário:
não são poucos os argumentos que pressupõem a liberdade de comunicação (na forma sob
a qual a concebemos atualmente) como condição sine qua non da própria
experiência democrática, num processo de idealização que fica bem explicitado nesta
declaração do jornalista sul-africano Donald Woods:
O problema é que o discurso da mídia é unificado e, em geral, não é representativo da pluralidade social. Estamos aqui diante de um problema de racionalidade e de legitimação (na acepção de Habermas), posto que a mídia faz parte de um sistema de ajuste permanente do discurso do poder em função de valores nem sempre conciliáveis e de justificação de iniciativas contraditórias diante do eleitorado. Além disso, no processo de elaboração da mídia tradicional, a unificação e a ausência de representatividade ocorre basicamente por três razões:
uma de natureza econômica, isto é, o custo para produzir e veicular informações nesses media é extremamente alto; | |
outra de natureza ideológica, ou seja, as corporações de profissionais (sindicatos, academias, etc) que trabalham com a intermediação de informações (como por exemplo, jornalistas, bibliotecários ou advogados) exigem e obtém do Estado uma reserva de mercado para seus "iniciados"; | |
por último, uma razão de natureza cultural, que inocula na maioria dos indivíduos a noção de incompetência, cobrando-lhes o domínio dos códigos formais (oral ou escrito) e técnicas narrativas específicas para que possa se manifestar nos veículos de comunicação de massa ou nos fóruns públicos de discussão. |
Desse modo, a mídia exerce o papel de instituição-suporte do processo da democracia
(aliás, da mediacracia) que configura-se em muitos aspectos como uma farsa, já
que é baseada num modelo tecnológico de circulação de informações autoritário,
restritivo e monopolista.
2 Sociedade da informação: a globalização e os media
Vivemos hoje um momento de transição. E a falta de perspectiva histórica pode acarretar
em ilusões conceituais graves. Há exemplos significativos: "carruagens sem
cavalo" - assim eram conhecidos os automóveis que começaram a circular no final do
século XIX. Apesar de parecer estranho, hoje, que os primeiros automóveis tenham sido
observados apenas como carruagens onde os cavalos haviam sido substituídos por peças
mecânicas, adota-se o mesmo princípio ao se referir a novos objetos de mídia como
"revista digital", "livro eletrônico" ou "jornal on-line".
E não se tratam apenas de questões de nomenclatura.
Em primeiro lugar, o problema afeta diretamente o conjunto da Sociedade (isto é, a ampla
base material onde os cidadãos atuam). Assim, o fenômeno econômico da globalização,
interligando o planeta, produz nos países periféricos faixas de consumo com padrões
equivalentes aos das nações industrializadas. Paradoxalmente, o fenômeno pode estar
determinando a decadência da sociedade que o gerou, a dita civilização industrial. Não
é o caso, entretanto, de decretar o fim das industrias, mas percebe-se claramente que
produção industrial pode aumentar sem a outrora conseqüente geração de empregos.
Criam-se novas oportunidades no setor de serviços para os indivíduos mais qualificados
ao mesmo tempo em que grandes contigentes das populações são excluídos das benesses da
nova sociedade. Profissões nascem e morrem em tempo real, enquanto outras agonizam sem
querer se dar conta do que está por vir.
Algumas industrias, isoladamente, podem até estar prosperando, e assim vão poder
continuar, mas o que está esgotado - por diversas razões, entre as quais a própria
tecnologia gerada em seu processo - é o modelo conceitual gerador de poder e riqueza para
uns e empregos para outros. A industria continuará produzindo, mas já é possível
observar um deslocamento do centro do poder (até então localizado na esfera industrial).
Tal como ocorreu com a Revolução Industrial, as transformações estão virando o mundo.
A diferença está na velocidade com que as consequências das novas tecnologias se
espalham pelo planeta.
O impacto desse processo nos media é enorme. No centro da articulação dessa nova
sociedade está o transformação conceitual (e a distribuição) da informação. O
paradigma de valor dos produtos e serviços da sociedade industrial, ou seja, a quantidade
de trabalho investida nesses elementos, passa a ser, na sociedade pós-industrial, a
quantidade de informação e conhecimento que esses produtos e serviços conseguem
agregar. O topos dessa agregação é o ciberespaço, que definimos como sendo o
ambiente acessado através de qualquer computador conectado a um sistema de rede (do tipo World
Wide Web) e configura-se como um lugar sem limites físicos, uma geografia mental
constituindo consensos e disensos simultâneos e superpostos - algo, portanto, em
mutação permanente. E, como argumenta Lévy em artigo recente, o que vivemos não é
apenas a globalização econômica mas a "globalização dos significados":
"O ciberespaço dissolve a pragmática da comunicação que, desde a invenção da
escrita, havia conjugado o universal e a totalidade. Ele nos reconduz, de fato, à
situação anterior à escrita - mas numa outra escala e numa outra órbita -, na medida
em que a interconexão e o dinamismo em tempo real das memórias em rede faz com que o
mesmo contexto, o imenso hipertexto vivo, seja compartilhado pelos integrantes da
comunicação."
O Capital começa a "compartilhar" seu poder com o Conhecimento e mais uma vez o
mundo se divide. Agora, os deserdados da tecnologia, os "sem-telas" ou
excluídos, ocupantes do espaço público convencional (as ruas), contrapõem-se aos
conectados, que são também aqueles que trabalham, vão ao médico, ao banco e compram
pizza sem sair de casa; cidadãos urbanos que simulam convivências em suas máquinas e
acessam a nova mola-mestra: a informação.
3 A superação dos media e a instalação do ambiente cibernético
O que uma perspectiva histórica mais longa permite entender é que, inicialmente, nos
comunicávamos essencialmente através de estruturas dia-lógicas, baseadas em
gestos e sons, formando um processo "vivo", interativo e dinâmico que evoluia
por caminhos não lineares, nem pré-estabelecidos. Só alguns milhares de anos depois,
adotamos objetos para registrar nossos "saberes", passando daqueles baseados em media
isolados (pinturas, escritos, fotografias, etc.) e alcançando estruturas multimídicas (o
teatro, o cinema, a televisão, etc). A materialização da informação tornou possível
aos cidadãos a transmissão de suas experiências com acrescida liberdade temporal e
espacial. No entanto, é preciso considerar o sacrifício que esta condição impôs à
característica "viva", interativa e dinâmica da informação. Do ponto de
vista ideológico, a materialização da informação levou, no período da comunicação
de massa, ao que Rubim chama de cisão entre as logotécnicas de emissão e as massas
receptoras:
"Os media surgem como aparatos sócio-tecnologicamente configurados na
expropiaçao social dos falantes e pela centralidade e concentração em um
lugar social de emissão, agora super-potencializada. No pólo inverso, tornado oposto,
condenado à mera repetição, produzem-se as massas, no específico viver
histórico-social da comunicação."
Atualmente, quando se fala em hipermídia (uma mídia além dos media conhecidos),
refere-se a um novo momento histórico do processo de comunicação entre cidadãos, onde
o registro de experiências sociais em meios imateriais (o espaço cibernético) pode
levar a uma situação em que finalmente agrega-se a liberdade cronocosmológica ao
dinamismo dia-lógico. Não há previsão, mas constatação de que as alterações
tecnológicas geradas pela pesquisa em informática já repercutem na produção de
informações em todos os seus níveis (captação, tratamento, difusão, recepção) e
que esta situação de mudança tende a se acelerar e se aprofundar.
No ciberespaço, a mídia não funciona, necessariamente, do mesmo modo que no espaço
analógico. Na verdade, a internet tem muito mais características de um ambiente de
comunicação do que propriamente um meio. As listas de discussão, os fóruns on-line, as
"salas" de bate-papo e o correio eletrônico são ferramentas de comunicação
de fato interativas, baseadas em estruturas não verticais onde os pólos de emissão e
recepção tem flexibilidade suficiente para se alternarem de modo semelhante à
conversação oral. Como explica André Lemos,
"os novos media, como Internet por exemplo, permitem a comunicação individualizada,
personalizada e, além do mais, bidirecional e em tempo real. Com os novos media a
edição não é mais uma norma, e todos podem participar na produção e
circulação da informação. O argumento, ou o discurso, da comunicação
interativa pode ser dificilmente contornado com um discurso da informação
centralizada distribuída, que caracterizou a cultura de massa e do espetáculo do
século XX. Isso sem falar nas mudanças estruturais de produção e distribuição da
informação causadas pela tecnologia digital nos jornais, nas emissoras de televisão, no
radio, nas revistas, etc. A tecnologia digital proporciona assim uma dupla ruptura: no
modo de conceber a informação (produção por processos micro-eletrônicos) e no modo de
difundir as informações (modelo Todos-Todos)."
Cada computador conectado torna-se um emissor em potencial de informação, de versões e
pontos de vista. E é justamente na manifestação do ser que o indivíduo torna-se
sujeito na sociedade: um cidadão. Aparentemente, o ciberespaço torna-se dessa forma um
lugar onde projetamos um pedaço de nós mesmos, e onde podemos simular uma convivência
produtiva, participativa e democrática. Nele, nossa presença ativa pode ser obtida a um
custo bem inferior em relação aos media convencionais. Mesmo sem levar em
consideração os possíveis investimentos dos governos na facilitação do acesso
público, é muito mais viável o indivíduo obter, por seus próprios meios, um
computador e uma linha telefônica, do que comprar ou ter acesso a uma emissora de TV, uma
editora ou mesmo uma rádio para potencializar a sua comunicação ou exercer sua
cidadania, a despeito de necessários ajustes sobre questões fundamentais, como a
percepção da nacionalidade, que é ameaçada por novas definições distanciadas da
noção de Estado soberano, como explica Karine Douplitzky:
"A ciberpolítica é muito diferente de uma grande missa midiática, de uma proposta
politizada. O mecanismo de representação política, sistema hierárquico que justifica a
existência de nossas instituições estatais, está ausente da rede que elimina os
intermediários (representantes), em proveito de ligações diretas, de cibercidadãos aos
ciberorganismos, do local ao global."
Mas é justamente aqui que surge a primeira oportunidade do Estado (evidentemente forçado
pela dinâmica social) para gerar um modelo diferenciado de convivência com o cidadão. A
situação tecnológica que se apresenta permite que as ferramentas de interatividade
sejam usadas para garantir o acesso dos indivíduos aos homens públicos, apesar da
advertência de Douplitzky, já que sobram razões para justificar os papéis de
intermediação entre cidadãos (e mesmo cibercidadãos) e as estruturas do Estado. Um
exemplo concreto: temas importantes para a nação já podem ser discutidos on-line,
através de fóruns e listas, antes de serem tomadas as decisões que afetarão o conjunto
social. A idéia antes irrealista de "parlamento virtual" (e de fato interativo,
acessível de qualquer terminal conectado) já tem condições tecnológicas (embora
talvez ainda não sociológicas) de ser uma ferramenta da construção da cidadania na era
digital.
Por outro lado, entendendo a WEB como um depósito universal de informações, só a
garantia do acesso público à rede pode possibilitar mais dinâmica no processo social,
assim como vantagens competitivas para os indivíduos desenvolverem atividades no mercado
de trabalho que ora se delineia. Obviamente, não basta ter o acesso para garantir as
oportunidades, mas existe a possibilidade de que em poucos anos o acesso seja uma
condição sine qua non trabalho. Daí a urgência da intervenção estatal na
distribuição estratégica de máquinas conectadas em comunidades mais ou menos carentes
do país.
4 As novas responsabilidades do Estado
No que diz respeito à administração dos serviços que o Estado presta à Sociedade,
existe uma gama de aplicações dessas novas tecnologias no sentido de reduzir custos e
satisfazer o cliente-cidadão através de um atendimento mais rápido e eficaz. Sabe-se,
por exemplo, que o simples armazenamento de dados em suportes digitais evita o
preenchimento, a manipulação e a estocagem desnecessária de formulários impressos e
repetitivos. Já encontram-se na rede diversos estudos visando aperfeiçoar a idéia de centrais
únicas de atendimento público, nas quais, numa única repartição virtual, o
indivíduo poderá solicitar os mais diversos serviços.
Para que isso aconteça, será preciso antes que os órgãos do Estado deixem muito claro,
em páginas inteiramente acessíveis na Internet, as suas competências; depois, e a
partir dessas tecnologias, pode se estreitar a comunicação entre instituições do
Estado, facilitando a troca de informações sobre serviços e usuários, dinamizando o
atendimento que passaria a ser feito ainda de forma mais transparente.
Mas sabe-se que, para viabilizar essas oportunidades, será preciso percorrer um longo
caminho. Primeiro, será preciso vencer dificuldades econômicas, tecnológicas e
psicológicas. Mais uma vez fica claro a necessidade de uma intervenção direta do Estado
na estratégia de distribuição de pontos de acesso. É também de fundamental
importância o engajamento das entidades culturais nesse processo com o objetivo de
decidir pela preservação (ou não) das características das micro-culturas comunitárias
que certamente vão poder emergir, fazendo-se representar no ambiente ciberespacial. Sem a
intervenção estatal para regular o acesso, a sociedade da informação corre o sério
risco de tornar-se um regime altamente excludente, um tecno-apartheid capaz de
gerar as situações sociológicas imaginadas por George Orwel ou Aldous Huxley.
Mais uma vez, neste caso, a situação pós-industrial afasta o problema das soluções da
comunicação de massa, que desqualificam a representação democrática formal. O caso da
interferência da televisão nas democracias ocidentais já foi bem estudado e aponta para
um novo "exibicionismo" do poder e para a "espetacularização" da
coisa pública. Como analisa Debray:
De certa forma, essa avaliação dos media tradicionais baseia a maioria dos recentes diagnósticos sobre o papel da comunicação na democracia assim como as sugestões que começam a surgir com a hipermídia. O Livro Verde Para a Sociedade da Informação, documento do Ministério da Ciência e Tecnologia de Portugal, defende, entre outras propostas, a criação de um estatuto da informação, distinguindo-as entre:
informação de cidadania, de acesso universal e gratuito; | |
informação para o desenvolvimento, destinada aos agentes econômicos e sociais e distribuída a custo de suporte ou a preços simbólicos; | |
e as informações de valor acrescentado, cedidas mediante preços de mercado. |
A idéia de um estatuto tem como objetivo atender a preceitos constitucionais que visam
o resguardo de instituições como "direitos autorais" e "propriedade
intelectual". Tais conceitos, comuns e éticos a qualquer sociedade industrial,
existem porque o processo de criação intelectual tem sua natureza coletiva escamoteada a
partir da apropriação de um patrimônio cultural que deveria, pela sua natureza,
pertencer a coletividade. O que os ajuda a tornarem-se "lógicos" é a
complexidade na ação de formatar e distribuir os conteúdos informacionais. O autor é
assim reconhecido como tal muito mais pelo esforço da publicação do que,
necessariamente, pela autoria da informação; esta, na verdade, é fruto de um empenho
coletivo cuja origem tende a desaparecer sob a nossa perspectiva linear da História.
Com efeito, quando a nova sociedade estiver mais consolidada poderemos esperar a
aplicação de algo semelhante ao estatuto português aqui no Brasil. A questão que se
coloca é quanto aos critérios de classificação das informações. Quem decidirá que
tipo de informação será paga? De que modo se dará a escolha? Os critérios adotados
pelos países industrializados deverão ser os mesmos aplicados a em nações como o
Brasil? Até onde vai a informação pública? São perguntas que devem ser respondidas
por um Estado pressionado pela sociedade civil organizada e bem informada sobre os
diversos aspectos e potenciais de um Estado aberto e transparente, na forma de uma cidade
telemática imaginada por Fred Forest:
Trata-se, portanto do processo de construção de um novo tipo de cidadania. Um novo
modelo de relações mediado (e não determinado) pelas características das novas
tecnologias. Como toda construção, exige esforço, idas e vindas, até que se alcance um
determinado status que começará a ser superado por uma nova ordem. Nada está definido.
O que existe são tendências e oportunidades que devem ser aproveitadas no sentido de
otimizar as relações do Estado com o Cidadão garantindo uma melhor qualidade de vida
não apenas para esta, mas também para as próximas gerações. O processo tecnológico
é irreversível e não deve ser visto como algo que veio, necessariamente, para resolver
nossos graves problemas sociais. Mas ignorar o imenso potencial que as redes de
computadores oferecem em termos de aplicação para os mais diversos setores da sociedade
é uma atitude, no mínimo, irresponsável. Além de ser o caminho mais rápido para a
exclusão.
Vale lembrar que o conceito de "computadores pessoais" interligados não surgiu
nas grandes corporações high-tech. Ele é fruto de um movimento popular conhecido
como "contra-cultura", cujas expressões mais célebres foram os hippies
californianos dos anos 60 e 70. E foi justamente na Califórnia e nessa época que surgiu
o primeiro computador pessoal, o Apple 1, criado por um grupo de jovens universitários
que catavam peças no lixo de industrias como a IBM para montar uma máquina que não
servia para absolutamente nada, a não ser se retro-alimentar, mas que tinha, na visão
daqueles garotos, um imenso potencial.
5 Três modelos em implantação
São freqüentes as análises pós ou neo-frankfurtianas que tendem a demonstrar o impasse
do Estado contemporâneo. Em geral, este impasse tem sido vinculado à expansão da mídia
e sua instrumentalização pelo poder político. As pesquisas de opinião se transformaram
na principal ferramenta da racionalização; os meios de comunicação de massa se
constituem, neste quadro, no teatro da legitimação. No seu ataque contra as
"mito-ironias da era do virtual e da imagem", Baudrillard (que, aliás, não
aceita nenhuma distinção entre media tradicionais e digitais) destaca:
O ciberespaço desmente Baudrillard. Uma busca na WEB, a partir da equação booleana ("democracy" and "information") and ("internet" and "politics") resultava, em dezembro de 1997, em cerca de 19.968 documentos. A maioria deles pode ser classificada em três modelos de interação entre o Estado, o poder político e a sociedade civil um dirigido do Estado em direção à sociedade civil, o segundo buscando o caminho inverso e o terceiro voltado para a disseminação, na rede, de estruturas de pressão comunitária:
Um exemplo do primeiro modelo seria o UK Citizens On-line Democracy visa
transformar-se a curto prazo numa grande iniciativa governamental do Reino Unido. O seu
site na Internet já está operando e desenvolve, por exemplo, experimentos de democracia
eletrônica do Brents Council. O projeto tem discutido temas com a sociedade civil, como o
orçamento e o planejamento do Estado. | |
No segundo modelo há casos com o Democracy Network que objetiva promover debates
de temas locais, estaduais e nacionais entre cidadãos, servidores públicos e candidatos
políticos norte-americanos. Candidatos e representantes eleitos podem disponibilizar e
atualizar permanentemente suas posições e os cidadãos podem acessar, questionar e
propor alternativas. A base local é Santa Monica, na California, e tornou-se possível
através da doação dos usuários. | |
Finalmente, como exemplo do terceiro modelo, encontramos sites como o Workshop Outline, conduzido pelo Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano do governo americano, desenvolve e mantém redes cibernéticas comunitárias. Funciona sobretudo com base num seminário permanente onde são discutidos pontos como: o que são redes comunitárias e por que a sociedade necessita delas? Por que os cidadãos desejariam usar uma rede comunitária? Como civilizar o ciberespaço? Como as comunidades efetivamente se comunicam? Qual a infraestrutura tecnológica para o estabelecimento e manutenção de uma rede comunitária? |
Estes três exemplos são provas contudentes de que, enquanto o poder de transmitir
informações, nos media tradicionais, é concentrado social e geograficamente, as redes
cibernéticas são radicalmente diferentes do ponto de vista tecnológico: qualquer nó no
rizoma pode enviar e receber textos, sons, imagens, programas. Plugado na rede telefônica
o computador torna-se editora, estação de TV ou rádio, correio. Obviamente, nenhum
objeto técnico tem, em si, a capacidade de resolver as crises do Estado. No entanto, há
evidentemente novas aberturas para a pesquisa de informações em rede (altíssima
capacidade de coletar e confrontar informações), de elaboração visual (recursos de
computação gráfica), de digitalização de textos e imagens (editores de texto,
tradutores automáticos, programas de fotografia digital, edição não linear), de
recuperação de informações passadas (arquivos dinâmicos), de interligação entre
várias fontes informativas (links). Muitas destas aberturas já são automáticas,
produzidas por máquinas.
6 Conclusão: ambiente estruturador da nova sociabilidade
As questões da mídia sempre foram: O que informar? De que forma comunicar a
informação? Como facilitar a transformação das informações comunicadas em
conhecimento? Qual o objetivo da comunicação da informação? Talvez possam ser, agora:
Como permitir o contato direto entre a sociedade civil e a representação política? Como
promover discussões abertas sobre as questões e razões do Estado? Como interferir nas
transições legais (legislação, regulamentos e informações governamentais)? Como
estabelecer de forma aberta as prioridades econômicas (emprego, regras trabalhistas,
investimentos éticos, desenvolvimento comunitário, fóruns de trabalhadores)? Como
acelerar o acesso à informações alternativas? Como criar programas de comunicação
para populações marginalizadas (grupos étnicos, analfabetos, excluídos)?
Estas são as questões da hipermídia, acrescidas sobretudo dos seguintes fatos tecno-lógicos:
a digitalização (alta capacidade de transmissão e de armazenagem) | |
a interação (em tempo real, em condições de equilíbrio entre os pólos) |
Os suportes físicos, como o papel impresso, apesar de um apelo cultural estabelecido
há séculos, tendem a ser cada vez menos utilizados. A quantidade de informação digital
acessível em qualquer parte do planeta já é, hoje, muitas vezes superior à
informação disponibilizada na forma de átomos - e esta diferença só tende a crescer,
até por razões ecológicas.
Do ponto de vista tecnológico, os mais recentes desenvolvimentos nos levam a aplicações
de busca e consulta off-line e on-line personalizada, de trabalho remoto e/ou monitorado,
aos hardwares de agregação de media (união de TV, fax, telefone, computador),
aos sistemas classificatórios ontológicos e de filtragem de informação e de
contra-informação, aos programas de mídia informal e/ou comunitária (fim da
separação emissor/receptor). Na base dessas aplicações técnicas, aparecem novos
problemas teóricos: o isolamento cognitivo (nichos de tendências pessoais), a sobrecarga
cognitiva (cacofonia, excesso de informações), a dependência de informações (vício),
a luta entre novos monopólios e as redes alternativas. Por outro lado, alteram-se as
questões de ordem ética, advindas da alta possibilidade de manipulação da informação
(sobretudo das imagens) e a conseqüente perda de capacidade de verificação (por conta
da inflação e velocidade informacional). Também reduzem-se as fronteiras entre
informação e entretenimento (ou melhor, entre a encenação da ficção como realidade e
a encenação da realidade como ficção).
Sabemos que a tecnologia não é neutra. Pode ser empregada como ferramenta (para a
construção do mundo), como arma (para a destruição do mundo) ou como instrumento (para
a percepção do mundo), como afirma Laymert Garcia dos Santos. Além disso, ao desabarem
as fronteiras tradicionais da circulação da informação (distribuição de jornais
impressos, ondas de rádio e de televisão, áreas de cobertura de satélites), alteram-se
as relações entre o global e o local. Observa-se um movimento de internacionalização
da informação e, paradoxalmente, de possibilidade de acesso global de tendências
locais. As novas estruturas da hipermídia são, ao mesmo tempo, aglutinadoras e
desterritorializantes.
Uma das conseqüências mais dramáticas da implantação da hipermídia atinge a própria
formação de profissionais de informação e de comunicação. Jornalistas, radialistas,
publicitários, designers, bibliotecários deverão dar lugar a um novo artesão: o
infodesigner, capaz a um só tempo de operar matérias como o texto, a imagem (estáticas
e em movimento), o som. Além disso deverão ser capazes de conceber e aplicar interfaces
lógicas e gráficas, imaginar novas classificações e modelos de arquivo e produzir
conexões dinâmicas entre fontes diversas de informação.
O ciberespaço é um dispositivo de comunicação e informação interativo e estruturador
de uma nova sociabilidade, assim como se constitui um dos mais importantes instrumentos da
inteligência coletiva. Do ponto de vista tecnológico, a hipermídia implica na
transnacionalidade, na multipolaridade dos serviços. Fica claro que passamos da fase da
comunicação interativa restrita (ponto a ponto, oral, interpessoal) e da fase da
comunicação de massa (poucos pontos de difusão e múltiplos pontos de recepção, não
interativa) e chegamos a uma nova etapa, reunindo os avanços da telefonia (interativa) e
da informática (Internet). Temos agora uma informação ponto a ponto, interativa, mas
também em rede. Quem detém a tecnologia tem o poder de prospectar e controlar o
ciberespaço, criar a extinguir mercados, atuar sobre as populações. Este é o desafio
da hipermídia.
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