O menino das 3 horas da manhã.

 

Álvaro Alves de Faria

 

Há um menino calado na porta de mim mesmo.

Ele me acena motivos e palavras quietas, na fonte do dia, na sede do tempo.

Há um menino calado pegando o resto da feira, onde se depositam os desesperos e onde a alegria termina.

O menino me olha sem brinquedos.

O menino nunca teve e nunca terá um brinquedo.

O menino tem uma sacola de sombras para levar o resto das maçãs.

O menino tem um cachorro que lambe o chão de vez em quando.

O menino habita esta cidade às três horas da manhã, com seu pequeno corpo de fragilidade e seu silêncio molhado de frio.

O menino não sabe o que é ser um menino.

O menino não tem infância.

O menino apenas espera o dia nascer para enganar mais um dia de vida.

O menino engole seco, mastiga o nada e se alimenta de tristeza.

O menino pequeno como a vida se espalha pelas ruas e corre em busca do pão.

O menino não acha o pão.

O menino não chora, porque o menino não aprendeu a chorar.

O menino caminha devagar olhando as vitrinas e vê dentro delas as coisas que nunca vai Ter.

O menino sorri sozinho, chuta uma lata, ouve um disco na loja, vê a banca de jornais.

O menino aprendeu a ver figuras, neste tempo de muitas figuras.

O menino não é triste.

Ele apenas não sabe.

Ele caminha por caminhar e pára quando seus pés esquecem as direções que não existem.

O passo do menino é tão pequeno como seu próprio universo.

O menino está chorando dentro de mim, ele que não sabe chorar.

O menino tem coração, tem mãos, tem olhos, tem pés.

Dizem que o menino tem alma.

O menino atravessa a Avenida São Luís e desaparece, subindo a Consolação.

Eu queria morrer para que esse menino pudesse viver um pouco mais.

( A noiva da Avenida Brasil. São Paulo, Vertente, 1981.)

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Última atualização: 27/03/01 00:39:58

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