A bola da vez
98 Ano de Copa! Ano de Eleição...
As atenções se voltam para as preliminares da maior
competição futebolística do mundo. Todos se interessam pela
escalação de Zagalo. Uns concordam, muitos criticam, outros se
conformam mas todos torcem. Torcem, loucamente: bandeiras,
camisas e braços se agitam. Gritos e aplausos, xinga-mentos e
hinos assumem a melodia dos estádios.
Se o brasileiro não pode se orgulhar dos campos econômico,
político e social, é inegável que sua desenvoltura em outros
campos, verdes e com linhas de cal, é motivo de exaltação do
amor à nação. Afinal, para que pensar em desgraças se o
Brasil tem chances de garantir o pentacampeonato?
Os fanáticos pelo futebol podem se recordar, saudosamente, das
partidas em que, nos gramados, superamos a Suécia, a extinta
Tchecoslováquia e a Itália. Dos heróis das copas de 58, 62, 70
e 94. Dos dribles desconsertantes de Garrincha. Das
comemorações de Pelé a cada gol. De Bebeto homenageando o
filho recém-nascido. São cenas emocionantes.
Há quem seja capaz de se lembrar de outros responsáveis por
façanhas estonteantes, como: Angelo Calmon de Sá (do Banco
Econômico, que quebrou deixando um rombo nada econômico), Pedro
Paulo de Souza (da Encol, que deixou um monte de gente sem o
sonho da casa própria
e sem
ressarcimento),
Georgina de Freitas Fernandes (a ladra do INSS), Marcos
Magalhães Pinto (da fraude do Banco Nacional), João Alves,
Genebaldo Correia e o falecido Humberto Lucena (todos indiciados
pela CPI do Orçamento), PC Farias, Jorge Bandeira e Fernando
Collor (o perigo ainda persiste!), Coronel Ubiratã
Guimarães
(comandante
do massacre do Carandiru), Ronivon Santiago (aceitou propina para
votar a favor da reeleição) e Sérgio Naya (dispensa
apresentações). Estes são alguns (maus) exemplos dos
protagonistas da história recente, que, agindo de forma
ilícita, imoral, desumana, ferem a dignidade dos brasileiros.
Entre estes, estão pessoas que foram despojadas de seus lares,
esposas que perderam os maridos e os pais de seus filhos,
trabalhadores que foram privados do direito à aposentadoria
justa. São fatos revoltantes.
É preocupante a coinci-dência entre a Copa e a eleição
dois eventos de excepcional importância para o país. É
inevitável questionar a respeito de qual acontecimento será
priorizado pelo brasileiro. A dobradinha futebol & política
é um artifício que convém à situação vigente, como bem (ou
melhor, mal) demonstra o ano de 70.
Enquanto se bradava o patriotismo nas arquibancadas dos estádios
e a televisão proclamava a maravilha de ser brasileiro graças
às peripécias de nossos jogadores, gritos de tortura eram
abafados nos porões da ditadura. Triste ironia: em
pleno autoritarismo, prá frente, Brasil do meu
coração!
Pão e circo. Parecem poucas as palavras proferidas pelos
governantes da Antiga Roma para sintetizar as necessidades
populares. O povo, satisfeito com a alimentação e a diversão
das arenas de gladiadores, não se perturbava com o caos
político que se instalava, sem que a própria população
exercesse alguma participação. Em território nacional, nos
dias atuais, nos falta pão. Ao saber do descaso do governo
perante uma calamidade anunciada, tive a impressão de que, a
qualquer momento, FHC estaria mandando a população comer
brioches, tal qual Maria Antonieta, inconsciente
da inanição de seus súditos. No
entanto, se a fome é muita porque o pão é pouco, nos sobra
circo. Não só a diversão dos estádios arenas
contemporâneas - está garantida, mas também a piada que se faz
do próprio povo. O legado de impunidade que nos acompanha vem
mostrado que quem ri por último ri bem melhor, gostosamente,
sarcas-ticamente.
É claro que, como mais uma brasileira, vou torcer pela
seleção. Mas também torcerei, muito mais, para que a euforia
dos gramados não contamine a seriedade das eleições. Vou fazer
todas as simpatias, todas as rezas, todas as mandingas, todas as
macumbas, para que saibamos todos nós, brasileiros, torcedores e
eleitores, escalar com precisão os nossos representantes pelos
próximos quatro anos.