Saques:
legítimos, legais, ou ambos?
Estevan Lo Ré Pousada (1o DI)
Tem-se tornado objeto de inúmeras discussões
nos últimos dias a legitimidade e a legalidade dos saques
vinculados a populações carentes do sertão nordestino;
debate-se pois, não apenas o significado do ato em si, mas dos
elementos norteadores desta atitude, que reflete um
amadurecimento maior do que aquele que se percebe no povo
lavrador que executa o saque.
Em primeiro lugar, seria legal tal atitude? E se fosse, seria
legítima?
Estas perguntas necessitam de intensa reflexão antes de serem
respondidas; numa análise mais sucinta, desprendendo-se de
qualquer rigor contextual, o saque seria legal, à medida que
conta com a salvaguarda do direito, já que tais movimentos foram
cometidos em notório estado de necessidade. A situação de
abandono social em que viviam tais pessoas nos põe à mostra o
descaso, o abandono, a miséria, a fome a que estavam (e ainda
estão) sujeitos os cidadãos que vivem nestas áreas
castigadas não só pela natureza como também pela inoperância
de um governo federal que baixou a inflação e abandonou seus
filhos. Numa analogia básica, só resta perguntar se assim como
uma norma que necessita de uma sociedade, de uma comunidade, para
ser efetiva, necessita da inflação de um mercado para
mostrar-se. Notadamente, vemos que a opressão econômica e
social que o país enfrenta, com altíssimos índices de
concentração de renda e de desemprego, tem castigado a
população pobre e a classe média de todas as regiões
brasileiras.
Quanto à segunda assertiva, faz-se necessário rememorarmos o
conceito de legitimidade de um ato, qualquer que seja o mesmo.
Legítimo, a princípio, é tudo aquilo que respeita os padrões
e ideais básicos da Carta Constitucional. Logo, nem tudo que é
legal é legítimo. Em contraste, pois, com o fato dos saques no
nordeste do país, temos a constante reedição das medidas
provisórias por parte do Executivo. Desta forma, a mesma
corresponde, assim como os saques, a uma manipulação jurídica,
já que é notório que a incumbência dada ao Executivo pela
Carta Magna de legislar não corresponde à
manipulação vergonhosa que temos visto nos últimos tempos.
Medidas que não contam com o apoio parlamentar são consolidadas
por meio deste artifício criminoso. Se formos além do mesmo,
teremos certas medidas governamentais que afrontam os princípios
constitucionais, a vontade popular e outros fatores. Exemplos
destas medidas são o confisco das poupanças durante o governo
Collor e o imposto da CPMF do governo FHC. O primeiro visara o
controle da Economia nacional e o segundo, o saneamento do
sistema de saúde decadente do país.
Logo, tendo a legitimidade como uma relação de meio-fim, se
mostram diferentes as atitudes do saque no Nordeste e o
imposto dos cheques do governo FHC. O primeiro
destina-se a uma necessidade intantânea, notória, popular e
conseqüente da falta de uma atitude governamental e não uma
simples vontade de fazer baderna. Por outro lado, o imposto FHC,
contra a vontade popular, instaurou-se há algum tempo sem
verifica-se melhora alguma no sistema de saúde. Ora,
alguma movimentação financeira ocorreu no período.
Logo, algum imposto foi arrecadado. No entanto, onde terá ido
parar o montante? Não se sabe. Adversamente, o produto
usurpado pelos saquadores do Nordeste teve seu
destino presumido e declarado por todos aqueles que puderam ver
aqueles que praticavam tal atitude.
Assim, percebe-se a legitimidade do saque que, movido pelo
descaso público, difere deste governo em suas manipulações
oportunistas e casuísticas do meio jurídico. Percebe-se, ainda,
o alto grau de evolução por que passa a sociedade brasileira,
que, tomando as rédeas que o governo largou, socorre o povo
carente pela seca. Nota-se a evolução da conscientização
política do povo face às suas possibilidades de manusear não
só o meio político como também o meio jurídico a seu favor (o
que, por si só, é legítimo). Faz-se necessária a
conscientização desta situação, desta evolução pelos
calouros e veteranos que guardam em seus semblantes e nessas
idéias o idealismo que carregavam quando passaram pela primeira
vez por sob estas Arcadas, berço de revolucionários, de
populares, de íntegros homens aqui formados. Ao menos em sua
maioria. Pelo menos, é o que se espera.