Autor(a): Flavio Augusto Picchi (1o DI)
SOMOS TODOS IDIOTAS?

                    O assunto já me vinha incomodando há algum tempo, mas foi-me necessária a experiência do fato para começar a agir. Lá vou eu, belo, formoso e contente, da Faculdade até o Teatro Municipal, comprar ingresso para assistir a um concerto do pianista Arnaldo Cohen.
                   Carteirinha da universi-dade na mão, entreguei-a com prazer à bilheteira, aluno da USP que sou, portanto estudante e com direito à meia-entrada. Fiquei então sabendo o que se entende por meia-entrada: até a bilheteria você pode entrar, mas de lá para frente você não entra. A não ser que pague inteira.
                   Sim, exatamente. A bilheteira, uma senhora com a típica vontade de trabalhar “daqueles” servidores públicos, não sei se maioria ou exceção (Por que servidores se não servem a ninguém senão a eles? Algum dia eu descubro...), informou-me displicentemente:
                   — Só aceitamos a carteirinha da UNE, meu bem.
                   Só o “meu bem” fez-me avaliar a encrenca que seria para convencer a digníssima de que eu era estudante, não tinha carteirinha da UNE, mas podia comprovar minha condição de discente com a carteira da USP, garantindo os 50% de abatimento. Argumentação vai, hipocrisia vem, atinei que o motivo de o vidro da bilheteria ser tão inexpurgável e sem abertura decente comunicação externa era para que os funcionários não ouvissem reclamações nem dessem explicações, bem como se protegerem de uma ou outra pessoa que reclamasse de modo mais enervado do tratamento (opção que este feixe de papéis institucionalizados esteve ao ponto de fazer).
                   Saí esbravejando algumas palavras indignas após saber que ela nem chamaria seu superior nem informaria seu nome para posterior reclamação de minha parte. Como estudante de Direito e cidadão, decidi proceder ao estudo do assunto. E se você quiser saber como foi o concerto, pergunte a outra pessoa, que eu não paguei inteira.
                   Perguntei aos dois ex-Secretários de Negócios Jurídicos da Capital que nos dão aula sobre o assunto. Monica Herman disse que não conhecia a lei específica, mas possivelmente o que havia era um convênio entre a Prefeitura (Teatro Municipal) e a UNE para os descontos. Dalmo Dallari afirmou que o fato era ilegal, e sugeriu o impetramento de um mandado de segurança contra a Prefeitura. As posições me pareciam razoáveis, conquanto opostas.
                   Mas o que dizem as leis? O site de UNE na internet traz as leis concernentes à matéria (www.une.org.br/arquivolei.html), em âmbito federal, estadual e municipal. As que nos interessam são: (1) Lei Federal 7395/85; (2) Lei Estadual 7844/92; (3) Decreto Estadual 35606/92; (4) Decreto Municipal 33469/93. A leitura deste libelo será mais fácil a quem examiná-las.
                   A primeira dispõe sobre os órgão de representação estudantil de 3° grau; a segunda (vou até grifar) “assegura a estudantes o direito de pagamento de meia entrada em espetáculos esportivos, culturais e de lazer, e dá providências correlatas”; a terceira regulamenta a anterior e a quarta ordena a venda de passe escolar. Analisemos as estaduais, que mais nos importam.
                   Resumidamente, a Lei Estadual 7844/92 informa que estudantes de estabelecimentos autorizados a funcionar podem pagar meia entrada em teatros, shows, cinemas, estádios e tudo o que se assemelhe; que a Carteira de Identificação Estudantil (CIE) deverá ser emitida pela UNE ou UBES e distribuída pelas entidades filiadas, como CAs  e Grêmios, entre outras coisas a que se referirá. O Decreto 35606/92, tratando também de vários objetos, melhor define o conceito de “casa de diversão pública” (vai ver já tinha neguinho querendo dar calote em casa de massagem) e, o que nos interessa, vincula a concessão do benefício aos portadores da CIE exclusivamente emitida pela UNE e pela UBES, o que não era previsto na Lei então regulamentada.
                   O pensamento que me ocorreu no momento eu prefiro não relatar.
                   Isso queria dizer que a bilheteira estava com a letra da lei a seu favor. A Lei não expressando o vínculo entre a meia-entrada e a apresentação da CIE, alega-se que este não é essencial nem necessário, portanto qualquer documento válido poderia dar a garantia. O Decreto expressamente proíbe a interpretação. Mas falando em Decreto, e o Decreto Municipal?
                   Esse pelo menos é taxativo (art. 1°): “A partir do ano de 1994, os estudantes portadores das Carteiras de Identidade Estudantil expedidas pela União Nacional dos Estudantes - UNE para os estudantes de 3° Grau, e pela União Municipal dos Estudantes Secundaristas - UMES/SP para os estudantes de 1° e 2° Graus e do Ensino Supletivo adquirirão os passes escolares mediante a apresentação das referidas carteiras, desde que convalidadas pela Companhia Municipal de Transportes Coletivos - CMTC”.  Por aí se entende a explanação da Profª Monica.
                   Uma  possível  tentativa para a revogação desses dispositivos é a garantia constitucional de livre associação (Constituição Federal, art. 5°, XX), sugestão do Prof. Dalmo. Mas a leitura um pouco mais atenta da Lei 7844/92 encaminha uma outra possibilidade, por meio de seu art. 4°.
                   “O Governo de São Paulo, no prazo de até 60 (sessenta) dias a contar da data de publicação desta lei, procederá à sua regulamenta-ção, prevendo, inclusive, sanções aos estabelecimentos infratores, que poderão chegar até à suspensão de seu alvará de funcionamento”, é o que diz. Tendo sido publicada em 13/05/1992, a regulamentação deveria ter sido feita até 12/07/92. Surpresa: o Decreto 35606 foi publicado em 03/09/1992...
                   É mais uma possibilida-de que se abre. Mas, ao invés de recorrermos à via judicial, por que não matar o mal pela raiz? Ou seja, já que o mal veio pelo Executivo, recorra-se a ele para emendar a besteira feita (Alô, Fleury!!!). Neste sentido, entreguei a d. Lila Covas uma pequena exposição do assunto quando da visita do Governador à Faculdade dias atrás. Claro que as chances de o fato chegar a ele são poucas, mas pelo menos não pequei por falta de vontade ou de iniciativa...
                   Enfim, o que quero dizer é: esse maldito monopólio é ilegal e imoral. Não vou entrar em maiores juízos de valores sobre a UNE (só com essa frase já entrei...), pois isso seria descambar para a política e este ensaio é essencialmente jurídico, por assim dizer. O que tento, por este meio, é despertar a consciência do meio discente para assuntos que, diretamente, nos dizem respeito, mais que muitos de que é costume tratar (por motivos que não vem ao caso).
                   Espero que estas letras iniciem um novo pensamento a respeito, bem como que minhas idéias tenham logrado uma expressão razoavelmente clara. Àqueles que se interessarem pelo assunto e o quiserem discutir, eu lhes peço que me procurem.

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