Autor(a): Fernanda Emy (1o DI)
A MEUS BONS, VELHOS E NOVOS AMIGOS


 

                    Noite dessas, estava eu conversando com alguns velhos amigos. Driblando os cascos que jaziam à nossa frente, tentávamos redigir as regras que uma amizade deve ter para atingir o quase-ideal (concluímos que perfeição é pretensão demais, além de tediosa). Filosofia de botequim, na acepção das palavras. Acabamos por não traduzir nossos pensamentos permeados de anedotas e lembranças. No entanto, ao reler um texto de jornal (não sei qual, por isso não vou creditá-lo) perdido entre tantos outros na minha gaveta, considerei válido publicá-lo aqui, para reparti-lo com vocês, para se identificarem – ou não – com as descrições feitas, para despertar o sentido da amizade, para fazer de nós amigos ainda melhores.
                   O texto foi transcrito fielmente. O coloquialismo e até mesmo as pequenas incorreções (que em nada prejudicam o texto, pelo contrário, o fazem mais natural) são do autor. Faço minhas as palavras de Eduardo Logullo.

AMIGO FICA OU SOME PARA SEMPRE Amizades são regidas por movimentos incontáveis e intransferíveis; algumas são alteradas e acabam perdidas no tempo



               Às vezes nem é preciso passar a limpo a agenda de endereços para perceber como alguns nomes se encarregam, por combustão própria, de sumir na pira do tempo. Os motivos são incontáveis, pessoais e intransferíveis. Cada um determina o prazo de validade de outras pessoas, a partir de cenas, gestos ou atos. Sem contar as figuras que ressurgem – surpreendentes – depois de longo tempo perdidas pelas pirambeiras da vida.
              O preâmbulo acima serve para tentar explicar os movimentos que regem as amizades. Posso me gabar de ter dezenas de amigos, espalhados no mundo ou escondidos em endereços que hoje desconheço. Considero os muitos amigos e muitas amigas como meu grande patrimônio. Aliás, talvez o único. E faço esforço contínuo para manter por quase todos um sentido da gratidão, “essa palavra-tudo”, como escreveu Drummond.
              Relatos sobre alterações na duração dos ciclos de amizades existem às pencas. Por exemplo: não fica patético perceber que aquela velha e saltitante amizade, tão encantadora há uma década, agora signifique nada? Alguns comparsas tornam-se opacos, ambiciosos demais, alegres de menos, chatos crônicos ou decadentes por acomodação existencial. Aquele outro que exigia, na pista do Madame Satã, séries de atitudes revolucionárias e espírito performático, atualmente só fala em grana, grifes e glórias capitalistas. Decisão: deletar imediatamente. Afinal, pra cima de moi, só confecções.
              Certas amizades se desbotam, outras entram em colisão, algumas garantem 24 horas de diversão. Aborrecem os que vivem a cobrar porque você não liga, porque você não marca para sair ou porque você não retornou os recados. Intoleráveis patrulheiros. Apenas os bons, legais e fiéis estão capacitados a entender ritmos alheios, sempre dispostos a continuar animadas conversas iniciadas seis meses atrás. E, benditos sejam, sem tocar na palavra explicação. Amigos que exigem dedicação de casamento merecem a zona fantasma. Belas amizades independem de manutenção telefônica.
              Têm aqueles que deixam oito, nove recados. E quando você liga, o papo murcha igual pastel de botequim. Esse segmento merece três ou quatro meses de abandono proposital. Existem ainda os amigos que espumam possessividade, salivam controle social ou mascam antigas pendengas. Irritam-se, um ano e meio depois, pelo jantar que não foram convidados, perguntam pelo souvenir do Nepal que você nunca entregou, incomodam-se com a chegada de novas turmas em sua vida. Arre.
              Adoro, prezo e venero a legião dos amigos generosos. Daqueles que mostram um CD novo e dizem: “É seu”. Ou que na hora de dividir contas em bares não ficam fazendo raiz quadrada sobre centavos a mais, drinks a menos. Ou os que trazem uma Stolichnaya debaixo do braço, sem motivo algum além de transformar o abraço em fusão de gargalhadas. São comoventes também aqueles que ligam no meio de uma viagem para comentar bobagens às 11 da noite.
              Desconfio de gente que pede para você ligar novamente daqui a 20 minutos, “porque a novela está pegando fogo”. Deleto os noveleiros. E os que conversam prestando atenção no noticiário? E os que bocejam? E os que atendem a outra linha e esquecem de você? E os que só falam de namoros complicados? E os que só ligam para assaltos ao armário? Malas voltam sujas e casacos de frio retornam meses depois – sem o menor sinal de lavanderia, claro. Ressaltam, na faixa dos pidões, os interceptadores de livros, discos, panelas e, situação clássica, de potes predestinados a sumir ad infinitum em buracos negros de outras cozinhas.
              Intragável as pessoas amigas que viram tagarelas ranzinzas. Os tais discursivos discordam da teoria da relatividade ao nome do cachorro, impondo-se como guardiões de rodapés enciclopédicos. Esqueça os que se retraem perante novidades, os que cospem bagaços conservadores, os que contam tudo sobre a gripe da mãe e caso você ainda não tenha expulso tal espécime de sua vida: os    que    fazem     apologia    da
solidão. Delete também os sovinas disfarçados de meticulosos. Qual a nota para um fax cobrando uma lata de cola que custou menos de R$ 5? Aconteceu comigo.
              Vivam   os  amigos,  vida
longa às amizades. Que tragam alegria, renovação, arrojo, lealdade, vinhos, cordialidade, maluquices, amor, generosidade, independência e, acima de tudo, gratidão por você existir. Assim seja.

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