0. GÉNESE DA OBRA

Ao iniciar-se a guerra que levou à independência de Angola, nos começos de 1961, foi posta em movimento uma complicada máquina publicitária que agitou, ao longo de todo o tempo de luta, intensa campanha de informação. O impacto causado em Portugal por uma guerra daquele tipo despertou em muitas pessoas uma curiosidade que anteriormente não existia. O autor desta obra está incluído nesse número. Procurava-se obter conhecimentos e aprofundar os antigos; para isso prestava-se a maior atenção às crónicas, artigos e informações transmitidos por qualquer dos veículos de comunicação social. Conseguiam-se com relativa facilidade obras de cunho histórico e outras em que se apresentava o território angolano e o seu povo sob aspectos actuais. Isso o levou ao estudo intensivo dos feitos passados, tirando apontamentos que facilitassem a fixação das realizações, das campanhas e até das personagens que nelas intervieram. Assim conseguiu um volumoso feixe de informações que, por circunstâncias meramente ocasionais, chegou às mãos do então deputado à Assembleia Nacional, Dr. Rui Pontífice de Sousa, que tomou a iniciativa de propor a sua publicação através da Agência-Geral do Ultramar, dando forma impressa ao original de A História de Angola através dos seus personagens principais. Aproveitamos o ensejo para prestar homenagem e testemunhar gratidão àquele deputado, pouco depois vítima fatal de um acidente de automóvel.

Quando, em 7 de Fevereiro de 1967, embarcámos para Luanda, depois de uma nomeação por concurso público nos ter colocado em Angola, o original do livro ficava em Lisboa, entregue ao cuidado dos impressores. Entre os pontos que se pretenderam focar, e de que se não conseguiram dados satisfatórios, contava-se a divulgação escolar e a difusão cultural. Tendo fixado residência em Luanda, onde as condições de trabalho eram muito mais fáceis, começou o estudo sistematizado deste tema, com vista à elaboração de uma pequena obra de divulgação. Tomando conhecimento deste objectivo, o então Secretário Provincial da Educação de Angola, Dr. José Pinheiro da Silva, ao mesmo tempo que elogiava e estimulava o projecto, solicitou que se pusesse de parte durante algum tempo, para elaborar uma pequena monografia, O Liceu Salvador Correia, cujo cinquentenário se aproximava, e que veio a ser publicada exactamente no dia das comemorações, 22 de Fevereiro de 1969. A partir desta data, foram retomados os trabalhos interrompidos e o livro programado, História do Ensino em Angola, pôde ser publicado em Março de 1970.

Enquanto se elaborava esta obra, e particularmente depois que o original foi entregue às entidades oficiais, encarregadas de promoverem a edição, preparou-se um conjunto de biografias de personagens cujos nomes figuravam nos pórticos dos estabelecimentos de ensino, e assim apareceu o volumoso livro que recebeu o título de Patronos das Escolas de Angola, publicado em Novembro de 1970.

Quando recebeu a remessa dos exemplares impressos da História do Ensino, e apesar de ter ficado satisfeito com o trabalho, pois nada havia antes que focasse com relativo desenvolvimento tal assunto, o Dr. Pinheiro da Silva solicitou ao autor que não parasse as pesquisas e desenvolvesse a obra, com vista a nova edição, que se pretendia muito ampliada e mais sistematizada. Sobretudo, pretendia-se coligir o maior número de dados possível, ao longo de todo o período de permanência portuguesa (nessa altura a hipótese da independência era muito vaga e remota), reunindo num corpo único elementos dispersos por diversas publicações e numerosos arquivos. Foi, de certo modo, este objectivo que levou o então governador-geral de Angola, tenente-coronel Camilo Augusto Rebocho Vaz, a subsidiar a deslocação do autor de Luanda a Lisboa, onde frequentou durante mês e meio, Julho e Agosto de 1971, o Arquivo Histórico Ultramarino, que guarda o mais rico acervo de documentos relativos à expansão portuguesa no mundo. Como fruto imediato desse trabalho surgiu, em 1973, o livro Primeiras Letras em Angola, no qual se traçam notas biográficas de sete centenas de professores a trabalhar neste território desde 1845 até 1919.

Em fins de 1970 ou princípios de 1971, o Dr. Pinheiro da Silva transferiu-se para Lisboa, onde passou a exercer as funções de Inspector Superior do Ensino, em todos os territórios ultramarinos portugueses. Os seus sucessores não apoiavam a tarefa da elaboração do livro recomendado, que foi um tanto posta de lado. Quando em Junho de 1974 voltou para Luanda, desta vez como Ministro de Estado (sem pasta) no Governo Provisório de Angola, Pinheiro da Silva tornou a incentivar o autor e a solicitar brevidade na conclusão do trabalho. Isto fez com que ele se voltasse a dedicar, com grande entusiasmo, a tal objectivo e o concluísse — não levando em linha de conta um volume suplementar, em que se inventariariam as instituições , os organismos e as personagens que exerceram função relevante na difusão cultural, em todo o território e em qualquer época histórica, previsto no plano geral da obra. No entanto, a conclusão só se verificou cerca de um ano após a saída de Angola do Dr. Pinheiro da Silva; tendo sido, de início, elemento de confiança dos revolucionários de Abril de 1974, passou depois a ser hostilizado, chegando mesmo a ver-se obrigado a procurar refúgio na Espanha, pois caiu no desagrado dos elementos da extrema esquerda que, a partir de certa altura, tomaram conta dos destinos de Portugal e encaminharam, da forma por todos conhecida, o complexo processo de descolonização, com os resultados que o mundo inteiro testemunhou! Tendo recomeçado a tarefa, o autor entendeu que, mesmo sem ter já o apoio daquele político, a publicação ainda era possível, pois o Ministro da Educação, do Governo Provisório de Angola, Dr. Marques Pinto, aceitou a ideia e reconheceu o valor da iniciativa. No entanto, os acontecimentos precipitaram-se e, quando em 22 de Setembro de 1975 deixou Angola, levava na sua bagagem o manuscrito da obra, que ainda se tentou editar em Lisboa, não sendo possível vencer os obstáculos levantados.

Não se trata de um livro de leitura amena e de grande atractivo para o comum dos leitores. Deve considerar-se um trabalho que poderá interessar o curioso da acção civilizadora de Portugal, o estudioso que quiser informar-se, o autor que utilize o material coligido como elemento subsidiário de outros trabalhos. Só assim se aceitarão, por exemplo, as numerosas datas que para o leitor comum serão cansativas mas que para o estudioso são pontos de referência apreciáveis. Só sob esse ponto de vista poderão aceitar-se as inumeráveis referências à criação, transferência e extinção de escolas. Ainda debaixo do mesmo prisma, foram incluídas no livro breves mas numerosas biografias de titulares de escolas, aparentemente deslocadas mas que terão o mérito de fixar nomes que, devido à independência, foram eliminados. Terá certo interesse a indicação dos livros usados nas escolas, sobretudo em certos períodos históricos, pois pela análise deles poderão tirar-se conclusões interessantes quanto à metodologia empregada pelo corpo docente. Também na mesma linha de pensamento se fizeram referências, em certo ponto, às verbas orçamentadas para as escolas, quer fossem destinadas à construção, ampliação ou apetrechamento das instalações, quer se destinassem a auxiliar os estudantes sob outros aspectos.

O hipotético leitor do trabalho deverá, portanto, como é de boa lógica, colocar-se a par dos objectivos previstos, tanto os que foram concretizados como os que não foi possível realizar, devido à escassez de meios fiduciários, limites de tempo e condicionalismo político. Deu-se à obra uma ordenação que se aproxima da literária, em vez de coligir apenas uma vasta gama de elementos e fez-se a sistematização que se julgou suficiente, com o objectivo de tornar a leitura mais convidativa e a consulta mais rápida e mais fácil.

Podemos, pois, concluir que o autor começou por se interessar pelo conjunto de informações referentes a Angola, tanto de hoje como de ontem, mas dando preferência aos feitos do passado. A carência de dados sobre a cultura e a educação despertou o interesse por este tema. Dedicou bastante interesse pelas notas biográficas, pois está convencido de que a História não pode ser a crónica de um caudilho nem o relato da deambulação de um rebanho humano.

O acervo de informações, aqui reunidas, não pode nem deve considerar-se uma apologia da acção civilizadora de Portugal. O que tem de elogioso e construtivo advém da própria natureza das coisas; houve apenas a preocupação de focar iniciativas e mencionar realizações. Pode, portanto, ser referência laudatória ou matéria de acusação; não foram poucos os defeitos, não foram raros os desvios de rumo.

Portugal já foi acusado de fazer a "desafricanização" das populações. Parece mais exacto dizer que procurou, em toda a parte, em todos os domínios, e ao longo de séculos de História, "europeizar" as populações, sem destruir sistematicamente os valores tradicionais. A acção desenvolvida em favor da escola e do ensino teve em vista civilizar, educar, cristianizar. A escolaridade foi idealizada e realizada por europeus.

Não houve a preocupação de fazer obra literária. Não houve cuidados estilísticos, mas teve-se em consideração a clareza e a pureza da linguagem. Na aridez do assunto, teve em vista a leveza da redacção, clareza de pensamento e atractivo da leitura. Não se conseguiu perfeitamente este desiderato, porém esforçou-se, na medida do possível, por atingi-lo.

Um dos trabalhos referidos comemorou o cinquentenário do ensino liceal em Angola; outro integrava-se na colecção comemorativa do IV centenário da fundação de Luanda, cujas solenidades não chegaram a realizar-se, devido à descolonização e independência. A obra intitulada A História de Angola ... constituía leitura recomendada no Curso de História, ministrado na Universidade de Luanda, Delegação do Lubango (Sá da Bandeira).



 
Índice
Anterior
Seguinte
  1