6. CIÊNCIAS E HUMANIDADES

O grande impulsionador do progresso de Angola e célebre governador-geral deste território, D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, conseguiu imprimir um ritmo novo a quase todos os aspectos da administração, e também no sector do ensino sobressai entre os seus contemporâneos, antecessores e sucessores. O conhecido estudioso das coisas de Angola, Carlos Dias Coimbra, chega a afirmar que "viu além do seu tempo". Não é possível fazer-lhe maior elogio. Na verdade, Sousa Coutinho antecipou-se muito ao seu tempo, prevendo realizações e traçando planos que só no século XX puderam concretizar-se, e alguns deles só depois da independência poderão vir a ser empreendidos.

Fundou em Luanda um estabelecimento de ensino a que foi dada a designação de Aula de Geometria e Fortificação, referindo-se-lhe em ofício de 20 de Julho de 1764, portanto a menos de dois meses de governo. Voltou a referir-se-lhe em ofício de 28 de Novembro, recordando uma ordem régia que mandava estabelecê-la e que vinha da afastada data de 1699. No dia 1 de Janeiro de 1765, Sousa Coutinho comunicava já para Lisboa a sua abertura, indicando que funcionava com vinte e quatro oficiais e sargentos. Esta informação é repetida em 30 de Junho do mesmo ano. Deve notar-se que se tratava de uma escola profissional militar.

O estabelecimento referido, a que muitas vezes se dá também a denominação de Aula de Matemática, pode ser considerado de ensino médio. Quanto aos mestres que aí leccionaram, regista-se tremenda fatalidade. No dia 18 de Junho de 1766, o governador-geral Sousa Coutinho comunicava ao rei o falecimento do seu professor, o engenheiro Cláudio António da Silveira, sargento-mor de Angola. Em 16 de Dezembro seguinte, participava ter nomeado para substituir aquele o engenheiro Joaquim José Cipriano dos Santos, que atingira igualmente o posto de sargento-mor. Este veio a falecer no dia 15 de Abril de 1768, e o governador-geral dava para a corte, como prémio de consolação pela triste notícia, a informação agradável de ter deixado bons discípulos, o que deverá significar alunos com bom aproveitamento.

Sabe-se que o sucessor de D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, António de Lencastre, deixou morrer quase todas as iniciativas do grande governante, visto que não manifestou interesse pelas tarefas que tanto tinham preocupado o dinâmico fidalgo. Não trataria de forma diferente a sua Aula de Geometria e Fortificação (ou Aula de Matemática) e assim se compreende que nos anos seguintes não apareçam informações relativas ao seu funcionamento. Só mais tarde, em 2 de Outubro de 1791, reabriu em Luanda a sua Aula de Geometria, destinada a fornecer conhecimentos de matemática aos alunos matriculados, quase todos ou mesmo todos eles oficiais e sargentos das forças armadas. Afirma-se ter sido criada no dia 29 de Setembro anterior, por iniciativa de Manuel de Almeida e Vasconcelos, irmão e sucessor do barão de Moçâmedes. O curso funcionava numa dependência do palácio do Governo-Geral, e estava a cargo do segundo-tenente de artilharia, António Manuel da Mata.

Alguns autores dizem que o conde de Murça, D. Miguel António de Melo, enquanto governador-geral de Angola, se esforçou para que a Aula de Aritmética, Geometria e Trigonometria fosse restabelecida em Luanda. Há indicações oficiais que dizem ter sido estabelecida em Angola pela carta régia de 19 de Agosto de 1799, subscrita pelo príncipe-regente D. João, o futuro rei D. João VI. Em face da discordância, apenas podemos ser levados a pensar que, apesar de ter sido criada, não entrasse em funcionamento. No entanto, outras informações asseguram-nos que funcionou desde 1795 a 1800, sendo destinada à preparação de topógrafos e contabilistas, e que vinha do tempo de Sousa Coutinho, seu fundador.

Durante o período de governo do conde de Porto Santo, D. António Saldanha da Gama, restabeleceu-se em Luanda o funcionamento da Aula de Matemática, em 8 de Janeiro de 1808. Foi seu professor o primeiro-tenente de artilharia Francisco de Paula e Vasconcelos, sendo frequentada por numerosos oficiais e sargentos dos quadros militares, que desejavam aumentar a sua cultura e ao mesmo tempo ser agradáveis ao governador. Este pormenor leva-nos a concluir que tivesse grande interesse no seu funcionamento, o que é sumamente honroso para o distinto fidalgo.

O ensino da Medicina abriu nas terras ultramarinas, segundo alguns autores, os estudos de nível superior. Foi iniciado em Angola no ano de 1789, mundialmente famoso por ter sido o da Revolução Francesa. O assunto que nos prende distancia-se da data da abertura dos Estados Gerais, em Paris, por pouco mais de uma semana.

A Escola Médica de Luanda foi criada, com efeito, no dia 24 de Abril desse ano, por diploma assinado pela rainha D. Maria I, que tanto interesse dispensou à instrução, segundo os moldes do tempo, por certo motivada e influenciada já, embora inconscientemente, pelas ideias que vinham da França. Segundo afirma a escritora Maria da Soledade Montenegro, o respectivo documento foi registado na Secretaria-Geral de Angola com a data de 4 de Outubro de 1790. Só começou a funcionar cerca de um ano depois. Segundo alguns estudiosos, a designação do estabelecimento passou a ser a de Aula de Medicina e Anatomia.

A sessão pública inaugural dos trabalhos escolares efectuou-se no dia 11 de Setembro de 1791. A cerimónia foi muito concorrida e revestiu-se de grande brilho. Assistiram ao acto as principais personagens da acanhada vida política, social, económica e cultural da cidade de Luanda, no final do século XVIII. Foi nomeado director e lente principal o Dr. José Pinto de Azeredo, que proferiu a oração de sapiência, o discurso inaugural. Faziam parte do corpo docente o médico militar Dr. Francisco Xavier de Cayros e o cirurgião Dr. Manuel da Cruz.

No dia 25 de Janeiro de 1792, o governador-geral Manuel de Almeida e Vasconcelos informava que a Aula de Medicina, Anatomia e Matemática era pouco frequentada. Esta designação permite-nos admitir a hipótese de a Escola Médica e a Aula de Geometria terem sido fundidas num estabelecimento único. Talvez acontecesse isso desde o começo, pois os respectivos trabalhos começaram em datas muito próximas. Não temos, porém, qualquer prova documental de que assim tenha acontecido.

No dia 28 de Novembro de 1794, a Escola Médica de Luanda passou diploma de curso a um aluno, o Dr. João Manuel de Abreu, que tinha feito já os estudos de Farmácia, em Portugal. Não há notícia de que outros estudantes tenham concluído a sua formatura de Medicina, em Angola.

A propósito, não deixaremos de referir que Guilherme A. A. Abranches Pinto menciona num seu estudo estar a trabalhar em Benguela, no ano de 1816, o cirurgião-mor João Manuel de Abreu, o que nos permite deduzir que fosse o antigo aluno da Aula de Medicina de Luanda, pois não sendo conhecido outro médico deste nome, em Angola, não será provável que tão próximo se encontrassem dois...

Atendendo ao que se escreveu na carta de aprovação do Dr. João Manuel de Abreu, na Escola de Medicina era ministrado o ensino das disciplinas de Anatomia, Fisiologia, Química, Matéria Médica e Prática de Medicina.

O Dr. José Pinto de Azeredo publicou, em 1799, um livro de medicina intitulado Ensaios sobre algumas enfermidades de Angola, de que foi feita nos meados do século XX uma edição fac-similada, por iniciativa de um organismo da especialidade, o Instituto de Investigação Científica de Angola. Esta obra é considerada uma das mais interessantes daquela época, um curioso compêndio de medicina tropical. Seria fruto directo da actividade docente do seu autor!? Estamos dispostos a acreditá-lo!

Não era este o primeiro trabalho editado por médicos angolanos, pois mais de século e meio antes, em 1623, o Dr. Aleixo de Abreu tinha feito imprimir o seu Tratado de las siete enfermedades; e um quarto de século antes da publicação do livro do Dr. Azeredo outro facultativo de Angola, o Dr. Pedro Augusto Ferreira redigira o trabalho intitulado Tractado das queixas endemicas e mais fataes nesta conquista, há poucos anos impresso, incluído na revista STVDIA.

O decreto de 14 de Setembro de 1844, secundado por outro do dia 2 de Abril de 1845, lançou as bases da criação de um instituto destinado à preparação de "Práticos de Medicina", em Luanda. O respectivo plano de estudos foi elaborado pelo Conselho de Saúde Naval e abrangia as seguintes cadeiras: — Anatomia e Fisiologia; Clínica Médica; Clínica Cirúrgica; Patologia Interna e Externa; Terapêutica; Higiene; Farmácia.

Não sabemos ao certo se a escola chegou a funcionar, mas cremos que não, pois não se encontrou qualquer indicação positiva. A intenção do legislador era preparar aqui pessoal competente para o exercício da enfermagem e pequena medicina. Aceitava-se que o estudo ficaria mais económico do que transferindo os alunos para a Metrópole, pois continuavam nas suas terras, dando maiores garantias de permanência, depois de concluído o curso, do que os alunos deslocados quanto ao regresso, pois criavam novos hábitos e familiarizavam-se com ambiente social muito diferente e mais evoluído, preferindo muitas vezes continuar a viver na Europa, em vez de regressarem à África.

A grande dificuldade a vencer era a defeituosa preparação de base dos alunos que pretendiam inscrever-se e seguir os estudos, a que devemos juntar a grande carência de mestres. Defendia-se que os candidatos à matrícula deveriam ter preparação elementar mais completa, mais cuidada e mais intensa. Todavia, as condições gerais do meio ambiente não lhes eram favoráveis. Adiante encontraremos provas cabais desta afirmação.

Admitia-se já nessa altura outra dificuldade que sempre se notou e prejudicou enormemente a divulgação cultural nesta terra, a carência de livros de estudo e consulta. Este mal não foi vencido num longo século de história. E era muito fácil de eliminar, se fosse enfrentado com vontade decidida de o vencer!

No dia 11 de Dezembro de 1851, um relatório ministerial encarecia o valor da iniciativa, apontava as dificuldades e as deficiências, distinguia a Escola Médica de Goa como a única que tinha obtido resultados aceitáveis e, por fim, em vez de encontrar uma solução e abrir um caminho, o decreto que encerrava aquele documento extinguia algumas dessas escolas e entre elas a de Luanda. Assim acabou uma experiência que durou sessenta anos.

Recuemos um pouco, cerca de um século, e retomemos a narrativa no ponto conveniente. Deve-se também ao governador-geral de Angola D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho o estabelecimento da Aula Régia de Latim, a que estava anexo o estudo das disciplinas de Filosofia e Retórica. Esta escola andou sempre, em Angola, ligada com os estudos promovidos tendo em vista a preparação para a vida eclesiástica, a recepção das ordens sacras.

Em 2 de Setembro de 1765, Sousa Coutinho solicitava uma vez mais, repetindo o pedido já muitas vezes feito pelos seus antecessores, que fossem enviados missionários para Angola. Também ele salientava que, de todos, os capuchinhos italianos eram os que procediam melhor e gozavam de maior consideração. Já em Junho de 1764 havia dito que o povo só acreditava na pureza de intenções e prática de vida dos religiosos barbadinhos. Angola carecia muito de eclesiásticos que viessem preencher os lugares vagos. Estávamos a pequena distância da expulsão dos jesuítas e sentiam-se já as suas consequências!

Interessante se torna notar que, por esta altura, encontramos aqui bom número de clérigos deportados. A título de curiosidade, podemos lembrar o P. João Teixeira de Carvalho, já nosso conhecido, compulsivamente baldeado de Angola para o Brasil, como elemento indesejável. Ainda dentro do discutido processo deste sacerdote, dois outros padres foram metidos na cadeia, por ordem do bispo; por sua vez, o prelado mostrava sofrer de graves distúrbios, perdera a memória e a lucidez mental. Em 1 de Junho de 1765, o governador-geral comunicava haverem desembarcado em Luanda os padres degredados, Frei Manuel de Santo Inácio e P. João Pereira Soares. Este veio a falecer cerca de um mês depois. No dia 3 de Julho do mesmo ano, comunicava que havia sido passada ordem de expulsão da província contra o cónego de São Tomé, P. Diogo José Duarte. Dois jesuítas degredados para Angola, neste período em que se efectuou a expulsão da ordem, os já nossos conhecidos P. Manuel Girão e P. Manuel Gonzaga, morreram a caminho do presídio a que foram destinados, por doença, esgotamento ou maus tratos. Outro sacerdote, que chegou no dia 21 de Novembro de 1768, faleceu pouco depois, em 30 de Julho, também a caminho do lugar a que tinha sido destinado para cumprimento da pena, Alva Nova, um presídio no sertão da Huíla. Parece estranho que os sacerdotes degredados tivessem tão curto tempo de vida depois de desembarcarem nestas paragens! O que apontámos surgiu naturalmente no decorrer do estudo que fizemos, sem haver a preocupação de aprofundar este ponto de tanto interesse para o conhecimento cada vez mais perfeito e mais completo do que foi a colonização de Angola.

Devido à influência de factores que todos conhecem, invasões francesas, lutas liberais, guerras civis e revoluções políticas, os primeiros cinquenta anos do século XIX ficam aquém dos últimos cinquenta anos do século XVIII, que também já não foram brilhantes.

Depositou-se grande esperança no clero indígena, pois se aceitava o princípio de que a evangelização e civilização dos nativos seria mais fácil com sacerdotes autóctones. No entanto, nunca se conseguiram vencer as dificuldades e nunca se enfrentaram a sério os respectivos problemas. Por isso, os resultados foram quase nulos. As tentativas para o estabelecimento de um seminário foram numerosas, começando logo nos primeiros tempos da presença portuguesa e prolongando-se durante séculos, até os nossos dias. Fizemos já diversas referências a este pormenor, mas podemos agora apontar mais uma, a de 11 de Novembro de 1772, data provável em que foi criada a Aula Régia de Latim, ou Aula de Gramática Latina, em Luanda, e nomeado o respectivo professor, cujo nome se desconhece. Tendo-se feito tantas tentativas para fundar um seminário, na capital do território, esta era mais uma, porque o estudo do latim era fundamental para o clero mas estava igualmente na base da cultura geral e preparação escolástica das pessoas instruídas de então.

A carta régia de 19 de Agosto de 1799, a que já fizemos menção, estabeleceu em Luanda as Aulas de Latim, Grego, Retórica, Filosofia e Matemática. Poucos dias depois, ao ser apontada a necessidade de se escolher um indivíduo que fiscalizasse o funcionamento das escolas, prestava-se atenção muito especial a este sector, em que se depositavam fundadas esperanças. Era uma tentativa nova, uma experiência a mais. Olhando para o panorama luandense, o governador-geral comentava que seria impossível encontrar aqui professores competentes para regerem aquelas cadeiras; contudo, no dia 4 de Novembro seguinte, era já nomeado mestre de Latinidade, um dos cónegos da sé. Quanto às restantes matérias, desconhecemos que alguma vez chegassem a ter professor que as ensinasse. O conde de Murça, D. Miguel António de Melo, defendia a criação de um seminário regular, onde se preparasse o clero indígena, mas a ideia não vingou.

Recordemos que o novo bispo de Angola e Congo, D. Joaquim Maria Mascarenhas Castelo Branco, tentou fundar o seminário diocesano logo no princípio do seu episcopado, que vai de 1802 a 1807. Nomeou para o cargo de professor de Teologia o superior dos carmelitas descalços, sendo as aulas ministradas numa dependência do seu convento, o de Santa Teresa ou do Carmo, que ficava anexo à actual igreja paroquial desta designação. Os resultados foram pouco animadores e a iniciativa fracassou. Esta tentativa localiza-se pelo ano de 1803; mas já antes, em 3 de Fevereiro de 1800, o governador-geral D. Miguel António de Melo havia proposto a criação deste estabelecimento, sugerindo que o encargo docente fosse confiado aos cónegos da catedral. Embora não estivesse muito convencido de obter bons resultados, como logo confessou, não se dedignou de tentar a sua fundação.

Segundo Manuel dos Anjos da Silva Rebelo refere no seu livro Relações entre Angola e Brasil, o governador-geral José de Oliveira Barbosa comunicou, por ofício de 14 de Setembro de 1811, dirigido ao conde de Galveias, D. João de Almeida de Melo e Castro, que se achava vaga a cadeira de Gramática Latina, devido a ter renunciado ao cargo o respectivo titular, cónego Manuel Dantas Lima, para a qual tinha sido nomeado em 4 de Novembro de 1799 — identificando-se deste modo o professor atrás mencionado. A Aula de Geometria, que tinha sido regida por Francisco de Paula, também estava vaga, não se indicando o motivo. Pensava-se em entregar o ensino desta escola ao sargento-mor de Angola, António Osório, mas desistiu-se do projecto atendendo a que tinha muito serviço e idade avançada. Em face disso, foram aproveitados os dotes do degredado brasileiro Joaquim Manuel de Sequeira Bramão, um dos inconfidentes, compulsivamente embarcado para Angola, reconhecendo que tinha qualidades e conhecimentos suficientes para se encarregar do ensino de Gramática (por certo portuguesa e latina), Francês, Inglês, Matemática e até Filosofia Racional e Moral. A escola continuava a funcionar numa das salas do piso térreo do Governo-Geral, para que o professor, que não deixava de ser um degredado, pudesse ser mais conveniente e facilmente vigiado, tornando-se o ensino destas matérias mais económico. Frequentavam as aulas dezasseis alunos entre militares e civis, e além destes um filho do próprio governador-geral.

Informa ainda Silva Rebelo que o Dr. José Pinto de Azeredo foi substituído, como físico-mor de Angola e lente da Escola Médica de Luanda, em 22 de Outubro de 1796, pelo Dr. Joaquim José Marques, que tomou posse do cargo em 5 de Agosto de 1797. Dois anos mais tarde, em Outubro de 1799, o lugar era ocupado pelo Dr. José Maria Bontempo, a quem foi confiado o encargo de continuar a missão de ensinar Medicina, em Angola. Ele, no entanto, reconheceu logo que, devido a não haver estudantes com preparação adequada, seria impossível obter bons resultados. Podemos esclarecer que este médico era irmão do conhecido compositor João Domingos Bontempo.

Em 1828, o Governo de Lisboa fez ainda diligências junto das autoridades de Angola e do Conselho Ultramarino, para que reabrisse a Escola Médica de Luanda. O respectivo professor auferia o vencimento anual de oitocentos mil reis, importância razoável para o tempo. Foi aberto concurso para o provimento do lugar, mas não há conhecimento de que a iniciativa frutificasse.

O mesmo autor, noutro lugar da sua obra, afirma que a Academia Militar do Rio de Janeiro foi frequentada por muitos oficiais que prestaram serviço em Angola; e a Escola Médico-Cirúrgica daquela cidade teve como alunos alguns rapazes desta província, de Luanda e de Benguela, sendo escolhidos entre os estudantes melhor comportados, mais inteligentes e aplicados. Grande parte das despesas, se não a totalidade delas, corria por conta dos cofres públicos. Encontram-se no livro em referência os nomes de diversos estudantes angolanos no Brasil, pelo menos uma dezena deles. E, como nota curiosa, não queremos deixar de registar que dois dos professores daquele estabelecimento de formação médica trabalharam em Luanda, ocupando o lugar de físico-mor e acumulando as funções de lentes da Aula de Medicina de Angola; foram eles os já nossos conhecidos Dr. Joaquim José Marques e Dr. José Maria Bontempo.

Ao falar do degredado brasileiro que tomou conta, em Luanda, da regência do sector mais desenvolvido do esquema escolar angolano, nos começos do século XIX, Sequeira Bramão, passámos a referir por ligação lógica os médicos-professores do Rio de Janeiro e de Luanda. Tiveram sobre si o encargo de uma tarefa que poderia vir a exercer profunda influência na vida social e na saúde pública. Infelizmente, os frutos colhidos foram menos abundantes e menos vigorosos do que seria previsível.

Em 1822, sendo bispo da diocese D. Frei João Damasceno da Silva Póvoas, fez-se nova tentativa para a criação do seminário de Luanda. O professor de Teologia continuava a ser o superior do convento dos carmelitas descalços. O próprio prelado leccionava também algumas disciplinas. Para que os candidatos pudessem ser ordenados, exigia-se a apresentação de atestados de aproveitamento, passados pelos professores das cadeiras mais importantes. Os resultados práticos colhidos da iniciativa não foram animadores. Alguns anos depois, em 1827, determinava-se que deveriam assistir às aulas os sacerdotes que pudessem, estabelecendo-se a obrigatoriedade para aqueles que tivessem menos de quarenta anos e para os clérigos de ordens menores. Fixaram-se certos princípios orientadores, mas os frutos práticos não satisfizeram, não corresponderam à expectativa. O mestre principal do curso de formação eclesiástica era o prefeito dos capuchinhos, Frei Donato de Pentremoli.

Nicolau de Abreu Castelo Branco, em documento subscrito a 30 de Abril de 1830, alegava que os capuchinhos deveriam ser os missionários que melhor satisfaziam os deveres e funções do magistério, defendendo a ideia de se lhes entregarem as tarefas do ensino, em Angola. Naquela data, já ele tinha deixado o cargo de governador-geral; por isso, põe-se a dúvida se a data está errada ou se ainda depois de deixar o lugar continuava a interessar-se pelos problemas angolanos. Esta nota referir-se-á a outra personagem histórica!? Uma hipótese aceitável é a de Nicolau de Abreu Castelo Branco ser membro efectivo do Conselho Ultramarino.

A questão da fundação do seminário de Luanda voltou ainda mais vezes a ser tratada, por exemplo em 1843, ano em que chegou a ser nomeada uma comissão (cuja composição não pudemos determinar), encarregada de estudar as bases do seu estabelecimento definitivo. Veio, por fim, a ser criado por decreto de 23 de Julho de 1853. Está indirectamente ligado à aprovação deste projecto e à fundação do seminário-liceu de Luanda o nome do grande escritor e introdutor do romantismo em Portugal, Almeida Garrett, que como membro do Conselho Ultramarino apoiou a iniciativa, contribuindo assim para que o horizonte escolar angolano se alargasse.

E mais uma vez somos forçados a recuar; o peso da cronologia assim o exige.

Atribui-se com verdade a Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho a criação de uma escola de primeiras letras, de ler, escrever e contar, como então se dizia, cujo funcionamento ficaria a cargo das entidades governamentais. Consideramo-lo também o promotor do ensino técnico-profissional em Angola, imitando o seu modelo e patrono metropolitano, o famoso e discutido Marquês de Pombal. Com a instituição do "Trem" em Luanda, dotado com diversas oficinas e ferramentas, iniciou aqui o ensino técnico prático, sob a modalidade de escolas-oficinas ou escolas de artes e ofícios. Os aprendizes destas oficinas atingiram grande perfeição profissional; foram montados uns estaleiros navais bem equipados, onde foram construídos alguns barcos relativamente grandes e muito eficientes. Entre todos destacou-se um que ostentava o nome da cidade e foi objecto de numerosas referências.

O historiador Silva Correia, na sua História de Angola, escreveu a respeito de Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho e do impulso que ele deu à instrução que —"jamais se havia ouvido em Angola o nome de Geometria. Em Gramática, ignorava-se o que era um verbo e a diferença que tinha de um nome, excepto algum clérigo que se não houvesse esquecido das noções mais rudimentares. Conseguiu abrir duas aulas destes estudos; elas destruíram um pouco a ignorância tradicional, tanto nos militares como nos civis. Contudo, sendo mais poderosa a inércia dos nacionais do que todos os esforços de um chefe sábio e beneficente, uns esmoreceram e outros descuidaram-se e vieram a esquecer o que souberam, apesar dos meios que o seu inteligente e ilustre fundador buscou para excitar progressos na teoria e na prática daquela indispensável ciência".

Exactamente nos dias em que D. Francisco saiu de Angola, o primeiro-ministro do rei D. José, o Marquês de Pombal, publicava em 10 de Outubro de 1772 o decreto que instituía o "subsídio literário" tornado extensivo a todos os territórios nacionais, mesmo as províncias ultramarinas. Destinava-se a fomentar a cultura intelectual e a divulgar a alfabetização. Muito mais se engrandeceria o nome de Sousa Coutinho se pudesse fazer frente às despesas que o desenvolvimento escolar acarreta, se este decreto tivesse sido publicado e aplicado mais cedo.

Em 11 de Novembro de 1772, a poucos dias do fim do seu governo, ainda D. Francisco Inocêncio criou mais uma escola de ler, escrever e contar, como então se dizia. Sabemos ter fundado além disso a Aula Régia de Latim, onde se estudavam matérias mais desenvolvidas.

Fora do quadro missionário, nada havia organizado em relação ao ensino, até meados do século XIX. Pouco ou nada se pensou organizar a sério onde não houvesse missionários. Com a retirada dos jesuítas, nos meados do século XVIII, a província de Angola e, muito particularmente, a cidade de Luanda ficaram sem mestres que ensinassem. No tempo de Sousa Coutinho, como já vimos, e como consequência da expulsão dos religiosos da Companhia de Jesus, tomaram-se algumas medidas ordenadas e sistematizadas, dignas da atenção e do apreço dos cultores da História. Basilarmente, nada diziam ainda a respeito do ensino dos indígenas, pois destinavam-se quase exclusivamente aos europeus, embora não fossem afastados delas os africanos que quisessem e pudessem instruir-se, sabendo-se que bastantes aproveitaram a oportunidade que lhes era concedida, com resultados satisfatórios.

No tempo de Saldanha da Gama, que governou Angola desde 1807 a 1810, usando o título nobiliárquico de conde de Porto Santo, renovou-se a iniciativa de Sousa Coutinho, criando-se ou restabelecendo-se escolas de primeiras letras em Luanda e Benguela; estas cidades constituíam as duas mais importantes povoações de Angola. Mas estas providências só se consolidaram depois da publicação do decreto que criava a instrução pública em Angola e demais territórios ultramarinos, em 1845; deu começo à sua estruturação, embora viesse a ter desenvolvimento demorado e execução demasiado lenta, como veremos no momento e lugar oportunos.

Em 9 de Janeiro de 1792, o governador-geral Manuel de Almeida e Vasconcelos ordenava que o ouvidor-geral tomasse a direcção dos estudos e educação da juventude, pelo que se manifestava excessivo descuido e notável desprezo. Propunha-se dar aos novos, à mocidade de Angola, instrução condizente com as exigências e necessidades dos tempos que iam passando. Deve notar-se que a Directoria dos Estudos e Escolas do Reino só foi instituída em Portugal cerca de três anos mais tarde, isto é, em 17 de Dezembro de 1794.

O problema escolar havia sido posto já antes, como sabemos, embora muito secundariamente. Assim, a carta régia de 17 de Outubro de 1773 determinava que o imposto cobrado sobre a aguardente e a carne fosse destinado ao pagamento dos professores, cujo vencimento não estava previsto nas despesas públicas correntes. Em Março de 1794, o ministro Martinho de Melo e Castro aplicou o imposto sobre o tabaco, proveniente do Brasil e importado pelo porto de Luanda, à satisfação do pagamento ao professor da Aula de Gramática Latina e ao mestre de ler e escrever, que então exerciam as suas funções na capital de Angola.

A carta régia de 17 de Dezembro de 1794, subscrita pelo príncipe-regente de Portugal, o futuro D. João VI, rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, então a governar o País por motivo de doença declarada da rainha D. Maria I, sua mãe, entregava aos bispos dos territórios ultramarinos a direcção das escolas. No caso concreto de Angola, a nomeação dos professores seria feita pelo governador-geral com a anuência do prelado. Realmente, as escolas daquele tempo deviam interessar tanto à autoridade eclesiástica como à autoridade civil, visto serem membros do clero muitos dos professores e dedicarem atenção muito particular à difusão da instrução religiosa.

Em 8 de Fevereiro de 1795, foi nomeada professora da cadeira de ler, escrever e contar, para a educação de meninas, tendo o vencimento anual de cento e vinte mil reis, a esposa do tenente António Manuel da Mata, Teresa Maria de Albuquerque; aquele oficial regia nessa altura a Aula de Geometria, para que tinha sido nomeado em Outubro de 1791. No mesmo dia da nomeação da professora de meninas, foi nomeado também um professor para o sexo masculino, Frei João do Monte Carmelo, que desempenharia idênticas funções e tinha igual vencimento.

Alguns autores, como por exemplo Silva Rego, no seu livro O Ultramar Português no Século XVIII, parecem inclinar-se para a hipótese de a professora Teresa Maria de Albuquerque ter tomado conta do ensino na mesma altura em que o marido foi nomeado lente de Matemática.

Apesar de termos colhido referências em vários escritores quanto à identidade de Frei João do Monte Carmelo que o dão como religioso franciscano, o seu nome leva-nos a pensar que talvez fosse carmelita descalço, pois existiam em Luanda as duas congregações e não nos parece lógico que um frade tivesse nome de religião próprio de ordem estranha e não da sua.

Pela carta régia de 19 de Agosto de 1799, já referida noutro lugar, foram enviadas instruções referentes ao ensino público, em Angola, ordenando a forma de fazer a nomeação dos professores e tratando de outras questões de interesse para o desenvolvimento escolar. Recomendava que se promovesse nesta província o estudo das línguas latina e grega, a que se dedicava particular atenção, e ainda de outras matérias a que já fizemos menção.

Estas determinações régias deveriam estar, por certo, no prosseguimento da questão exposta pelo governador D. Miguel António de Melo, nos seus ofícios de 6 e 24 de Dezembro de 1798, em que propunha a criação de uma escola de primeiras letras na cidade de Benguela e tratava de outros problemas do ensino. No dia 31 do mesmo mês e ano, sugeria que os ordenados a pagar ao mestre da Aula de Gramática Latina e ao capelão do Regimento de Infantaria de Luanda fossem somados para o pagamento do professor da escola e do capelão, podendo sem mais despesa ficar aquele estabelecimento de ensino com o indispensável mestre e o regimento com o serviço religioso assegurado. Se bem entendemos, pretendia que o professor e o capelão fosse o mesmo sacerdote; como o seu vencimento seria, daquela forma, bastante elevado, pois juntava dois ordenados, poderia encontrar-se mais facilmente um padre competente que tomasse a seu cargo as duas funções, compatíveis uma com a outra.

No dia 3 de Setembro de 1799, o ministro da Marinha e Ultramar, Rodrigo de Sousa Coutinho, filho do celebérrimo governador-geral de Angola D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, mandou nomear um professor de reconhecido mérito e boa moral para visitar as escolas e verificar a assiduidade dos mestres e a eficiência dos métodos de ensino por eles empregados, o grau de aproveitamento e aplicação dos alunos, e que de tudo se enviasse o competente relatório, para ser apresentado ao príncipe-regente.

No tempo do governador-geral António Saldanha da Gama, conde de Porto Santo, que esteve à frente dos destinos desta província desde 1807 a 1810, a europeia Antónia Basília de Brito, esposa do primeiro tenente de artilharia Francisco de Paula Vasconcelos, então a reger a Aula de Matemática, dava lições de leitura e escrita, de francês e desenho, de música e bordados, numa das salas do palácio do Governo-Geral, aonde afluíam as filhas das principais famílias de Luanda. Esta iniciativa tinha o apoio da esposa do governador, a quem se atribui geralmente o nome de D. Antónia de Saldanha, por apropriação do de seu marido. Há quem afirme ainda que ela colaborava também, dirigindo alguns trabalhos e ensinando determinados grupos.

Apesar do que diversos autores afirmam, e que nós acabámos de referir, temos dúvida em aceitar que o nome da esposa do tenente Vasconcelos seja aquele. Parece antes, mais lógico que se refira à esposa do governador-geral, cujo nome, segundo a obra Nobreza de Portugal, era Antónia Basília Herédia de Bettencourt, filha de José de Brito Herédia e de Joana de Brito Bettencourt. Não negamos que a esposa do conhecido oficial colaborasse na tarefa do magistério, não sendo o primeiro caso conhecido de um casal de professores a leccionar em Luanda. Falámos já do tenente António Manuel da Mata, professor da Aula de Matemática, e de sua mulher Teresa Maria de Albuquerque, professora de meninas. Seria mais provável que a professora fosse a mulher de um oficial do que a esposa do governador. Apenas pomos objecção quanto ao nome por que é conhecida, salientando simplesmente a confusão estabelecida com a senhora do conde de Porto Santo. A Comissão de Toponímia de Luanda prestou homenagem à distinta dama, dando o seu nome a uma das artérias da cidade — Rua D. Antónia de Saldanha.

Um documento oficial, que tem a data de 4 de Agosto de 1816, faz referência a um requerimento de Maria do Carmo Freire de Faria, viúva do tenente de artilharia Pedro Bonifácio Freire de Faria, a qual se identificava a si mesma como mestra de meninas, o que nos prova haver então uma escola feminina em Luanda. Talvez até fosse de iniciativa e propriedade particular! Quem sabe se aquela senhora não teria necessidade de lançar mão deste meio para poder viver, depois do falecimento do marido!? Merece referência o pormenor de haver em Luanda, nos princípios do século XIX, bastantes famílias, europeias e africanas, particularmente as de maior representação e importância, que estavam dispostas a dar às suas filhas alguma preparação literária, coisa que naquele tempo nem sempre era apreciada, tendo-se generalizado até um adágio em que a mulher letrada é desfavoravelmente considerada.

No final do século XVIII ou começos do século XIX, foi criada em Benguela, em data que não conseguimos apurar, a respectiva escola feminina. O seu funcionamento não pode ser acompanhado, tal como acontece com a de Luanda, por falta de referências e de documentos que se lhes reportem. Tudo nos leva a acreditar que a sua actividade deverá ter sido muito irregular.

Percorrendo o livro de Silva Rego, O Ultramar Português no Século XVIII, podemos colher a informação de que, nos primeiros anos do centénio seguinte, o rei do Congo mandou alguns rapazes para Luanda, a fim de aprenderem os ofícios de pedreiro e carpinteiro. Nós sabemos que, em casos destes, se lhes ensinava também a ler e a escrever. O governador-geral entendia ser melhor mandá-los para Lisboa, pois em Angola não havia mestres competentes destes ofícios. O rei do Congo, retomando a política de aproximação já usada nos séculos XVI e XVII, pedia que fossem enviados missionários para as suas terras, não sendo atendido pela circunstância de não haver sacerdotes disponíveis. Em 3 de Junho de 1804, o rei congolês era informado, por carta do governador, que o seu sobrinho D. Afonso estava em Luanda, onde fazia o estudo das primeiras letras; aprendia com facilidade a exprimir-se em português, os mestres estavam contentes com os progressos registados, e o jovem escolar deixava aos domingos o convento de Santo António, em que estava hospedado, a fim de passar o dia no palácio, onde jantava. O jantar daquele tempo deveria ser ainda a refeição do meio-dia.

Alguns anos depois, aparecem-nos dois estudantes da família real do Congo a cursar aulas em Luanda; um deles, o príncipe D. Afonso (era certamente outro indivíduo de nome igual) mostrava fracas qualidades e andava em más companhias. Acontecia isto em 1811; no ano seguinte, em carta de 3 de Novembro, já se dizia que o infante D. Pedro, que outrora se aplicava ao estudo e comportava bem, tinha agora comportamento condenável, pois chegara a vender como escravo outro moço conguês, por certo membro da sua família, pois era designado por D. Pedro, tal como o primeiro. Estes dados apenas nos permitem concluir que a escola continuava a merecer as atenções e se via no estudo uma forma eficiente de valorizar as populações indígenas, mesmo que fossem da aristocracia da terra.

No dia l7 de Abril de 1796, chegaram a Luanda, vindo de Lisboa, dois nativos que haviam sido educados no Seminário da Caridade, Vitorino Pedro e Mateus António Jacques. Foram confiados ao cuidado do mestre régio de Gramática Latina, até à chegada do bispo de Luanda, D. Luís de Brito Homem. Há notícia de outros casos idênticos, enviando alguns estudantes para Portugal e outros para o Brasil, onde cursavam os estudos a que iam destinados. Muitos deles regressaram a Angola, distinguindo-se entre os habitantes da cidade de Luanda pela sua projecção social, embora nalguns casos pudesse esperar-se deles actuação ainda mais brilhante!



 
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