11. LIMITAÇÕES DA VIDA ESCOLAR
O pessoal que se dedicava ao magistério, em Angola, nem sempre mostrava ter as qualidades indispensáveis para bem cumprir as exigências desta função pública. Em regra, o recrutamento deixava bastante a desejar, havendo necessidade de aproveitar todos os elementos disponíveis para poderem ser preenchidos os acanhados quadros docentes. E isso veio afectar muitas vezes os resultados práticos do ensino.
Nem sempre, porém, era a incompetência e a falta de preparação intelectual e humanística a causa principal dos fracassos. Quase sempre os defeitos de carácter tinham importância maior e mais considerável. Efectivamente, a preparação intelectual não supre as falhas de fundo moral e as deficiências de personalidade.
Temos de admitir que, para o pequeno número de escolas que Angola contava então e para o número de professores em exercício, que era ainda menor (pois nem todas funcionavam, havia bastantes lugares vagos), os castigos aplicados aos agentes do ensino denotam que o ambiente geral das escolas não era, de maneira nenhuma, isento de mazelas e manchas notáveis. Registámos alguns casos de que tivemos conhecimento, tendo-o feito de maneira espontânea, sem a preocupação de realizar pesquisa intencional e sistemática, que não deixaria de nos fornecer elementos ainda mais expressivos.
Não pode generalizar-se e dizer o mesmo de todos os agentes do ensino, evidentemente. Houve alguns que mereceram rasgados elogios. Recordamos que o Boletim Oficial de Angola publicou repetidas vezes referências elogiosas à Escola Principal de Luanda a aos seus professores, sobretudo a um deles, José Maria da Lembrança de Miranda Henriques, o qual exerceu este cargo durante bastantes anos, pois tendo sido nomeado em Julho de 1850 e entrado em exercício em Janeiro seguinte, veio a ser jubilado ou aposentado em Agosto de 1866. Dele se dizia, em Fevereiro de 1856, que era muito culto e havia frequentado até escolas superiores; era trabalhador e dedicado ao ensino, ministrando a instrução a mais de cento e cinquenta alunos; era um professor moderno, que não usava métodos desumanos e ultrapassados, pondo de parte a férula, que noutras escolas era objecto imprescindível, naqueles tempos. O articulista considerava-o disciplinado, benévolo e cumpridor, cujos alunos não davam à sua escola o aspecto desagradável, irreverente, malcriado e barulhento, que se considerava normal em tais estabelecimentos.
Referindo-nos a um ou outro professor que não cumpria os seus deveres como devia, recordaremos que, em 12 de Dezembro de 1867, foi demitido o professor de instrução primária da Barra do Bengo, Manuel Gomes de Araújo Neto, pelas suas repetidas faltas.
Sabemos que o governador-geral José Baptista de Andrade deferiu, em 28 de Junho de 1865, o requerimento que lhe fora dirigido por Domingos Pereira Bravo Cassiano, porteiro e contínuo da Secretaria do Governo do Distrito de Golungo Alto, pedindo para ser nomeado professor primário daquela vila. Em 20 de Maio de 1868 foram demitidos dois agentes do ensino daquela localidade, Domingos Cassiano e Luís Maria de Sande, ambos sob a acusação de mau desempenho dos respectivos deveres.
Com poucos meses de diferença, em 26 de Outubro de 1868, foi exonerado o professor de Benguela, Henrique dos Santos e Silva, que tinha sido nomeado em 10 de Março de 1857, acusado de mau serviço no cargo de professor e de curador dos presos pobres, escravos e libertos, salientando-se na respectiva portaria que mostrara inabilidade no exercício das funções que lhe estavam confiadas.
Alguns anos antes, em 23 de Novembro de 1857, foi publicada a portaria que exonerou por mau serviço o professor primário do concelho de Cambambe, Domingos Lourenço do Couto, que foi substituído naquele cargo por André Francisco António Lucas.
Quem procurar informar-se na obra intitulada Primeiras Letras em Angola, encontrará ali informações mais completas, não só as de censura como as de elogio, e pelo confronto de umas com as outras poderá avaliar melhor do valor e mérito do pessoal docente que neste período trabalhava nas escolas de Angola.
Deixemos agora Luanda e localidades próximas e vamos fixar a nossa atenção sobre o que se passou em Moçâmedes e região confinante, de que temos notícias bastante desenvolvidas.
No dia 2 de Maio de 1866, em portaria assinada pelo governador-geral Francisco António Gonçalves Cardoso, foi confirmada a suspensão do cargo de professor primário de Moçâmedes ao P. António Castanheira Nunes. O motivo do afastamento era devido a ter comportamento altamente repreensível como professor de instrução primária e inteiramente desregrado como eclesiástico, tendo até já por isso sido suspenso de pároco pelo bispo da diocese e não convindo que continue no desempenho de tão importante serviço do ensino um semelhante funcionário. Aproveitamos a oportunidade para dizer que encontraremos este nome em lugares destacados do ensino, com reputação sólida de mestre competente, embora pouco dedicado à escola e aos alunos, chegando no entanto a exercer funções orientadoras de grande responsabilidade. Soube aproveitar a lição!
Moçâmedes estava, realmente, em maré de pouca sorte. Na mesma altura, foi suspensa do respectivo cargo a sua mestra de meninas, Ana Catarina Weyer. A portaria em questão tem a data de 23 de Outubro de 1866 e a demissão foi-lhe aplicada pela portaria de 28 de Dezembro seguinte. No mesmo dia em que aquela professora foi suspensa era nomeada para o lugar outra senhora, Guilhermina Bettencourt de Almeida, que o ocupou transitoriamente, visto que no dia 29 de Agosto de 1867 era já nomeada outra mestra de meninas, agora com carácter definitivo e permanente, Maria José Ferreira, sendo aquela exonerada do cargo.
A cadeira de mestra de meninas, em Moçâmedes, foi criada pela portaria ministerial de 16 de Abril de 1852, que autorizou a inclusão no orçamento anual da província da verba necessária para pagar o vencimento da respectiva professora. Havia então somente duas escolas femininas em Angola, Luanda e Benguela. Bastante mais tarde, passados mais de dezasseis anos, por diploma de 6 de Outubro de 1868, foi criada a de Pungo Andongo; assinou o respectivo documento o ministro José Maria Latino Coelho.
Moçâmedes tinha, por esta altura, segundo indicações fornecidas por documentos oficiais, mil duzentos e onze habitantes, sendo oitocentos e trinta e sete escravos, noventa e nove libertos e duzentos e setenta e cinco indivíduos livres. Quanto a estes, havia duzentas e dez pessoas de raça branca; os demais eram de cor preta ou mestiços. Luanda tinha, segundo informações referentes a 18 de Janeiro de 1856, o elevado número de catorze mil cento e vinte e quatro escravos; o comentador da situação dizia que era altamente desproporcional à população livre da cidade.
O governador do distrito de Moçâmedes, Joaquim José da Graça, afirma no seu relatório referente ao ano de 1867 que no dia 11 de Janeiro daquele ano começara a exercer as respectivas funções o novo pároco, acumulando com elas o cargo de professor de primeiras letras. Deveria tratar-se do P. João Bento Gil Carneiro, pois é ele que nos aparece a assinar os mapas escolares do final do ano lectivo.
Este sacerdote exerceu durante pouco tempo o múnus de professor de instrução primária em Moçâmedes, pois nos fins de 1868 já os mapas eram assinados por outro sacerdote. Devemos notar que nesta altura poucas vezes as funções de mestre e de pároco se sobrepuseram em Moçâmedes, havendo quase sempre dois sacerdotes nesta povoação. O próprio bispo da diocese, D. José Lino de Oliveira, fixou a sua residência nesta localidade durante algum tempo, concretamente desde 14 de Fevereiro de 1865 até 28 de Março de 1866.
No Natal de 1968, os mapas referentes à escola de instrução primária de Moçâmedes foram assinados pelo P. Augusto Severino Freire de Figueiredo. Este sacerdote foi alvo da atenção das autoridades, referindo-se-lhe a portaria régia de 21 de Janeiro de 1874, portanto cinco anos depois, e que era assinada pelo ministro João de Andrade Corvo. Chamava-se a atenção do governador-geral e da Junta de Saúde para o facto de este missionário exercer ilegalmente a medicina, vendendo remédios da sua invenção; era, além disso, autor do livro intitulado Manual da Medicina Ecléctica, em que aconselhava o uso de certas drogas da sua lavra. Recomendava-se expressamente que fosse aplicado contra este padre todo o rigor da lei.
Podemos referir a propósito que em 23 de Abril de 1869 o ministro Latino Coelho comunicava para Angola que os produtos oferecidos pelo P. Augusto Severino Freire de Figueiredo e por ele coleccionados tinham sido enviados à Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, a fim de serem examinados, por haverem sido reputados como medicinais, em Angola. Solicitava-se que o sacerdote completasse a notícia, enviando informações sobre o uso terapêutico dessas substâncias, assim como a fórmula e doses em que eram aplicadas, para se fazerem as experiências com maior segurança e eficácia, ficando a conhecer-se o seu préstimo como medicamento. Poderemos perguntar se o P. Figueiredo não andava a juntar lenha para se queimar!?
Apreciando os factos em si, o título do livro, e o que veio a acontecer alguns anos mais tarde, podemos admitir que o P. Augusto Severino Freire de Figueiredo deveria ter temperamento um tanto estranho, demonstrado ao longo da sua agitada vida. Nas informações necrológicas publicadas no Boletim Oficial de Angola pode ler-se que morreu tragicamente, em Moçâmedes, no dia 8 de Março de 1876, por afogamento que se dizia voluntário.
Além da escola para o sexo masculino, havia em Moçâmedes por aquele tempo, 1867, a escola de meninas, a cargo da mestra régia Maria José Ferreira. Era pouco frequentada, informa o governador do distrito no relatório a que já nos referimos. As aulas haviam começado no início do ano lectivo em curso e a concorrência à matrícula não fora grande. No tempo das outras mestras, a frequência não era maior. Quanto ao sexo masculino, a situação era mais agradável, o professor desempenhava com zelo as funções do seu cargo e os resultados obtidos eram satisfatórios.
O governador atrevia-se a lembrar que o vencimento anual de cento e vinte mil reis, pago à mestra de meninas, em Moçâmedes, não era suficiente para poder viver decentemente, pois o aluguer da casa levava-lhe metade dessa quantia e o restante quase não chegava para o mais simples e mais pobre alimento, numa região em que a vida era mais cara do que em qualquer outro ponto da Província, dizia ele. Defendia que os professores de instrução primária de Moçâmedes deveriam receber mais do que noutros lugares, ou então pensar-se em construir casas mobiladas em que pudessem viver sem pagar renda. Além destes importantes problemas, apontava outros, como o de serem nomeadas para tal cargo somente pessoas com as necessárias habilitações, provadas em exame público, como estava a fazer-se no reino, e isso quer para um quer para o outro sexo. Concluía que, o que se estava a fazer em Moçâmedes, era ruinoso e quase inútil, não se obtendo resultados satisfatórios da despesa efectuada com a mestra régia. O que se estava fazendo só poderia ter algum resultado se a professora fosse a esposa ou a filha (devidamente habilitada) de algum funcionário público, as quais, coadjuvando a família, deixariam de sentir as duras privações que assim tinha de suportar, com o baixíssimo vencimento que o orçamento lhes destinava.
A título de curiosidade, vale a pena referir o quantitativo dos vencimentos anuais pago aos professores, em Angola, naquela época histórica, 1868:
—O professor da Escola Principal de Luanda ganhava quinhentos mil reis;
—O professor de instrução primária de Benguela
recebia trezentos mil reis;
—O professor da escola masculina de Moçâmedes auferia
duzentos mil reis;
—A professora da escola feminina de Luanda ganhava também duzentos
mil reis;
—A professora da escola feminina de Benguela tinha o ordenado de cento
e cinquenta mil reis;
—A professora da escola feminina de Moçâmedes tinha o
vencimento de cento e vinte mil reis;
—O professor da escola masculina de Golungo Alto recebia também
cento e vinte mil reis;
—O professor da escola masculina de Ambaca ganhava igualmente cento
e vinte mil reis por ano.
A propósito dos problemas escolares do distrito de Moçâmedes, podemos referir que o relatório da visita do secretário-geral de Angola, Eduardo Augusto de Sá Nogueira Pinto de Balsemão, efectuada em Março de 1868, reforça em muitos pontos a opinião do governador do distrito.
Em 14 de Novembro de 1866, foi remetido para Moçâmedes um estojo contendo diverso material didáctico que deveria ser usado no ensino do sistema métrico decimal, que pretendia adoptar-se neste território, substituindo os antigos pesos e medidas. Juntavam-se-lhe diversos outros objectos auxiliares, úteis para a ministração das noções que se pretendia divulgar. O governador-geral comunicava para Lisboa, em ofício do dia 16 de Janeiro de 1867, ter notícia de que todo aquele material didáctico tinha chegado ao seu destino, sendo entregue aos empregados públicos a quem era consignado.
Por ter sido oficialmente adoptado para Angola o sistema métrico, em Fevereiro de 1868, foram dadas ordens para que a Escola Principal de Luanda organizasse um curso prático que pudesse ser frequentado pelo maior número possível de pessoas interessadas, sendo regido pelo seu professor, Carlos Augusto de Gouveia. Para que pudesse ter boa frequência, deveria funcionar a horas convenientemente escolhidas. Foi remetida a esta escola, assim como à escola primária de Moçâmedes, uma colecção de pesos e medidas decimais, destinada a exemplificar e concretizar o ensino ministrado, servindo para que os alunos pudessem ter prática directa, concreta e real, da sua utilização. Não sabemos se foram remetidas novas colecções ou se ainda se tratava das enviadas em Novembro de 1866.
Podemos referir aqui, pois vem muito a propósito, que vinte anos antes era dado conhecimento à população da cidade de Luanda, e de todo o território, de um abuso que se havia estabelecido no Terreiro Público, e que consistia em usarem pesos e medidas diferentes, conforme se tratava de compra ou de venda. Este processo de enganar foi muito usado e era particularmente eficiente num tempo em que a exactidão dos pesos e medidas e a sua fiscalização era uma hipótese longínqua. O Terreiro Público era um local em que se vendiam e compravam quase todos os produtos, correspondia a um mercado municipal, funcionava como se fosse uma espécie de cooperativa de abastecimento, tudo sob a superintendência dos serviços oficiais.
Voltemos, todavia, a falar do que ia acontecendo em Moçâmedes e localidades da região. No concelho do Bumbo, salientava Joaquim José da Graça, não havia então nem igreja nem padre, apesar de ter população branca superior à da Huíla; não havia também nem escola nem professor de instrução pública. O pároco da Huíla exercia a dupla função de missionário e de professor, mas vira-se obrigado a suspender-lhe a gratificação respectiva, porque não dava aulas, por falta de alunos, motivada pelo desinteresse manifestado por aquele sacerdote. Este procedimento deu resultado, visto que apareceram logo alguns alunos e a aula pôde recomeçar a funcionar. Apesar de pouco, não deixava de agradar poder receber a gratificação que mensalmente recebia por tal serviço.
Exactamente na mesma altura, no ano de 1868, foi cortado também o abono de vencimento, como professor do ensino primário, ao cónego Timóteo Pinheiro Falcão, por ter encerrado a escola primária que funcionava anexa ao seminário-liceu e que durante bastante tempo foi a melhor e mais frequentada da cidade. O P. Falcão não pode ser considerado pessoa sem merecimentos ou consideração social; como nativo de Luanda, foi um dos mais destacados elementos da cidade; tinha já sido membro do Conselho Governativo, em 1865, no final do primeiro período de governo de José Baptista de Andrade. Foi agraciado, nesse mesmo ano e por diploma de 24 de Janeiro, com o grau de cavaleiro da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, hoje extinta.
Também deixou de receber o respectivo vencimento como professor de instrução primária, embora noutra ocasião, o P. António José do Nascimento, cónego da sé de Luanda, que era professor da mesma escola, a funcionar no seminário, pois encerrou as aulas sem motivo justificatório. O interesse pela divulgação escolar e o respeito pelas leis, o espírito de sacrifício e a dedicação a uma causa nobre eram coisas que naqueles tempos preocupavam pouco grande número dos mais conceituados cidadãos.
Parece oportuno inserir aqui uma passagem do relatório do governador-geral de Angola, Francisco António Gonçalves Cardoso, com data de 26 de Outubro de 1867, em que podemos ler o seguinte:
"Não me tenho descuidado de acorrer às necessidades que a instrução pública da Província reclama, já nomeando professores para alguns concelhos do interior, já fornecendo-lhes , na escala do possível, material para as escolas. Infelizmente, a pequenez dos ordenados, como já expus no meu anterior relatório, não permite que se exija muito deles, resultando daqui que os seus serviços não são tão valiosos como seria para desejar. Pouco habilitados e geralmente pouco zelosos, a instrução que deles parte é deficiente, acanhada e defeituosa. O remédio para este mal apenas se encontraria no aumento dos vencimentos, mas este expediente iria aumentar consideravelmente a despesa pública da Província, com que não pode por ora. O número de alunos que no dia 31 de Julho último frequentaram as diversas escolas que na Província se acham abertas era de seiscentos e quarenta e seis, sendo cinquenta e um o das meninas que concorreram às aulas régias de Luanda, Benguela e Moçâmedes. Muitas outras meninas, contudo, têm frequentado escolas particulares".
A preparação dos agentes de ensino preocupou sempre os responsáveis pela escolaridade. Todavia, durante muito tempo, as iniciativas postas em acção enfermaram de uma debilidade impressionante, denotando uma pobreza de meios que hoje nos choca e impressiona intimamente.
Em 1857, o rei ordenou ao governador-geral de Angola que enviasse para Lisboa dois mancebos de catorze a dezasseis anos de idade, a fim de estudarem e se prepararem, na escola de Mafra, para virem depois a exercer as funções de professores do ensino primário. Recomendava-se que se escolhessem jovens que dessem garantias de regressarem às suas terras; para atingir melhor este objectivo, seriam alistados num dos corpos militares da cidade de Luanda, ficando sujeitos ao respectivo foro e disciplina. Como se está vendo, tratava-se de uma medida bem comezinha, realizada em moldes que hoje ninguém adoptaria!
Cerca de dez anos mais tarde, o governador-geral de Angola mandou para Lisboa, para serem educados por conta do Estado, dois filhos do barão de Cabinda, Manuel José Puna. Este mostrou sempre ser muito dedicado a Portugal; deve-se-lhe, em boa parte, a integração das terras do enclave e distrito de Cabinda no conjunto do património territorial português, quando se desenrolou a famosa questão do Zaire. Ele próprio havia sido educado no Rio de Janeiro, a expensas do Governo de Portugal, já depois da independência do Brasil, o que aconteceu com outros naturais de Angola. Deslocou-se a Lisboa, em visita aos filhos, talvez em 1871, tendo sido gentilmente hospedado pelo monarca. Recebeu o Baptismo na capital portuguesa, apadrinhando o acto o rei D. Luís e a rainha D. Maria Pia. Estranhamos que não tivesse sido baptizado enquanto esteve no Rio de Janeiro!
Em 16 de Novembro de 1868, uma portaria ministerial aprovava a decisão do governador-geral quanto à educação dos filhos do barão de Cabinda, acima referidos. E outra, esta de 3 de Dezembro seguinte, comunicava que os dois educandos tinham já chegado a Lisboa. Foram confiados a um dos melhores estabelecimentos do ensino particular da capital portuguesa, a Escola Académica. Chegou a gentileza a ponto de mandarem fotografias do edifício ao pai dos estudantes. Mais tarde, regressaram às suas terras e exerceram as funções de professores do ensino primário. Um deles, Vicente Puna, mostrou possuir qualidades aceitáveis, ao contrário do irmão, João Puna, cujo comportamento mereceu críticas e até castigos.
Em 3 de Outubro de 1867, determinou-se que fossem admitidos no arsenal da ilha de Luanda vinte mancebos sem ocupação e sem ofício, sendo alimentados, vestidos e albergados por conta dos serviços públicos. O director do arsenal ficaria com a responsabilidade do tratamento, ensino e comportamento dos jovens aprendizes. Recomendava-se que fossem bem tratados e convenientemente adestrados na sua arte. Pretendia-se combater eficazmente a vadiagem que se espalhava por Luanda e estava a tornar-se um perigo comum, com graves consequências económicas, morais e sociais, numerosas e muito nocivas.
O governador-geral José Maria da Ponte e Horta mostrava-se pouco optimista em relação à escolaridade em Angola, declarando-se simpatizante convicto do ensino profissional. Merece leitura analítica o que ele escreveu em Tratado e Crítica do Nosso Ensino Oficial, em 1881, e que foi incluído na Antologia de Textos Pedagógicos do Século XIX Português, da Fundação Calouste Gulbenkian. Através da sua leitura atenta poderemos aperceber-nos do pensamento daquele governante e um pouco da mentalidade, aspirações e interesses gerais do momento.
No dia 15 de Setembro de 1864, o chefe do concelho de Encoje, António Balbino Rosa, que também exerceu funções docentes em Luanda, ainda na primeira metade do século XIX, informava que na escola primária daquele concelho era usado o Método Facílimo, de Emílio Aquiles Monteverde, e o Breve Compêndio de Ortografia, de José dos Santos e Silva, antigo professor de instrução primária e da Escola Principal de Luanda. Esta comunicação é a única referência que nos permite admitir a hipótese de os trabalhos didácticos elaborados por aquele docente terem sido publicados, como estava previsto. Afirmava que estavam em muito mau estado de conservação, o que não é motivo de admiração, pois poderá ter-se dado o caso de haverem sido enviados para uso na escola já nos meados de 1859. Naquele tempo os livros escolares eram quase uma preciosidade e procurava-se que servissem por muito tempo. O interesse que aquele funcionário dedicava à escola viria de outrora ter sido professor ou acumularia ele próprio estas funções, o que uma vez por outra também acontecia?! As suas informações revestem-se de tal interesse que permitem admitir essa hipótese!
António Balbino Rosa enviava ao governador-geral uma amostra do papel usado pelos alunos para fazerem os trabalhos escolares — isto é, daquilo que não sendo papel fazia as suas vezes. Achara o expediente curioso, criativo, interessante e até engenhoso. Na falta de papel vulgar, que ali era muito caro e só poucos o possuíam, e mesmo estes em pequena quantidade, os alunos daquela escola cortavam folhas de bananeira, que esfregavam com barro na face em que pretendiam escrever, limpavam-nas com um trapo, e ficavam em condições de produzirem aceitável efeito, para empregarmos as suas próprias palavras. A tinta era feita queimando as cabaças do imbondeiro, a casca dos seus frutos, mácua ou múcua; apagavam as brasas, moíam o carvão, e o pó fazia uma tinta que satisfazia tão bem como a que se fazia com produtos adquiridos no comércio.
Em comunicação vinda a público na imprensa de Luanda, com a data de 1 de Fevereiro de 1868, o professor particular dos filhos de Rodrigo António da Costa, do Golungo Alto, dizia encarregar-se de ministrar o ensino das primeiras letras e a doutrina cristã aos meninos que quisessem aprender. Os pobres seriam ensinados gratuitamente, fazendo apenas as despesas do material escolar que gastassem; os filhos de pais abastados seriam leccionados mediante o pagamento que previamente fosse combinado. Quem seria o professor? Seria o missionário da paróquia?
Em 2 de Outubro de 1867, atendendo à representação feita pelo professor da Escola Principal, Fernando da Silva Delgado, foi nomeada uma comissão encarregada de elaborar novo Regulamento da Escola Principal de Luanda. Já nos referimos ao facto noutro lugar deste trabalho. No dia 18 de Janeiro de 1868, o outro professor daquele estabelecimento de ensino, Carlos Augusto de Gouveia, enviava um mapa referente à sua classe e ao período que ia de 1 de Maio a 31 de Dezembro do ano anterior, afirmando estar em exercício desde aquela data. Numa exposição então apresentada dizia que os pais não queriam privar-se de pequenos serviços que os filhos lhes prestavam, por isso não os mandavam à escola. Não os auxiliavam e muitas vezes até os impediam de frequentar as aulas. Não abundavam os meios materiais, o alimento do corpo, e faltavam-lhes os meios para obterem o alimento do espírito. Muitas vezes as crianças não compareciam na escola por não terem roupa, livros, papel, pena, etc. No projecto do regulamento pouco antes redigido e em que também colaborara, foram levados em consideração os princípios estabelecidos no decreto de 14 de Agosto de 1845 e no de 20 de Setembro de 1844, sugerindo que fosse incluída no orçamento uma verba para prover a estas necessidades dos alunos pobres. Pensara-se em estabelecer um internato que permitisse ministrar a instrução e fornecer a alimentação e o material escolar a todos os desprotegidos. Apontava o interesse que tinha para o país a difusão da língua portuguesa, prejudicada pelo uso corrente dos idiomas nativos, sobretudo a língua bunda, que exercia profunda influência social. Registava a circunstância de haver muitas crianças órfãs e desejava valer-lhes. Pedia para os alunos material escolar, de que todos careciam e que a maior parte não podia comprar. O relatório em questão era dirigido ao secretário-geral de Angola, Eduardo Augusto de Sá Nogueira Pinto Balsemão.
A portaria do ministro José Maria Latino Coelho, de data que não identificámos mas que tem o número 214, e que deve ser colocada nos fins de 1868, recomendava que se limitassem ao mínimo as despesas públicas nos territórios ultramarinos. Foi este documento que consagrou, com outros, a política transmarina que recebeu em História o nome de Falsa Economia. Recomendava-se expressamente que nas limitações impostas às despesas públicas deveriam excluir-se as que diziam respeito à missionação e à escolarização, párocos, missionários e professores, por ser evidente que não deviam privar-se os fiéis dos socorros espirituais nem a mocidade dos primeiros elementos do saber e da educação que nas aulas recebia. Contudo, quer fosse pela influência que tal política exerceu, embora indirectamente, quer fosse porque se aplicou também em relação às escolas e às actividades missionárias, a verdade é que se nota um retrocesso sensível quanto às primeiras e uma paragem prolongada quanto às segundas.
Aproveitemos o momento para deitarmos os nossos olhares sobre o panorama escolar angolano da época, fixando-nos em particular sobre Luanda, considerado o espelho e rosto de todo o território. Em 1869, foi remodelado o funcionamento da Escola Principal, alargando o seu plano de estudos com a introdução de matérias novas, nomeadamente o Francês. O período mais brilhante da sua crónica corresponde aos anos em que o professor José Maria da Lembrança de Miranda Henriques esteve a leccionar.
Em 1863 havia na província vinte e quatro escolas primárias; em 1869 o seu número baixara para dezasseis.
A Escola Principal de Luanda desempenhava papel de grande importância, atribuindo-se-lhe a função específica de preparar futuros professores. Tratava-se de um estabelecimento escolar de preparação profissional. O seu funcionamento foi pouco notável nos primeiros anos; mas foi medíocre, ineficiente, quase nulo nos últimos tempos. Chegou a fechar as portas, embora continuasse a haver professores em exercício. Se os esforços dos responsáveis, se os meios de que ainda dispunha houvessem sido conveniente, cuidadosa e criteriosamente empregados, poderia ter exercido grande influência. Foi uma nódoa na evolução pedagógica e a condenação da política escolar adoptada. Ao princípio destinava-se a ministrar o ensino primário complementar; alargou depois o esquema dos programas, passando a ensinar Francês ou Inglês, História Universal, Geografia Mundial, Matemática, Física, Economia Política. Foi exactamente quando mais decaiu. Deveria contribuir para isso um conjunto de factores e causas de que podem salientar-se os seguintes:
—As escolas primárias não davam alunos suficientemente
preparados para prosseguirem;
— Os estudantes que ainda tentavam a continuação dos
estudos esmoreciam e desistiam;
— Os professores dedicavam-se pouco aos alunos e ao ensino, desmoralizavam
em vez de entusiasmar;
— Os conhecimentos não estavam adaptados às necessidades
do meio, por isso não eram apreciados;
— As autoridades descuraram os problemas, pois chegaram a nomear professores
sem haver alunos.
Em diversas consultas dirigidas ao Conselho Ultramarino foi posta a questão da utilidade ou inutilidade da nomeação de professores para Angola, tanto para o ensino primário como sobretudo para a Escola Principal. Não nos foi possível, em todos os casos, chegar a conclusão segura quanto à posição tomada pelos intervenientes nos problemas. Em regra, Lisboa defendia as nomeações efectivas, a chamada nomeação régia; Luanda inclinava-se muitas vezes para nomeações locais, de carácter provisório. Havia razões a favor desta posição, a solução mais imediata, a proximidade dos problemas, a descentralização; mas também havia inconvenientes muito sérios.
Quando as nomeações eram feitas através do Ministério da Marinha e Ultramar, recaíam em indivíduos com habilitações legais, enquanto as de Luanda beneficiavam pessoas residentes, nativas ou europeias, mas que não estavam em condições de entrarem em concurso documental. Angola fez ver ao Governo, por diversas vezes e sob diversas formas, que muitas decisões tomadas não convinham aos interesses da província, designadamente no que dizia respeito à nomeação de professores. A mais de um século de distância, é difícil chegar a conclusões seguras; no entanto, as sugestões apresentadas não parece interessarem à população em geral, por vezes defendiam interesses muito particulares. E eram mais vezes favoráveis aos europeus do que aos nativos, podendo verificar-se com demasiada frequência que as autoridades faziam o jogo das conveniências, cultivavam o favoritismo. Embora num caso ou noutro o Governo de Lisboa cometesse erros e devesse aceitar o que se sugeria, normalmente tinha visão mais ampla e acertada dos interesses gerais do que muitos governantes de Angola, que mostravam ser frequentemente pressionados por conveniências individuais.
No livro A Velha Luanda, nos Festejos, nas Solenidades, no Ensino, de Almeida Santos, que constitui o quarto volume da sua colecção Páginas Esquecidas da Luanda de Há Cem Anos, pudemos encontrar uma curiosa referência que nos ajudará a compreender melhor como eram as condições da época quanto aos aspectos de salubridade e higiene. Em ofício dirigido à Câmara Municipal de Luanda, então presidida pelo Dr. Francisco Joaquim Farto da Costa, com a data de 26 de Fevereiro de 1856, pode ler-se que a casa onde os alunos da Escola Principal iam satisfazer as suas necessidades fisiológicas precisava de reparação urgente; carecia de ser dotada com uma fechadura, para se não tornar do domínio público; pedia também que fosse feita uma bancada nova e se adquirissem novas bacias.
A bancada em referência consistia, por certo, numa larga tábua provida de aberturas circulares, onde as crianças se sentavam, como nas actuais latrinas. As bacias que se solicitavam deveriam ser recipientes móveis cujo conteúdo era depois despejado na praia ou perto dela, como naquele tempo se costumava fazer. Correspondiam, sem dúvida, ao "tigre" de que nos falam diversos escritores e expressamente o brasileiro Luís Edmundo, na sua obra O Rio de Janeiro no tempo dos Vice-Reis, quando diz que imitava, na sua forma estética, a ânfora grega mas que não servia para guardar perfumes... No caso de Luanda, não esqueçamos que uma parte das ruas da baixa foram formadas por espaço conquistado ao mar, à custa do contínuo lançamento de detritos de toda a espécie e também de areias que as chuvadas arrastavam das barrocas próximas.
Merecem salientar-se os ofícios enviados pelos professores Miranda Henriques e Margarida Luísa dos Santos Madail, ambos com data de 11 de Julho de 1856, em que solicitavam para os seus alunos os Métodos Facílimos, as "Enciclopédias", os Compêndios de Aritmética e as Cartas de Primeiras Letras, todos ou quase todos da autoria de Emílio Monteverde. Não os havia à venda em Luanda e existia apenas certo número deles no Recolhimento-Pio de D. Pedro V; sugeria-se que fossem dispensados até chegarem outros do reino, sendo então restituídos em igual número. A professora Margarida Madail dizia com altivez que não viessem no futuro a dizer que o fraco aproveitamento das alunas se devia apenas ao descuido da mestra... E não contente com isso, no dia 15 do mesmo mês voltava à carga, dizendo que algumas alunas eram filhas de pais abastados, que podiam dar-lhes tudo aquilo de que careciam, enquanto outras eram de famílias tão pobres e tão ignorantes que não podiam fazer aquela despesa e pensavam até que bastava um livro ter letras, mesmo que fossem de outro idioma, para por ele aprenderem. Recomendava que deveriam tomar-se medidas para levar à escola todas as crianças da cidade, que andavam ao abandono pelas ruas. Reconhecia ser assídua no cumprimento dos seus deveres e lamentava não ter maior número de criancinhas para ensinar, pois apenas trinta estavam matriculadas na sua classe. Aproveitava a ocasião para dizer que os livros de que estava à espera tinham na véspera sido despachados na Alfândega, vindo consignados a um comerciante de nome Miguel Lino. Isto nos leva a pensar que deveria ter relacionamento com algum funcionário alfandegário de Luanda.
No dia 12 de Setembro seguinte, a mesma senhora pedia que lhe fosse concedida uma lousa escolar e alguns bancos em que as alunas se sentassem. Os que estavam a servir eram ainda do tempo em que ela mantinha a sua escola particular — sabemos que estava em funcionamento, por exemplo, em Dezembro de 1851. E continuava a insistir na necessidade de se mandarem vir de Portugal as "Enciclopédias", de Monteverde.
O degredado político, poeta, negociante, traficante de escravos, cacique eleitoreiro, comendador, benemérito, liberal, falido fraudulento, réu condenado em tribunais criminais, coronel honorário, vereador concelhio e presidente da Câmara Municipal de Luanda, Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo (cujo nome, incompreensivelmente, foi atribuído a uma das ruas da cidade, em homenagem a tão estranha personalidade), lançou a ideia de uma sociedade por acções para a montagem de uma tipografia que editasse o jornal Aurora, e ainda chegou a sair em Junho de 1856, sendo parte dos seus lucros destinada à manutenção de uma escola primária. A sugestão tem a data de 20 de Junho de 1857. Os luandenses não estiveram dispostos a alinhar com as pretensões de Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo, sabendo que o ensino é também campo em que os trapaceiros podem actuar.
Não deixaremos de dar ainda um aspecto panorâmico do ensino, em Angola, nesta primeira fase da escolaridade oficial, quer dizer, desde que se publicou o decreto de 14 de Agosto de 1845 até que se promulgou o decreto de 30 de Novembro de 1869, pelo qual foram actualizadas muitas disposições do primeiro e estabeleceu nova fase do desenvolvimento escolar.
A frequência das aulas, como era lógico, tinha predominância de nativos, de pretos. Verifica-se isso desde os primeiros momentos. São numerosos os mapas que indicam serem as classes compostas quase exclusivamente pelos naturais de Angola, em todas as localidades.
Havia só africanos na Aula de Gramática Latina, em Junho de 1846, aparecendo um aluno classificado como brilhante, o futuro cónego Timóteo Pinheiro Falcão, a quem já por diversas vezes nos referimos. O facto de não haver europeus nem mestiços apenas indica que a vida eclesiástica não interessava grandemente a estes elementos.
Não havia, na mesma altura, senão alunos africanos na escola primária de Benguela.
Na classe feminina de Luanda estavam matriculadas quatro crianças europeias, ao lado de catorze angolanas. E na aula do sexo masculino acontecia facto semelhante, encontrando-se cinco brancos entre trinta e oito pretos. Regista-se facto idêntico, com as oscilações lógicas, nos mapas referentes aos meses e anos seguintes.
Salienta-se, verbi gratia, que em Junho de 1851 não havia, em todo o território, em todas as suas escolas, senão elementos africanos.
Na escola primária masculina de Luanda, em Maio de 1848, encontravam-se
catorze alunos europeus e um brasileiro, entre cento e cinquenta alunos.
Na demais classes do território, havia uma menina europeia, sendo
os restantes alunos, rapazes ou raparigas, todos africanos.
|
||
|
||
|
|
|
|
|