14. O ENSINO PARTICULAR

O ensino movimentou desde há muito dois tipos de reacções, diferentes entre si mas que têm algo de comum — o que procura difundir a cultura, atendendo sobretudo ao alto valor humano que representa; e o que se aproveita do interesse daqueles que querem ilustrar-se para colher resultado material concreto.

Estas formas de reacção aproximam-se e assemelham-se bastante pela circunstância de, tanto uma como a outra, verem na actividade docente um modo de atingirem objectivos determinados; uns têm em vista o bem geral e o desprendimento material, enquanto outros visam de modo especial interesses individuais e benefícios pecuniários. Sendo bem distintos e quase opostos os fins visados, todavia, estão longe de se oporem frontalmente, de maneira nenhuma podemos considerá-los antagónicos. Muitas vezes atingem-se finalidades comuns por caminhos e processos diferentes, mas que convergem em determinados pontos.

O ensino foi actividade que as civilizações antigas, grega e latina, por exemplo, aproveitaram para difundirem a sua filosofia prática e os princípios fundamentais da sua mentalidade. A civilização cristã, sua herdeira directa, e igualmente herdeira e sucessora da civilização hebraica, seguiu-lhes as pisadas e considerou sempre o magistério um meio eficaz de fazer prosélitos, de difundir os seus princípios morais, teve sempre o ensino como meio imprescindível de apostolado, mandato expresso, obrigação concreta, dever inalienável.

Prosseguindo na senda que a História lhes apontava, os movimentos filosóficos e filantrópicos do século XIX não deixaram de dedicar o seu interesse à actividade docente, à finalidade evangelizadora e civilizadora. Não deixaremos de dedicar a este ponto algum espaço de outros capítulos do nosso estudo; por agora, vamos voltar a maior atenção para o ensino, objectivamente referido, e sobretudo para o que alguns indivíduos, em particular, procuraram fazer para imprimirem movimento a este sector da actividade humana. Muitas vezes, através da difusão da cultura e divulgação do saber procurou-se atingir objectivos mediatos ou algo afastados.

Não é fácil distinguir quando uma iniciativa tem fundamento humanitário ou quando visa interesses materiais e resultados pessoais. Em muitos casos, os dois objectivos confundem-se e combinam-se. Na impossibilidade de podermos definir a posição de cada um dos intervenientes no sector do ensino particular, vamos passar em revista o que se foi fazendo em Angola, sobretudo em Luanda. Quanto a algumas iniciativas, temos ideia formada, baseada em indícios seguros do que cada um pretendeu fazer, segundo o papel desempenhado pelos respectivos promotores; quanto a outros, não é fácil tomar posição clara, por falta de elementos seguros em que basear a análise de certas atitudes.

Não obstante, queremos salientar que as iniciativas pedagógico-didácticas particulares, que podemos registar a partir da data da instituição do ensino oficial, pelo decreto de 14 de Agosto de 1845, acompanharam algumas das mais enérgicas campanhas filantrópicas, pelo que não é lícito duvidar nem olvidar que tivessem como objectivo, directo ou indirecto, a promoção social e a defesa dos direitos das populações, a elevação moral e a dignificação do gentio de Angola.

Em 17 de Janeiro de 1852, o governador-geral António Sérgio de Sousa nomeou uma comissão encarregada de estabelecer em Luanda um organismo destinado à educação dos órfãos, estudando previamente as condições em que poderia vir a ser criado. Faziam parte dessa comissão os nomes seguintes: — Dr. Francisco Joaquim Farto da Costa, P. Matias José Rebelo, José da Costa Torres, Manuel do Nascimento e Oliveira, e Joaquim Pedro da Cunha. Este último veio a ser exonerado logo em seguida.

Em princípio, admitia-se que a instituição a fundar se ocupasse da educação dos dois sexos; mas as naturais limitações que encontrou, nomeadamente o facto de se reconhecer mais premente a solução dos problemas que afectavam o sexo feminino, fizeram com que apenas este fosse considerado. O organismo em referência é o Instituto Feminino D. Pedro V, fundado em 1854 e cuja inauguração se fez no dia da festa dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, dia 29 de Junho. Vamos dedicar a este estabelecimento de educação um dos capítulos deste trabalho, focando pormenorizadamente a sua acção nos primeiros anos.

No dia 2 de Outubro de 1852, José Maria Pereira Paiva anunciava que mantinha um colégio para a educação de meninas, denominado Colégio de São Paulo de Luanda, onde ensinava:

—Ler, Escrever e Contar;
—Geografia;
—Doutrina Moral e Cristã;
—Desenho;
—Gramática Portuguesa;
—Escrita Comercial.

Informava que haveria aulas separadas para meninos e meninas. Funcionaria, segundo a indicação do seu director e proprietário, "junto à quitanda do Malheiros". No fim de contas, este pequeno mercadinho era mais conhecido do que o colégio, numa cidade pequena e insignificante como era então a capital de Angola. Havia, pois, já o hábito, que se prolongou, de tomar como ponto de referência os estabelecimentos comerciais, geralmente nas mãos dos europeus.

O primeiro anúncio a dar publicidade ao colégio foi divulgado com a data de 25 de Setembro do mesmo ano. Em 4 de Junho do ano seguinte, comunicava-se que o estabelecimento funcionava na Rua dos Mercadores, junto à igreja de Nossa Senhora dos Remédios, a actual sé de Luanda. O preço anteriormente fixado tinha tido razoável abaixamento, o que não poderá considerar-se sintoma lisonjeiro.

José Maria da Lembrança de Miranda Henriques foi não só um pioneiro do ensino oficial prolongado, em Angola, pois foi também pioneiro do ensino particular. Estando em Luanda há cerca de um ano e meio, lançou a ideia da fundação de um colégio a que dava a designação genérica de Colégio de Instrução Secundária. O respectivo anúncio foi publicado no dia 12 de Junho de 1852, tendo sido repetido um ano depois, em 2 de Abril de 1853. Por ele sabemos quais eram as suas aspirações, podendo fazer ideia bastante exacta dos vastos projectos que formara, pois propunha-se ensinar em Luanda, cuja população não tinha em grande apreço a cultura intelectual, o esquema pedagógico-didáctico seguinte:

—Gramática Portuguesa e Gramática Latina;
—Aritmética, Geometria e Noções de Álgebra;
—Filosofia Racional e Moral, e Direito Natural;
—Língua Francesa e Língua Inglesa.

Esclarecia que tinha já garantida a coadjuvação de um sacerdote ilustrado, cujo nome omite e nunca pudemos identificar, o qual estava disposto a colaborar com ele logo que os seus serviços fossem necessários.

No primeiro semestre de 1859, o professor José Maria da Lembrança de Miranda Henriques anunciava a abertura de nova escola particular, que tinha a designação de Colégio de São Paulo da Assunção de Luanda. Este professor exercia, como sabemos, as funções docentes na Escola Principal, de que era director, e onde mostrou possuir invulgares qualidades didácticas. Nos diversos anúncios que então publicou dava, como garantia da seriedade do ensino a ministrar no novo estabelecimento, o seu prestígio de professor oficial.

O professor Miranda Henriques foi jubilado em Agosto de 1866, visto ter completado já os quinze anos de serviço exigidos para a aposentação com o ordenado por inteiro. A partir de então passou a dedicar-se mais à escola particular de que era proprietário. Anunciava, nesta altura, que ia abrir um colégio no ano lectivo seguinte, o que nos leva a concluir que os anteriores tinham sido fechados. Este conhecido e conceituado pedagogo angolano anunciava, em 29 de Setembro de 1866, que a partir do dia 3 de Novembro estabeleceria na sua residência uma aula de ensino particular, dos dois graus, a que continuava a dar o nome de Colégio de São Paulo da Assunção de Luanda. Com os estudantes que pagavam a propina do ensino, receberia sete alunos de comprovada e reconhecida pobreza, que seriam gratuitamente leccionados.

Em 28 de Dezembro de 1867, o professor José Maria da Lembrança de Miranda Henriques publicava um esquema do ensino ministrado no estabelecimento particular de que era director e proprietário, a funcionar no Largo do Bungo, na sua residência. Não deixa de ter interesse a sua explanação, pois nos ajuda a compreender melhor a orientação dada, naquele tempo, ao ensino das primeiras letras e estudos subsequentes. A sua estrutura era a seguinte:

—Leitura e Escrita; Gramática; Aritmética; Religião e Moral (1ª Parte);
—Língua Portuguesa; Aritmética, Geometria e Agrimensura; História de Portugal; Geografia de Portugal; Desenho; Ginástica (2ª Parte);
—Francês; Latim; Lógica (Filosofia) (3ª Parte).

O professor José Maria da Lembrança de Miranda Henriques invocava o testemunho dos seus antigos alunos, como garantia da seriedade e eficiência do ensino ministrado, por certo o melhor fiador da sua honestidade e dignidade profissional. Recordava que estavam representados no comércio, no exército, em todas as repartições públicas de Luanda, muitos deles a exercer cargos cuja nomeação teve confirmação régia, obtendo resultados superiores aos dos alunos educados em Portugal. O ensino da Caligrafia (que não aparece no esquema) estava a cargo de A. de Lacerda; quanto à Ginástica, ficaria a ser orientada por A. de S. Neto. Deduzimos que o primeiro fosse António José Pereira de Lacerda, colaborador de Francisco Pereira Dutra, de quem falaremos ainda, no seu Liceu de Angola; o segundo talvez fosse Alfredo de Sousa Neto, de quem temos numerosas referências à sua actividade docente. Tinha já mandado vir do reino os aparelhos para a prática da ginástica.

O professor Miranda Henriques estava casado com Maria José Pinheiro Falcão de Miranda, também professora em Angola. Em determinada altura do período histórico que agora nos ocupa, este casal de mestres foi encarregado de tomar conta, durante alguns anos, da orientação, manutenção e sobrevivência do "Recolhimento Pio D. Pedro V" que passava por grave crise e esteve em perigo de encerramento; conseguiram evitar que desaparecesse, pois seria grande a sua falta.

No dia 22 de Dezembro de 1860, o Boletim Oficial de Angola publicou uma nota assinada pelo engenheiro Francisco Pereira Dutra, de nacionalidade brasileira, em que anunciava a criação, em Luanda, de um estabelecimento de ensino secundário, a que dava o nome de Liceu de Angola. Em Março seguinte, publicava o programa escolar que iria vigorar no seu instituto. Não se sabe se chegou a funcionar a sério e, em caso afirmativo, por quanto tempo, pois se perde logo a notícia dele. Segundo uma folha publicada em apenso ao Boletim Oficial de Angola, o liceu que o engenheiro Francisco Pereira Dutra pretendia fundar ensinaria as seguintes matérias escolares:

—Latim;
—Francês;
—Inglês;
—Astronomia;
—Oro-Hidrografia;
—Cronologia;
—Etnografia;
—Corografia;
—História;
—Aritmética;
—Geometria;
—Álgebra;
—Trigonometria;
—Psicologia;
—Lógica;
—Teodiceia;
—Retórica;
—Hebraísmo;
—Lirismo;
—Desenho;
—Esgrima.

Indicavam-se como seus colaboradores directos António José Pereira de Lacerda, Francisco António Pinheiro Bayão, director do Posto Meteorológico de Luanda, e António Coelho Bragante, escrivão de Direito e também professor da Escola Principal. Declarava-se expressamente, numa mostra de sentimentos humanitários e modernização de métodos e processos de ensino, que não se adoptaria o espancamento e os modos grosseiros como meio de fazer entrar o saber na inteligência dos alunos.

Em 5 de Abril de 1867, Josefa de Sousa Rogero anunciava ter em funcionamento um estabelecimento de ensino particular, para os dois sexos, localizado na Rua dos Mercadores. Ministrava ali o ensino primário elementar e o ensino complementar, leccionando algumas matérias do ensino secundário. Pelo esquema publicado podemos fazer ideia da actividade docente, neste colégio.

O ensino elementar compreendia as seguintes matérias:

—Língua Portuguesa, que julgamos corresponder às primeiras letras, Prática de Caligrafia, Noções de Aritmética, com as quatro operações.

O ensino complementar, por sua vez, abrangia o estudo das rubricas:

—Leitura, Gramática, Análise Literária, Catecismo, História de Portugal, Corografia, Aritmética e Caligrafia.

A instrução secundária, que se ministrava também, estendia-se pelo ensino e estudo de:

— Geografia, Matemática, Francês, Inglês, Latim.

As raparigas tinham ainda lições de costura e bordados, que seriam concretizadas com a realização de trabalhos demonstrativos do seu aproveitamento , levando-os depois aos pais ou encarregados de educação.

No dia 1 de Outubro de 1869, a imprensa de Luanda publicava a notícia que anunciava a fundação de um novo estabelecimento de ensino secundário nesta cidade. A iniciativa pertencia ao súbdito brasileiro, médico e diplomata, Dr. Saturnino de Sousa e Oliveira. Dava-se a este colégio particular a designação de Liceu Angolense. O fundador pouco tempo viveu depois da sua instalação, pois veio a falecer em Luanda no dia 1 de Julho de 1871. Na notícia então publicada dava-se-lhe agora a designação de Colégio Angolense e dizia-se que estava a ser frequentado por duas dezenas de alunos.

O Dr. Saturnino de Sousa e Oliveira, na data já indicada, anunciava que no estabelecimento que tencionava fundar seriam ministrados o Curso Geral dos Liceus, o Curso Geral do Comércio e o Curso de Pilotagem. Ensinar-se-iam as matérias dos programas da escola primária elementar, acrescidas da aprendizagem da Música e do Desenho Linear. Salientava o interesse que tais estudos tinham para a população da província, sobretudo por evitar as dispendiosas deslocações dos estudantes para Lisboa, onde ficavam longe dos cuidados e da vigilância dos seus familiares. Na semana seguinte, um pequeno escrito publicado na imprensa oficial mostrava o valor e importância da iniciativa, congratulando-se com a população de Luanda pelo melhoramento programado e fazendo votos pelas prosperidades do estabelecimento. Novo aviso, este com a data de 28 de Outubro, dava a conhecer aos interessados que as aulas se iniciariam no dia 8 de Novembro. As matrículas eram recebidas na residência do seu director e proprietário, na Rua Avelino Dias, onde se localizava o pensionato anexo à escola. Os programas apresentados obtiveram a aprovação das autoridades superiores de Angola e foram publicados no Boletim Oficial. O regulamento interno foi também objecto da apreciação do governador-geral, antes de ser dado a conhecer aos pais e tutores dos alunos.

Podemos acrescentar que o Dr. Saturnino de Sousa e Oliveira foi, provisoriamente, encarregado de exercer as funções de delegado da Junta de Saúde, em Cambambe, a partir de 1 de Janeiro de 1868, exercendo-as durante cerca de dois anos. Antes disso, tinha desempenhado a missão de cônsul-geral do Brasil, em Angola. Elaborou juntamente com o angolano Manuel Alves de Castro Francina a obra intitulada Elementos Gramaticais da Língua N'Bundu, editada em Luanda no ano de 1864, embora a sua impressão só tenha sido concluída já no ano seguinte, visto que foi anunciada apenas em 18 de Março de 1865. Segundo se dizia, era o único compêndio gramatical de que se dispunha para fazer o estudo do idioma quimbundo, vulgarmente designado naquele tempo, embora pouco exactamente, como "idioma angolense". Organizou um dicionário ou vocabulário desta língua que conseguiu concluir e foi editado também pela Imprensa Nacional.

No dia 9 de Março de 1872, foi publicada a notícia de que o Colégio Luandense continuava a funcionar, mesmo depois do falecimento do seu fundador e proprietário, sob a orientação do P. António Castanheira Nunes. Era frequentado por cerca de sessenta alunos, divididos em seis classes. Apesar de as indicações serem muito sumárias, somos levados a pensar que neste estabelecimento de ensino particular fossem ministrados apenas os programas equivalentes ao ensino primário. Põe-se um problema que não conseguimos resolver, e é se o Colégio Luandense, do P. Castanheira Nunes , tem alguma ligação com o Colégio Angolense, do Dr. Saturnino!?

Apenas seis alunos do Colégio Luandense gratificavam o professor pelo ensino recebido. O dinheiro era destinado ao pagamento da renda de casa e à compra do material escolar consumido pelos alunos. Segundo afirma o documento em referência, o estabelecimento contava apenas seis meses de existência. Se pensarmos que o Dr. Saturnino de Sousa e Oliveira faleceu em 1 de Julho, no final do ano lectivo, poderemos ser levados a pensar que o P. António Castanheira Nunes tivesse tomado o encargo de dar continuidade à iniciativa do conhecido cidadão brasílico-angolense, embora em moldes muito mais modestos, mas com jeitos de filantropia e benemerência. Anunciava, no entanto, que, logo que houvesse alguns alunos preparados na instrução primária, seria iniciado o ensino das matérias que constituíam as Humanidades, ou seja, na nossa linguagem, o estudo das Letras. E declarava alimentar a esperança de que o ensino superior — que deve entender-se aqui por ensino secundário — pudesse chegar a criar raízes sólidas em Angola.

No relatório elaborado pelo administrador do concelho de Luanda, António do Nascimento Pereira Sampaio, que tinha sido encarregado de visitar as escolas em funções de inspector, e que tem a data de 1 de Maio de 1869, faz-se referência às escolas particulares que funcionavam na cidade, umas autorizadas e outras indocumentadas, as quais tinham também sido visitadas. Algumas tinham frequência reduzida e o ensino ministrado não dava qualquer garantia; outras faziam trabalho sério e foram consideradas úteis. Reconheceu-se nos seus responsáveis dedicação indubitável e competência pedagógica aceitável; por isso foram poupados ao rigor das leis, pois com a sua actividade contribuíam para dar solução aos graves problemas escolares de Luanda.

Segundo aquele documento, as escolas particulares que não custavam absolutamente nada ao erário público eram as seguintes: — Cidade alta, Recolhimento-Pio D. Pedro V, José Maria da Lembrança de Miranda Henriques, Francisco da Fonseca Negrão, José Pereira dos Santos, Feliciano Rodrigues da Costa, Ana da Silva Pontes, Maria Augusta Ramos Durão, Josefa Maria Rogeiro e Isabel Rogeiro Ruas.

Vamos agora percorrer uma a uma, se possível, as escolas em que actuavam estes agentes do ensino, em Luanda.

O pároco da freguesia de Nossa Senhora da Conceição, cónego António Maria Ramos de Carvalho, mantinha uma escola de primeiras letras que funcionava numa sala anexa ao paço episcopal, talvez num dos arruinados salões do antigo convento dos jesuítas. Confunde-se por vezes com a aula que funcionava no seminário-liceu, não garantindo que fosse mas não deixando de admitir essa hipótese. Notava-se nela ordem e regularidade dignas de menção. Os alunos estavam distribuídos por seis grupos ou classes, conforme o seu adiantamento nos estudos. Esta escola era muito benéfica, até porque recebia crianças indigentes ou muito pobres; bastava que vestissem um calção e uma camisa. O Governo do Distrito de Luanda protegia-a na medida das suas possibilidades, mas era o professor que, do seu bolso particular, pagava as despesas inerentes ao seu funcionamento, sobretudo as mais prementes.

O professor Miranda Henriques tinha na sua escola particular onze alunos. Continuava a manter as conhecidas qualidades de regularidade, dedicação e dotes docentes de que dera abundantes e convincentes provas enquanto exerceu o magistério oficial, na Escola Principal de Luanda.

O Recolhimento-Pio D. Pedro V mantinha uma escola, frequentada apenas pelas suas recolhidas. Não lhe faz referências dignas de menção, pelo que temos de aceitar que se tratasse de um estabelecimento de ensino absolutamente normal.

Francisco da Fonseca Negrão tinha escola no bairro de Sangadombe, que mais tarde se chamou bairro das Ferreiras, entre a Rua Serpa Pinto e a Avenida Álvaro Ferreira. Segundo Manuel da Costa Lobo, residiam aqui noutros tempos os indígenas oleiros, fabricantes de louça preta. Esta escola era frequentada somente por parentes próximos ou afastados do mestre, ensinando-os gratuitamente. Tinha sete discípulos e o seu aproveitamento era sofrível. Fora aluno de Pedro Torres Ribeiro, professor de quem nada sabemos, além do nome. Tinha sido funcionário da Fazenda, pelo que se deduz que já o não fosse; no entanto, não esclarecia de onde lhe vinham os meios de sobrevivência.

José Pereira dos Santos dava aula numa casa que ficava situada na Calçada do Carmo. Ensinava doze crianças, ministrando também ensino gratuito, ou pelo menos assim o afirma o relatório, baseado por certo nas suas declarações. O aproveitamento escolar era pequeno. Para a aprendizagem da leitura, usava uma cartilha manuscrita, sinal de grande pobreza. Fora também aluno de Pedro Torres Ribeiro e era empregado no Terreiro Público, o mercado municipal daquele tempo.

Feliciano Rodrigues da Costa ensinava na Rua das Pretas, aos Coqueiros. Estranhamos esta designação, mas a verdade é que já se mantinha na primeira metade do século na toponímia de Luanda, assim como existia a Rua de Pedro Torres, não sabendo se se referia ao indivíduo mencionado. Tinha somente cinco alunos, todos eles seus parentes, pelo que o ensino era gratuito. Um dos estudantes lia sofrivelmente, mas os outros estavam muito atrasados. Tinha sido aluno do pároco da freguesia da cidade alta, que era então o cónego Ramos de Carvalho, mencionado como o mestre em referência, mas continuava a estudar sob a orientação do cónego Augusto Guedes Coutinho Garrido.

Ana da Silva Pontes tinha a sua escola próximo do Terreiro Público, ao sopé da Fortaleza de S. Miguel, pouco mais ou menos onde depois foi o Largo Infante D. Henrique. Era frequentada também por cinco alunas. O que nela aprendiam não tinha grande interesse, pois a própria professora carecia de ilustração. Além de uns rudimentos de leitura e escrita, ensinava às meninas alguma coisa de costura.

Maria Augusta Ramos Durão mantinha o seu colégio na Rua Avelino Dias e era frequentado por sete alunas, que tinham bom aproveitamento. A professora era uma senhora educada, que se preparara convenientemente em escolas da Europa, por certo em Lisboa. O estabelecimento de ensino a seu cargo era já antigo na cidade, tendo-se educado ali muitas jovens de Luanda; dois anos antes ainda registava grande frequência, não se indicando as causas do abaixamento, que certamente existiriam. Embora não seja suficientemente claro neste particular, a leitura do relatório deixa entrever que a diminuição das educandas se justificaria por doença da professora ou talvez mesmo por já ter bastante idade.

Temos certa dúvida em aceitar que Josefa Maria Rogeiro fosse a mesma senhora que nos aparece, na mesma época histórica, sob o nome de Josefa de Sousa Rogero, embora nos inclinemos para a hipótese afirmativa. Dava aulas na Travessa da Sé. A outra ensinava na Rua dos Mercadores, que lhe fica contígua. O colégio era misto e tinha grande frequência de alunos, mantendo até um internato. Contava, nessa altura, vinte meninas e quatro rapazes, como internos, tendo além destes oito meninas e um rapazinho como externos, o que perfazia trinta e três educandos. A professora tinha exercido já o magistério oficial em Luanda, com a categoria de mestra régia, desde 1 de Outubro de 1868 até 11 de Fevereiro do ano seguinte. Esta escola particular tinha então, Abril/Maio de 1869, dois anos de existência.

A escola de Isabel Rogeiro Ruas ficava situada na Rua D. Miguel de Melo. Era frequentada por onze meninas e contava três anos de existência. Tinham grande aproveitamento, o que não admirava, pois o relatório do administrador do concelho de Luanda, servindo de inspector das escolas, António do Nascimento Pereira Sampaio, esclarece e acentua que se tratava de uma senhora de esmerada educação, pois frequentara em Lisboa um colégio inglês.

O mesmo documento salienta ainda que os alunos da aula de instrução primária que funcionava anexa à Escola Principal de Luanda abandonavam frequentemente esta escola para irem para a do P. António Maria Ramos de Carvalho. E no relato de outra visita de inspecção, que tem a data de 18 de Novembro de 1870, o mesmo indivíduo afirmava que a frequência das escolas era muito irregular, pois os encarregados da educação das crianças manifestavam pouco interesse pela sua instrução.

Concluída a ronda pelas escolas particulares de Luanda, podemos prosseguir.

Alguns anos mais tarde aparece a notícia da fundação, em Luanda, com data mal determinada, de mais um estabelecimento de ensino particular, o Colégio Luso-Africano, de que era directora e proprietária a professora Josefa Augusta de Morais Pires. Há indicações de esta escola ter sido criada nos princípios de 1877. Funcionava na Rua do Miranda, perto da Nazaré. Esteve também a funcionar na Rua de Pedro Torres; a partir do mês de Junho de 1879, voltou para a Rua do Bungo, que talvez correspondesse à Rua do Miranda. Em Setembro de 1881 instalou-se num edifício da Rua Salvador Correia. Segundo informações indirectas dadas pela imprensa local, as habilitações desta senhora tornavam-na recomendável à consideração dos responsáveis pela educação das crianças. Existia ainda, em 1894, um colégio particular de Luanda que era dirigido então por uma senhora de nome Augusta Morais Pires, o que levanta o problema de se tratar ou não da mesma pessoa ou de alguém da sua família!

Anunciava-se, em 31 de Janeiro de 1884, que ia abrir nesta capital um novo colégio de ensino particular, a que se dava o nome de Colégio de Nossa Senhora do Rosário. Ficava situado "num dos locais mais salubres da cidade", não se indicando nem a rua nem o bairro. Também desconhecemos quem fosse o proprietário, o director ou os professores, assim como não sabemos se chegou ou não a funcionar. Referimo-lo apenas por curiosidade histórica.

Não vamos fazer menção das iniciativas que as missões cristãs, católicas ou não, empreenderam em diversos pontos da Angola — Lândana, São Salvador, Malanje, Moçâmedes, Huíla. Os resultados foram muito diversos e nem sempre a finalidade última era a difusão do saber, mas sim a expansão dos ideais religiosos. Por vezes, os frutos colhidos foram satisfatórios, outras vezes nem tanto!

Para encerrar este capítulo, faremos referência muito especial a uma ilustre senhora católica, de origem irlandesa mas educada na França e cujo nome é Henriqueta Deehan.

Miss Herriet (Herreeth) Deehan tinha maneiras muito distintas. Era uma professora muito consciente da sua missão, dedicada ao ensino e invulgarmente culta. Viajara por diversos países da Europa, Ásia, África e Oceania. Residira na Inglaterra e na França. Exercera o magistério em Lisboa. Deveria ter-se fixado em Moçâmedes pelo ano de 1880, mantendo-se ali em 1894. Ensinava Português, Francês, Inglês, Geografia, História, Desenho, Música, etc. A sua escola era frequentada pelas jovens do sexo feminino das mais distintas famílias da cidade, mantendo-se ali até bastante tarde, algumas só saíam para casarem... Este colégio, no dizer de um inspector, era a escola que em Angola ministrava mais vasto programa educativo, rivalizando com as melhores de Portugal e mesmo da Europa! Preenchia, por si só, o lugar de muitas mestras, emprestando ao ensino grande seriedade e importância, insistência e intensidade. Os desenhos e bordados das suas educandas poderiam colocar-se a par dos mais perfeitos das exposições escolares realizadas em qualquer país! Embora, em regra, recebesse só meninas, aceitava algumas vezes, por excepção, alguns rapazinhos, mas exclusivamente quando eram irmãos das suas alunas.

A Câmara Municipal de Luanda, a partir do ano lectivo de 1873/1874, concedeu às escolas a importância de quatrocentos mil reis, para prémios aos professores primários particulares da cidade que propusessem mais alunos a exame e fossem aprovados, e ainda aos estudantes que mais se distinguissem pelos resultados obtidos. Apesar de já nos anos anteriores ter sido instituído, este prémio nunca chegara a ser atribuído até então, o que as entidades municipais lamentavam, pois isso manifestava pouco interesse pelo ensino e pelo estudo.

A partir de agora, Angola vai entrar numa época em que as condições gerais se modificaram bastante, embora se não possa dizer que tenha crescido muito o interesse pela difusão do ensino e que os particulares se interessassem grandemente por este problema. Para formar uma ideia global, bastará o que fica dito destes pioneiros do ensino particular, em Angola.



 
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