15. TENTATIVAS MISSIONÁRIAS
O ambiente geral português, dos meados do século XVIII a meados do século XIX, era francamente contrário às congregações religiosas e, consequentemente, às missões católicas ultramarinas que elas sustentaram. A prova da hostilidade que Portugal votou àquelas instituições está no facto de o Marquês de Pombal ter expulsado os jesuítas e Joaquim António de Aguiar ter extinguido todas as ordens religiosas, qualquer que fosse o seu tipo e a sua finalidade e tanto de um como do outro sexo. Falando da Espanha, o historiador Antony Beevor diz que o motivo da perseguição política aos frades e freiras foi para poderem confiscar os seus bens. A razão poderá adaptar-se bem ao caso português. Não obstante tudo o que possa afirmar-se, na segunda metade do século XIX manifestaram-se algumas tentativas sérias de remédio contra o mal que afligia a acção missionária e dificultava a obra civilizadora que desde os primeiros tempos da presença lusa no ultramar vinha sendo exercida, e que podia entroncar no período áureo dos descobrimentos.
Em 1842, já D. Frei Jerónimo do Barco da Soledade, bispo resignatário de Cabo Verde, D. José Luís Gonzaga de Sousa Coutinho Branco e Meneses, conde de Redondo, António de Saldanha Albuquerque de Castro Ribafria, par do reino, e outras individualidades que com eles colaboravam tentaram fundar em Lisboa a Associação Católica destinada à Educação e Ensino dos Missionários. O Governo autorizou a fundação por portaria de 10 de Janeiro de 1843, mas a obra não deu os frutos que seria lógico esperar dela, tendo tão influentes como poderosos patronos...
Em 1856 surgiu novo projecto, desta vez com o apoio e patrocínio do grande estadista português, Sá da Bandeira, uma das mais gloriosas e humanitárias figuras da História de Portugal, que devotava à África um interesse, dedicação e simpatia filantrópica excepcionais. Tratava-se então da Associação Promotora da Civilização da África. Exerceu ainda certa actividade, nos primeiros tempos; mas a partir de 1859 deixou de se falar nela. Os seus fins não eram, precisamente, de apoio às missões católicas, embora as não combatesse e até as favorecesse; era antes uma espécie de tentativa de civilização laica, à margem de conceitos religiosos, segundo o figurino da época. O marquês de Sá da Bandeira, apesar de toda a sua grandeza e projecção, apesar da grande obra humanitária que pôs em marcha, apesar de lhe terem ficado a dever muito os nativos da África, e nomeadamente os de Angola, era um representante qualificado dessa corrente ideológica, um expoente destacado dessa concepção civilizadora. Vem a propósito referir que, em certo documento emanado do Conselho Ultramarino, Almeida Garrett lamentava que tivesse convicções diferentes das suas, acerca da influência do Cristianismo na abolição da escravatura e administração da justiça, uma vez que no seu próprio conceito Evangelho era sinónimo de Civilização.
Em 1858 foi pedida a aprovação do Governo para uma nova instituição de apoio às missões católicas portuguesas e auxílio aos povos atrasados do continente negro, a Associação da Imaculada Conceição. Tinha como finalidade expressa nos seus estatutos acudir à África, bem carecida de auxílio. O projecto não teve a indispensável homologação ministerial. Logo a seguir à confirmação de D. José Lino de Oliveira, como bispo de Angola e Congo, em 21 de Dezembro de 1863, fez-se nova tentativa para obter a aprovação daquele projecto e respectivos estatutos. Foi o próprio prelado que dirigiu a petição, e até há quem afirme que a entregou pessoalmente ao ministro. Nem assim a ideia teve concretização prática, pois o requerimento não foi deferido.
No dia 10 de Fevereiro de 1860, continuando ainda em Pinheiro Grande, do concelho de Chamusca e distrito de Santarém, sua terra natal, e tendo em vista as necessidades da cristandade de Angola, a que iria dedicar o seu zelo e cuja responsabilidade pesava sobre os seus ombros de gigante, o bispo D. Manuel de Santa Rita Barros propôs ao ministro a nomeação de uma comissão destinada a recolher donativos e subsídios para a manutenção da obra missionária angolana. Em nota ao referido documento declara-se que, por motivos pouco evidentes, a proposta não chegou às mãos do ministro... A título de curiosidade, vale a pena fixar os nomes dos seus componentes, todos eles figuras de alto relevo, e que eram os seguintes:
—D. Francisco de Sales Maria José António de Paula Vicente
Gonçalves Zarco da Câmara, marquês de Ribeira Brava;
—D. José de Meneses da Silveira e Castro, marquês da Valada;
—D. António do Santíssimo Sacramento;
—Tomás de Almeida e Silva Saldanha;
—P. José Maria da Silva Ferrão de Carvalho Martens, futuro
bispo das dioceses de Bragança e de Portalegre;
—P. António Alves Martins, o futuro famoso bispo de Viseu e
também político muito conhecido;
—P. Francisco do Patrocínio Madeira;
—Conselheiro António Rodrigues de Sampaio;
—José Joaquim de Almeida Lima (Quinta da Cardiga);
—Alexandre Balduino Severo de Mendonça, deputado por Angola;
—António Joaquim Ribeiro Gomes de Abreu, médico;
—Alexandre Magno de Castilho, membro da Sociedade Promotora da Civilização
da África.
Mostrando louvável zelo pelas coisas divinas, logo que se deslocou para Luanda, onde viveu apenas quatro meses, D. Manuel de Santa Rita Barros fundou nesta cidade, na data de 24 de Setembro de 1861, a Associação das Damas Zeladoras da Decência do Culto Divino, a fim de acudir às igrejas com paramentos e alfaias sagradas, imagens, vasos litúrgicos, etc.. Deveria trabalhar em ligação com outra, recentemente instituída em Lisboa, a Associação de Caridade para promover meios de acudir às grandes necessidades da Religião Católica em Angola. Nunca mais encontrámos qualquer referência a estas associações. Aquela deveria ter morrido à nascença, indo a enterrar com o seu fundador, como normalmente acontece quando iniciativas semelhantes ainda não estão devidamente enraizadas; só se aguentam desde que sejam carinhosamente amparadas por quem as idealizou.
Em diploma legal com data de 17 de Dezembro de 1868, o ministro Luís Augusto Rebelo da Silva fixou as vantagens a conceder aos sacerdotes que, estando a exercer funções do seu ministério no ultramar, acumulassem também o encargo docente. Procurava-se suprir assim a falta de pessoal devidamente habilitado para o ensino, dando impulso novo ao movimento de escolarização, que sofrera acentuado abaixamento de interesse, uma paralisação notória que continuaria ainda a manifestar-se durante mais de uma década de debilidade orgânica e de estagnação anémica.
A política ultramarina portuguesa modificou-se muito a partir dos meados do século XIX, como já sabemos. Começou a verificar-se que a civilização dos nativos tinha interesse enorme para a conservação das terras africanas e sua integração no património nacional, adoptando a mentalidade ocidental. Reconheceu-se que a guerra feita às missões, através da perseguição e combate aos institutos religiosos, se reflectiu no conjunto dos problemas nacionais, dificultando-os muito e tornando alguns deles quase insolúveis. Procurou-se remediar o mal feito, já que se não podia vencê-lo definitivamente nem suprimi-lo de vez. Foi enfrentado com os recursos de que se dispunha, tentando resolvê-lo na medida do possível. Assim, em 1871, vieram para Angola os primeiros cinco padres goeses, de vinte e três sacerdotes indianos que aqui exerceram as suas funções de curas de almas e o ministério missionário. O Estado da Índia ajudou a resolver as dificuldades da evangelização de Angola, dentro das suas disponibilidades de clero, bem superiores às africanas.
No dia 9 de Setembro de 1875, chegaram a Luanda os quatro primeiros clérigos do Real Colégio das Missões, que funcionava em Cernache de Bonjardim. Haviam saído de Lisboa no dia 5 de Agosto. Eram eles o P. Carlos Ferreira Baptista, P. Custódio Maria Henriques Farto, P. António Pedro Martins e P. Boaventura dos Santos. Este tinha autorização para se demorar em Cabo Verde, não sabemos para quê; mas como a notícia da chegada a Luanda o inclui também, admitimos que fizeram juntos toda a viagem. Todos eles exerceram neste território as funções docentes, como professores de primeiras letras.
Os primeiros missionários da Congregação do Espírito Santo que trabalharam em Angola foram o P. José Maria Poussot, o P. António Anselmo Xavier Espitallié e o I. Estêvão Billon. Embarcaram em Bordéus, com destino a Lisboa, aonde chegaram no dia 27 de Janeiro de 1866. A Associação da Propagação da Fé, de Paris, entregara-lhes elevada soma de dinheiro, quinze mil francos, para as despesas da instalação da sua missão em África. O Governo francês fornecera-lhes passagem gratuita até Lisboa, pois a partir daqui ficariam sujeitos às autoridades portuguesas.
Visitaram a Nunciatura Apostólica de Lisboa e estiveram também no Ministério dos Negócios Estrangeiros e no Governo do Distrito. Não deixariam, por certo, de contactar o Ministério da Marinha e Ultramar, a que ficavam a pertencer, na qualidade de missionários católicos. Sabia-se já, por via oficial, da sua vinda e dos bons propósitos que os norteavam. Foram recebidos, em toda a parte, com extrema amabilidade; facilitaram-lhes as exigências diplomáticas e burocráticas legais até onde foi possível facilitar. Finalmente, puderam embarcar para Luanda, no dia 5 de Fevereiro seguinte.
Os deputados portugueses, que tão poucas vezes falavam do ultramar, levantaram-se apavorados contra o perigo da infiltração estrangeira no território de além-mar. Na sua ignorância estulta, condenável por ser ridícula, a infiltração era feita sob a forma de evangelização católica. Os missionários eram agentes disfarçados, que pretendiam minar a influência portuguesa! Preferiam o abandono sistemático da África e da obra missionária! Não tinham aprendido ainda a lição da História! Portugal não tinha gente que mandasse para as missões, alimentadas sobretudo pelas congregações religiosas, que tinham sido extintas e os seus membros expulsos. Os portugueses pretendiam ser diferentes, mais adiantados do que outros países da Europa, que as conservavam! Ainda hoje estamos sofrendo, sob vários aspectos, inclusive o económico, os resultados de enganosos avanços!
Os missionários desembarcaram no Ambriz, no dia 14 de Março de 1866. Como o governador-geral de Angola e o bispo da diocese não estavam em Luanda, em vez de irem pessoalmente à cidade capital do território, escreveram cartas que seguiram no mesmo vapor. Ainda antes de dar início aos trabalhos missionários, o P. José Maria Poussot foi a Luanda, onde conferenciou com o prelado e com o governador-geral, nessa altura o contra-almirante Francisco António Gonçalves Cardoso, que tinha tomado conta do cargo no dia 12 de Março desse ano. O encontro com D. José Lino de Oliveira só pode ter ocorrido do dia 2 ao dia 5 de Abril, pois só se demorou esse tempo em Luanda, na sua viagem de regresso ao reino. Este prelado residiu em Moçâmedes de 14 de Fevereiro de 1865 a 28 de Março de 1866.
A Sagrada Congregação da Propagação da Fé, em carta de 12 de Setembro de 1865, dizia que, por se terem retirado do norte de Angola os missionários portugueses e os capuchinhos italianos ao serviço de Portugal, renunciaram prática e formalmente às missões que mantinham naquela zona e por isso entregava o cuidado delas aos novos missionários e à Congregação do Espírito Santo. Conservar-se-iam as coisas no ponto em que anteriormente estavam, a fim de evitar conflitos de jurisdição e questões incómodas e aborrecidas entre os religiosos e o poder civil. Na prática, a autoridade e prestígio do ordinário da diocese não foram prejudicados. O superior dos missionários havia recebido de Roma poderes de prefeito apostólico; não quis pôr o facto em evidência, para não levantar atritos e dificuldades, para evitar negociações de compromisso com as autoridades portuguesas e com o prelado.
Em Luanda, mostraram-se todos também muito gentis com os missionários franceses, mas foram levantando dificuldades e entraves burocráticos à sua acção, pondo em pé uma muralha de exigências, que nos parecem exageradas, se atendermos a que o Governo de Lisboa havia dado consentimento e o exemplo de compreensão e simpatia, manifestado nas facilidades concedidas! A fundação canónica e legal da missão projectada, ou mesmo a ocupação de uma antiga missão abandonada, retardava-se cada vez mais. Por fim, a saída para o reino do pároco do Ambriz veio ajudar a resolver parcialmente o problema, simplificando-o, pois aqueles religiosos foram encarregados desta paróquia. Se não fosse isso, mais tempo estariam à espera de não sabemos que documento, tendo em mãos declaração escrita e oficiosa em que se afirmava não haver motivo para entravar o trabalho missionário dos padres franceses da Congregação do Espírito Santo, desde que prestassem obediência ao prelado diocesano. Em 30 de Agosto, finalmente, o P. Poussot partiu para o Ambriz.
Os espiritanos foram recebidos nesta vila com inequívocas demonstrações de júbilo e simpatia. Deveria ter contribuído para isso o facto de o terreno estar já arroteado, com acção pastoral de certo modo prolongada. O povo e as autoridades locais auxiliaram-nos muito nos trabalhos e obras necessários à realização e concretização do ministério apostólico. Infelizmente, a mudança do chefe do município veio prejudicar o bom andamento das coisas, pois este funcionário não se mostrou disposto a continuar no rumo do seu antecessor. Em verdade, é característica da mentalidade lusitana não haver continuidade de acção, abandonar planos traçados pelos antecessores, mesmo que denotem abnegação, boa vontade, dedicação e serviço!
O P. José Maria Poussot adoeceu e voltou para a Europa, tendo desembarcado em Lisboa no dia 24 de Março de 1868. Por sua vez, o P. António Anselmo Xavier Espitallié faleceu em Luanda, a 29 de Março de 1869. Outro missionário, o P. José Fulgêncio Lapeyre, que entretanto havia chegado a Angola, abriu uma escola na capital, pouco depois do falecimento do P. Espitallié. Quando chegaram ao porto desta cidade mais dois missionários que vinham reforçar os quadros, no dia 7 de Dezembro de 1869, o P. António Maria Hipólito Carrie e o P. Dhyèvre, encontraram aquele muito doente, tão doente que veio a falecer no dia 19 de Janeiro de 1870.
O P. Dhyèvre (cujo nome completo nunca conseguimos determinar) dirigiu-se a Moçâmedes, onde tencionava abrir uma escola, mas nada conseguiu. Como a saúde de ambos se sentisse fortemente abalada, regressaram à Europa, partindo de Angola no dia 19 de Maio daquele ano de 1870.
O P. Carlos Duparquet, da Congregação do Espírito Santo, foi um missionário que muito se interessou junto da Sagrada Congregação da Propagação da Fé para que fosse criada a Prefeitura Apostólica do Congo, confiando-a à ordem religiosa a que pertencia. Via nisso facilidade de actuação missionária. Encontrou-se em Lisboa com o bispo D. José Lino de Oliveira que, em 14 de Outubro de 1866, o nomeou pároco de Capangombe. Desembarcou em Moçâmedes no dia 4 de Dezembro e tomou conta da sua paróquia a 17 desse mês. Por motivos mal esclarecidos, voltou em breve para Portugal, em meados de 1867. Dedicou-se à fundação de um estabelecimento de preparação de missionários, tendo sido autorizado a abrir um seminário em Santarém, que recebeu a designação de Casa do Congo. O nome deste sacerdote francês ergue-se como um clarão no abatido panorama missionário angolano.
Entretanto, em Lisboa desencadeava-se grande celeuma política à volta do nome dos missionários espiritanos gauleses, e especialmente em relação ao P. Carlos Duparquet. Isso demonstrou à evidência que o problema não seria resolvido com sacerdotes estrangeiros e que para solucionar os problemas missionários de Angola era preciso formar padres portugueses. Parece ter sido devido a isso que o grande missionário transferiu o seu campo de acção, mudando-se de Capangombe para Santarém.
Acabara a primeira tentativa da fixação dos missionários da Congregação do Espírito Santo, em Angola. Os parlamentares de Lisboa podiam agora descansar, pois não havia agentes da infiltração estrangeira nas missões angolanas. Os indígenas continuavam no seu abandono de séculos, no seu deprimente atraso social, sem haver quem fosse arrancá-los à barbárie, trazendo-os para a vida civilizada. Outras tentativas seriam experimentadas em breve, felizmente com melhores resultados.
A Santa Sé erigiu, em 9 de Setembro de 1865, como já dissemos, a Prefeitura Apostólica do Congo, confiando-a aos padres da Congregação do Espírito Santo. No dia 3 de Julho de 1879, era criada a Prefeitura Apostólica da Cimbebásia, por iniciativa da Sagrada Congregação da Propagação da Fé. Abrangia uma vasta região, mal delimitada, que ficava entre os rios Cassai, Zambeze e Orange. Reconhecia-se que Portugal não podia cumprir as obrigações missionárias que lhe competiam e por isso eram estabelecidas novas circunscrições territoriais, abrangendo vastas zonas sob o domínio português e se estendiam por terras que ficavam muito fora do actual limite das fronteiras de Angola, até bastantes centenas de quilómetros.
Em Setembro de 1873, os missionários da Congregação do Espírito Santo retomavam a iniciativa de se fixarem no território angolano, tendo fundado a missão de Lândana. A nova tentativa de evangelização e civilização ficou-se devendo aos cuidados do P. Duparquet e do P. Carrie. Tiveram de enfrentar e vencer vários obstáculos imprevisíveis, de que hoje mal podemos aperceber-nos. As famílias não compreendiam que os alunos trabalhassem na cultura da terra, tradicionalmente reservada às mulheres; manifestou-se estiagem prolongada, que foi atribuída pelos feiticeiros consultados à presença dos padres; registaram-se surtos de bexigas (varíola) e matacanhas (nígua, pulga do pé). A crendice local tinha sempre uma fácil explicação, atribuindo aos adventícios tudo o que lhe desagradava.
Fundaram desde logo uma escola, como pode deduzir-se do referido. Estabeleceram um internato. Dez anos mais tarde, em 1883, vieram fixar-se ali, a fim de coadjuvarem na obra missionária, as Irmãs de S. José de Cluny. Entretanto, em 20 de Outubro de 1879 havia já sido inaugurado um seminário para a formação de clero nativo.
Em 1887, fixaram-se em Luanda os religiosos da Congregação do Espírito Santo, o P. Afonso Gauthier e o P. José Faxel. Ficaram a trabalhar como capelães tanto no hospital como no Depósito de Degredados, assistindo os enfermos e os condenados ao desterro com o apoio e o consolo da religião.
Admite-se que a data da fixação em Luanda dos dois missionários, 28 de Janeiro de 1887, corresponda à da instalação da respectiva Procuradoria Missionária, de que eles ficaram encarregados. Abriram em breve na cidade uma escola para crianças pobres, em local que não conseguimos determinar com exactidão mas que deverá ter sido na área do musseque das Ingombotas. Vinte anos antes, os seus confrades abriram a sua aula junto da ermida da Nazaré.
A Procuradoria Missionária de Luanda estava dependente da Procuradoria-Geral das Missões, que tinha a sua sede em Lisboa e veio a ser estabelecida em 15 de Agosto de 1896, portanto mais recente do que a de Angola. Ficou encarregado do seu funcionamento o P. Cristóvão José Rooney, em 27 de Outubro de 1904 substituído pelo P. José Maria Antunes, que tanto trabalhou por Angola e se distinguiu pelas suas excepcionais qualidades. Reconhecendo o valor da acção dos missionários da Congregação do Espírito Santo, apesar de a maior parte dos seus membros ser constituída por padres estrangeiros, o Governo Português concedeu-lhes, em 5 de Novembro desse mesmo ano de 1896, o subsídio de cinquenta e dois contos, tendo em vista as missões de Angola.
No dia 16 de Setembro de 1887, o ministro da Marinha e Ultramar, Henrique de Barros Gomes, criou por decreto a Junta-Geral das Missões, cuja finalidade era dar impulso novo às actividades evangelizadoras. E em 14 de Novembro de 1889, foi fundada a Escola Agrícola Colonial, em Sintra, iniciativa que também está ligada às actividades missionárias da Congregação do Espírito Santo.
A fundação da Escola Agrícola e Colonial de Sintra ficou a dever-se ao espírito de iniciativa de um sacerdote espanhol, o P. João José Quesada. Sem nunca ter trabalhado em Angola, deixou o seu nome intimamente ligado à obra civilizadora destas terras, pois ao contactar com o missionário angolano P. José Eigemann criou em si o entusiasmo apostólico, que soube transmitir depois à condessa de Bobadela e Camarido, D. Maria Isabel Freire de Andrade e Castro, que pôs à sua disposição duas quintas de que era proprietária, antiga residência de seus avós, a Quinta da Piedade e a Quinta do Despacho, onde veio a estabelecer-se aquela escola, que se considera única no seu género, no nosso historial missionário. Os elementos que ali se preparavam destinavam-se exclusivamente às missões angolanas.
A propósito da referência à Escola Agrícola e Colonial de Sintra e aos seus fundadores, P. João José Quesada e condessa de Bobadela e Camarido, podemos fazer menção a uma medida que o Ministério da Marinha e Ultramar preconizou, em 21 de Dezembro de 1895, segundo a qual o governador-geral de Angola devia ordenar ao superior das missões do distrito de Benguela que, sem perda de tempo, iniciasse com os meios de que dispunha, e que no orçamento do ano seguinte seriam aumentados e reforçados, a plantação de géneros que permitissem fornecer mantimentos para abastecimento das missões, aliviando desta forma o tesouro público do encargo de lhes fornecer tudo aquilo de que precisavam e que na região podia produzir-se economicamente. Era-lhe concedido o terreno necessário para fazer a exploração sugerida, até ao limite de sessenta quilómetros quadrados, ou sejam seis mil hectares.
Recordamos que outrora as congregações missionárias viram-se obrigadas a lançar mão da iniciativa de estabelecerem em Angola hortos e arimos. Serviam de escola prática para a divulgação de noções fundamentais sobre agricultura e, ao mesmo tempo, forneciam recursos que Portugal distante e com transportes incertos não podia assegurar. O exemplo dos antigos continuava, talvez inconscientemente, a servir de útil e profícua lição
Não podendo fazer a crónica das actividades desenvolvidas pelos missionários espiritanos, não deixaremos de referir que, até ao final do século XIX, alargaram o seu campo de acção a numerosas localidades e regiões, que indicaremos sumariamente. Pouco mais ou menos, a ordem cronológica das fundações efectuadas é a seguinte: — Omaruru (1879); Huíla (1881); Humbe (1882); Ambuelas (1883); Cuanhama (1883); Cassinga (1887); Lubango, depois Sá da Bandeira, desde logo com categoria de paróquia (1888); Jau (1889); Caconda (1890); Malanje (1890); Cabinda (1891); Cachingues (1892); Tchivinguiro (1892); Lucula (1893); Libolo (1893); Quihita (1894); Catoco, para o que em 1888 fora feita uma tentativa infrutífera (1894); Bailundo (1895); Cuchi (1897); Capembe (1897); Munhino (1898) e Mussuco (1900). Podemos pensar que nem todas pudessem ser classificadas como missões de pleno direito e actividade, sendo algumas delas melhor ordenadas sob a categoria de estações missionárias.
A fim de evitar problemas e afastar dificuldades, logo que foi nomeado para a diocese de Angola e Congo, o grande prelado D. António Barbosa Leão procurou contactar com a Santa Sé no sentido de ajustar os limites da jurisdição do bispo diocesano com as fronteiras territoriais da soberania portuguesa. O Vaticano recebeu com boa vontade esta justa pretensão do prelado de Luanda e do Governo Português, de modo que a partir de 1 de Janeiro de 1907 todo o território de Angola ficava sob a sua autoridade. Para melhor compreensão do problema devemos acrescentar que D. António Barbosa Leão foi elevado à dignidade episcopal no decorrer do ano de 1906, pelo que podemos constatar o interesse dispensado pela Santa Sé à satisfação de pretensões razoáveis, que poderiam vir a despertar na consciência portuguesa novos estímulos missionários.
A sequência dos assuntos relativos à acção desenvolvida pela Congregação do Espírito Santo e aos problemas que com ela se prendem directamente levou-nos a avançar no tempo, até entrarmos no século XX. Recuemos, porém, um pouco e retomemos o fio da narrativa no ponto em que o deixámos.
Em 4 de Setembro de 1874, foi fundada pelo Arcebispo de Mitilene, cujo nome ignoramos, uma nova instituição que se propunha auxiliar as missões católicas ultramarinas, tão desprezadas por todos. Tratava-se da Associação de Propagação da Fé nas Missões Portuguesas do Ultramar. Mas não pôde cumprir o programa que havia sido estabelecido.
No ano de 1881, fez-se nova tentativa, cujos frutos não foram satisfatórios. Instituiu-se, com efeito, nesta data, a Associação Católica Portuguesa em benefício das Missões nas Províncias Ultramarinas de Angola, São Tomé, Moçambique e Timor. O seu programa era vasto, mesmo ambicioso. E foi pena que não pudesse ser cumprido. Mais uma tentativa de pouco fruto a juntar a outras!
Não queiramos, no entanto, ser iconoclastas e demolidores por sistema. Por esta altura da História de Angola foram realizadas tentativas do mais alto interesse, de que podemos salientar o estabelecimento da missão do Congo, a que dedicou o seu entusiasmo e dedicação o futuro bispo de Moçambique, de Meliapor e do Porto, D. António José de Sousa Barroso. Foram iniciativas que produziram abundantes e valiosos frutos.
Em 1883, fazia-se mais uma experiência, uma tentativa cheia de boa vontade, com a fundação da Associação Auxiliar da Missão Ultramarina. Finalmente, em 1891, era introduzido em Portugal um organismo que nasceu na França e que tinha já sido aprovado, recomendado, indulgenciado e patrocinado pelos Papas, nomeadamente Pio IX e Leão XIII, a Associação de Orações e Boas Obras pela Conversão dos Pretos. No caso português, começou por publicar um boletim em que se inseriam notícias relativas à actividade missionária, sobretudo em relação a Angola.
Na sua primeira carta pastoral, que tem a data de 15 de Setembro de 1880, o bispo da diocese de Angola e Congo, D. José Sebastião Neto, que havia desembarcado em Luanda exactamente uma semana antes, propunha-se fundar o maior número de escolas que fosse possível criar e manter. No dia 1 de Outubro seguinte, publicou uma espécie de programa que deveria ser adoptado no seminário-liceu, pelo qual se verifica que as disciplinas a ministrar ali deveriam ser as de Português, Latim, História, Geografia, Filosofia e Direito Natural.
Em 2 de Outubro de 1880, era nomeada numerosa comissão para estudar e tentar resolver os problemas culturais, constituída por:
—D. José Sebastião Neto, prelado da diocese;
—Felisberto de Bettencourt e Miranda Júnior, secretário-geral;
—António Manuel Teixeira de Sequeira, juiz da Relação;
—Francisco António Pinto, juiz de Direito;
—António Carlos de Carvalho Barreto, procurador da Coroa;
—Arnaldo de Morais Guedes Rebelo, director das Obras Públicas;
—Adriano Augusto Lopes, médico dos Serviços de Saúde;
—Guilherme Gomes Coelho, segundo-tenente da Armada;
—Eduardo Ayala dos Prazeres, comerciante;
—José Maria da Lembrança de Miranda Henriques, professor
aposentado;
—Joaquim Eugénio de Sales Ferreira, professor da Escola Principal.
Segundo o texto da portaria correspondente, reconhecia-se que era grande o atraso e o abandono em que se encontrava a instrução pública, e pretendia-se remediar tal estado de coisas, empregar os esforços indispensáveis para tornar o ensino em Angola adequado, profícuo e benéfico, despertar através dele maior amor ao trabalho, e concorrer para o desenvolvimento da civilização e da cultura moral dos povos. Tinha-se em vista organizar melhor o ensino primário, secundário e profissional, prestando particular atenção aos ofícios e artes mais úteis e indispensáveis. A comissão deveria estudar detida e cuidadosamente este assunto e propor depois as medidas que julgasse oportunas. As propostas apresentadas seriam enviadas para Lisboa e apreciadas pelo Governo central. O governador-geral depositava plena confiança no zelo, dedicação, competência e ilustração dos membros da comissão, que era formada, efectivamente, pelos nomes mais representativos do meio social da cidade de Luanda, naquele tempo.
A título de curiosidade, vale a pena referir aqui que o bispo D. José Sebastião Neto se fez acompanhar, na sua vinda para Angola, por sete missionários de grandes qualidades, três dos quais viriam a ser, pouco depois, elevados à dignidade episcopal — D. António José de Sousa Barroso, D. Sebastião José Pereira e D. Henrique José Reed da Silva; os restantes missionários eram o P. Francisco Xavier Pereira, o P. Mariano António Nicolau de Sousa Tavares, o P. António Simão do Rosário Mascarenhas e o P. Joaquim de Jesus Anunciação Folga. Todos estes e todos os demais que trabalhavam na província foram nomeados para exercerem as funções de professores do ensino primário ou então para o seminário-liceu.
No ano de 1886, a diocese de Angola e Congo foi dividida em arciprestados, sendo criados os de São Salvador do Congo, Santo António do Zaire, Huíla e Moçâmedes. Os sacerdotes a quem foram confiados os cargos de arciprestes foram o P. António José de Sousa Barroso, o P. José Maria Pereira Folga, o P. José Maria Antunes e o P. José Maria de Morais Gavião, pela ordem respectiva.
A situação missionária retrocedeu um pouco nos anos seguintes. Avanços e recuos eram habituais e podemos dizer que característicos da missionação de Angola, como deve ter sido apercebido ao longo destas páginas. E isso ocorreu apesar de trabalharem aqui nomes grandes da História Missionária de Angola. Podemos dizer que, segundo informações do bispo D. António Tomás da Silva Leitão e Castro, com data de 24 de Abril de 1889, vinte e quatro dos trinta e três concelhos que então havia em Angola não tinham pároco nem missionário. Para efeito de assistência religiosa, os concelhos agrupavam-se assim:
—Novo Redondo e Egito;
—Barra do Bengo, Barra do Dande, Alto Dande, Calumbo, Icolo e Bengo
e Zenza do Golungo;
—Cambambe, Muxima, Massangano, Cazengo, Ambaca, Golungo Alto e Pungo
Andongo;
—Malanje, Tala Mugongo, Cassanje e Duque de Bragança;
—Benguela, Catumbela e Dombe Grande;
—Lubango, Capangombe, Humpata, Quilengues e Caconda;
—Moçâmedes e Porto Alexandre;
—Encoje e Bembe.
Atendendo ao número indicado, falta mencionar neste esquema dois concelhos. Pensando um pouco, somos levados a admitir que sejam os de Luanda e do Ambriz!
Outro documento, este com data de 26 de Novembro de 1895, dá-nos
a indicação esquemática das missões católicas
em funcionamento, ano da sua fundação e número de
sacerdotes que nelas trabalhavam. Devemos ter em conta que não eram
indicadas as paróquias, de que ignoramos o número e localização.
A sua distribuição era como se segue:
Moçâmedes |
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Huíla |
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Jau |
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Tchivinguiro |
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Quihita |
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Benguela |
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Caconda |
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Bié |
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Luanda |
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Procuradoria-Geral de Luanda |
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Malanje |
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Calulo |
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Congo |
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Santo António do Zaire |
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São Salvador do Congo |
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Congo |
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Lândana |
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Cabinda |
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Luali |
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Lucula |
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Benguela |
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Cassinga |
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Estavam fundadas ainda as missões de Gambos e de Bailundo e esperava-se fundar em breve a de Quiteve.
O último quartel do século XIX teve uma importância excepcional para a África e, consequentemente, também para Angola. A Europa disputava entre si os territórios deste continente, criando interesses novos e levantando questões também novas. Isso contribuiu para ajudar a encontrar soluções, mesmo as relacionadas com o problema missionário e escolar, trilhando caminhos que antes ninguém se atreveria a seguir.
Em Janeiro de 1883, as Irmãs de S. José de Cluny iniciaram os trabalhos da sua fixação em Lândana. Em Março do mesmo ano, foram para Luanda as Irmãs Hospitaleiras. Foram as primeiras religiosas a fixarem-se neste território, para se dedicarem à evangelização, ao ensino ou à assistência.
No dia 15 de Maio de 1885, embarcaram em Lisboa, com destino a Angola, a bordo do vapor África, três religiosas de S. José de Cluny, que nos aparecem no documentos da época sob a designação de Irmãs Educadoras, por se dedicarem especialmente à obra educativa e às actividades escolares. Destinavam-se às colónias do planalto sul. O governador do distrito de Moçâmedes, Sebastião Nunes da Mata, empregou toda a sua influência para as reter na cidade, demovendo-as de se transferirem para o interior. Conseguiu os seus intentos e as religiosas estabeleceram-se ali, abrindo pouco depois a sua primeira escola. Segundo certas indicações que conseguimos obter, foi no dia 8 de Julho desse ano de 1885 que se fixaram em Moçâmedes. Foi a primeira povoação angolana a aproveitar-se da meritória acção das Irmãs Educadoras, se exceptuarmos a missão de Lândana, onde se estabeleceram em 1883, portanto dois anos mais cedo.
A propósito da actividade do magistério desenvolvida pelos missionários e pelas religiosas, podemos referir que o superior da missão de Lândana apresentou, em dado momento, ao Governo Português, através das autoridades competentes, o pedido de subsídio para dois professores de instrução primária e igualmente para duas mestras de primeiras letras, que regessem as escolas da missão. Com data de 4 de Julho de 1893, a Junta-Geral das Missões (de que Fernando Pedroso era secretário) enviou ao ministro um ofício em que indicava destinarem-se os referidos professores às escolas das missões filiais de Luali e Cabinda, à semelhança do que estava a praticar-se em relação às de Lândana. Afirmava ser escusado apresentar razões justificativas do pedido a quem tão bem conhecia, como era o caso do ministro, a benemérita obras realizada pelas missões dos padres da Congregação do Espírito Santo, em Angola; as escolas, dizia-se expressamente, eram portuguesas. Estava decidida a criação de nova missão, além das três que existiam no enclave de Cabinda, podendo ter-se desde já em conta este pormenor.
O decreto de 2 de Setembro de 1889 criava a missão de Caconda, que a provisão episcopal de 4 de Novembro erigia canonicamente. Os missionários chegaram ali no dia 10 de Dezembro seguinte. Em Março de 1892, desembarcavam em Moçâmedes algumas religiosas de S. José de Cluny que se destinavam a esta localidade, para onde seguiram e onde se fixaram em 16 de Junho desse ano.
No dia 9 de Novembro de 1893, desembarcaram no porto de Luanda mais algumas freiras, que deviam seguir para a missão estabelecida em Malanje. Estiveram algum tempo na capital do território, tendo partido para o interior no dia 25 desse mês. A missão de Malanje havia sido fundada em 31 de Maio de 1890 pelo P. Jorge Kraft, que ali chegou nesse mesmo dia com os seus companheiros de trabalho e de apostolado, outro sacerdote e dois irmãos auxiliares. Deve referir-se que foi legalmente instituída por decreto de 31 de Outubro de 1889, e estabelecida por portaria episcopal de 3 de Maio seguinte. Nos primeiros tempos foi necessário vencer grandes dificuldades; mas depois que se estruturou em bases sólidas prosperou muito e pouco depois abriu uma filial nos subúrbios da cidade, que nos documentos da época é designada por Canâmboa. Estava-se então no ano de 1896.
No decorrer de 1897, chegaram a Angola algumas religiosas de S. José de Cluny, que se destinavam a Moçâmedes. O governador-geral António Duarte Ramada Curto, com o apoio de outros elementos de influência na cidade, instou com elas para se fixarem em Luanda. Desejava que abrissem uma escola, o que efectivamente fizeram; começou a funcionar no dia 1 de Dezembro desse ano, na Rua da Misericórdia.
Este estabelecimento de ensino destinava-se à educação das crianças do sexo feminino, embora dentro em pouco tivesse havido necessidade de se admitirem algumas do sexo masculino. O Boletim Oficial de Angola chegou mesmo a publicar o nome dos alunos que a frequentavam, em 14 de Janeiro de 1899. Constavam da lista centena e meia de nomes, sendo vinte os alunos que frequentavam a escola indígena. Sabemos que a iniciativa da abertura desta escola se deve ao prelado diocesano, D. António Dias Ferreira. Recordamos, porém, que a primitiva informação recolhida a atribuía a D. António Barbosa Leão, o que não corresponde à verdade dos factos, pois este antístite só em 1906 tomou conta do governo do bispado. Deve ter havido confusão com o pensionato que as religiosas abriram em 1907, quando este bispo estava, realmente, à frente dos destinos da diocese de Angola e Congo. O citado pensionato foi aberto em Outubro e destinava-se ao alojamento dos filhos das famílias do interior, a residir na cidade, e que não tinham quem os recebesse em Luanda.
A escola indígena, acima mencionada, funcionava no bairro das Ingombotas, que então era ainda considerado subúrbio da capital. Vivia ali a população mais pobre da cidade desse tempo, referindo-se-lhe numerosos documentos relativos à instrução, à evangelização e à assistência sanitária.
No dia 30 de Abril de 1900, foi nomeado um júri de exames para presidir aos que deveriam efectuar-se na escola dirigida pelas Irmãs Educadoras. Prestaram provas somente três alunas, o que para o tempo era alguma coisa. Para além do número, este acto teve relativa importância histórica pela circunstância que com ele se prende, a da mudança de ano escolar, do tipo português para o tipo nitidamente angolano.
Os membros do júri examinador eram figuras de altíssimo relevo na vida social luandense. Presidia o secretário-geral de Angola, Dr. Joaquim de Almeida da Cunha; os vogais eram o Dr. António José Cardoso de Barros e o Dr. José Maria de Aguiar. Os exames realizaram-se no dia seguinte, 1 de Maio. Segundo o relatório do presidente do júri, publicado pelo Boletim Oficial de Angola, a impressão deixada pelas examinandas foi a melhor possível, satisfazendo "como nunca nesta Província e como poucos no reino".
O secretário-geral exercia funções de inspector do ensino e nessa qualidade procurou informar-se de tudo o que dizia respeito ao estabelecimento e ao aproveitamento das outras crianças, ficando plenamente satisfeito com o que pôde observar. A educação ministrada, diz ele, nada tinha de beata, pois verificara que se ensinava a Religião como a mãe cuidadosa a ensina aos seus filhos, educando-os mais no amor do que no temor de Deus. O Dr. Joaquim de Almeida da Cunha aproveitou esta oportunidade para sugerir a mudança do período de férias, afirmando que não se justificava que as férias grandes fossem em Setembro, como eram em Portugal, pois esse mês não é aqui nem tempo de praia nem tempo de colheitas, como na Europa. No seu entender, as férias grandes deviam dar-se em Fevereiro ou Março. Queremos salientar que, nesse tempo, as férias escolares de maior duração não ultrapassavam um mês.
A sugestão foi aceite. Por portaria de 7 de Agosto desse mesmo ano de 1900, o governador-geral António Duarte Ramada Curto determinava que nas escolas de Angola o mês de Setembro fosse tempo lectivo e as férias fossem dadas em Março. O secretário-geral não viu senão parcialmente a realização desta alteração, pois veio a falecer no dia 17 de Setembro seguinte.
Ainda a propósito dos referidos exames, o governador-geral Ramada Curto louvou, por portaria de 16 de Maio de 1900, as Irmãs Educadoras, nos termos seguintes:
"Tendo eu confiado, em Dezembro de 1897, às Irmãs Educadoras, da Congregação de S. José de Cluny, a regência da cadeira de ensino primário, do sexo feminino, da cidade de Luanda, fechada por falta de alunas, e tendo presenciado o aumento sempre crescente do número de crianças matriculadas, vistas as informações prestadas com respeito à competência das professoras e aproveitamento das alunas, hei por conveniente louvar as Irmãs Educadoras, da referida congregação, que têm regido a escola, e em especial a superiora, Ir. Antónia Maria George, pelo zelo, competência e inteligência que têm demonstrado na regência da escola que lhes confiei".
As autoridades portuguesas souberam distinguir, na maior parte dos casos, a diferença que havia entre as boas freiras e os professores leigos nomeados para outras escolas. Podemos aperceber-nos também dela, se repararmos que, por esta altura, alguns deles tiveram de ser castigados, num tempo em que os serviços de inspecção e fiscalização eram ainda incipientes, não funcionavam com perfeição.
As Irmãs Educadoras agrupavam os seus alunos em cinco classes, conforme o seu adiantamento escolar. Por curiosidade, inserimos aqui o esquema do estudo ministrado:
—Leitura, escrita e rudimentos de doutrina cristã;
—Prática de ler, escrever e contar, e doutrina cristã;
—Ler, escrever e contar, doutrina cristã e trabalhos manuais;
—Gramática portuguesa, tabuada, aritmética, doutrina
cristã e trabalhos manuais;
—Gramática portuguesa, aritmética, sistema métrico,
desenho, doutrina cristã e trabalhos manuais.
Os ventos da História começavam a soprar, na Europa, de quadrantes imprevistos, sobretudo nos sectores diplomático e científico. O Governo português viu em breve que lhe eram completamente desfavoráveis, verdadeiramente contrários aos interesses e à presença de Portugal na África. A política seguida nas dezenas de anos anteriores afastara-se da linha recta da obra civilizadora. A Europa não guardava a menor consideração por aquilo que Portugal julgava serem os seus direitos e se apoiava sobretudo nos valores históricos. Em face disso, por decreto de 18 de Agosto de 1881, foram estabelecidas as Estações de Civilização, Protecção e Comércio, nas nossas províncias transmarinas, tendo cada uma delas um chefe, que devia ser um oficial do exército ou da armada, conhecedor dos problemas africanos e com boa preparação humanística e científica; tinha adstrito um capelão e um médico, diversos mestres de ofícios, até ao máximo de doze por cada estação, com os aprendizes que fosse possível juntar. O resultado da iniciativa foi quase nulo, por se não ter atendido à razão fundamental que determinava o condicionalismo luso-africano. Pretendia-se fazer com ordenados altos o que só poderia fazer-se com dedicação e renúncia, numa época em que as condições gerais, tanto em Portugal como no ultramar, não permitiam pôr em prática planos audaciosos. Acabara poucos anos antes o período designado por Falsa Economia e pretendia-se agora tomar direcção e sentido contrários...
As estações de civilização destinavam-se a proteger os viajantes, a iniciar as populações nativas nos hábitos de trabalho, socorrê-las em épocas de crise, protegê-las contra quaisquer extorsões, auxiliar o estabelecimento de colonos europeus, ensaiar novas culturas, aclimatar plantas, prestigiar a civilização cristã e a cultura europeia, promover a difusão da língua portuguesa e outros valores estimáveis. Era então ministro da Marinha e Ultramar o conhecido político Júlio Marques de Vilhena.
Em 1880, foi nomeada uma comissão encarregada de estudar cuidadosamente o problema africano, sobretudo no aspecto missionário. Dois nomes se salientam entre os restantes, o de D. José Maria da Silva Ferrão de Carvalho Martens, bispo de Bragança e depois de Portalegre, e o do conselheiro Fernando Maria de Almeida Pedroso. O primeiro pertencera já a outra organização, nomeada em 1860, como vimos.
No dia 31 de Maio de 1884, partiu de Luanda para Lândana o pessoal da Estação Civilizadora de Cacongo, que ia instalar-se definitivamente naquela localidade. O respectivo chefe era José Emílio dos Santos e Silva, condutor de Obras Públicas, levando como secretário e seu substituto legal José António da Conceição, funcionário subalterno da Direcção das Obras Públicas. Como estamos vendo, a direcção desta estação era confiada a elementos que não correspondiam aos que primitivamente tinham sido previstos.
Em 25 de Junho de 1883, tinha sido assinado um contrato entre o rei do Congo e a Missão Inglesa, de confissão protestante, para a cedência de um lote de terreno em que pudesse construir as suas instalações. Serviu de secretário nas negociações o príncipe conguês, professor de instrução primária e grandemente devotado a Portugal, D. Álvaro de Água Rosada. Assinaram o documento D. Pedro de Água Rosada e os missionários M. Comber e J. M. Weeks (que noutro documento aparece como sendo J. H. Weecks, não sabendo qual das duas formas será a exacta). O governador-geral de Angola deu a sua aprovação em 29 de Julho seguinte; o território era governado então por Francisco Joaquim Ferreira do Amaral. Na mesma ocasião era publicada a notícia da concessão de mais quatro parcelas de terreno, no Congo, a outras entidades, que não interessa enumerar. Aquela região da África começava a ser activamente disputada.
Um ofício do governador-geral António Duarte Ramada Curto, com data de 16 de Abril de 1896, mencionava acusações bastante graves relativas à actividade do missionário protestante, de nacionalidade suíça, Héli Chatelain, que no final do século passado muito se distinguiu em Angola, particularmente no que respeita aos estudos linguísticos e etnológicos. Embora as referências a este missionário sejam, em regra, bastante lisonjeiras, as de Ramada Curto eram-lhe desfavoráveis. Talvez o governador, como católico praticante e sincero, visse com certa reserva, mesmo com um pouco de má vontade, a actividade do prosélito Héli Chatelain, não sabendo apreciá-lo com imparcialidade e tolerância! Concretamente, é acusado de ser um dos principais agentes da campanha de descrédito contra a presença portuguesa em Angola. Afirma que Héli Chatelain acusava os portugueses, os boers e mesmo alguns indígenas de estarem envolvidos em actividades esclavagistas — assegurando que o chefe do concelho de Caconda o tinha dito, diante de numerosas testemunhas, confessando que a prática da escravatura era geral, pelo que não podia interferir, tomando medidas repressivas...
Aceitemos que Héli Chatelain exagerasse um tanto os males que apontava ou que os generalizasse mais do que devia; mas não pode negar-se que, nesse tempo, embora em escala reduzida, havia ainda quem fizesse esclavagismo em Angola. Os missionários sinceros e escrupulosos, quer católicos quer protestantes, algumas vezes denunciaram abusos. O que sabemos de Ramada Curto não nos permite sequer aceitar a hipótese de ser conivente; talvez fosse antes um indivíduo dotado de puras intenções, que julgasse não haver quem se manchasse com a prática de tão hediondo crime — mas sabemos que havia e que o mal se prolongou até bastante tarde, embora sob aspectos novos, mais subtis e menos expostos, menos perigosos!
Entre todas as iniciativas tomadas nesta época histórica, há uma que merece referência muito especial e deve ser justamente destacada — a fundação da Sociedade de Geografia de Lisboa.
A criação deste organismo localiza-se em 11 de Novembro de 1875, sendo o seu principal impulsionador Luciano Baptista Cordeiro de Sousa, notável homem de letras e escritor, profundamente dedicado ao estudo dos problemas que afectavam os territórios ultramarinos. Foi entusiasticamente coadjuvado por outros elementos, de que se destacam, por exemplo, o visconde de S. Januário, o visconde de Santarém, o conselheiro Fernando Maria de Almeida Pedroso, Rodrigo Afonso Pequito, etc.
A Sociedade de Geografia agitou o problema colonial; formou a opinião pública; criou ambiente favorável a futuras realizações e iniciativas, a que deu decidido e valioso apoio; moveu interesses e influências no sentido de criar na alta sociedade portuguesa uma saudável curiosidade pelos assuntos e necessidades das províncias ultramarinas, com reflexo sobre a imprensa e a população, nomeadamente os homens de letras; aceitou a colaboração de missionários prestimosos, notáveis pela sua experiência da vida africana; publicou diversos trabalhos de divulgação e outros de alto interesse científico, geográfico e histórico; promoveu conferências, simpósios e estudos diversificados; confrontou, interpretou e imprimiu documentos; elaborou projectos que despertaram o entusiasmo nacional; deu a conhecer as aspirações de promoção social das gentes africanas. Sendo uma instituição de natureza científica e de carácter profano, temos de admitir com verdade que nenhuma outra a suplantou em mérito. A ela se deve muito do que se fez no último quartel do século XIX, e que foi talvez a maior obra de toda a acção civilizadora portuguesa.
Aproveitando as lições recebidas e procurando dar remédio a males que se manifestavam, o Governo de Lisboa criou, em 16 de Setembro de 1887, a Junta-Geral das Missões. Deveria tratar-se da remodelação ou restauração e actualização da antiga Junta das Missões, fundada por carta régia de 7 de Março de 1682. Era ministro da Marinha e Ultramar o grande político e cientista Henrique de Barros Gomes. Terminara a primeira infância da África. Angola, acompanhando o resto do continente, entrava também na sua adolescência!
A Conferência de Berlim, realizada nos fins de 1884 e princípios de 1885 (antecedida pela Conferência de Bruxelas, de Setembro de 1876), à qual assistiram a Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Noruega, Portugal, Rússia, Suécia e Turquia, reconheceu entre outras coisas a validade da obra missionária, que Portugal havia desprezado durante tantos anos, pondo de parte as suas mais gloriosas tradições históricas. Também a Conferência de Bruxelas, a que Portugal não assistiu por não ter sido convidado, e outros acordos e tratados, realizados nos anos seguintes, reconheceram a validade da presença missionária, prestigiando o influente papel exercido pelas missões, que foram consideradas como testemunho da presença colonizadora dos países que as sustentavam. Nem sempre, porém, ao falar de "missões" se tinha em mente as católicas; muitas vezes a referência dirigia-se às protestantes e até mesmo às expedições científicas e comerciais.
Na Câmara de Deputados, em Lisboa, raramente eram tratados os problemas do além-mar português. Quando se falava neles, quase sempre se defendiam posições tortuosas, preconizavam-se medidas desastrosas, ainda mais nocivas do que o tradicional abandono. O conhecido historiador Fortunato de Almeida aponta, em nota ao texto de um dos seus conhecidos estudos, que a exposição mais extensa e possivelmente a mais séria de quantas se fizeram foi apresentada em meados de Maio de 1879 pelo deputado Manuel Augusto de Sousa Pires de Lima. Se o Parlamento cumprisse bem as suas obrigações de representante da soberania nacional e defensor dos superiores interesses da Nação, talvez os titulares das pastas governamentais se não obstinassem tanto em sustentar uma posição verdadeiramente contrária aos interesses do País e dos territórios ultramarinos, como depois se veio a reconhecer. Vivia-se muito de utopias, naquele tempo! Não chegara ainda a hora de acordar do sono em que Portugal havia mergulhado! E quando se acordou era demasiado tarde!
A adolescência de Angola — a que acima se fez referência
— abrange, em princípio, um período de cem anos. Se quisermos
aproveitar marcos históricos e figuras destacadas, poderemos dizer
que a sua primeira infância se estende por quase trezentos anos,
terminando com D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho. Este grande
governador do período pombalino abre a segunda infância de
Angola, que vai até ao tempo de Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque,
prolongando-se por um século. E começaria aqui um período
novo, também de cem anos, que fecharia com a proclamação
da independência e entrada na maioridade política!
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