19. MUSEUS E ARQUIVOS
O estudo sistemático das coisas angolanas manifestou-se de forma sensível em toda a segunda metade do século XIX. Os objectivos em vista são muito diversos, para uns de finalidade estritamente material e para outros de carácter cultural e humanístico, visando alvos mais elevados. Viu-se na África não só uma fonte de recursos para apoiar a economia europeia e campo de acção onde muitos poderiam exercer a sua actividade e realizar os seus sonhos, como se vislumbrou na sua população uma reserva de valores dignos de serem estudados, compreendidos, aproveitados e preservados. Os próprios erros das relações humanas entre indivíduos de raças distintas, os defeitos da primitiva estruturação social dos povos silvícolas, a sua maneira de ser dentro do ambiente próprio e a forma de reagir perante os brancos constituíram matéria de estudo e despertaram o interesse de um núcleo de indivíduos de melhor preparação e de espírito mais aberto.
Há notícia indirecta de que, em 1871, governando Angola o conhecido colonialista que foi José Maria da Ponte e Horta, um dos teóricos da "pedagogia do século XIX português", referido por Mário António, foi criado um museu cuja localização se não indica mas que podemos colocar em Lisboa, sem perigo de incorrer em erro grave. Destinava-se a reunir artigos, produtos e objectos de interesse museográfico, provenientes dos territórios ultramarinos. Sabemos que, apesar do valor real das suas colecções e dos esforços dos funcionários, não conseguiu por falta de adequada instalação em casa própria, tornar-se tão conhecido do público como seria quando, ligado ao da Sociedade de Geografia de Lisboa, pudesse ter classificação, catalogação e disposição dos seus produtos mais em harmonia com o fim especial de tais instituições. Efectivamente, foi confiado à guarda daquele organismo por diploma com data de 10 de Março de 1892. A Sociedade de Geografia de Lisboa, que tanto se interessou pela divulgação de conhecimentos relativos ao ultramar e se preocupou a sério com o problema do desenvolvimento daqueles territórios e a elevação social das suas populações, obrigar-se-ia a constituir, com o que já possuía e com o recheio que lhe era entregue, um bom Museu Colonial e Etnográfico.
Em documento datado em 3 de Junho de 1897, o governador-geral Guilherme Augusto de Brito Capelo referia-se também à iniciativa da criação do Museu Provincial de Angola. Os objectos que o constituíam tinham estado, até aí, a cargo de um amanuense da Secretaria-Geral. Reconheceu-se ser conveniente encarregar disso alguém com maior competência e mais culto. Foi escolhido para este cargo o chantre da sé, P. Miguel Augusto Ferreira, antigo pároco de Alhos Vedros, do distrito de Setúbal, que no dia 4 de Outubro de 1886 substituíra o conhecido sacerdote luandense, P. Timóteo Pinheiro Falcão, nos cargos de provisor e vigário-geral da diocese. A portaria citada encarregava o cónego Miguel Augusto Ferreira, na qualidade de conservador do Museu Provincial de Angola, de prover à guarda, conservação e desenvolvimento do seu recheio. Aquele diploma diz que tinha sido criado pelo conselheiro Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, o que nos leva a colocar a sua fundação no período que vai de 1882 a 1886, correspondente ao tempo em que teve nas suas mãos os destinos de Angola. Segundo declaração expressa no diploma legal, tinha a finalidade de fomentar e tornar conhecidas as riquezas minerais, agrícolas, industriais e comerciais do solo angolano.
Sustentando uma política favorável à defesa dos valores ultramarinos ameaçados, em 17 de Março de 1886 recomendava-se que fossem remetidos ao Museu Colonial, a cargo da Sociedade de Geografia de Lisboa, a que atrás fizemos menção, produtos das diferentes regiões de Angola, amostras etnográficas e objectos de valor histórico. Procurava-se assim, segundo a expressão do documento oficial, enriquecer aquele museu e ampliá-lo cada vez mais. Sugeria-se que fossem organizadas colecções de interesse e feita a sua remessa em transportes do Estado. Este pormenor visava, certamente, a diminuição das despesas. Preparava-se o quarto centenário do descobrimento do caminho marítimo para a Índia, por Vasco da Gama; estas comemorações mereceram ao Governo português um interesse excepcional, tendo-se revestido de brilho invulgar e obtido renome histórico apreciável.
O interesse pelas coisas angolanas continuava a manifestar-se. Em 1906, foi recomendado uma vez mais que deviam mandar-se produtos de reconhecido interesse ao Museu de História Natural, e plantas da flora de Angola ao Jardim Botânico de Coimbra, a fim de servirem os estudantes de alguns cursos ministrados na Universidade.
No dia 8 de Março de 1911, o Dr. Bernardo Pires, director do Museu de Zoologia da Universidade de Coimbra, dirigiu um pedido a diversas pessoas e entidades no sentido de lhe serem enviados exemplares de interesse da fauna angolana. O governador-geral, então Manuel Maria Coelho, apoiou este pedido com um entusiasmo louvável.
A portaria provincial de 23 de Fevereiro de 1912, retomando o mesmo assunto, admitia que Portugal não tinha nos seus territórios ultramarinos etnólogos oficiais, como tinham outros países europeus com interesses na África, e reconhecia que num momento de renovação nacional , de esperança serena e de fé nos destinos futuros, em que se pretendia desenvolver esforço decidido para dignificar o nome português, o funcionário público de Angola tinha o dever de fazer observações, estudo directo, longe de todo o apriorismo e atendendo a toda a sua real complexidade, dos agrupamentos semi-civilizados da província com os quais estivesse em contacto. Tinha-se em vista uma obra de conjunto, digna de tomar corpo, de ter vida e apresentar vulto, pela aplicação prática do estudo etnográfico. Foi ordenado que, no prazo de quatro meses, deveriam todos os administradores de concelho, administradores de circunscrição, capitães-mores, chefes de posto e simples residentes, depois de ouvirem os chefes tradicionais indígenas, os missionários, o pessoal subalterno e as pessoas ilustradas e conhecedoras dos costumes da região, responder a um questionário etnográfico, que oportunamente seria enviado, e cujas perguntas seriam publicadas na imprensa oficial, compreendendo-se disso que no Boletim Oficial de Angola. E recomendava que se respondesse tão cabalmente quanto possível às perguntas feitas. O questionário em questão foi realmente editado e distribuído a partir de 19 de Setembro de 1912.
Estava previsto que, mais tarde, fosse nomeada uma comissão encarregada de tomar conhecimento do material coligido, seleccionando-o e classificando-o convenientemente. Em 5 de Março desse ano de 1912, outra portaria provincial afirmava que todo o trabalho realizado segundo o processo que temos vindo a citar seria destinado à instituição, em Luanda, do Museu Etnográfico de Angola e Congo, onde os estudiosos, os funcionários, homens de negócio e outras pessoas interessadas pudessem tomar contacto com o tipo cultural das populações semi-civilizadas da província e da região a que estivessem ligados — que se dizia ser ainda mal conhecido, por os respectivos costumes não terem sido sistematicamente estudados.
Admitia-se nessa época que o Congo Português, como então se dizia, tivesse recebido a influência da misteriosa e extraordinária arte da Costa de Benin, a que se atribuía origem indo-europeia. Aceitava-se o interesse do estudo dos tipos culturais da África ocidental, Sudão, Senegal e Guiné, para melhor compreensão dos angolanos, reconhecendo-se as suas afinidades com as civilizações oceânicas, pois se julgava possível definir um ciclo cultural malaio-nigrício, fazendo-se referência expressa à Revue d'Ethnographie, assim como ao seu director, de nome Arnold.
O secretário-geral de Angola, Manuel Monteiro da Fonseca, confessava nesse documento ser uma vergonha nacional não termos em Luanda um Museu Etnográfico, pois Portugal estava neste território havia mais de quatro séculos. Poucos diplomas oficiais nos dão informações tão detalhadas, à margem do assunto principal, como as duas portarias que estamos a considerar. Referia-se ao interesse que a Alemanha tinha prestado e continuava a dedicar aos estudos etnográficos e folclóricos, tendo até surgido uma ciência nova, a Museologia, pela qual podia acompanhar-se a evolução da ciência humana. Um dos maiores especialistas desta ciência era Arnold van Gennep, que deveria ser por certo o director da revista mencionada. Considerava que a inauguração do Museu Etnográfico de Colónia, em 12 de Dezembro de 1906, marcou uma data importante na história das ciências antropológicas. Já antes dele tinham sido abertos ao público os museus de Leiden, Bremen, Hamburgo, Altona, Berlim, Leipzig, Dresden, Nuremberga e Munique. O secretário-geral de Angola, Manuel Monteiro da Fonseca, declarava ter confiança no zelo, dedicação e espírito de sacrifício dos funcionários públicos a quem se dirigia, fazendo-se porta-voz das autoridades mais elevadas, assim como dos cidadãos particulares em geral. Lembrava a importância da oferta e remessa ou simples depósito nas mãos dos servidores públicos de objectos de valor etnográfico, pré-histórico ou arqueológico, sem deixar de evocar o sentimento patriótico e a utilidade pública que daí adviria. E para animar, para despertar entusiasmo, afirmava que se tornava necessário, forçoso mesmo, manifestar a vontade colectiva de viver...
Na mesma altura, informava-se ainda que o juiz do Tribunal da Relação de Luanda, Alberto Osório de Castro, sócio do Instituto Etnográfico Internacional de Paris, se prestaria a dispor metodicamente as colecções de objectos, segundo as normas da Museologia Etnográfica e Arqueológica. E a citada portaria acabava por instituir em Luanda, num dos edifícios em que estavam acomodadas as Companhias Disciplinares, o Museu Etnográfico e Arqueológico de Angola e Congo. Não nos foi possível colher dele mais notícias; mas podemos admitir que deverá ter sido o embrião do que veio a ser o Museu de Angola.
Não podemos nem devemos deixar de referir que o bispo de Luanda, D. João Evangelista de Lima Vidal, dirigiu em 17 de Setembro de 1909 um pedido ao clero e fiéis de Angola, extensivo a todos os cidadãos conscientes e homens de boa vontade, para que fossem enviados ao Museu Etnográfico, anexo ao seminário-liceu, e já inaugurado em 1907 pelo príncipe real D. Luís Filipe, por ocasião da sua visita a Angola e Moçambique, os objectos de interesse e informações úteis que pudessem recolher nos seus contactos com as populações aborígenes, desde que se visse poderem ser manifestações expressivas da sua cultura, dos seus costumes ou da sua arte. A ideia do museu vinha de longe, como sabemos, e o seu antecessor, D. António Barbosa Leão, tinha já apoiado esta iniciativa que lhe era anterior. D. João Evangelista, que como sabemos foi escritor de mérito e prelado ilustre, pretendia concretizá-la melhor, revitalizá-la.
Voltamos a referir que, no decorrer do mês de Abril de 1912, o Dr. Alberto Osório de Castro, juiz do Tribunal da Relação de Luanda e sócio do Instituto Etnográfico Internacional de Paris, foi encarregado de dispor metodicamente as colecções reunidas no Museu Etnográfico e Arqueológico de Angola e Congo, criado por diploma de 5 de Março do mesmo ano; ao mesmo tempo, recebeu o encargo de procurar coligir todos os documentos que ajudassem a reconstituir o brilhante período do governo de D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, o grande impulsionador do progresso de Angola no período pombalino, procurando cotejá-los, interpretá-los e tirar deles a lição que encerram. Uma vez por outra, os estudos históricos mereceram o interesse dos governantes, mas infelizmente os frutos que se obtiveram não foram lisonjeiros, pois raramente os políticos deram a estes trabalhos a importância que eles têm, sendo considerados como passatempo inútil, quando não actividade demolidora!
Dando cumprimento ao disposto no decreto de 29 de Dezembro de 1887, pela portaria de 15 de Maio de 1891 os poderes públicos determinaram que os governadores dos territórios ultramarinos deviam fazer coligir todos os documentos de interesse, anteriores a 1834, remetendo-os para Lisboa, a fim de serem incorporados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Salvaguardava-se assim o valor histórico e documental de muitos papéis dispersos, reunindo material de altíssimo valor para os estudiosos. Servindo-se dele, podiam dedicar-se ao estudo dos acontecimentos e factos do passado, à sua coordenação e interpretação. Em Angola, foi encarregado desse trabalho o professor da Escola Principal de Luanda, António Urbano Monteiro de Castro. Conjuntamente com este serviço foi encarregado também de fazer a inspecção das escolas.
Em 21 de Dezembro de 1893, o governador Álvaro António da Costa Ferreira determinou que no prazo de três meses deveriam ser remetidos à Secretaria-Geral, pela via mais segura e devidamente acondicionados, os ofícios recebidos até 1889. Referia-se, expressamente, ao que determinava a portaria régia de 15 de Maio de 1891, acima mencionada, e ao que estabelecera o decreto de 29 de Dezembro de 1887, também já citado. Uma comissão especial, oportunamente designada, procederia à escolha e classificação dos documentos e registos a conservar ou a destruir, sendo enviados para Lisboa aqueles que fossem de inegável interesse, entrando no Arquivo Nacional os que fossem anteriores a 1834, como estava superiormente estabelecido. Não sabemos quais foram os frutos práticos desta actividade.
Em 29 de Julho de 1910, o juiz Caetano Francisco Cláudio Eugénio Gonçalves, que em Outubro seguinte ascenderia ao cargo de governador-geral interino, o primeiro do regime republicano, foi encarregado de efectuar uma cuidada inspecção aos diversos arquivos públicos da cidade de Luanda, fazendo rigorosa selecção dos documentos de interesse, que merecessem divulgação através da reprodução impressa. Procurava-se salvar da destruição valiosos espécimes históricos, de valor incalculável para o estudo futuro, honesto e consciencioso, do que foi a acção civilizadora ultramarina portuguesa e para poder elaborar-se em bases sólidas a futura História de Angola.
A iniciativa não teve seguimento, por razões desconhecidas, e isso era normal naqueles conturbados tempos. Mas pouco depois voltava-se à carga e, em 11 de Novembro de 1911, o Governo de Lisboa nomeou uma comissão, de que faziam parte Augusto Ribeiro, Ernesto Júlio de Carvalho Vasconcelos e José de Oliveira Serrão de Azevedo, encarregada de coligir documentos que tivessem interesse para o estudo da acção civilizadora de Portugal, de entre os que existissem no Ministério das Colónias. Os documentos seleccionados deveriam ser reproduzidos em volume impresso, para servirem melhor o público estudioso. Deveria, por certo, ter-se em vista o material que as determinações anteriores tivessem feito afluir a Lisboa e também o que a correspondência normal do Governo central e dos diversos governos territoriais foi produzindo no decorrer dos tempos. A época, no entanto, não era propícia a iniciativas desta natureza, as paixões partidárias sobrepunham-se a todas as actividades!
Pelo que respeita directamente a Angola, este assunto não deixou de ser considerado com o interesse que merecia, tendo-se registado algumas iniciativas. Assim, em 10 de Dezembro de 1903, o governador-geral Eduardo Augusto Ferreira da Costa determinou que se fizesse a separação e classificação dos documentos existentes no arquivo da Secretaria-Geral, procedendo-se à destruição dos que estivessem completamente inutilizados ou fossem absolutamente inúteis. Seriam arrumados em códices e arquivados à parte os de reconhecido valor histórico, a fim de seguirem para o Ministério, com destino ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, segundo o que tinha sido ordenado. Mas esperava-se que fossem dadas ordens concretas nesse sentido, determinando quando e como deveria ser feita a remessa dos documentos avulsos e dos códices. Deveria ter-se o cuidado de separar e reter aqueles que fossem necessários à administração da província. Faziam parte do grupo de trabalho os seguintes indivíduos:
—António José Cardoso de Barros, secretário-geral,
a quem competia o papel de orientador supremo das actividades desenvolvidas;
—Manuel Velasco Galiano, chefe de secção da Secretaria-Geral
de Angola;
—Francisco Pereira Batalha, director dos Telégrafos.
Com a data de 5 de Março de 1912, foi publicada uma portaria, já mencionada, em que se reconhecia o alto interesse que tinha para a história da administração colonial portuguesa, como afirmação das qualidades e virtudes lusíadas, embora por vezes pouco disciplinadas e com falta de coordenação, o estudo do período correspondente à governação do Marquês de Pombal, no reino, e à acção desenvolvida em Angola pelo notável e inteligente governador D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho. Esclarecia-se naquele documento que esta individualidade era amigo pessoal e colaborador próximo do grande estadista que o colocou no governo de Angola e estava ligado por laços de família à administração deste território, onde o seu antepassado Fernão de Sousa Coutinho tinha servido como governador de Angola e de Benguela. Segundo se dizia, esta figura merecera os elogios de Oliveira Martins pela meritória acção desenvolvida, e aceitava-se que nos arquivos públicos de Luanda andassem dispersos documentos valiosos da época pombalina, esparsos e mal parados, e que cumpria recolher, seleccionar e compilar devidamente. Como atrás dissemos, foi encarregado deste trabalho o juiz da Relação de Luanda, Alberto Osório de Castro, sendo-lhe recomendado o maior interesse e incitando-o a extrair desses velhos papéis a lição que neles se contém.
Parece-nos haver alguma inexactidão nas informações históricas referidas, pois na lista dos governadores-gerais apenas nos aparece o nome de Fernão de Sousa, que poderia corresponder ao antepassado de Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho; quanto a Benguela, e servindo-nos da relação publicada por Abel Augusto B. G. Bolota no seu livro Benguela, Cidade Mãe de Cidades, não encontramos qualquer nome parecido ou que possa corresponder-lhe. Deve ainda dizer-se que as datas apresentadas como limite da governação de Sousa Coutinho (1764-1774) não correspondem exactamente às verdadeiras, pois o seu período de governo começou em 1764 e terminou em 1772.
A actividade civilizadora portuguesa, que ao longo dos séculos e sobretudo no centénio que vai do termo das lutas liberais entre D. Pedro e D. Miguel até ao início da orientação política ultramarina que teve como principal mentor Oliveira Salazar, não pode ser estudada apenas sobre a realidade africana mas também sobre as iniciativas que tiveram a sua origem, sede e campo de desenvolvimento em Portugal.
Em Agosto de 1856, segundo uns no dia 2 e segundo outros no dia 12, foi criado o Colégio das Missões Ultramarinas, que tinha em vista preparar sacerdotes que fossem dar continuidade aos trabalhos da evangelização, encetados nos primeiros tempos da colonização. O texto do decreto veio a ser publicado em Luanda no decorrer do mês de Fevereiro seguinte, 1857.
No dia 28 de Dezembro de 1855, uma sinopse dos trabalhos do Conselho Ultramarino refere-se à proposta de o bispo eleito de Pequim, D. João França Castro Moura, ocupar o lugar de superior do Colégio das Missões Ultramarinas, mas parece não ter chegado a ser nomeado. Pela mesma altura, lançou-se a ideia da fundação de uma casa para preparação de missionários para o Oriente; contudo, não nos deteremos sobre este assunto, por se não prender estreitamente com o tema que vimos desenvolvendo. O estabelecimento de ensino em questão localizava-se em Cernache de Bonjardim e a sua influência foi notável, repercutindo-se em todos os territórios, sobretudo nos aspectos da evangelização e do ensino.
Em 8 de Novembro de 1917, foi substituído pelo Instituto das Missões Coloniais (orientado por espírito diverso do que norteara o Colégio das Missões Católicas) o qual por sua vez veio a ser extinto em 24 de Dezembro de 1926, voltando os edifícios, terrenos, dependências, mobiliário e utensílios a servir uma organização missionária, que dava continuidade ao primitivo instituto. Deixou o seu nome ligado a esta obra o conhecido bispo de Luanda, depois bispo de Vila Real e bispo de Aveiro, D. João Evangelista de Lima Vidal. Deve procurar-se aqui a origem da Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas.
Em 16 de Setembro de 1887, foi criada a Junta-Geral das Missões do Real Padroado, sendo ministro da Marinha e Ultramar o distinto político e estudioso da nossa actividade civilizadora, Henrique de Barros Gomes. O relatório que antecede o decreto dá-nos um apanhado bastante perfeito do valor das missões como elementos de elevação e dignificação das populações e prestígio do nome português, sem deixar de referir que o seu abandono teve como consequência o enfraquecimento e quebra da supremacia e da operosidade lusíada. Travava-se nesse tempo tenaz luta de predomínio, em que Portugal tomou parte, acompanhando o que outros países europeus faziam também, com decisão e energia. Há nele referências históricas e pessoais de alto interesse, a maior parte delas directa ou indirectamente relacionadas com Angola.
No dia 9 de Março de 1899, foi criado em Odivelas um organismo de benemerência a que se deu o nome de Instituto Infante D. Afonso. Tinha em vista a educação e instrução das filhas legítimas e legitimadas dos oficiais do exército e de marinha, tanto do reino como do ultramar. Aproveitaram-se para isso as instalações que constituíram o antigo convento dos monges de Cister. Hoje é conhecido apenas pela designação simplificada de Instituto de Odivelas, e é um dos mais célebres e prestigiosos estabelecimentos de ensino, educação e benemerência de Portugal.
Em 17 de Março de 1902, o Governo de Lisboa determinou por aviso régio que as congregações e instituições religiosas, estabelecidas em qualquer parte do território português, tanto no reino como nas províncias ultramarinas, ficavam obrigadas a ter estatutos aprovados. Era então ministro da Marinha e Ultramar o bem conhecido estadista António Teixeira de Sousa. Este aviso, como é lógico, vinha recordar somente determinações anteriores. Em 18 de Abril de 1901, foi publicado um decreto que regulava mais pormenorizadamente a organização e funcionamento das congregações religiosas e instituições similares. Como sempre acontece, levantaram-se dúvidas sobre a aplicação deste diploma legal às associações estabelecidas no território nacional sujeito à jurisdição eclesiástica da Prefeitura Apostólica do Baixo Congo e da Prefeitura Apostólica da Cimbebásia. Um ofício do dia 20 de Junho desse ano de 1902 declarava que também elas estavam abrangidas pelo disposto naqueles diplomas.
Não podemos, porém, admitir que os institutos religiosos pretendessem subtrair-se à vigilância do Estado, que pretendia conservar a sua autoridade e dizia ser seu patrono. Já antes, em 18 de Outubro de 1901, haviam sido aprovados os estatutos e compromissos internos de diversas instituições eclesiais:
—Associação Missionária Portuguesa;
—Associação das Irmãs Missionárias de Maria;
—Associação das Irmãs de São Vicente de
Paulo;
—Associação dos Padres Seculares da Missão de
São Vicente de Paulo;
—Associação Missionária do Espírito Santo;
—Associação das Irmãs da Missão do Padroado
Ultramarino
Mais longe até, em 9 de Março de 1895, tinham sido aprovados os estatutos da Associação das Obras Católicas Coloniais.
O ambiente geral português continuava sendo francamente desfavorável à conservação das congregações missionárias e organismos religiosos, pois soprava naquele tempo o vento do laicismo e nalguns casos até o do ateísmo. Por isso, a proclamação da República Portuguesa trouxe consigo, como consequência lógica e quase inevitável, nova expulsão das ordens religiosas de todo o território nacional, sem exceptuar as províncias ultramarinas. Ainda não tínhamos aprendido a dura lição da História!
Em 1911, retiraram-se da cidade de Luanda as religiosas que prestavam serviço no Hospital Central, antes chamado Hospital D. Maria Pia (como mais tarde voltou a ser designado), e ainda no Depósito de Degredados, estabelecido como sabemos na Fortaleza de S. Miguel — as Irmãs Hospitaleiras. Haviam chegado a esta capital no dia 3 de Março de 1883, chamadas para realizar um serviço que de outra forma seria muito difícil, quase impossível prover com a necessária eficiência, dedicação e capacidade. A gratidão e muitas vezes até a vulgar verificação de serviços não são qualidades que a História registe habitualmente!
As religiosas de S. José de Cluny, as Irmãs Educadoras, pouco antes recebidas com tanto entusiasmo e tão interessadamente disputadas, foram proibidas de usar em público o hábito da congregação. Tiveram de fechar as suas escolas, mesmo a chamada escola indígena, que mantinham no bairro das Ingombotas e onde ensinavam os filhos das famílias mais humildes, crianças desvalidas, abandonadas, marginalizadas, deixando-as sem o recurso da instrução. O motivo fundamental que levou os governantes a tomar esta atitude foi o de, simultaneamente com as noções literárias, ministrarem também instrução religiosa, vendo-se nisso um sinal de "atraso mental, manifestação supersticiosa, degradação social". As boas e beneméritas freiras embarcaram no porto de Luanda no dia 25 de Abril desse ano, em cumprimento da ordem de expulsão que lhes tinha sido comunicada; esse facto teve influência negativa no processo de divulgação do ensino e difusão da cultura. Sabe-se, todavia, que em Angola não houve, propriamente, perseguição religiosa; descontando um ou outro excesso, uma ou outra manifestação mais veemente, os portugueses que aqui residiam sabiam muito bem que o clero em geral, assim como as religiosas e demais membros activos da vida católica, tinham um papel importantíssimo a desempenhar na construção da Angola do futuro. O ambiente geral não era ainda estruturalmente cristão, por isso não havia condições para luta de extermínio. Nem tudo se fez com perfeição modelar, houve erros e defeitos, mas o saldo é francamente positivo e, se não é maior, deve-se isso ao facto de as condições da época não serem propícias a grandes iniciativas, a projectos arrojados e audaciosos. Os missionários católicos do tempo, sobretudo das duas últimas décadas do século XIX e primeiro decénio do século XX, souberam conquistar pelas suas qualidades e virtudes o respeito e a admiração gerais — pela sua dedicação, competência e comportamento. Alguns sacerdotes, como por exemplo Monsenhor Manuel Alves da Cunha, eram ouvidos e a sua opinião respeitada na condução dos negócios públicos, até mesmo por individualidades alheias às práticas religiosas, como aconteceu com o governador-geral Norton de Matos. Pouco depois, as condições mudaram por completo, no aspecto nacional, e as ordens religiosas puderam regressar e tomar o trabalho da evangelização, voltando a contribuir para que o saber e a instrução pudessem generalizar-se. As missões e escolas missionárias, assim como as restantes actividades que lhes estão inerentes tornaram a merecer o seu interesse e a sua devotação. Em 1938, o serviço de enfermagem do Hospital Central D. Maria Pia voltou a ser executado por membros de uma congregação religiosa feminina.
O Hospital Colonial de Lisboa e a Escola de Medicina Tropical, que lhe ficava anexa, foram criados pelo decreto de 24 de Abril de 1902. Destinavam-se a ministrar o ensino teórico e prático da ciência médica relacionada com os climas tropicais, abrangendo três importantes cadeiras:
—Patologia e Clínica;
—Higiene e Climatologia;
—Bacteriologia e Parasitologia Tropicais.
No dia 2 de Agosto desse ano foram nomeados o director e os primeiros professores da escola:
—António Duarte Ramada Curto, antigo governador-geral e que ainda
voltaria a ser, antigo director dos Serviços de Saúde de
Angola e do Hospital D. Maria Pia, foi encarregado de dirigir o estabelecimento
escolar e hospitalar;
—António Maria de Lencastre tomou conta da primeira cadeira,
Patologia e Clínica;
—Francisco Xavier da Silva Teles foi encarregado de reger a segunda
cadeira, leccionando Higiene e Climatologia;
—Aires José Kopke Correia Pinto assumiu as funções
de professor da terceira cadeira, Bacteriologia e Parasitologia Tropicais.
Os respectivos programas foram aprovados por portaria ministerial de 5 de Novembro de 1902, e publicados no órgão oficial angolano no dia 20 de Dezembro seguinte.
Continuou a prestar-se a devida atenção às doenças características dos trópicos. Em 7 de Maio de 1904, o professor da terceira cadeira da Escola de Medicina Tropical, Dr. Aires Kopke, que já em 21 de Fevereiro de 1901 havia sido nomeado membro da famosa comissão de estudo da doença do sono, foi enviado às ilhas de São Tomé e Príncipe, no tempo livre das aulas, portanto em período de férias, em missão de estudo e investigação. Deveria procurar conhecer as causas do aparecimento de uma epidemia de béri-béri, que ali se tinha manifestado com grande virulência. Foi-lhe recomendado que continuasse a estudar a etiologia e a forma de transmissão das tripanossomíases, causadoras da doença do sono; encarregaram-no ainda de coligir espécimes de insectos parasitas transmissores da doença, com destino ao museu escolar. Depois de concluir os estudos a fazer nas ilhas, deveria deslocar-se a Angola, continuando ali as suas investigações.
No dia 21 de Julho de 1904, o facultativo angolano Dr. José Maria de Aguiar foi encarregado de continuar os estudos sobre a doença do sono, a título voluntário, pois o diploma respectivo salientava claramente que não auferia qualquer remuneração por essa actividade. A saúde e a instrução continuavam a merecer os cuidados gerais, e foi pena que as condições do tempo não permitissem fazer tanto quanto se precisava e queria. Pelo menos, temos de reconhecer que não deixavam de registar-se testemunhos de dedicação e desprendimento!
O decreto de 18 de Janeiro de 1906 criou, em Lisboa, um novo estabelecimento de ensino, relacionado com os territórios ultramarinos portugueses, a chamada Escola Colonial, que ficava a cargo da Sociedade de Geografia. No mesmo dia era criada em Luanda a Escola Profissional D. Carlos I, de que já falámos.
A inauguração da Escola Colonial efectuou-se no dia 25 de Outubro do ano da sua fundação, presidindo à cerimónia o rei D. Carlos. Sofreu reforma da sua estrutura em 1919 e novamente em 25 de Outubro de 1926, no dia em que se completavam vinte anos sobre a data da inauguração; teve nova reorganização vinte anos mais tarde, em 1946. A partir de 1927 ficou a chamar-se Escola Superior Colonial; nos últimos tempos tinha a designação de Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina.
O primitivo Regulamento da Escola Colonial foi aprovado em 4 de Outubro de 1906. Por ele se verifica que deverá ser considerada como estabelecimento de ensino médio, não podendo de maneira nenhuma considerar-se de nível universitário, pois para a admissão exigia-se apenas o curso geral dos liceus ou preparação equivalente. No caso de não ter feito o curso liceal, o candidato deveria ter aprovação com validade oficial em Português, Francês, Geografia, História, Matemática, Físico-Química e Desenho Geométrico; deve notar-se que nos liceus se estudava Inglês e Ciências Naturais, além das matérias referidas. Os respectivos programas foram publicados com a data de 13 de Novembro do mesmo ano de 1906; no dia 21 de Dezembro era aprovado o regulamento provisório do museu escolar e do serviço de informação comercial, que ficava anexo a este estabelecimento.
Os períodos históricos não coincidem, exactamente, com a contagem mecânica e certa dos séculos. Não têm limites que vão acertar com a mudança dos centénios e nem em todos os aspectos pode verificar-se paralelismo perfeito, embora seja possível encontrar evolução aproximada. A História Económica não caminha a par da História Política; e esta não segue sempre ombro a ombro com a História da Cultura, da Medicina, da Assistência, da Química, da Engenharia, da Sociologia, da Literatura.
O século XIX angolano, sob o aspecto escolar, termina em 1919, no primeiro período de governação de Filomeno da Câmara Melo Cabral, fundador do Liceu Salvador Correia e introdutor do ensino secundário liceal em Angola.
Este estabelecimento de ensino desempenhou papel de relevo em vários sectores da actividade e influiu poderosamente no futuro do território. Surgiu o gosto pelo saber, nasceu uma cultura estratificada (que antes se não tinha enraizado) e nunca mais se estancou; contribuiu para que muitos pudessem elevar-se social e economicamente. Foi o gérmen da vigorosa árvore pedagógico-didáctica de Angola de antes da independência. Até sob o aspecto da evolução política e da mentalidade exerceu papel relevante, pois estudaram aqui alguns dos fautores da emancipação.
O que havia antes era inteiramente diferente do que veio depois. Se até aqui predominavam iniciativas isoladas, a partir de agora foi tudo mais ou menos perfeitamente planeado, pondo-se de parte o sistema do improviso. Não deixou de haver escolhos e sombras, a entravar a marcha do progresso e a dificultar a visão dos objectivos. No entanto, conseguiu-se avançar sempre, ir para a frente, embora por vezes com passos hesitantes e a tactear o terreno, de forma que uma conquista não deixasse de ser incentivo para novos empreendimentos.
O que se fez até ao final do século XIX angolano poderá ser apercebido pelo que inventariámos, com falhas notórias, com defeitos enormes e graves. O que se fez depois será objecto de outros trabalhos de investigação e coordenação, a reunir em segundo volume. Temos a intenção de prosseguir, de levar até ao fim a empresa a que nos abalançámos. Talvez haja nisso algo de presunçoso, confiança excessiva. Uma só desculpa pode ser apresentada — percorremos caminho ainda não trilhado, surribámos solo ainda não cultivado, cortámos plantas bravias, carreámos materiais de construção.
Confiamos na dedicação e espírito de renúncia
de que temos dado testemunho; contamos com a capacidade de trabalho e a
perseverança no esforço já demonstradas; alimentamos
a esperança de que esta dificultosa empresa será concluída.
Abalançámo-nos a ela com a convicção de que
pode ser útil àqueles que quiserem conhecer um pouco mais
profundamente esta faceta da História da Colonização
Portuguesa em Angola.
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