18. O FINAL DE UM PERÍODO
A actividade escolar é um dos casos em que importam menos os aspectos teóricos do que as realizações práticas. Na ordenação dos serviços pedagógicos, torna-se necessário ter em consideração os princípios normativos, que apontam os caminhos a seguir e indicam os objectivos a alcançar; no entanto, é muito mais importante a real concretização que possa fazer-se, tão perfeitamente quanto possível, do que a montagem de teorias perfeitas e nunca aplicadas. Muitas vezes, certas doutrinas pobres de conceitos produzem frutos satisfatórios, enquanto outras, mais ricas em ideais, mostram ser na prática pouco frutuosas, quando não completamente estéreis.
Angola, assim como os restantes territórios que constituíam o mundo português, não dispunha de estruturas nem de bases legais capazes de sustentar o peso do edifício didáctico-pedagógico. Infelizmente, não conseguiu encontrar um núcleo de agentes do ensino dedicados à nobre causa e notoriamente competentes, com capacidade para dinamizarem iniciativas e revitalizarem os princípios normativos, já de si fracos e débeis. Podemos, portanto, concluir que faltou em Angola legislação apta para movimentar a máquina pedagógica; e faltou-lhe também o influxo dos entusiastas do ensino, capazes de transformar em luz e pão do espírito as trevas que envolveram a sociedade angolana e as pedras espalhadas pelo caminho que foi forçada a percorrer — não duvidando de poder colher saborosos figos dos agrestes espinheiros, teimando em fazer sementeira do saber com a firme convicção de que a seu tempo se desdobraria em frutos sazonados.
Não faltaram algumas iniciativas, oficiais e particulares, quer nos últimos anos da Monarquia quer nos primeiros tempos da República, que tinham em vista as actividades escolares. Porém, não tiveram organização escrupulosamente delineada, faltou-lhes a estrutura de base, careceram de continuidade de esforços e do amparo de pessoas verdadeiramente interessadas. Muitas vezes não passaram de tentativas improvisadas, de planejamentos mal esboçados, de experiências negligentes, com a quase antecipada certeza do fracasso, manifestação descarada e impudente da política de para inglês ver.
Diz-se que esta expressão popular tem origem angolana. Quando em meados do século XIX se organizaram comissões mistas para contenção do tráfico esclavagista, muitas vezes os britânicos ludibriavam os lusos, enquanto estes por seu turno procuravam iludir os seus compartes, tomando atitudes e empregando medidas algo fictícias mas que os convencessem, tudo e apenas para inglês ver.
No presente capítulo, vamos acompanhar de perto e bastante pormenorizadamente os passos dados, para que no final possamos fazer ideia clara e exacta do que foi e do que podia ter sido a caminhada da escolaridade, em Angola, nas duas últimas décadas do século XIX e nos dois primeiros decénios do século XX.
Começou a funcionar, em Luanda, no dia 30 de Setembro de 1888, no bairro das Ingombotas, próximo da igreja do Carmo, uma escola primária para o sexo masculino, sustentada pela Câmara Municipal. Segundo o relatório da entidade municipal, destinava-se sobretudo ao ensino dos filhos de famílias muito carecidas de recursos, pois podia ser frequentada usando somente uma tanga, se não tivessem outra roupa para vestir.
Pela mesma altura, a Câmara Municipal de Luanda instituiu uma bolsa de estudos, no valor de trezentos mil reis por ano, para que um aluno distinto da Escola Principal pudesse ir estudar e concluir um curso na Europa. O arrazoado permite pensar que deveria ter-se em vista um elemento definido, um aluno bem determinado, apesar de não ser identificado. Criou ainda prémios monetários que foram distribuídos, pela primeira vez, no dia 28 de Dezembro de 1889. Nessa ocasião salientava-se que eram os primeiros prémios escolares monetários atribuídos na província, mas quer-nos parecer que isso não é perfeitamente exacto.
Não era aquela a primeira escola municipal de Luanda. Havia já outra na cidade, de que há referência em 6 de Setembro de 1883. Nessa data, o respectivo agente do ensino anunciava que as matrículas abririam no dia 15, não sabendo se era o primeiro ano em que funcionava.
O Conselho de Província, em 7 de Fevereiro de 1884, deu provimento a um recurso do P. António Castanheira Nunes contra a Câmara Municipal de Luanda, que nomeara um professor sem as habilitações legais, o director dos correios centrais de Luanda, Francisco da Silva Gil. Por determinação superior, a nomeação foi anulada e ordenou-se que fosse aberto concurso documental para o provimento do lugar.
No relatório do município, de 2 de Janeiro de 1886, lê-se que a escola municipal nunca tivera frequência superior a cinquenta ou sessenta alunos, e que então era frequentada por uma média superior a cento e vinte, o que provava que o professor, P. Castanheira Nunes, era zeloso no cumprimento dos seus deveres e as famílias verificavam que os filhos tinham aproveitamento, pois se assim não fosse prefeririam a escola régia. O autor do relato mostrava-se satisfeito, fazendo rasgados elogios àquele dedicado mestre.
Aparece-nos este professor à frente da escola noutras ocasiões, intermediando-se como mestre da Escola Principal, de Escola Central e da Escola Municipal. Devia tratar-se de acumulação de cargos, pois de outro modo é difícil compreender a situação e as frequentes nomeações e exonerações a efectuar, e de que não temos notícia documental.
No dia 22 de Junho desse ano de 1886, a Câmara Municipal de Luanda abriu novo concurso para preencher o lugar de professor municipal, para o sexo feminino. Anunciava-se ao mesmo tempo que o vencimento anual era de duzentos e setenta mil reis.
A Câmara de Luanda não deixava de colaborar na difusão do ensino, na cidade. Em Novembro de 1900 abriu novamente concurso para o provimento dos lugares de professor da sua Escola Central e das demais escolas do município, nomeadamente a do bairro das Ingombotas e a da cidade baixa. Outras referências pudemos recolher, mas não vemos vantagem em as enunciar pormenorizadamente. Houve mais instituições municipais em Angola que dedicaram ao ensino a sua atenção e interesse, mantendo nas respectivas sedes e até noutros pontos algumas escolas.
Em 29 de Janeiro de 1907, foi apreciada uma representação em que se pedia para os professores municipais as regalias auferidas pelos professores régios, uma vez que lhes eram feitas as mesmas exigências quanto à nomeação efectiva e exerciam iguais funções. A principal reivindicação consistia no direito à aposentação, que até essa data lhes não tinha sido garantido. O Conselho Inspector de Instrução Pública reconheceu a justiça da pretensão e o direito do pedido, concordando com eles. Ao mesmo tempo, declarou que já de outra vez tinha sido aceite, em princípio, a ideia que se apresentava de novo e a cujo assunto dera seguimento pela sua proposta de 6 de Julho de 1905.
Em 22 de Março de 1911, foi determinado que as câmaras municipais ou respectivas comissões, nos concelhos em que as houvesse, incluíssem no seu orçamento as verbas necessárias para a construção de casas destinadas a escolas, se as não tivessem. O projecto e respectivo orçamento deveriam ser aprovados pelo Conselho de Província, sem o que não poderiam ser postos em execução.
Pouco antes, no dia 13 de Março desse ano, a Procuradoria da República, em Luanda, emitia um parecer sobre quem tinha a obrigação de fornecer casas para o funcionamento das escolas primárias, se o Estado ou os municípios. Afirmava-se que deveria ser atribuída esta obrigação às autarquias concelhias, apesar de ter sido sempre muito variável, na prática, a atribuição deste encargo. Podemos admitir, independentemente do conceito das autoridades da época, que o Estado estava a querer alijar o peso de uma carga que deveria suportar, pois era exclusivamente sua, procurando desta forma tornar mais leves as respectivas responsabilidades, concreta e realmente assumidas por força da legislação promulgada, perante a consciência nacional.
Com referência ao ano de 1881, podemos apontar que durante o mês de Janeiro se fixou na Humpata uma numerosa colónia boer ou bur; no ano seguinte os seus componentes foram naturalizados portugueses, sendo-lhes garantidas algumas regalias muito especiais. Pediram que se lhes construísse uma estrada de acesso, visto que este povo tinha o gosto das deslocações e o prazer das viagens, utilizando os seus típicos carros e levando um estilo de vida bem característico.
O seu pedido foi atendido. O conhecido madeirense José Augusto da Câmara Leme foi encarregado de dirigir as obras e acompanhar os trabalhos. Apercebeu-se imediatamente do extraordinário interesse que a colonização do planalto da Huíla representava para a conservação das terras do sul, sua integração patrimonial nos domínios da soberania portuguesa e desenvolvimento geral da província — e empregou nesse sentido toda a sua influência, toda a sua dedicação, todo o seu prestígio. Conseguiu ver os seus esforços atendidos e os seus desejos realizados. No dia 12 de Outubro de 1884, o navio de guerra Índia recebia no Funchal duzentas e vinte e duas pessoas, que transportou para Angola. A influência boer era equilibrada por elementos nacionais.
Em 19 de Janeiro de 1885, foi fundada uma nova colónia na região, a que depois se deu o nome do grande ministro português, Sá da Bandeira, e se transformou na cidade que teve este nome. A missa inaugural foi celebrada pelo conhecido e prestigioso missionário espiritano da Huíla, P. José Maria Antunes, que acompanhou a expedição e talvez tivesse exercido influência na organização da colónia, hoje cidade, e na escolha de local apropriado.
No dia 9 de Julho do ano da sua fundação era nomeado o seu primeiro professor de instrução primária, João Joaquim Geraldo Gonçalves, que auferia o vencimento anual de trezentos mil reis. Este agente de ensino abandonou o lugar, pelo que foi desligado do serviço em 17 de Agosto de 1892. A primeira professora para o sexo feminino, de que temos notícia, foi Maria Júlia Barbeito Gonçalves, nomeada em 1891, mas que já exercia interinamente as funções; a sua exoneração tem a data de 26 de Outubro de 1892. Pode pôr-se a hipótese de ser aparentada com o professor da escola masculina, pois têm ambos o mesmo apelido e foram exonerados em data próxima.
Os professores de primeiras letras eram então muitas vezes encarregados de outras tarefas oficiais; e eles próprios tinham o cuidado de arranjar particularmente actividade em que empregar o tempo que as ocupações docentes lhes deixavam livre. Uma das funções que se sabe ter sido exercida pelo professor primário desta colónia foi a de distribuir pelos moradores sementes europeias e de plantas que se pretendia aclimatar na região. Era, portanto, uma espécie de agente técnico agrícola dos nossos dias.
Em 25 de Junho do ano de 1908, governando Angola o famoso Henrique de Paiva Couceiro, foi solicitada a nomeação de um professor do ensino primário, com o curso das escolas normais, a fim de ministrar o ensino da língua portuguesa à colónia boer, da Humpata. Sustentava que os colonos tinham já, pagando da sua conta, um missionário calvinista e dois professores europeus, Hermann Smith e Cornelius Van-Der-Murvan, mas não chegavam. Aconselhava que se preferisse quem soubesse algo de alemão, uma vez que seria quase impossível encontrar quem falasse o holandês.
Verificava-se desde os primeiros tempos que os colonos boers tinham em grande apreço a aprendizagem das primeiras letras, e não só para os rapazes como também para as meninas. Este pormenor deve ter contribuído um tanto para que nos núcleos fundados por elementos de origem portuguesa ou madeirense começasse também desde logo a prestar-se grande interesse à actividade escolar, fazendo da Huíla e terras vizinhas um importante centro difusor da cultura. Não devemos esquecer que na missão católica funcionava desde 1882 o seminário-liceu, tendo ao lado um colégio e uma escola-oficina.
Ao falar de missão católica da Huíla, a cargo dos padres da Congregação do Espírito Santo e onde prestavam serviço as Irmãs Educadoras, aproveitamos a oportunidade para referir um facto curioso. No seu relatório de 3 de Fevereiro de 1888, o director da alfândega de Moçâmedes, Pedro Joaquim Ferreira de Mesquita, afirmava que a missão da Huíla tinha importado mercadorias isentas do imposto alfandegário para permutar por outros artigos, com prejuízo para os cofres públicos. Referia-se, concretamente, à importação de uma remessa de espingardas, sem dizer quantas, preocupando-se muito com isso pelo facto de trabalharem ali alguns sacerdotes estrangeiros. Sugeria que se lhe atribuísse um subsídio certo, que não deveria ir além de quinhentos mil reis anuais, declarando ao mesmo tempo que as mercadorias que a missão havia importado deveriam pagar de direitos, se fossem taxadas, a quantia de oitocentos e sessenta mil reis.
Podemos admitir que Pedro Joaquim Ferreira de Mesquita fosse um funcionário zeloso; mas não é difícil admitir que poderia ser um daqueles indivíduos que via sempre perigo nos jesuítas, nome genérico de qualquer sacerdote e mais perfeitamente aplicado aos missionários, sobretudo quando pertenciam a alguma congregação religiosa. Mais tarde, pudemos verificar que, em 13 de Fevereiro de 1897, este funcionário foi suspenso do exercício do cargo de chefe do Serviço de Alfândegas, dizendo-se dele o seguinte:
"... as alegações do referido chefe são a sua própria condenação, visto que mal se compreende que o administrador de uma Alfândega tivesse conhecimento de importante descaminho de direitos, em Setembro de 1896, tirasse pública-forma do documento que o comprovava, restituindo-o em seguida ao arquivo, do qual diz além disso recear que fosse subtraído, e se conservasse em completo silêncio e inacção até ao dia 27 de Janeiro do ano seguinte, em que veio participar ou denunciar os factos ocorridos".
Foi confirmada pelo ministro, em 13 de Maio de 1897, a pena em que foi condenado, sendo-lhe no entanto considerada a falta como expiada com o castigo que já havia sofrido. Ao certo não ficamos sabendo bem o que se passou nem como...
A vila de Dondo, sede do concelho de Cambambe, era no final do século passado uma povoação de relativa importância no conjunto das melhores povoações de Angola. Funcionaram aqui durante bastante tempo pelo menos três escolas, duas oficiais e uma particular. No dia 18 de Abril de 1884, foi concedido um período de licença à mestra régia Rita Pio do Amaral Vieira, que em 7 de Junho seguinte era já exonerada. Foi a primeira professora que identificámos neste concelho, onde estava a trabalhar desde antes de 1880, não sabendo em que data a escola foi fundada e entrou em funcionamento.
Em 9 de Julho daquele ano de 1884, foi nomeado o júri que devia fazer a apreciação dos documentos e a classificação das concorrentes ao lugar; era constituído pelos professores de Luanda P. António Castanheira Nunes, Carlos Caetano Sales de Almeida e Maria Augusta Smith Chaves. Não deve ter concorrido nenhuma senhora nas condições exigidas pela lei, visto que houve necessidade de fazer exame de aptidão pedagógica, verificando se as concorrentes estavam aptas para exercerem o magistério, isto é, se tinham conhecimentos literários e mérito pedagógico suficiente para o desempenho das funções docentes. Devemos concluir daqui que as determinações de Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque, de 21 de Julho de 1876, estavam em vigor e eram cumpridas. E devemos atender ao facto de que, no princípio da década em referência, 1881-1890, voltou a prestar-se atenção à preparação literária e científica dos agentes do ensino, tendo sido nomeado um júri especial para fazer os exames de aptidão pedagógica e didáctica, composto pelos professores P. António Castanheira Nunes, Joaquim Eugénio de Sales Ferreira e Alfredo de Sousa Neto.
Em Agosto de 1887, a Câmara Municipal de Cambambe, cuja sede estava na vila do Dondo, publicava um anúncio em que declarava abrir concurso para o provimento do lugar de professor municipal. O prazo seria contado a partir da data da publicação do aviso no Diário do Governo, em Lisboa. Exigia-se o diploma de habilitação pedagógica, passado pela Escola Normal de Lisboa, e a prova de saber aplicar o Método de João de Deus.
Depois de Luanda e Benguela, deve caber ao concelho de Cambambe a honra de ter sido a primeira povoação do interior de Angola a realizar exames oficiais. As provas efectuaram-se num dia festivo, 15 de Agosto de 1884, tendo sido aprovados todos os candidatos, todos do sexo masculino e em número de sete. Constituíam o júri examinador o Dr. José Vieira da Silva, Dr. Luís Fernando Colaço e P. António José do Nascimento. Pouco depois, em Outubro do mesmo ano, realizaram-se exames em Moçâmedes, a que nos referimos noutro lugar desta obra.
Funcionava nesta altura, em diversos concelhos de Angola, a respectiva Junta de Instrução Pública. Em teoria, deveria estar estabelecida em todos eles, mas não pode garantir-se que assim acontecesse. Apenas temos conhecimento de terem sido criadas em Moçâmedes, Humpata, Dombe Grande, Benguela, Catumbela, Novo Redondo, Cambambe, Cazengo, Ambaca, Alto Dande.
Consta do relatório da visita de inspecção, feita em 1889, às escolas da cidade de Benguela, que havia nesta localidade uma escola masculina, a cargo do pároco, P. Amaro António da Gama, uma escola de meninas, de que era professora Teresa Ferreira Torres de Oliveira, e uma escola particular, de que era director e proprietário o professor Henrique dos Santos e Silva. O pároco era natural da Índia Portuguesa; os outros dois agentes do ensino eram angolanos de nascimento. Reconhecia-se ao P. Gama capacidade pedagógica bastante para exercer o ensino; admitia-se que a professora do sexo feminino carecia de qualidades docentes; quanto ao professor da escola particular, frequentada apenas por rapazes, dizia-se que era o que obtinha melhor aproveitamento, pois mostrava ter grande dedicação pela escola e pelos discípulos, embora fosse muito descuidado em mandar os mapas estatísticos, havendo atenuantes para esta falta, não apontando quais fossem. Todos os professores de Benguela tinham exemplar comportamento.
A mestra de meninas, Teresa Ferreira Torres de Oliveira, foi exonerada em 1893 e substituída no mesmo dia por Maria Guilhermina de Sousa Oliveira, pois tendo-lhe sido concedida uma licença por doença nunca mais se apresentara na escola. Ignoramos o que acontecera.
Não devemos deixar de mencionar que Benguela foi, depois de Luanda, a primeira cidade em que se realizaram provas de exame. Não admira que isso acontecesse, pois até certa altura da História a sua importância podia comparar-se à da capital do território. Os primeiros exames de que temos conhecimento efectuaram-se em 1875, tendo o respectivo júri examinador sido nomeado em 15 de Julho. Era constituído pelo Dr. Manuel Fortuna do Couto Aguiar, P. Inácio Caetano do Couto, professor de primeiras letras, e José Clemente de Azevedo; admitindo a hipótese de alguns membros não comparecerem, foram nomeados dois suplentes, José Lourenço Ferreira e José Joaquim Teixeira.
A portaria provincial de 27 de Junho de 1888 afirmava que se achava instituída na Capitania-Mor do Bié e Bailundo, desde 1885, uma escola de primeiras letras, regida por Maria Leonor Ferreira Alegre, que o benemérito cidadão António Francisco Ferreira da Silva Porto estabelecera a expensas suas e tinha sustentado até àquela data. Atendendo a razões válidas e variadas, a escola foi oficializada e aquela senhora nomeada para o lugar de professora régia, com o vencimento anual de duzentos mil reis; foi-lhe concedido também o subsídio anual de cento e vinte mil reis para o sustento das alunas.
A professora da escola feminina do Bié, Maria Leonor Ferreira Alegre, foi exonerada do cargo no dia 2 de Junho de 1891. Na mesma data era nomeada interinamente outra mestra de meninas, Erminda de Carvalho Barbosa Santos. O conhecido sertanejo Silva Porto, fundador da escola e do internato, tinha já falecido.
Em Março de 1887 foi aberta no concelho de Icolo e Bengo uma escola municipal. Funcionava já ali, desde há bastantes anos, a chamada escola régia, uma das mais antigas da província.
Na proposta de fomento colonial, elaborada pelo famoso explorador da Lunda, Henrique de Carvalho, e subscrita em 7 de Julho de 1891, pode ler-se que a companhia a estabelecer ali deveria promover a instrução dos habitantes daqueles territórios, sob sua administração, estabelecendo escolas de instrução primária assim como escolas de artes e ofícios, segundo os planos do Governo. A informação oficial à proposta diz-nos que o assunto não era abrangido pelas leis do país, pelo Direito constituído, pelo que havia necessidade de se legislar sobre tal assunto...
No começo deste século fizeram-se diversas tentativas de difusão da cultura e da instrução popular em Angola; por circunstâncias estranhas não obtiveram os resultados que seria lógico esperar. Fizeram-se bastantes experiências, umas a oporem-se às outras, muitas vezes a prejudicarem-se, em sucessão escalonada. Contrariavam a continuidade de acção, que seria necessário manter para se conseguirem resultados satisfatórios.
O governador do distrito de Moçâmedes, José Rafael da Cunha, afirmava em Outubro de 1906, em presença do governador-geral, Eduardo Augusto Ferreira da Costa, por ocasião da visita que este fez ao sul de Angola, que lhe parecia extremamente conveniente atender-se às escolas de instrução primária, que estavam desprovidas de mobiliário ou o tinham mau e em mau estado de conservação. Não dispunham dos modelos próprios para subministrar o ensino intuitivo, que se reconhecia ser o mais conveniente. Segundo o pensamento de José Rafael da Cunha, devia atender-se à criação de uma escola em que se fizessem conhecer as riquezas naturais da província e os modos de as desenvolver e aproveitar. Além disso, poderiam ainda ser divulgadas outras noções, que bem necessárias se tornavam ao desenvolvimento do comércio, da indústria e da agricultura.
Não podendo deixar de dedicar o devido interesse e de fazer o registo das iniciativas efectuadas para divulgar, através do estudo e do ensino, a riqueza cultural representada pelo idioma angolense, recorremos à reconhecida competência de Geraldo Bessa Vitor. Afirma este estudioso que, na segunda metade do século XIX, a literatura de Angola revela ao leitor, europeu ou angolano, a existência do grande tesouro do folclore tradicional. Registe-se primeiro a pequena amostra de provérbios coligidos por Saturnino de Sousa e Oliveira e Manuel Alves de Castro Francina; depois, nos fins dos anos 80 e primórdios dos anos 90, em um período de esplendor cultural, a magnífica exibição do missionário protestante suíço, Héli Chatelain, e a do angolense Joaquim Dias Cordeiro da Mata. A segunda metade do século XIX foi a época da revelação do adagiário quimbundo, primeiro na Gramática de Saturnino Oliveira e Castro Francina, depois na de Chatelain e na compilação de Cordeiro da Mata. Já no nosso século, no mesmo campo, a grande colectânea, não só pelo volume mas sobretudo pela sua alta qualidade, de Óscar Ribas; os que o Dr. José Pereira do Nascimento, médico da Armada Real, explorador e naturalista de Angola, reuniu e ordenou não têm grande interesse, pois o seu autor declara terem sido colhidos quase todos no livro de provérbios africanos de Cordeiro da Mata. Aproveitou dele a forma expositiva e seguiu também de perto, com maior ou menor fidelidade, o processo adoptado por Saturnino e Francina — o adágio quimbundo, a tradução e o provérbio português correspondente.
Não deixaremos de referir que, nos últimos anos do domínio português, foi editada uma obra digna de registo, a compilação de histórias de Francisco Valente, Paisagem Africana, que lembra e de certo modo está no prosseguimento dos Contos Populares de Angola, de Héli Chatelain. Não pode passar sem reparo a afirmação de Geraldo Bessa Vítor quando diz que a década que vai de 1880 a 1890 foi de grande esplendor cultural; aceitamos que foi o período em que, sob o aspecto intelectual, esteve mais próximo o equilíbrio entre o europeu e o angolense. Mas não deixaremos de salientar o contraste com a verdadeira face da escolaridade, pois foi um período de franca decadência, manifestada sob vários aspectos.
No dia 22 de Fevereiro de 1885, o bispo da diocese de Angola e Congo, D. António Tomás da Silva Leitão e Castro, criou em Luanda uma aula de línguas africanas, como que uma filial do seminário-liceu, que então funcionava na missão católica da Huíla, entregue aos cuidados e à competência dos missionários espiritanos, dentre os quais se destaca o esclarecido naturalista P. José Maria Antunes. Usava-se na aula de línguas africanas o antigo livro do missionário capuchinho Frei Jacinto de Vetralha, então reeditado. Foi nomeado professor um indivíduo que Mário António chama quimbundista de merecimento, o angolense João Inácio de Pinho. Deveria ser frequentada pelos missionários e catequistas que houvessem de trabalhar no interior, podendo admitir outros alunos, pois tratava-se de uma aula pública. O mestre tinha o encargo de escrever as lendas, tradições religiosas, narrativas de costumes, canções nas línguas indígenas, etc. que se projectava fazer imprimir. Não há notícia de que assim tenha acontecido.
Alguns anos antes, a pedido de António Augusto Teixeira de Vasconcelos, autor dos interessantes romances O Prato de Arroz-Doce e A Ermida de Castromino, e que foi presidente da Câmara Municipal de Luanda, o notável político Jaime Constantino de Freitas Moniz sugeriu na Câmara de Deputados, em 12 de Março de 1878, a criação de um instituto de línguas africanas e orientais, tendo o objectivo de evitar a repetição de erros graves a que por vezes nos tinha arrastado o uso de intérpretes pouco esclarecidos. Era então ministro da Marinha e Ultramar o conhecido poeta ultra-romântico Tomás Ribeiro, que apoiou o alvitre. Mas não temos conhecimento de que a sugestão se concretizasse.
Passados alguns anos, em 29 de Janeiro de 1907, o bispo D. António Barbosa Leão transferiu o seminário-liceu da Huíla para Luanda. Fizeram-se obras de reparação no edifício anexo ao paço episcopal, salientando-se que se obtivera para tanto o consentimento do Governo de Lisboa. O estudo das línguas nativas tinha naquele tempo um interesse notório. Henrique de Paiva Couceiro determinou, a pouco mais de um mês de governo, em 23 de Julho de 1907, que o certificado de frequência do Curso de Língua Quimbundo, ou Curso de Intérpretes Eduardo Costa, seria daí em diante um elemento a ter em conta na determinação da preferência para o provimento dos lugares da administração angolana e outros, dependentes do Governo-Geral de Angola. O facto de lhe ter sido dado como patrono o nome do governador leva-nos a pensar que a reestruturação da aula se ficasse devendo ao seu apoio e patrocínio; recordemos que tinha falecido em 1 de Maio desse ano de 1907. Foi nomeado professor do Curso de Língua Quimbundo, em 1 de Setembro seguinte, o P. António Moreira Basílio. Este missionário e mestre destacou-se como estudioso e intelectual; infelizmente, nunca chegou a publicar em livro o resultado dos seus trabalhos.
A Escola de Intérpretes Eduardo Costa foi oficialmente inaugurada no dia 17 de Julho desse ano, pelo príncipe real D. Luís Filipe de Bragança, que aportara a Luanda para a sua visita a Angola e Moçambique. Inaugurou também a reabertura do seminário-liceu, após a sua transferência da Huíla, e o museu que lhe ficava anexo, a que noutro lugar se faz referência. Inaugurou ainda a Escola Profissional D. Carlos I. No dia seguinte visitou a fazenda Tentativa, no Caxito, e as instalações de captação de água, em Quifangondo.
Em 28 de Novembro de 1908, Paiva Couceiro determinava uma vez mais que a classificação dos concorrentes aos postos inferiores da província deveria ter em conta a frequência e aproveitamento do Curso de Quimbundo; os candidatos em tais condições ficariam acima dos outros, embora com maior valorização, em supremacia sobre os que não frequentaram estes estudos ou frequentando-os não obtiveram aproveitamento.
No dia 28 de Maio de 1907, o professor de Língua Quimbundo, da Escola Colonial de Lisboa, o capelão naval P. José Matias Delgado, obteve licença para ir a Angola, com soldo, viagens e gratificações pagas, a fim de colher elementos para a compilação de um livro de estudo, destinado ao ensino das línguas indígenas desta província. A sua missão deveria durar três meses, pois era esse o limite indicado para o abono da respectiva gratificação. Temos de concordar que, em tão curto espaço de tempo, pouco se poderia fazer. Desconhece-se qual terá sido o fruto prático desta iniciativa, se chegou a realizar-se.
Por diploma de 25 de Setembro de 1908, o rei D. Manuel II determinou que fosse dada preferência, nos concursos abertos através do Ministério da Marinha e Ultramar assim como dos Governos das províncias ultramarinas, aos candidatos habilitados com o curso da Escola Colonial de Lisboa ou com o curso colonial ministrado na Faculdade de Direito. Procurava-se colocar a administração transmarina e a solução dos seus graves problemas em mãos devidamente habilitadas para os tratarem, fugindo da improvisação que tinha feito sistema.
Pouco antes, em 9 de Janeiro de 1908, Paiva Couceiro encarregou o P. Joaquim de Oliveira Gericota, o P. Manuel António Alves e o P. António Moreira Basílio de redigirem uns guias em que se encontrassem reunidas e em método resumido as mais importantes regras de gramática, vocabulário de palavras e frases de uso corrente nas línguas indígenas de maior importância. No dia seguinte, 10 de Janeiro, encarregava também a Junta de Saúde de mandar redigir um guia médico em que se definissem claramente algumas prescrições de higiene tropical, de pequena cirurgia, vacinação, tratamentos a fazer em casos de urgência ou acidente, em doenças mais vulgares em climas tropicais, etc.
Começou desde muito cedo a reconhecer-se a necessidade de inspeccionar os trabalhos escolares e observar como os respectivos agentes cumpriam as suas obrigações. Já fizemos menção disso em vários pontos do nosso trabalho. Este cargo esteve na mão das mais diversas pessoas — professores, bacharéis, médicos, presidentes das câmaras, secretário-geral e até do próprio governador-geral. Sabe-se, por exemplo, que em 26 de Dezembro de 1896 a Direcção-Geral de Contabilidade fez constar que, quando fosse percorrer as escolas em visita de inspecção, o secretário-geral somente tinha direito às ajudas de custo correspondentes ao período máximo de sessenta dias, do quantitativo de três mil reis diários. Este pormenor leva-nos a pensar que se pretendia cortar algum abuso! A erva da desonestidade cresce bem e consegue lançar raízes em quase todos os meios!
Os professores também por vezes eram obrigados a modificar a sua conduta como funcionários públicos, sendo chamados à responsabilidade e por vezes até lhes eram aplicadas sanções. Assim:
—Luís Maria de Mesquita Spranger, de escola do Lubango, foi exonerado por falta de zelo no desempenho dos seus deveres;
—João Puna, de Cabinda, era acusado de não cumprir as suas obrigações, abandonando a escola e dando mau exemplo de decoro e dignidade, não apresentava qualquer resultado do seu trabalho, pois lhe faltavam elementos indispensáveis para exercer o cargo, tendo qualidades más que dizia não ser capaz de coibir, pelo que foi exonerado compulsivamente;
—Francisco José da Silveira, professor de Encoje, foi também exonerado em consequência do seu procedimento, pois frequentava as casas em que havia bebidas espirituosas e fazia dos alunos seus criados para serviços particulares;
—Henrique de Água Rosada, professor da escola de Caconda, foi demitido por ter o hábito de maltratar os alunos, que abandonavam a sua escola e iam para outra, particular, e mandar mapas estatísticos com números fictícios;
—Manuel António Rodrigues Bernardes, da escola do concelho de Alto Dande, foi afastado do serviço por dar publicidade a documentos oficiais sem autorização superior, num dos jornais de Luanda, acrescentando-se ainda que a sua redacção denotava completa incompetência para o mister docente.
Ficamos por aqui, pois para exemplo chega; este assunto não nos mereceu estudo específico; não temos a intenção de investigar defeitos nem assoalhar misérias.
Com a data de 22 de Outubro de 1902 aparece-nos uma informação a propósito de uma sugestão apresentada e fornece-nos preciosas informações sobre o estado da escolaridade em Luanda. Com pequenas alterações, dizia o seguinte:
"O orçamento aponta um porteiro para a Escola Principal de Luanda; ora esta escola não funciona há cerca de seis anos e já em 1891 o seu funcionamento se não fazia com regularidade, pelo que, a pedido do professor da escola primária da freguesia de Nossa Senhora dos Remédios, da mesma cidade, o dito porteiro foi fazer serviço nesta escola; mais tarde, porém, tal exercício cessou, porque se tratava, em um dos projectos de orçamento, da redução de três a um professor para a mesma aula, eliminando-se o lugar de porteiro, mas superiormente resolveu-se a continuação dessa despesa, que em sucessivos orçamentos não deixou de aparecer; não funcionando a Escola Principal, mas a dos Remédios, o professor desta, expondo as considerações que transcrevemos, pediu ao Governo-Geral que a verba, apontada no orçamento para uma entidade que não presta serviço, seja destinada a um porteiro para a sua escola, atendendo à necessidade que tem de uma pessoa para tal cargo. Sobre a informação do administrador do concelho, que acha justo o pedido, o governador-geral reputou atendível a solicitação da transferência do porteiro da Escola Principal para a escola primária da freguesia de Nossa Senhora dos Remédios, tanto mais que no concelho de Luanda é a única escola régia do sexo masculino que funciona com regularidade".
Como se pode ler na mesma informação, o Regulamento-Geral da Administração da Fazenda impedia ao governador tomar uma decisão sobre tal assunto e o caso era submetido a apreciação superior; reconheceu não haver inconveniente e deu informação favorável; não obstante, foi pedida a opinião da Inspecção-Geral da Fazenda do Ultramar, que concordou. Daqui podemos concluir que, depois de muito trabalho, tempo e consultas ridículas, um caso banalíssimo chegou a ter a solução desejada, o que nem sempre acontecia. Trabalhava nestes moldes a administração portuguesa, que nunca conseguiu encontrar remédio para tal doença.
Paiva Couceiro, prestando atenção à difusão da escolaridade, propôs aumento de verba de mais de um conto de reis para prover ao ensino, em Luanda, das crianças pobres indígenas que residiam no bairro das Ingombotas, à educação dos filhos dos condenados que continuavam a viver com os seus pais, num ambiente pouco recomendável, e à fundação de oficinas em que os degredados pudessem aprender alguns ofícios e exercê-los, livrando a cidade do mau aspecto que eles lhe davam, pois toda ela parecia um presídio.
Não se protelou a instalação das oficinas previstas, que vieram a inaugurar-se a 30 de Dezembro do ano de 1908, a que a proposta se referia. As oficinas destinadas aos homens receberam a designação de Oficinas Augusto de Castilho, em homenagem ao humanitário oficial português que expôs a sua carreira militar prestando assistência a um grupo de políticos e castrenses brasileiros; as que se destinavam às mulheres tinham a denominação de Oficinas de São Miguel, tirada da fortaleza em que estavam instaladas. As primeiras abrangiam uma dezena de secções; as segundas contavam meia dúzia delas, algumas das quais como que o desdobramento das masculinas.
O diploma de 1 de Junho de 1910 criou em Angola as Escolas Móveis, de cuja actividade não há referências satisfatórias, de que se não sabe ao certo em que consistiam, e cuja concretização nunca chegou a realizar-se. Eram criadas também diversas escolas primárias e esboçava-se um plano de estudos secundários, preparação para o magistério, e instrução profissional. Cremos não ter passado do projecto, quando muito manifestação de boa vontade.
No esquema previsto pelo diploma em questão, Luanda, Benguela, Catumbela e Moçâmedes ficariam a dispor de duas escolas municipais, uma para cada sexo. Outro ponto referia que haveria escolas municipais subsidiadas pelo Governo nas povoações de Cabinda, Cacongo, Santo António do Zaire, Ambriz, Malanje, Cambambe, Ambaca, Cazengo, Golungo Alto, Pungo Andongo, Novo Redondo, Caconda, Bailundo, Quilengues e Porto Alexandre, todas mistas, Luanda, apenas para o sexo masculino, Lubango, Humpata e Huíla, uma para cada sexo. Fazia-se menção das escolas já criadas e custeadas pelo Estado, que seriam todas mantidas. Estas determinações nunca chegaram a ser aplicadas, o que poderá compreender-se se nos lembrarmos que, pouco tempo depois, houve mudança de regime político, ao ser proclamada República.
Pensou-se também num plano de ensino secundário, embora em condições que não correspondiam ao ensino liceal propriamente dito. O chamado Curso Secundário abrangeria as disciplinas de Língua e Literatura Portuguesa, Língua Latina, Francês, Inglês (ou Alemão), Geografia e História, Aritmética, Álgebra e Geometria, História Natural, Físico-Química, Desenho Linear e Desenho de Ornatos.
Estava prevista a organização de um Curso Normal, isto é, o estudo paralelo ao que se fazia na Escola Normal daquele tempo, preparando professores do ensino primário. Abarcaria o estudo das disciplinas de Português, Francês, Geografia e História, Matemática, Ciências Naturais, Físico-Química e Desenho; isso constituiria a cultura geral, havendo ainda a matéria da especialização profissional, Religião e Moral, Educação Cívica, Quimbundo, Pedagogia e Didáctica, Legislação Escolar e Noções Elementares de Agricultura.
Voltava a prestar-se atenção à preparação profissional, aspiração corrente naquele tempo, tendo sido criado um estudo específico designado por Curso Profissional, subdividido em duas secções:
—a primeira, mais genérica, um tanto a tender para a actividade industrial, deveria ministrar noções de Culturas Coloniais, Tecnologia e Mecânica Industrial, Electrotecnia e Telegrafia Eléctrica, Português, Francês, Inglês (ou Alemão), Geografia e História;
—a segunda, designada mesmo por comercial, procurava ensinar Economia Política, Legislação Comercial e Industrial, Português, Francês, Inglês (ou Alemão), Matemática, Geografia e História.
A parte teórica ficaria confiada à Escola Profissional D. Carlos I; a parte prática seria ministrada nas oficinas do Estado, anexas à escola, e na Granja Agrícola de São Luís, no Cazengo. Foi pena que este plano, com todas as suas limitações, não pudesse ser realizado!
No livro Relatório do Governador, de César Augusto de Oliveira Moura Brás, referente ao ano de 1912, afirma-se que havia no planalto da Huíla cinco escolas de instrução primária — a escola masculina do Lubango, com cinquenta e nove alunos; a escola feminina, com cinquenta e quatro meninas; a da Chibia, com trinta e nove rapazes e trinta e seis raparigas; a escola mista da Humpata, com o total de quarenta e oito alunos; e a escola boer, com vinte estudantes. Refere-se a um agente de ensino que é designado por Professor Ladeira, nos seguintes termos:
"O professor actual é um homem de carácter e que considera o serviço que desempenha como um verdadeiro sacerdócio, mas a situação actual não é conveniente, porque a frequência da escola, pelo menos agora, será em grande percentagem constituída por meninas quase senhoras, que as prudentes famílias boers receiam mandar a uma escola mista".
A obra insere uma fotografia que nos mostra, com efeito, meninas quase senhoras, juntamente com alguns rapazes, quase homens. Em nota explicava-se que a escola funcionava em dois núcleos, um na Palanca e outro em Falcope, em edifícios construídos pelo município de Humpata, com o auxílio da colónia boer.
Para amenizar um pouco a aridez do relato que vimos fazendo, vamos referir um caso curioso, revestido de pormenores interessantes. A professora da escola municipal de Malanje, Palmira Correia Simões, firmando-se no que determinava o decreto de 17 de Agosto de 1912, requereu que lhe fosse paga a importância de cinco escudos por cada aluno aprovado em exame; a Inspecção Superior de Fazenda deu parecer desfavorável, em 4 de Agosto de 1914, baseando-se na circunstância de aquele diploma só falar de professores oficiais e se não referir aos professores municipais; António Nogueira Mimoso Guerra, que então substituía o governador-geral, discordou, deferiu o requerimento e mandou pagar. Foi isso mesmo que outros professores quiseram saber, requerendo logo o pagamento das gratificações em dívida, por se encontrarem em circunstâncias idênticas; o caso foi apresentado ao Conselho Inspector de Instrução Pública e também ao Conselho de Governo (Conselho de Província) e chegou-se à conclusão de que havia um diploma ministerial que considerava as escolas municipais como estabelecimentos de ensino oficial, pois regulava até as nomeações e outros actos burocráticos, e deveriam considerar-se em igualdade de condições; a decisão tem a data de 7 de Julho de 1915, tendo sido aprovada por portaria ministerial de 10 de Novembro seguinte.
A professora em questão, Palmira Correia Simões, transferiu-se depois para Luanda, sabendo-se que em Janeiro de 1915 era professora e directora da Escola Profissional Feminina Rita Norton de Matos.
A primeira referência concreta a uma senhora que, em Angola, ocupasse o lugar de mestre de uma turma do sexo masculino tem a data de 13 de Fevereiro de 1907. Nesse dia foi nomeada para a escola da freguesia de Nossa Senhora dos Remédios, na cidade de Luanda, a única concorrente ao lugar, classificada em concurso documental, aberto perante o respectivo Conselho Provincial. Tratava-se de Carolina Deolina Teixeira de Sousa.
No dia 11 de Março seguinte era criada mais uma escola primária na cidade de Luanda, a da freguesia de Nossa Senhora do Carmo, cuja paróquia havia sido instituída pouco antes, em Setembro de 1906. E em 4 de Julho deste ano foram criadas nada menos de dez escolas no distrito do Congo, todas do primeiro grau, em localidades cujos nomes são hoje dificilmente identificáveis por quem não conheça perfeitamente as antigas designações gentílicas da toponímia angolana.
Em 24 de Janeiro de 1916, foi tornada pública a determinação das autoridades que proibia aos professores oficiais de Luanda exercer o ensino particular, abrir colégios ou dar lições dentro da área da freguesia em que a sua escola estivesse localizada. Pretendia-se imprimir um cunho de seriedade ao ensino, cortando abusos e limitando tanto quanto possível a prática de transgressões ou de contravenções.
Os exames foram, durante muito tempo, actos grandes da vida escolar angolana. Já tratámos este assunto, mas valerá a pena voltar a fazer-lhe breves referências. Não pode deixar de causar hoje certa estranheza que deixassem o seu nome ligado aos júris examinadores algumas das nossas mais prestigiosas individualidades. Vamos mencionar alguns, eliminando os dos professores, que por direito próprio eram chamados a prestar este serviço:
—Em 1889, em Luanda, assistiram às provas o Dr. Eduardo Abranches Ferreira da Cunha e o conhecido escritor Pedro Félix Machado;
—Em 1892, voltou a ser nomeado o Dr. Ferreira da Cunha e com ele António Urbano Monteiro de Castro;
—Em 1893, o Dr. António Maria Vieira Lisboa e o Dr. António José Cardoso de Barros, tendo sido realizadas as provas numa das salas da Secretaria-Geral, onde se efectuaram também as de 1894;
—Em 1898, presidiu o secretário-geral de Angola, Dr. Joaquim de Almeida da Cunha;
—Em 1904, presidiu o Dr. António José Cardoso de Barros, que tinha sido já secretário-geral, e no mesmo ano, em provas anteriores a estas, serviu de presidente o capitão Alfredo Pereira Batalha;
—Em 1905, os exames foram feitos pelo Dr. Manuel Alves da Cunha, vigário-geral da diocese, e Dr. André Lopes da Mota Capitão, com a assistência do governador-geral António Duarte Ramada Curto.
Nos exames efectuados no Ambriz, em 1902, fazia parte do júri, como presidente, o Dr. Guilherme Vieira.
Em Benguela, em 1904, entraram o Dr. Baltasar de Araújo Brito e Rocha de Aguiam e o Dr. António de Albuquerque de Melo Pinto de Mendonça Arrais.
No Golungo Alto, em 1905, encontramos o Dr. Cipriano Cornélio Rodolfo Nogueira.
No Dondo, no mesmo ano, José Adolfo Troni, chefe do concelho, e o Dr. João da Costa Magalhães.
Não tivemos a preocupação de indicar sem falhas
os exames realizados e as figuras de destaque que neles intervieram; pretendemos
apenas dar uma amostra da importância que naquele tempo se atribuía
a estes actos escolares.
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