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Humor ? Verdade ?
Me lembro com clareza de todas as minhas professoras, mas me lembro de uma em particular. Ela se chamava Dona Ilka. Curioso: porque escrevi "Dona Ilka" e não Ilka ? Talvez por medo de que ela se materializasse aqui ao meu lado e exigisse o "Dona", onde se viu tratar professora pelo primeiro nome, menino ? No meu tempo ainda não se usava o "tia". Elas podiam ser boas e até maternais, mas decididamente não eram nossas tias. A Dona Ilka não era maternal. Era uma mulher pequena com um perfil de passarinho. Um pequeno passarinho loiro. E uma fera. Eu era um aluno "bem-comportado". Era uma vagabundo, não aprendia nada, vivia distraído. Mas comportamento, 10. Por isso até hoje faço verdadeiras faxinas na memória, procurando embaixo de tudo e em todos os nichos a razão de ter sido, um dia, castigado pela Dona Ilka. Alguma eu devo ter feito, mas não consigo lembrar o quê. O fato é que fui posto de castigo. Que consistia em ficar de pé num canto da sala, com a cara virada para a parede. ( Isto tudo, já dá para ver, foi mais ou menos lá pela Idade Média ). Mas o que eu nunca esqueci foi a Dona Ilka ter me chamado de "santinho do pau oco". Ser bem-comportado em aula não era uma decisão minha nem era nada de que me orgulhasse. Era só o meu temperamento. Mas a frase terrível da Dona Ilka sugeria que a minha boa conduta era uma simulação. Eu era um falso. Um santo falsificado ! Não vou dizer que todas as minhas dúvidas existenciais datem do epíteto da Dona Ilka, mas depois disso, pelo resto da vida, não foram poucas as vezes em que um passarinho imaginário com perfil de professora pousou no meu ombro e me chamou de fingido. Os santinhos do pau oco passam a vida se questionando.
Luís Fernando Veríssimo
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