O
Estado Novo
Kaúlza de Arriaga |
A Revolução de 28 de Maio de 1926 e o Estado Novo, que se lhe seguiu e dela foi decorrente, constituíram uma indispensabilidade nacional resultante da situação caótica e de ruptura a que a Primeira República havia conduzido o País, em todos ou quase todos os sectores e particularmente no das finanças públicas. Foram chefes militares que sentiram aquela indispensabilidade e souberam, primeiro, estabelecer uma ditadura de sentido construtivo e redentor e, depois, admitir e conseguir, acabando por se lhe entregar plenamente, que um homem de génio, surgido em Coimbra - o Professor Doutor António Oliveira Salazar -, dirigisse o País. Este criou, com a Constituição de 1933, o Estado Novo que chefiou até 1968, ano em que por doença, motivada ou acelerada por uma queda, teve de abandonar o poder.
Nestes trinta e cinco anos, o Estado Novo, além de continuar e terminar a Obra, iniciada pela ditadura, de reorganização geral do País, e particularmente de sua reconstrução financeira, teve de Enfrentar e Resolver quatro conjuntos de Grandes Problemas, que principalmente o Estrangeiro fez incidir sobre Portugal. Foram eles: os problemas decorrentes da Guerra de Espanha, ocorrida de 1936 a 1939; os problemas consequentes da Segunda Grande Guerra, que teve lugar de 1939 a 1945; os problemas devidos à expansão dos regimes democráticos pluralistas, após a referida Segunda Grande Guerra; os problemas relativos ao Ultramar Português, intensificados na década de 50 e, sobretudo, na década de 60.
São aquela Obra e o enfrentamento e resolução destes conjuntos de Grandes Problemas que, em termos de história, caracterizam o Estado Novo e facultam a formulação de um seu juízo. Assim:
1. A obra de reorganização geral do País,
e particularmente de sua reconstrução financeira, foi realização
notabilíssima que, só por si. justificou e elevou o Estado
Novo e Salazar.
Mas, não posso deixar de referir, como ponto bem negativo, o
facto de certos princípios de estrita economia continuarem, mesmo
depois de desnecessários, a aplicar-se com prejuízo, por
vezes acentuado ou mesmo grave, de realizações importantes.
2. Na Guerra de Espanha, estava fundamentalmente em causa a comunização ou não do país e, por arrastamento, a de Portugal, isto é, a de toda a Península Ibérica, com severas consequências para a Europa e para o Ocidente em geral. A posição e acção de Salazar e dos Portugueses sobre o próprio conflito espanhol e, relativamente a ele, em âmbito internacional, contribuíram muito significativamente, mesmo quase decisivamente, para que a boa causa, a causa não-comunista, vencesse em Espanha. Foi outro serviço notabilíssimo prestado pelo Estado Novo, mas agora, não só a Portugal, como à Espanha e a toda a Comunidade Internacional Civilizada.
3.
Relativamente à Segunda Grande Guerra, a atitude e a actuação
de Salazar e dos seus Governos podem sintetizar-se nos três aspectos
dominantes seguintes: o de preservar os Portugueses dos efeitos mais dolorosos
da guerra; a contribuição muito significativa, igualmente
quase decisiva, para a manutenção da neutralidade da Espanha;
e o apoio oportuno dado à Causa Aliada, com a concessão de
facilidades, nos Açores, às respectivas forças armadas.
A grande vantagem em preservar os Portugueses dos efeitos mais dolorosos
da guerra é evidente, até porque foi conseguida com satisfação,
pelo menos final, dos próprios Aliados.
A contribuição para a manutenção da neutralidade
de Espanha, neutralidade essencial para a Causa Aliada, foi serviço
maior prestado a esta Causa. O alinhamento espanhol com a Alemanha de Hitler
teria tido projecção negativa de dimensão imprevisível
no decurso e resultado da guerra. Salazar, que já tinha contribuído
para evitar a comunização de Espanha, como recordei, contribuiu,
agora, para evitar a sua nazificação.
Igualmente, a concessão de facilidades, nos Açores, às
forças aliadas, muito importante para estas forças, efectivou-se
oportunamente e sem qualquer afectação da soberania nacional,
constituindo acto de grande relevância. Tal, não só
por mostrar explicitamente a posição de Portugal na guerra,
como por permitir reforço considerável do controlo pelas
forças aliadas - controlo que lhes era indispensável - das
comunicações marítimas e aéreas no Atlântico
Norte.
Assim e relativamente à Segunda Grande Guerra, o Estado Novo
houve-se por forma superiormente meritória, no referente a Portugal,
no referente aos Aliados e, em consequência, no referente ao Mundo
em geral
4. A ditadura estabelecida em 1926 era, por natureza, autoritária
e o Estado Novo, que a substituiu, manteve certo autoritarismo - embora
limitado pelo Direito e pela Moral cristã, e, assim, muito afastado
do dos sistemas, que pelo menos em parte lhe foram contemporâneos,
de Franco, de Mussolini, de Hitler e de Estaline - e fez vigorar um regime
de partido único.
Com a vitória, em 1945, na Segunda Grande Guerra, das democracias
ocidentais sobre as potências totalitárias - embora a URSS
super-totalitária tivesse continuado a crescer em poder e agressividade
-, verificou-se no Ocidente uma expansão dos regimes democráticos
pluralistas. De tal resultaram pressões intensas sobre Portugal,
considerando-se que, após já mais de vinte anos de regime
autoritário - embora autoritarismo limitado pelo Direito e pela
Moral cristã, e não totalitário -, seria o momento
de o Estado Novo dar lugar a uma democracia pluralista. Mas havia pelo
menos uma razão decisiva - repete-se decisiva - que impedia o estabelecimento,
na época, em Portugal, dessa democracia pluralista. É que
a influência que, em semelhante democracia, poderia surgir e decerto
surgiria da parte de movimentos esquerdistas, inclusivamente socialistas-democráticos
e socialistas-comunistas, conduziria à impossibilidade de manter
a integridade do Conjunto Português - Metrópole e Ultramar
- , mesmo dentro da Solução Portuguesa e da Política
Ultramarina Portuguesa que adiante se referirão. Insiste-se: o estabelecimento,
então, de uma democracia pluralista em Portugal teria como consequência,
imediata ou a curto prazo, a perda do seu Ultramar.
Assim, o Presidente Salazar teve que lutar, a nível externo,
contra as pressões em causa, procurando fazer aceitar internacionalmente
a continuação do Estado Novo com as características
que tinha e sempre tivera. Foi luta árdua, mas que se saldou por
um sucesso, concretizado com o ingresso de Portugal na NATO, em 1949, onde
ficou a par precisamente das democracias ocidentais vencedoras da Segunda
Grande Guerra, e com o seu ingresso na EFTA, em 1959, onde ficou em paralelo
com as democratíssimas Inglaterra e Suécia. Foi o reconhecimento,
pela Comunidade Internacional Civilizada, do regime português e foi
um grande triunfo do Estado Novo.
5. Salazar emergiu como político financeiro que depressa
se revelou de excepção, prioritariamente empenhado na reconstrução
financeira do País, e apenas como eventual estadista. Desta circunstancia
resultou o facto de, desde início, não ter encarado o Ultramar
Português na plenitude da sua essência específica e
única no Mundo. É disso consequência o Acto Colonial
de 1933, que, alinhando de algum modo com outros países europeus
possuidores de territórios no Ultramar, estava imbuído de
certo e anacrónico espírito de império.
Porém, com a sua enorme capacidade, Salazar assumiu, progressiva
e firmemente, a qualidade de estadista pleno, que, no seu zénite,
foi mesmo um dos melhores de todos os tempos em Portugal. E logo teve lugar
a evolução do Conceito Ultramarino Português, considerando
entre outros, embora com algum atraso face à essência da fórmula
portuguesa, os princípios actuais decorrentes dos direitos dos homens
e dos povos, e terminando por se definirem uma Solução Portuguesa
e uma Política Ultramarina Portuguesa, correctas no acerto, realismo
e modernidade. Podem enunciar-se, como segue, as bases dessa solução
e dessa política:
Bases então já explicitadas
Mas, à correcção do novo Conceito Ultramarino Português e à grandeza da decisão de defender a todo o custo o Conjunto Português, não correspondeu totalmente a respectiva Execução. Esta processou-se com erros vários, não poucos denunciados oportunamente mas nem por isso corrigidos e alguns até acentuados após os fins da década de 50, dada a idade já avançada de Salazar e, depois, dada a personalidade de Marcello Caetano. Entre eles, contam-se os seguintes: o limitado impulso e mesmo condicionamentos bem negativos postos no povoamento branco do Ultramar Português, erro que prejudicou o desenvolvimento da sociedade multirracial; a não integração económica do Conjunto Português, integração que teria consolidado fortemente a unidade política; a falta de preparação contra-subversiva, em tempo plenamente útil, das forças nacionais, incluindo o não estabelecimento de uma estratégia a nível, pelo menos, dos territórios metropolitanos e africanos portugueses, o que teria permitido o emprego, na guerra ultramarina de 1961-74, de menor volume de meios e um sucesso, nessa guerra, muito mais rápido.
De qualquer modo e mesmo com tais erros, se não tivessem tido lugar equívocos imensos de alguns Portugueses e, mais gravemente, apostasias e traições inconcebíveis de outros, o Conjunto Português ter-se-ia mantido e seria hoje, no Mundo, um dos espaços de grande justiça e de grande prosperidade. Bem em contraste com as dificuldades com que se tem debatido o que, após a descolonização, restou de Portugal, e com a opressão, a miséria e o sofrimento que se abateram inexoravelmente sobre quase todo o antigo Ultramar Português.
6. E parece exacta a seguinte síntese. Para além da notabilíssima reorganização geral do País, particularmente da sua reconstrução financeira; para além das atitudes, posições e acções, também notabilíssimas e superiormente meritórias, relativas à Guerra de Espanha e à Segunda Grande Guerra, e para além do triunfo do reconhecimento do regime português pela Comunidade Internacional Civilizada; seria o Conjunto Português, pluricontinental e multirracial, de grande justiça e de grande prosperidade, a Obra maior do Estado Novo. Contudo, embora com algumas responsabilidades deste, mas fundamentalmente como consequência dos equívocos, apostasias e traições citados, uns e outras impensáveis, verificou-se a queda do Estado Novo e com ela o desmoronamento do Conjunto Português, com prejuízo total daquela Obra.
7. Em consequência de tudo o exposto, o juízo ponderado, em vermos da História, do Estado Novo de Salazar é altamente positivo.