Uma vida ao serviço da Nação 
 

Por Manuel Batista Dias da Fonseca  
Secretário particular (1946-49)

Quem era Salazar ?


SalazarComo nota prévia à 2.ª edição da minha Antologia de Salazar (1955), escrevi: "Nesta época de superficialidades, incertezas e contradições que o mundo vive, destaca-se singularmente o pensamento de Salazar - vigoroso, firme e profundo, a traçar directrizes seguras em relação aos problemas essenciais da vida e da pessoa humana.
"A ordem cronológica e a diversidade das fontes dos extractos fazem avultar a constância do pensamento de Salazar: igual em 1909 como em 1955, igual nos discursos, como nos artigos de jornal e nas entrevistas - a mesma directriz, sempre a mesma certeza... e até a mesma actualidade!".

E em nota prévia à 3.ª edição (1966): "0 tempo decorrido veio plenamente confirmar a justeza destas palavras - que hoje se revestem ainda de mais acentuada oportunidade.
"Mas o estilo próprio e único de Salazar revela-se igualmente na acção; observe-se, por exemplo, a sua imediata e feliz reforma fiscal de 1929: que simplicidade e concisão de linguagem - e que facilidade de execução, tanto para os serviços como para os contribuintes!
"Outro claro exemplo desse estilo próprio e único, tanto de dizer como de agir, é a sua recente frase, que fez história: "Para Angola, rapidamente e em força!".
"De Salazar se pode dizer: UMA VIDA CONSAGRADA AO SERVIÇO DA NAÇÃ0.

"Para avaliar da grandeza da obra de Salazar é necessário ter presente a dificílima situação do País, em todos os sectores, quando tomou conta dos seus destinos: há 40 anos ninguém teria ousado desejar que se viesse a realizar tanto como o que efectivamente se alcançou - e a maior parte das aspirações durante muitos anos debalde formuladas na imprensa e no parlamento designadamente as da Igreja, antes tão maltratada -, só com Salazar vieram a ser satisfeitas".  Ora, ainda hoje se pode dizer isso mesmo de Salazar: trabalhava, a tempo inteiro, pela Nação; sempre calmamente, sem pressas nem enervamentos - e em que tudo, de forma natural, tinha a sua ordem e hierarquia.  Era meticuloso, tanto nas coisas grandes como pequenas.

No célebre discurso 0 Meu Depoimento, proferido no Palácio da Bolsa do Porto, em 7 de Janeiro de 1949, começou por dizer assim:

"Devo à Providência a graça de ser pobre: sem bens que valham, por muito pouco estou preso à roda da fortuna, nem falta me fizeram nunca lugares rendosos, riquezas, ostentações.  E para ganhar, na modéstia em que me habituei e em que posso viver, o pão de cada dia não tenho de enredar-me na trama dos negócios ou em comprometedoras solidariedades.  Sou um homem independente.
"Nunca tive os olhos postos em clientelas políticas nem procurei formar partido em que me apoiasse mas em paga do seu apoio me definisse a orientação e os limites da acção governativa.  Nunca lisonjeei os homens ou as massas, diante de quem tantos se curvam no Mundo de hoje, em subserviências que são uma hipocrisia ou uma abjecção.
"Se lhes defendo tenazmente os seus interesses, se me ocupo das reivindicações dos humildes, é pelo mérito próprio e imposição da minha consciência de governante, não por ligações partidárias ou compromissos eleitorais que me estorvem.  Sou, tanto quanto se pode ser, um homem livre".  E assim continuou o seu discurso...

É fora de dúvida que Salazar sempre levou uma vida modesta - como bem modesta era a sua "moradia" em Santa Comba; a sua alimentação era a de qualquer português da classe média.  Quando saía, a sua "segurança" era feita apenas por um carro da PIDE, com um agente e um inspector.

Indiscutivelmente, tinha Salazar um estilo de vida naturalmente simples: não procurava aplausos de multidões; e embora fosse exigente quanto à justiça que julgava ser-lhe devida, não era muito sensível propriamente a elogios que, por vezes, encobriam desejos de benesses.

Mas amigos tive, que não pensavam assim; e foram curiosos nos seus pontos de vista.  Um dia, no Rossio, encontrei o Dr. Sá Nogueira, figura imponente, ligado à Oposição, então Presidente da Ordem dos Advogados, e a quem chamavam o "Bengalário da Ordem", por andar sempre de bengala.  E falando nós de Salazar, disse-me: "Realmente, ele é excepcional, em cultura e seriedade, esta muito acima disto tudo... Eu só não lhe perdoo... é que ele é um vaidoso, disfarçado de modesto!".

Numa tarde de férias em Lousado, ouvi um amigo que muito bem conhecia Salazar, dizer assim: "Ele gosta da glória de desprezar a glória!".

Bastantes eram as anedotas que corriam sobre Salazar, sobretudo nos primeiros tempos, em que a sua preocupação de poupança tinha impressionado o Povo.  Quem não se lembra da campanha Produzir e Poupar?

Eis, pois, algumas dessas anedotas:
 

Também às revistas do Parque Mayer não faltavam alusões ao espírito de poupança de Salazar:
  Salientei atrás que, com Salazar, e naturalmente, tudo tinha a sua vez - a sua hierarquia.  Ora, curioso é notar que, mesmo depois, quando já muito doente, o pouco de vida que dele restava ainda mantinha essa sua personalidade.  Assim:
 Poucos meses antes do seu falecimento, minha Mulher telefonou à D. Maria, pedindo ao Senhor Presidente que nos recebesse - e ao casal do Dr. José Manuel da Costa (chefe de gabinete com quem eu tinha servido).
Dias depois a resposta afirmativa veio assim: "Primeiro, às 15 horas, o Dr. José Manuel da Costa e D. Maria Emília; e depois, às 15.30 horas, o Dr. Manuel da Fonseca e D. Maria Delfina".

Para evitar fadiga, a visita era só um de cada vez.  Assim, quando entrei, após os cumprimentos, Salazar disparou-me a pergunta: "Então o que vai lá por fora?".  Ora como se mantinha a dúvida sobre se Salazar saberia da sua substituição.... fugi à resposta - e disse que continuava o mau tempo e que até ali pela janela se viam as nuvens muito escuras... A resposta desejada não era esta, mas Salazar não insistiu na pergunta...
 
 

Como escreveu Marcello Caetano, na Enciclopédia Verbo (rubrica "Estado Novo"): "Após a Primeira Grande Guerra, produziu-se a crise da concepção liberal e individualista do Estado, manifestando-se em muitos países europeus a necessidade de uma nova concepção que permitisse a intervenção do Estado na vida económica, condicionasse o exercício das liberdades individuais afirmando a supremacia do interesse geral e favorecesse a protecção e promoção social das classes trabalhadoras num clima de paz social.
"Os regimes, em geral saídos de revoluções nacionais, que procuraram pôr em prática essa forma autoritária e social de governo, disseram-se defensores do Estado Novo".

Assim, tivemos realmente em Portugal um regime de autoridade, de raiz nacional; porém de forma nenhuma totalitário, ou de cunho "fascista".

Mas um juízo correcto sobre a obra do Estado Novo impõe a sua comparação com as dos regimes, quer anterior quer posterior.

Regime anterior (1910-26).

Como regra, o País estava quase na estaca zero.  Por exemplo: o escudo era das moedas mais desacreditadas da Europa; meses houve com os vencimentos dos funcionários pagos com atraso; câmaras municipais, e até casas comerciais, imprimiam "cédulas", que tinham valor local de papel-moeda; os governos eram mais que provisórios e as revoluções mais que frequentes; não havia portos minimamente equipados, nem barcos capazes, quer de pesca ou marinha mercante; em todo o Norte do país, não havia fábrica alguma com técnico engenheiro ou de Economia; praticamente nada de pontes novas, de edifícios escolares, de novos hospitais, de edifícios novos para o Exército e para a Marinha, nem equipamentos - e nem sequer eram reparados os frequentes e grandes buracos das estradas, mesmo principais; pelo menos nas aldeias do Norte, sucessivos grupos de pobres (um dia certo da semana) batiam às portas, a pedir esmola; e a caminho das grandes romarias, mendigos exibiam suas chagas e aleijões, clamando por uma "esmolinha".

Houve, porém, uma nota muito positiva deste regime: os seus políticos responsáveis eram francamente patriotas - e, como assim, defensores do Ultramar: ver Nação Una, de Norton de Matos, com prefácio de Egas Moniz e comentário do Prof.  Barbosa de Magalhães; e em 1953, Norton de Matos voltou a publicar África Nossa.  E Cunha Leal, Nuno Simões, Ramada Curto, etc.

Nas Forças Armadas: nos últimos anos da Monarquia, muitos dos Heróis de África eram republicanos - e tal como depois na República, muitos eram monárquicos: acima da política, triunfava o patriotismo português.  Aliás, a letra do que veio a ser Hino Nacional é eloquente testemunho do patriotismo dessa época - e tal como, depois, no Estado Novo.

Estado Novo (1926-44).

 Graças à acção de Salazar, o País entrou em franca recuperação, em todos os sectores.  Assim:

1) pronta reabilitação do escudo, que veio a ser das moedas mais valorizadas do mundo, a par do dólar americano e do franco suíço; orçamentos não equilibrados; não mais vencimentos em atraso; substituição e sucessivo aumento de reservas de ouro, que no fim do regime eram perto de 900 toneladas; insignificante dívida pública, externa e interna, sempre limitadas a níveis tidos por convenientes;

2) obras públicas: grande rede de edifícios escolares, a todos os níveis de ensino; aeroportos e remodelação de portos; novos hospitais, e tribunais, e quartéis para o Exército, Marinha e Aviação; remodelação das estradas e construção de pontes; reparação de edifícios e monumentos nacionais, etc. etc., e a Ponte Salazar;

3) grandes barragens, quer de energia eléctrica, quer de irrigação agrícola e abastecimento público; florestação de várias serras, sem árvores; planos de fomento; arranque do desenvolvimento quer industrial, quer do turismo (de início, com as Pousadas; depois, com médios e grandes hóteis), etc. etc.;

 4) no campo social: deixou de haver quer grupos de pobres a pedir pelas portas, quer filas de mendigos, em dias de romaria; e início de salários mínimos, horário de trabalho, abono de família e assistência médica e medicamentosa; construção de esplêndidos bairros sociais, com casas adquiridas por encargo mensal compatível com os salários de então; e criação das Casas do Povo e Casas dos Pescadores; e férias na FNAT, a preço acessível aos trabalhadores; e cursos de Formação Profissional Acelerada, etc. etc.;

5) fomento do ensino a todos os níveis - e criação do ensino técnico-profissional, nas escolas comerciais e industriais e agrícolas; grande campanha contra o analfabetismo, em grande parte vindo do regime anterior;

6) celebração da Concordata com a Santa Sé, a pôr termo a injustiças sofridas pela Igreja Católica - e assegurando-Ihe liberdade de culto;

7) a grandiosa Exposição do Mundo Português, em frente ao Mosteiro dos Jerónimos;

8) construção de grandes paquetes: Santa Maria, Vera Cruz e Infante D. Henrique;
 
9) e, principalmente, o espectacular sucesso no campo da cultura: Artes, Letras e Ciências.
Com efeito: o sentido quer de dignidade, quer de grandeza que o Estado Novo imprimiu à vida nacional, em breves anos fez com que surgisse uma vasta plêiade de grandes valores, tanto na Situação, como na Oposição, com nomes que o povo ainda bem recorda e que agora não têm par.  Apenas uma breve resenha: Medicina: Egas Moniz (prémio Nobel, em 1943) e Francisco Gentil (fundador do Instituto Português de Oncologia); Matemática: Bento Caraça, Vicente Gonçalves, Esparteiro, Mira Fernandes; Engenharia: Duarte Pacheco, Edgar Cardoso, etc.; Escultura: Francisco Franco, Leopoldo de Almeida, Barata Feyo, etc.; Arquitectura: Raul Lino, Cotinelli Telmo, Januário Godinho, etc.; Pintura: Vieira da Silva, Almada Negreiros, João Reis, Henrique Medina, Cargaleiro, Carlos Botelho, etc.; Direito: em Coimbra, Alberto dos Reis e Antunes Varela; em Lisboa, Marcello Caetano, Cavaleiro Ferreira, etc.; Advocacia: Bostorf Silva, J. G. Sa' Carneiro, Azeredo Perdigão, etc.; Teatro e cinema: actrizes: Rey Collaço, Maria Mattos, Palmira Bastos e Laura Alves; actores: Vasco Santana, António Silva, Vilarett, Ribeirinho, etc.; Escritores: Júlio Dantas, Aquilino Ribeiro, Vitorino Nemésio, Miguel Torga, Fernando Namora, etc. etc.; Poetas: José' Régio, Correia de Oliveira, Moreira das Neves, etc.; jornalistas: António Ferro, Norberto Lopes, Ferreira da Costa; Historiadores: Alfredo Pimenta, Damião Peres, Jaime Cortesão, António José Saraiva, Franco Nogueira; Realizadores de cinema: Lopes Ribeiro, Leitão de Barros, Artur Duarte, com filmes que ainda hoje se recordam e são vistos com muito agrado na televisão; Música: piano: Viana da Motta, Varela Cid, Maria João Pires; violoncelo: Guilhermina Suggia; maestros e compositores: Freitas Branco, Frederico de Freitas, Tavares Belo, Ruy Coelho, Jolli Braga Santos; canções populares: Alberto Ribeiro; fado: Alfredo Marceneiro, Hermínia Silva, Amália Rodrigues; Cultura popular: renasce o artesanato, em peças de barro e cerâmica, e de ferro forjado e de cobre; e surgem grupos folclóricos, por todo o País, e que de tudo foi grande impulsionador António Ferro.

Depois do 25 de Abril de l974.

 Muitos foram os sectores da vida nacional que entraram em decadência.  Assim:

1) empobrecimento do País: o escudo passou a queda deslizante (quanto valia e quanto vale, em relação à peseta?); muitas toneladas de ouro foram vendidas ou hipotecadas (quantas?); grande baixa do stock de divisas/dólar (quanto era e quanto é?); brutal aumento da circulação fiduciária (era de 49 milhões de contos; e agora, de quanto é?); a inflação, que era muito baixa, subiu em flecha, tendo ultrapassado muito os 20 por cento/ano; e sobretudo: brutalíssimo aumento da dívida pública, interna e externa (de quanto são? e como vão ser pagas?);

2) grande aumento da corrupção: só no IARN e na Reforma Agrária, os desvios. ultrapassam, em muito, tudo quanto foi "desviado" nos quarenta e oito anos do regime anterior! - e que é feito do antigo Fundo Militar do Ultramar?  Dantes, apontavam-se... os que se "governavam" agora, apontam-se os que são sérios;

3) e não é só desonestidade a nível das pessoas: onde está, minimamente, a seriedade de um regime que permite a retirada - ou mesmo destruição - de estátuas e outros símbolos da época em que foram feitos? - e que muda nomes de pontes, de estádios, etc., pondo-Ihes outros, ligados ao regime actual?  Assim disse o Cardeal Patriarca de Lisboa, em recente homilia pascal: "Quem não se apercebe da duplicidade de comportamentos, da ambiguidade de atitudes, dos jogos de poder, numa palavra, da desonestidade reinante, por vezes em nome do progresso e da modernidade dos tempos?";

 4) obras públicas: sofreram forte declínio; apenas com o actual Governo, de Cavaco Silva, se voltou ao ritmo do Estado Novo (só que, agora, grande parte é com fundos comunitários europeus);

5) e casas de habitação?  Em 25 de Abril de 1974, em Lisboa e arredores, havia um défice de 15-20 000 habitações; com a "via socialista", o défice passou a 150-200 000! - e todos os anos se vai agravando!  Como é que um casal de trabalhadores pode agora arrendar ou comprar uma casa - como durante o Estado Novo?

6) galopante aumento do custo de vida: já muitos trabalhadores, e muitíssimos reformados, vivem hoje pior que antes do 25 de Abril;

7) e até crise cultural; com flagrante objectividade, o insuspeito e antigo oposicionista Prof.  Rodrigues Lapa disse, em entrevista ao vespertino A Tarde, de 25 Agosto 1983: "A crise cultural depende, em boa parte, da crise política que estamos atravessando. 0 País vive um dos períodos mais dramáticos da sua longa história, assinalado pela corrupção do carácter e promoção de falsos valores.  Com estes ingredientes nocivos como pode florescer a cultura?"

Porém, o grande e irreversível pecado do actual regime foi a precipitada entrega das nossas Províncias Ultramarinas - e assim, subitamente, reduzindo Portugal a 4 por cento do seu anterior território, com afronta a cinco séculos de história! - Ler 0 Fim Histórico de Portugal, do historiador Doutor Amorim de Carvalho, há pouco falecido.  E causaram a miséria e fome a largos milhões que eram então Portugueses: brancos, mestiços e pretos.
Agora, reduzido a 4 por cento, quanto valerá Portugal no contexto europeu?  Certamente mais que a Galiza, mas talvez menos que a Catalunha; aliás, em vários domínios (produtos agrícolas, inclusive), já estamos a ser invadidos pelos Espanhóis: oxalá que não venha a colonização cultural.

Em conclusão: do confronto acima evidenciado, resulta que o Estado Novo foi muito melhor que o regime anterior - e muitíssimo melhor que o actual.

E, pois, honroso ter servido o Estado Novo - e até porque Salazar era bem exigente com os seus colaboradores, como sabido é.  Felizmente, só poucos dos que então serviram o Estado Novo procuram ocultar essa circunstância (ou por fragilidade de espírito, ou por vontade de conseguir vantagens no actual regime).  Aliás, o povo aprecia é que os antigos servidores de Salazar, natural e honradamente, se afirmem como tais e prestem homenagem à sua obra, sem paralelo nos últimos anos de Portugal.  Por mim, quando me perguntam se depois do 25 de Abril não mudei pelo menos um pouco..., costumo responder que sim - e até mudei bastante: quando secretário, era 80 por cento salazarista; agora, realmente mudei, mas para 99 por cento.
 


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1 de Setembro de 1997
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