Gilberto Rabelo Profeta
Artaud e o Sentido
Capítulo 1
Teoria do pensamento
Concretiza Artaud a proposta surrealista de estudar o inconsciente por ter recebido passaporte para a loucura outorgado pela sociedade que o suicida, enquanto seus companheiros, inclusive Breton, permanecem apenas na poesia de superfície. Transforma Artaud sua profundidade em textos, é lido/lê a intelectualida de francesa em jogo dialético de idéias. Aceito por esta parcela dos homens, vive a gritar não estar morto como todos os que vivem do passado; apenas separado, separado do corpo social pelo conservadorismo que tanto o irrita por congelar a realidade. Jogo antinômico, enquanto nega o passado busca nos antigos os subsídios para tecer sua manta de pantomimo. Artaud, o momo, mumificado no manicômio, congelando-nos o que pensou ser um modo de o homem vivenciar um real não petrificado, cristalizado pelas palavras, a realidade está para ser construída e sempre estará, é devir. Para Aristóteles, a metafísica é a "ciência dos princípios primeiros e das causas primeiras", desaguando na metafísica geral, que tem "por objeto as condições essenciais, os primeiros princípios de todo conhecimento e de toda existência", trazendo as noções e princípios fundamentais que Artaud procura. Ocupando-se do pensamento e da realidade de uma forma crítica, bem como da ontologia, o ser em si mesmo, em suas propriedades universais, não deixa de lado Artaud a metafísica especial. Quer a "busca de um sentido além das aparências" que, recentemente, nos traz Rosset, em "O Real e seu Duplo", sem citar, de Artaud, o teatro e seu duplo, o real. O pensamento de Artaud é razão e intuição, discurso/logos e mito, alegoria, linguagem obscura e ao mesmo tempo clara. É análise, procura e encontro, resolução e síntese. "Nem todo pensamento provém do espírito", dirá em seu panteísmo estóico e hegeliano, e citando o inconsciente coletivo, de Lévy-Bruhl a Jung. Se "Deus é igual a Pensamento", o espírito é livre, independente da vontade, do homem ou da cultura. Das cartas coletadas em "Antonin Artaud - Textos 1923-1946" - Ediciones Caldén, pode-se ver que, o mecanismo do pensamento comportaria: Primeiro plano: matriz fervente do inconsciente ou do absoluto informal inominado, ou ambos. O campo abaixo do inconsciente é livre: o campo bio-psico-físico-químico, onde reinam o produto das sensações periféricas e o produto das suas associações. Neste plano ocorreriam mil impressões internas, mil choques interiores que despertam associações inconscientes no pensamento. Segundo plano: devir do pensamento pela recorrência a formas a partir de alterações nas "canalizações nervosas da vida psíquica", notando-se, aqui, o uso de um termo "canal" da psiquiatria antiga. Terceiro plano: um certo poder dos nervos de fazer durar um pensamento o suficiente para que as palavras se integrem nele, ou seja, pensa-se e sobre o produto do pensamento colam-se palavras: o pensamento com palavras é mais lento que o pensamento em si. Quarto plano: Artaud assume uma parte consciente e uma parte inconsciente no pensamento. A parte consciente é a forma/idéia, à qual se agregam solicitações mentais, percebendo o momento "anterior à fala", a separação entre o pensamento e a palavra. É preciso notarmos que usa o conceito, em vias de desaparecimento à sua época, de que "pensamento é palavras", ao mesmo tempo em que diferencia um "pensamento sem palavras". Quanto à parte inconsciente, questiona se o pensamento se apresenta paulatinamente ao espírito, ou se se faz fragmento por fragmento até encontrar uma forma. A forma preexiste ao pensamento? O gesto cria o pensamento?, questiona. |