Na Veia Pop
Volta
0550_1    Primeiro capítulo, iniciado em 1 de junho de 1998 .
 
        "Eu sabia que ia ter  um barulhão no avião: máquinas precisam fazer barulho para funcionar" - No ônibus de volta do aeroporto uma senhora falava alto. O sotaque gaúcho me chamou a atenção, autoritário caseiro. O concreto das  paredes da via expressa passava como um túnel 3D de jogo vagabundo, nada fractal.
"Olha o tamanho daquele prédio" - Enquanto elas iam de um aeroporto a outro até chegarem aos chinelos em casa, minha mente voava longe.
Um monte de projetos de projetos esperando minha atenção como cachorrinhos carentes. Uma contabilidade de semanas por fazer, talvez meses para organizar. Anos. Anos de correria atrás de resultados, sem muito nexo nem método. Correria global e corrente. Talvez  houvesse uma carta boa  e isso tudo conseguisse estar presente no lip da onda. Um movimento em resposta ao fundo que muda. Mais uma braçada e com um pequeno impulso consigo energia grátis. Alguns telefonemas e as coisas andam de novo. Grana, grana, da mão para a boca, correndo atrás o tempo todo.
O ônibus se enfia num terminal, luz branca e gazes. A senhora e sua escolta vão para as malas. Furo a fila e pego um táxi no meio da rua.
        Na gravadora, a reunião já tinha começado. "Essa bagaça é forte" - foi o que entendi. Os ânimos estavam acesos.
 "O Zero Cinco Cinqüenta é  nosso." - A noticia veio como uma bola no peito. "A molecada está ficando esperta, já tem empresário e advogado." Todos olham para mim. Amorteço e chuto de primeira. "Gente, o nome se lê como 'osso'. É coisa da tribo dos ligados em computador, um alfabeto como o dos pixadores." Fiz cara de mais esperto. "O 0550 é de vocês por quanto?"
 Todo mundo ficou meio quieto, na moita. O dono da bola declarou lateral e mandou rápido: "Pena, o Zero Cinco Cinqüenta assinou hoje com a gente. Enquanto você estava fora eu apresentei a fita na reunião e fechamos. Se quiser a produção é sua." Minha calça ainda estava fria da rua e esses caras já tinham acabado com meu dia. Tenho que aceitar, eles sabem disso. Não vai sobrar nada, vão me explorar, perdi a vantagem. Na mochila, um dat com seis músicas novas do 0550, puro lixo, mercadoria criando bolor em minutos.

 "Tem que ser em português. Eles insistiram em ter algumas músicas em inglês. Outra coisa: precisa de umas baladas e de umas músicas de festa. O repertório é muito estranho." - Isso levou meia hora para ser dito. A falta de foco foi piorando à medida que eu tentava falar de coisas práticas. Quando recomeçou a gritaria, desisti de jogar e comecei a dar risada também.
        Droga. O rádio falava alto a hora, quase uma hora atrasado. Virei para o lado e dormi mais um pouco. Nunca somos a mesma pessoa quando acordamos. Leva um tempo para se acostumar  com o destino.
O primeiro telefonema foi do Boris. " Foi muito rápido, chamaram a gente para uma reunião e eles foram super sinceros, que a gente não ia ser fácil de divulgar, que o nosso material era meio fora de padrão mas mesmo assim era legal." - Tentei me lembrar das conversas que tinhamos antes, quando fora combinado que não era só uma questão de lançar o disco, mas de tentar conseguir um bom caminho para o trabalho, ter certeza de que não iamos jogar tudo no moedor de carne e esperar o resultado. "Boris, porque voces não me ligaram?" O silencio no ciberespaço é tão cheio de vida quanto um olhar desviado, um cacoete que entrega o jogo. "Boris, quanto eles prometeram para o projeto?" Minhas memórias comiam toda raiva, um filme mudo cheio de gente com caras zangadas, a boa e velha sensação de linha ocupada, tem alguem falando no meu lugar. "O que importa é que a gente assinou, entende? Eles se comprometeram a gravar a gente, pô, parece que voce tá com ciume." Marcamos uma reunião e desliguei devagar.
 De repente voce está cego e surdo. Nada mais entra, só restam as memórias. Não há futuro, só resta explorar um mundo finito e que se repete. Cada vez que voce se lembrar de alguma coisa, a memória se atualiza,  e se modifica. Nada mais será igual ao que foi.
        Encontrei o Boris numa ilha de edição, era o garoto prodigio de plantão. Tinha energia  para encarar um fim de semana inteiro montando um clip de banda, grátis. Nas horas de folga estava criando um projeto, uma banda de eletronica. Pedi para ele mandar a demo, sempre peço.
 
Subject: Nos ajude!
   Date:  Mon, 22 Jun 1998 22:45:06 -0300
   From: "Hans W S" <hans@convoy.com.br>
     To:  <psp@pobox.com>
 

Pena, primeiro de tudo quero dizer que conheço seu trabalho e o aprecio muito,
principalmente no que diz respeito à produção e também pelo trabalho junto à novas
bandas, dando a elas oportunidades num "mundo" tão competitivo e cheio de
surpresas.
Meu nome é Florian Strasburger, tenho uma banda, se chama GET BACK. O nosso som
é uma espécie de fusion  que tende ao funk englobando o pop e o rock. Somos em oito:
vocal, baixo-teclados, guitarra, bateria, percussão, e três metais. Moramos em Pota
Grossa- Pr, uma cidade que fica a 100 Km de Curitiba.
Contarei algo interessante que foi de grande valia para nós. Dia 29/11/97 havia aqui um
show do J. Quest, na Münchenfest (Festa Nacional do Chopp Escuro). Nossa banda, a
GET BACK, foi convidada para fechar esse show. Foram dois shows memoráveis. O
público era de 15.000 pessoas. Numa certa parte do nosso show o Jota Quest "invade"
o palco e inicia-se um incrível jam session como manda tradição, improvisadíssimo. Por
sorte está tudo registrado em fita de vídeo profissional.
Vou mandar ainda esta semana nosso material. Espero com urgência uma resposta.
Um grande abraço, e obrigado pela atenção!
CONTATO: e-mail = hans@convoy.com.br
                 Endereço: Rua Amzonas, 421 - Pota Grossa -Pr CEP 8404-160
                Tel: (042) 222-nnnn
 

Subject:  Re: Nos ajude!
    Date:  Mon, 22 Jun 1998 23:01:03 -0700
   From:  Pena Schmidt <psp@pobox.com>
       To:  Hans W S <hans@convoy.com.br>
 

hans:
obrigado pelos principalmente. mas a coisa anda feia, eu explico:
fechei - estou dando um tempo - o selo Tinitus, por absoluta falencia de saco e
dinheiro. Tudo bem, ainda sou viciado em informação musical, coisas novas, mas
é que , pensando bem, as coisas estavam indo errado.
Tenho dito isso para um monte de gente que me escreve pedindo help, acho que
devo escrever um troço numa revista, ou jornal.
seguinte:
banda é que nem boteco. tem que encarar o negócio, manter a geladeira cheia de
cerveja gelada, mesmo que não tenha ninguém.
tem que ter freguesia, trazer os bebuns de sempre para o mesmo lugar.
banda tem saber se manter sózinha, Mac Donalds só tem um, não é? mas o mundo
esta cheio de botecos que *funcionam*.
Assim, se vira malandro. Nào tem muita gente querendo por o dinheiro deles em
cima de voces. Não existe lugar para mais uma banda nova no cast das grandes.
Os selos faliram, as casas de rock fecharam, as radios rock agora são pop. Se
vira malandro.
Aprende a produzir disco, vender disco, fazer cartaz, vender show, receber a
grana, vender o teu peixe, etc, etc, ectcctctc.

Não estou sendo cruel, é assim que vai ser.

juizo
pena
 
 

Subject:    From Otávio Rodrigues
   Date:      Mon, 22 Jun 1998 22:14:07 -0300
   From:    "otávio&cláudia" <onze@elo.com.br>
     To:      <psp@pobox.com>
 

E aí, Pena?

Pois é, aqui eu, 4 anos de Maranhão, em outro prana. A festa (na verdade,
nem sempre tão bucólica) deve acabar agora, começo de julho, eu me
preparando pra algumas temporadas mais longas em SP. A Azul, vc sabe, foi
incorporada à Abril, um monte de barcas rolando e tal. Vai desculpando o
escorrego, mas estou meio por fora dos teus agitos worldwide e curioso pra
saber das novidades.
Aqui em São Luís fiz um pouco de tudo. Peitei show, megashow, quebrei a
cara, lavei as éguas, um pouco de tudo. Rolou um vídeo chamado "Tambores do
Maranhão" (você vai ouviu falar), o projeto "Música do Brasil", da Abril,
programas de rádio (o "Bumba Beat" continua rolando na Mirante FM, em
cadeia com AM, via satélite, via Internet e whisky'n'bow - virou sinônimo
da nova música do Maranhão).
A partir de 10 de julho, mais ou menos, estarei no (011) 3037-nnnn. Em caso
de pronto-socorro, call me: (098) 246-nnnn.

Abraços, bos sorte!

OR
 

Subject:      Re: From Otávio Rodrigues
      Date:     Mon, 22 Jun 1998 22:30:43 -0700
      From:    Pena Schmidt <psp@pobox.com>
        To:     "otávio&cláudia" <onze@elo.com.br>
 

beleza, mano.

bom receber teu email
qdo vc vier de vez, me chama pra gente comemorar
a maré aqui anda no minimo esquisita. Tem um negócio no ar cheirando a fim de
ciclo, a industria meio perdida, a massa sem apetite para novidades, o tal
miolo demográfico mostrando uma cara de barraca de feira suburbana, sem raiz
nem flor, só um pouco de tudo sem qualidades.
caiu o pano sobre a dita cena.

não é que estou desanimado, mas sinto a obstrução, como diria o i ching

vamos levando no dia a dia de retirante do rock, fazendo umas direções de palco
para uns e outros, umas consultorias na industria - péssima pagante
ultimamente. O selo Tinitus, de honrada memória não passa de um problema
fiscal, agora. Parei. Tenho tentado bater uma carteira rápida. mas as majors
dão pena....
 E aí em cima? sobrou algo excitante?
juizo
pena

 

(c) Pena Schmidt Todos os direitos reservados 1997/98         Em 22/jun/98 1