Fernando Pessoa na Intimidade
Isabel Murteira França

A família de Fernando Pessoa

                    Fernando nasceu em  13 de Junho de 1888, no dia de Santo Antônio, no 4o. andar esquerdo do número 4 do Largo de S. Carlos, em uma quarta-feira, à tarde. A casa ainda existe e fica situada mesmo em frente do Teatro de S. Carlos.
                    A família era católica e foi batizado como quase todas as crianças, no dia 21 de Julho de 1888 na Igreja Paroquial de Nossa Senhora dos Mártires. Penso que é mesmo por este fato que Pessoa tantas vezes referiu que o sino da sua aldeia era o da Igreja dos Mártires...

     Ó sino da minha aldeia
     Dolente na tarde calma,
     Cada tua badalada
     Soa dentro da minha alma

                    O padre que o batizou foi então Monsenhor Antônio Ribeiro dos Santos Veiga. O padrinho foi o general Cláudio Bernardo Pereira de Chaby, membro da Real Academia de Ciências de Lisboa e da Real Academia de História de Madrid; a madrinha foi uma irmã de sua mãe, Ana Luísa Pinheiro Nogueira, a tia Anica, que nessa altura vivia na rua Serpo Pinto. O pai de Fernando, Joaquim Seabra de Araújo Pessoa, era crítico musical e assíduo freqüentador do S. Carlos, escrevendo na época para o “Diário de Notícias”.
                    Pelo lado paterno, o avô era o general Joaquim Antônio de Araújo Pessoa, nascido a 15 de fevereiro de 1813, e a avó, Dionísia Seabra Pessoa, que endoideceu muito cedo. Tiveram um único filho, Joaquim Seabra de Araújo Pessoa, que nasceu a 28 de maio de 1850 e que foi, como já mencionei, o pai de Fernando.
                    Quando Joaquim Pessoa casou, a mãe, D. Dionísia, já bastante doente, foi viver com ele e com a nora. Viviam também com eles duas criadas velhas, a Emília e a Joana. O estado de demência da avó Dionísia terá perturbado certamente Pessoa durante grande parte da sua infância. Anos mais tarde, por volta de 1908, ele escreveria numas notas íntimas: “Uma das minhas complicações mentais - mais horríveis do que as palavras podem exprimir - é o medo da loucura, o qual, em si, já é loucura.”
                    Do lado materno, o avô era o conselheiro Luís Antônio Nogueira. Nasceu a 29 de Dezembro de 1832, em Angra do Heroísmo, e morreu em Lisboa, em Julho de 1884. Era um homem distinto e de grande inteligência, tinha, aliás, uma faceta muito curiosa, era um excelente imitador e conseguia reproduzir vozes muito diferentes, simulando várias pessoas numa discussão. Tirou o curso de advocacia em Coimbra, voltou aos Açores e, mais tarde, quando regressou a Lisboa, exerceu o cargo público de secretário-geral do Ministério do Tesouro no governo de Hintze Ribeiro e de José Luciano de Castro, de quem era, aliás, muito amigo. Casou com Madalena Xavier Pinheiro, também em Açores e tiveram três filhos: Ana Luísa (a tia Anica), Maria Madalena, mãe de Fernando Pessoa e Luís Antônio, que morreu com dezenove anos.
                    Maria Madalena Xavier Pinheiro, mãe de Pessoa, nasceu a 30 de Dezembro de 1861. Foi batizada na Sé Catedral de Angra do Heroísmo. Casou com Joaquim de Seabra Pessoa em Outubro de 1887.
                    Exatamente, em Junho de 1888 nascia o Fernando, e anos depois, em Janeiro de 1893, tinha ele uns quatro anos e tal, nasceu-lhe um irmão, o Jorge, criança, aliás, bastante frágil, tinha herdado a doença do pai.
                    Nesse mesmo ano, sim, em Julho de 1893, morria Joaquim Pessoa com uma turbeculose, tinha na altura quarenta e três anos.  Fernando perdeu o pai com cinco anos, o que certamente teve repercussões na sua vida e na sua obra.
                    Mudaram-se nessa altura para a Rua S. Marçal no. 104-3o. A mãe de Fernando, ainda não refeita do desgosto, perdeu em Janeiro do ano seguinte, 1894, o Jorge, também tuberculoso. Ficou então viúva muito nova, com vinte e nove anos.
                    Sabe-se que ela teve um enorme desgosto com a morte do marido, meses depois escreveria o poema SÓ, que demonstra bem seu estado de alma e a sua solidão.

     Triste e só! Duas palavras
     Que encerram tanta amargura.
     Ver-se só e sentir n’alma
     O frio da sepultura. (...)

                    Em Outubro de 1894, Maria Madalena, mãe de Fernando, conheceu seu segundo marido, João Miguel Roza, num célebre passeio de elevador em  Lisboa (tipo elevador da Glória e do Lavra). Apaixonaram-se e neste mesmo ano casaram por procuração.  João estava ausente em Moçambique. Devido à sua profissão, tinha sido nomeado capitão do porto de Lourenço Marques. Foi, aliás, o seu irmão, o general Henrique Roza,  que tomou o seu lugar na Igreja de S. Mamede, em Lisboa, onde se realizou a cerimônia. Em Janeiro de 1896, Fernando, que tinha então sete anos, e sua mãe, partem para o sul do continente africano, pois o padrasto de Fernando tinha sido nomeado cônsul em Durban, África do Sul.
                    A 27 de Novembro de 1896, numa casa em West Street, nasce a irmã Henriqueta. Em Outubro de 1898 nasce outra irmã de Fernando, Madalena Henriqueta, que morre com dois anos e meio com uma meningite. Foi um desgosto enorme para todos. João Miguel Roza, o padrasto de Fernando, nunca mais quis olhar para um retrato da menina. Era uma criança amorosa. A 11 de Janeiro de 1900 nasce Luís Miguel, era ainda viva a Madalena. E em 17 de Janeiro de 1903 nascia outro irmão, o João. João era muito engraçado, tinha um cabelo louro e encaracolado, era uma criança inteligente e muito viva. E a família continuou a aumentar. Em 16 de Agosto de 1904 nasceu Maria Clara, um bebê amoroso, com aspecto saudável e resistente, e mesmo assim morreu com dois anos com uma septicemia em 1906, mais um desgosto para todos, especialmente para os pais de Fernando. Era o terceiro filho que a mãe de Fernado perdia; um do primeiro casamento e dois do segundo. Mesmo assim, sabe-se que o padrasto de Fernando, João Miguel Roza, sempre adorou a sua mãe, entendendo-se muito bem com ela. E tratava Fernando como filho, nunca fazendo distinção.
 
 

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