Fernando Pessoa na Intimidade
Isabel Murteira França


O Namoro

                     Foi precisamente em 1920 que Fernando Pessoa conheceu Ofélia Queirós no escritório Félix Valladas e Freitas Lda., situado na Rua da Assunção, 42  2o. Um dos sócios era Mário Nogueira de Freitas, primo de Fernando Pessoa.
                    Ofélia Queirós tinha 19 anos e, contrariando a família, resolvera empregar-se. Respondeu a um anúncio do Diário de Notícias e foi admitida na firma. Fernando não trabalhava na firma, mas ajudava o primo como correspondente, e no dia em que Ofélia se apresentou no escritório foi ele que a recebeu. Passados dias começou o namoro.
                    Pela leitura do livro Cartas de Amor de Fernando Pessoa estruturado e organizado pela sobrinha-neta de Ofélia Queirós, Maria da Graça Queirós, apercebemo-nos que ele era de uma intensa ternura com ela. Encontravam-se quase todos os dias e escreviam assiduamente.
                    A própria Ofélia conta:
                    “Foi uma namoro simples, até  certo ponto igual ao de toda a gente, embora o Fernando nunca tivesse querido ir a minha casa, como era habitual da parte de qualquer namorado. ‘Dizia-me: “Sabes, que é preciso compreender que isso é de gente vulgar, e eu não sou vulgar.’ Eu compreendia-o e aceitava-o exatamente assim, como ele era. Por exemplo, dizia também muitas vezes: ‘Não digas a ninguém que nos namoramos, é ridículo. Amamo-nos.”
                    “Passeávamos e conversávamos acerca de tudo, das coisas mais simples. De poesia, dos livros que lia, das suas aspirações, da família.”
                    O namoro durou de 1 de março de 1920 até novembro desse ano. Imensas cartas e postais trocaram os dois, encontravam-se sempre que podiam e tudo no segredo dos deuses. Nos eléctricos, nos comboios, em passeios, à janela, todos os momentos e oportunidades serviam param conversarem e namorarem. Fernando não gostava da palavra namoro, talvez a achasse demasiado séria para ele, que não oferecia um mínimo de condições em termos de futuro.
                    Quando não se encontravam ele escrevia-lhe ou mandava-lhe versos como estes:

     Quando passo um dia inteiro
     Sem ver o meu amorzinho
     Cobre-me um frio de Janeiro
     No Junho do meu carinho

                    Quando estavam juntos, certamente esquecia os seus afazeres e a realidade era outra. Era bem possível escrever para lhe enviar ou recitar-lhe:

     Pousa um momento
     Um só momento em mim,
     Não só o olhar, também o pensamento
     Que a vida tenha fim
     Nesse momento!...

                    A 29 de novembro de 1920, Fernando escreve a última carta a Ofélia e deixam de se ver. Nessa carta diz-lhe a certa altura: “Estas coisas fazem sofrer, mas o sofrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão de passar o amor e a dor, e todas as mais coisas, que não são mais que partes da vida?”
                    Nove anos se passaram, e um dia o poeta Carlos Queirós, sobrinho de Ofélia e amigo do Fernando, aparece em casa com o célebre retrato tirado pelo Manuel Martins da Hora: Fernando de copo na mão, a beber no Abel Pereira da Fonseca. Por trás a dedicatória ao amigo: “Carlos, isto sou eu no Abel, isto é, próximo já do Paraíso Terrestre, aliás, perdido.”
                    Foi então que Ofélia pediu ao sobrinho que lhe arranjasse uma outra fotografia para ela, e o Fernando enviou-lhe uma igual com outra dedicatória: “Fernando Pessoa em flagrante delitro.”
                Foi assim que recomeçou o namoro. Até janeiro de 1930 continuaram a encontrar-se e a corresponder-se, depois tudo acabou como Fernando previra. Numa carta de 29 de setembro de 1929 ele confessa: “De resto, a minha vida gira em torno da minha obra literária - boa ou má, que seja, ou possa ser. Tudo o mais na vida tem para mim um interesse secundário...” E continua: “ Se casar não casarei senão consigo. Resta saber se o casamento, o lar (ou o quer que lhe queiram chamar) são coisas que se coadunem com a minha vida de pensamento. Duvido...”
                Não há dúvida que, para ele, outros valores e caminhos mais altos se interpunham na sua existência, a sua vocação era outra, e daí a sua opção: cortar com a normalidade quotidiana e cingir-se ao seu sonho - a sua obra, única realidade pela qual valia a pena viver.

Curiosidades

                 Fernando colecionava selos; ainda existe o álbum que ele sempre guardou e tem a sua assinatura. Um álbum enorme, pesadíssimo e muito valioso. Também sempre gostou de postais.
                Adorava charadas e adivinhas. Chegou a colaborar no jornal local o “Natal Mercury”, usando nessa altura o pseudônimo Tagus.
                O Fernando era muito sensível ao humor, quando pequeno até inventou umas poesias humorísticas com bastante piada, que foram publicadas no tal “Natal Mercury”. O seu “sence of humour” era bastante apreciado pelos que o conheceram na intimidade. Fazia graças a propósito de tudo, era até um tanto ou quanto irônico e trocista. Durante toda a vida tirava partido de certas situações cômicas e dramatizava em casa ou na rua cenas burlescas e ridículas, não só para provocar o riso, mas sobretudo para envergonhar as pessoas da família que estavam presentes.
 
 

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