XV

PSICOGRAFIA

 

Entramos na casa da tia Vera, ela estava psicografando. Antônio Carlos ditava a ela que escrevia distraída e feliz.

—Veja como é — disse Maurício. — Faça como Antônio Carlos, tudo é simples.

Minha tia estava sentada à escrivaninha e Antônio Carlos, sentado ao lado, ditava o que lia de um dos seus cadernos. Ele fixava seu pensamento na mente dela. Observamo-los por minutos. Antônio Carlos parou e disse a minha tia:

—Surpresa! Patrícia está aqui e irá ditar a seus pais.

Titia realmente se surpreendeu e se concentrou. Pensou em mim, aproximei-me, ela me sentiu. Este “sentiu” é ver pela percepção. Sorriu contente.

—Como você está bonita! Patrícia, sinta-se à vontade. Vamos escrever?

Aproximei-me mais e a abracei. Ditei devagar e titia foi escrevendo. Foi um bilhete. Mandei abraços, agradeci, dei notícias minhas. Pedi que não se privassem de nada por mim.

Realmente foi mais simples do que pensei. Explicar o que é ser médium é complicado, ainda mais se partir para o lado científico. Disfunção orgânica? Um dom a mais? A menos?

O importante é que se faça desta sensibilidade útil pelo trabalho. Confiar na força do Bem e se esforçar para acertar. Médiuns honestos fazem deste intercâmbio um bem para muitas pessoas.

Ao terminar, agradeci a minha tia e me afastei. Julgando que já tinha ido, titia chorou de saudades.

Vi meus primos e abracei-os.

—Maurício, — indaguei — titia faz muitas mensagens. Desencarnados gostam de escrever?

—Quase todos. Não gostou? Não é agradável dar notícias aos familiares?

—Não conheço ninguém na Colônia, a não ser vovó, que escreva aos seus.

—Psicografia não é um fato tão normal assim. São muitos os médiuns que poderiam fazer, pequena parte o faz. Isto diminui os canais de intercâmbio. Depois são poucos os encarnados que desejam receber notícias, a maioria não crê neste possibilidade. Mensagens, como todas as graças, não devem ser ofertadas, mas pedidas.

—Agora, passaremos novamente em sua casa para que veja sua mãe e voltaremos à Colônia — Artur disse, pegando minha mão.

Beijei mamãe de novo, pedi a ela para ficar alegre. O telefone tocou. Era minha tia contando-lhe a novidade.

—Você a viu? — indagou mamãe emocionada. — Está bonita? Bem? Graças a Deus!

Desligou o telefone, olhou para o quadro de Jesus que enfeita a parede de nossa sala, orou comovida, agradeceu e, com lágrimas nos olhos, rogou:

“Jesus, muito obrigada! Cuida sempre dela para mim, por favor!”

—Ah, Jesus! Cuida deles, por favor! — completei com fervor.

Voltamos à Colônia. Volitamos até o portão, este foi aberto, entramos. Estava calada, vê-los diminuiu minha saudade. Sabia que eles sofriam, mas estavam fazendo até o impossível para que tivesse a tranquilidade necessária na minha adaptação. Mamãe era a que mais sofria. Maurício disse carinhosamente:

—Tudo passa, menina Patrícia. O tempo cura feridas.

—Mas deixa cicatrizes — respondi.

—Cicatrizes não doem. Você será sempre lembrada por seus familiares, é amada. O tempo suaviza até a saudade — Maurício finalizou.

—Agradeço-os por tudo — disse comovida.

—Vamos ao teatro? — Frederico me convidou.

Fomos, um coral de outra Colônia cantou lindas canções, distraí-me. Ah, os amigos. O que seria da gente sem eles?

Periodicamente um deles me acompanhava para visitar minha família, até que pude ir sozinha. Ver os familiares é uma alegria indescritível. Frederico me explicou:

—Patrícia, você pode fazer estas visitas, porque não se perturba com elas. A maioria desencarnada espera muito tempo por isto. O desencarnado necessita ter entendimento, ter aceitado a desencarnação e os familiares estarem conformados, porque o desencarnado pode ter vontade de ficar e, às vezes, fica. Principalmente se o desencarnado encontra o lar terreno com muitos problemas ou quando os encarnados chamam por ele, pedindo ajuda. Os orientadores daqui têm que analisar todos estes problemas antes de dar autorização a um desencarnado para visitar seus entes queridos. Porque, dependendo, estas visitas podem ser prejudiciais ao visitante.

Sempre escrevi cartas, mensagens à minha família, contava a eles o que via, o que sentia, assim eles acompanhavam meu progresso, a saudade suavizava. Quando não podia ir ditar, um dos meus amigos o fazia por mim.

Antônio Carlos, que sempre me incentivara a fazer as mensagens, um dia me esclareceu:

—Patrícia, estas mensagens também não são privilégio. Isto pôde acontecer por dois fatores: por merecimento dos seus pais e porque você já inicia um treino.

—Treino!?

—Por que se espanta? Sua tia sempre lia seus pensamentos. O intercâmbio é fácil entre vocês duas. Treino sim, certamente mais tarde irá querer ditar aos irmãos encarnados tudo que vê e aprende.

—Escrever livros?!

Ri gostosamente, Antônio Carlos riu também.

—Por que não?

—Não sou escritora.

—Aprende a ser.

Não pensei mais nisto, mais continuei com as mensagens, elas são presente, bálsamo à saudade dos meus.

Via sempre pelo aparelho de “televisão” meus familiares. Eram minutos por dia, temos que educar nossa vontade, senão podemos querer vê-los a todo momento. Pode-se escolher horário para vê-los. Sempre o fazia à tarde ou à noite. Orava antes, via-os, desligava e voltava a orar, sempre me esforçando para estar tranquila. Era uma exceção ter este aparelho. Foi Artur quem me deu. É raro alguém ter um aparelho deste tipo. Foi possível porque Artur, espírito simples, mas com vastíssimos anos de trabalho útil, recebera de presente pelo muito que fez à Colônia. Mas há em vários prédios da Colônia salas com estas televisões. Há na escola e no hospital, onde desencarnados podem pedir e receber autorização para ver seus familiares. Principalmente no hospital, onde os doentes em recuperação se preocupam com a família, desejam saber como eles estão. Antes de serem atendidos, estes pedidos são orientados. Se os instrutores acham que pode ser útil, eles podem fazer uso deste recurso tão gratificante. Passam por este processo, porque muitos desencarnados ao verem os familiares mesmo que seja pela televisão choram desesperados, piorando sua situação. Cada caso é um caso. Estando o desencarnado melhor, e tendo conhecimento desta possibilidade, se quer, faz o pedido e os orientadores analisam se ele vai poder ou não fazer uso deste maravilhoso aparelho. Assim mesmo pode acontecer de não dar certo. Se há permissão, vão com os orientadores à sala própria. Para muitos são bênçãos, alegrias saber dos seus, vê-los. Para outros, nem sempre; ver os familiares com problemas, sofrendo, não é agradável. A maioria dos moradores daqui gosta de usar deste recurso, os que trabalham pagam por isto. Justo, é uma forma de incentivar o trabalho e premiar o trabalhador.

—Artur, — indaguei — recebi muitos presentes, até de bônus-horas. Por que isto é possível?

—Presentear é tão agradável! Certamente temos a liberdade de usar dos nossos bônus para presentear, mas tomamos cuidado para não incentivar a preguiça, a inércia em quem presenteamos. Aos recém-chegados aqui, amigos e parentes gostam de agradá-los e também incentivá-los a serem úteis.

—Você me deu a televisão, foi um presente tão agradável ao meu coração. Todos presentes foram dados com alegria, carinho, recebi-os com gratidão.

—Nunca usei este aparelho, recebi com carinho e guardei. Dar a você, que o utiliza, me deixa contente, é sempre gratificante poder alegrar um amigo.

Para todos aqueles que encaram a realidade com naturalidade, a desencarnação não os separa dos entes amados e ausência fica menos sentida.


XVI

UNS VÊM, OUTROS VÃO

 

Dedicava-me cada vez mais ao trabalho na escola. Todas em casa trabalhavam. Como os turnos eram em horários diferentes, em raros momentos estávamos todas em casa. Estava gostando muito da escola. D. Dirce era encantadora, gentil, sempre pronta a nos esclarecer, tirar qualquer dúvida. Ela usa sempre um conjunto de saia e casaco cinza-claro, é elegante, extremamente simpática. Um dia, ao observá-la, me esclareceu bondosamente:

—Quando encarnada, gostava muito de um traje parecido com este. Até esqueço deste detalhe, roupa e moda. Sinto-me bem assim.

—A senhora está muito bem, é elegante. É que encarnada nunca pensei como os desencarnados se vestiam, ainda reparo nestes detalhes. Me desculpe se a observava.

—Não tem por que desculpá-la, logo estes detalhes não a preocuparão mais. Muitos encarnados pensam que desencarnados só se vestem de branco no Plano Espiritual e nas Colônias. Talvez esta idéia veio porque aqui se vestem simplesmente. Vestem-se como querem. Os que trabalham aqui em hospitais e nas equipes médicas normalmente se vestem com roupas claras ou brancas. Os jovens preferem roupas coloridas e agora até jeans. Só somos educados para nos vestirmos decentemente e não abusar das tonalidades fortes. Cores neutras, claras, descansam a vista.

No começo, trocava sempre de roupa, achava tão estranho vestir uma só roupa, fui trocando cada vez menos. Preferindo calças compridas e camisetas. Mas a maioria, principalmente os mais velhos moradores da Colônia, não troca de roupa, como D. Dirce. E ninguém presta atenção neste detalhe, ninguém lhe chamava de mulher de cinza, fato que ocorria entre os encarnados.

Meus alunos eram uns amores. Todos educados, querendo aprender. Eles também quase não trocavam de roupa. A maioria trabalhava no período da manhã e estudava à tarde. Os alunos são separados em classes conforme suas necessidades. Os que têm mais facilidade para aprender e os que têm mais dificuldades. Lecionava para os que tinham mais dificuldades. Eles têm conhecimentos deste detalhe. Não se sentem humilhados, mas, sim, incentivados a aprender. Normalmente tinha que explicar as lições várias vezes e o fazia com gosto.

Como dormia menos, tinha mais tempo livre, quis trabalhar também no período da manhã. Frederico me convidou para ajudá-lo. Comecei com muito gosto a trabalhar com ele. Frederico atendia no hospital os doentes em estado de recuperação, os melhores. Numa salinha, conversava com os que o procuravam, ajudando-os a resolver seus problemas. Ficava como uma atendente, uma espécie de secretária, fazia ficha de atendimento, encaminhava os pacientes. Marcela, uma enfermeira que trazia os pacientes, me explicou:

—Dr. Frederico é ótimo profissional, gostaríamos de tê-lo sempre aqui. Tem nos ajudado bastante como conhecedor e estudioso do comportamento humano, tem resolvido de modo satisfatório inúmeros problemas. Está aqui entre nós temporariamente, veio para auxiliar um ente querido na sua adaptação, após, deve voltar a lecionar nas Colônias Universitárias.

Tive a certeza de que era eu o ente querido que Frederico auxiliava. Sentia que o conhecia, que estávamos ligados por afeto sincero e puro, só não conseguia lembrar. Também não me preocupei com este detalhe. Quando chegar a hora lembrarei, tudo tem seu tempo. Recordaria no momento certo.

Um dos meus alunos, Jaime, convidou-me para ir a uma festinha em sua casa. Iriam despedir-se de um dos seus filhos que logo reencarnaria.

—Venha, Patrícia, — disse ele — vamos incentivá-lo e lhe desejar que a reencarnação seja proveitosa.

Vovó me acompanhou. A casa de Jaime é agradável como todos os lares da Colônia. Jaime mora com muitos parentes. Leonel, seu filho, deveria retornar logo à carne. Como todos por aqui, Leonel sentia medo e insegurança, pois sabia que o mundo material é muito ilusório. Os amigos o animaram. Jaime leu o texto do Evangelho de João, III: 1-12. Texto em que Jesus explica a Nicodemus a necessidade de renascer. Após, oramos em conjunto. Leonel agradeceu comovido. Foi uma reunião agradável, onde o neto de Jaime tocou violão e cantou lindas canções.

—É estranho fazer festa para um espírito que vai reencarnar — comentei com a vovó.

—Nem tanto assim, amigos se despedem, animando Leonel. Isto é a vida! Infelizmente não são todos que vão reencarnar que recebem este carinho.

Despedimo-nos de Leonel, desejei de todo o coração êxito na encarnação que tinha por bênção para progredir.

Luíza, uma das moradoras de nossa casa, estava aflita esperando a desencarnação de seu pai. Quando a avisaram que se aproximava a hora, ela pôde ir ter com ele e ajudá-lo. Desligou-o da matéria e o levou para um Posto de Socorro. Ela sabia que ele não tinha conhecimentos nem merecimentos para estar bem e tranquilo. Triste, comentou:

—Sou grata a Deus por ter podido tirá-lo do corpo morto e levá-lo para um socorro. Agora, dependerá dele ficar no Posto de Socorro ou não. Estou orando muito por ele.

—Uns vão, outros vêm! Ontem fomos à festa de despedida de Leonel que vai reencarnar. Hoje é seu pai que desencarna! — exclamei pensativa.

Meu sobrinho estava para nascer, a expectativa era grande. No tempo previsto este espírito querido de todos nós nasceu. Pertence ao nosso grupo familiar, antes de reencarnar ele sabia que a família passaria por este período difícil. Encantou a todos, principalmente a minha mãe. Rafael chorava, só quietava nos braços da avó, chamando assim minha mãe para a realidade da vida, uns vão, outros vêm.

Artur me presenteou com um pôster do Rafael que coloquei na parede do meu quarto. Plasmar foto é fácil para aqueles que sabem, também não é difícil aprender. Na escola, há cursos para aprender pela força do pensamento a plasmar no papel, onde quer que seja, uma gravura, uma foto, etc. Em casa, todas as moradoras têm fotografias. Vovó tem as paredes de seu quarto cheias de fotos, dos filhos, netos e bisnetos. Artur prometeu que todo mês iria trazer uma foto do Rafael para que pudesse acompanhar seu crescimento.

Quinze dias após o nascimento de Rafael, pude vê-lo. Maurício e vovó me acompanharam. Vi meu pai, meu irmão, fiquei contente por ter encontrado mamãe melhor. Volitei tranquilamente entre os encarnados, atravessei portas e paredes.

Emocionei-me ao ver meu sobrinho. Tão lindo! Estava acordado e quietinho em seu berço. Aproximei-me e o abracei, ele sentiu meus fluidos e sorriu.

Fiquei tão feliz! Desejei muito ser tia, vê-lo encheu-me de orgulho. Ser tia é maravilhoso!

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