Mais um dia mais um onibus que eu peguei no Rio
Um ônibus tranquilo estava vazio
E a cidade engarrafada como não podia deixar de ser
Viagem demorada, o que fazer?
Sem nenhuma mulher por perto pra bater um papo esperto
Decidi escrever um Rap mas não estou bem certo
Sobre o que vou rimar
Diz aí trocador (ah sei lá)
Então eu vou no instinto pego um papel e vamo vê no que dá
Foi nesse instante que eu olhei pra janela
E que susto eu levei, era ela
A inflação estampada na vitrine
Atingiu meu coração e deu vontade de partir pro crime
Porque o que quero comprar já não dá mais
A não ser que eu faça como fez o Ferrabrás (quem?)
Então eu tento escrever, continuar a rimar
Mas o que eu vejo do outro lado é duro de acreditar
Mas ‚ real e a realidade dói demais
São dois mendigos se matando pelos restos mortais
De um cachorro qualquer que foi atropelado
E vai virar Rango e se der talvez seja assado
- Hum! Esses nojentos gostam disso!
Não arrombado! Aquilo é um ser humano que chamaram de descamisado
Um desesperado, um brasileiro como eu
Que deve sempre se perguntar
- Ser que existe mesmo Deus?
Não é o pensador que vai tentar responder
Eu continuo rimando tentando esquecer
Porque esse Rap não é sobre nada especial
E o Rap do 175 que peguei na Central
E de repente o ônibus começou a encher
Entrou mais gente, houve um tumulto, alguém gritou e eu olhei pra ver
- O que que é isso? O que que tá pegando? O que está havendo?
É um assalto malandro, será que você não está percebendo?
O desespero do trabalhador começou e eu tentava esconder meu dinheiro quando alguém falou
Libera esse aí que é o pensador, mané!
Mas eles eram meus fãs então levaram meu boné
- Autografado né pensador, se liga!
Alguns acharam que eu era cumplice quase deu briga
Mas a viagem prosseguiu e o ladrões desceram
Aí a raiva que subiu na cabeça dos passageiros
E o mais injuriado era um bigodudo que tinha ganhado o salário
- E eles levaram tudo !
Entraram dois PMs pela porta da frente, estufando o peito e olhando a gente
Impondo respeito
Mas os ladrões já estavam longe, não tinha mais jeito
Pra piorar levaram o bigodudo como suspeito
Ele era PRETO!
Coisa desse tipo é difícil esquecer mais eu vou continuar porque eu já disse a você
Porque esse Rap não é sobre nada especial
É o Rap do 175 que peguei na Central
Agora estamos passando pela praia de Copacabana
Travestis e prostitutas se acabando por grana
E os Gringos vão achando aquilo tudo Bacana.
- O Brasil é um paraíso, as mulheres são boas de cama
O gringo, não força, deixa de ser imbecil!
Você que vem lá de fora quer entender do Brasil.
O Brasil é um paraíso, é mole. E o inferno é aonde?
(peraí Pensador)
E por falar em paraíso, Olha que loucura!
Subiu no coletivo um estranhíssima figura
Com uma bíblia na mão e uma cara de debil mental
Pregando a enganação da Igreja Universal
Ou será que era alguma outra igreja destas?
Ah não faz mal, igreja de enganar otário é tudo igual.
E o coitado, foi soltando aquele papo de crente
E eu rezando "Deus, me dê paciência"
Mas o pentelho desceu, pra alegria da gente
E na saída do ônibus sofreu um acidente
Se distraiu e foi atropelado por um caminhão
Morreu esmagado com a Bíblia na mão
E, morreu, melhor que viver nessa ilusão.
Não queria Deus foi pro céu então.(Ih, não sei não)
E enquanto todos se benziam com pena do crente
Eu fui rimando bola pra frente
Porque esse Rap não é sobre nada especial
É o Rap do 175 que peguei na Central
E eu percebi que o trocador ficou fazendo careta
Pra um coroa que passou por debaixo da roleta
Era um senhor de óculos barba branca, hei Peraí..
Ei, professor, o que que o senhor está fazendo aqui?
O que que foi, foi assaltado, perdeu o dinheiro?
É sabe o que que é, é que eu já gastei o salário inteiro.
Hum, mudei de assunto ele já estava encabulado
No meio do mês o salário dele já tinha acabado.
Era o meu ex-professor da escola, coitado
Tá fudido e mal pago, daqui a pouco tá pedindo esmola
Ele é um mestre um baú de sabedoria
Este não é o valor que um professor merecia
Profissional de primeira importância para o nosso futuro.
Ninguém que ser professor pra não viver duro
Ele desceu em outra escola para dar mais aula.
- É que eu trabalho os três turnos, chego em casa ainda corrijo prova
- Tchau, professor
- Tchau, Pensador
Desceu mais um trabalhador que tá numa de horror
Porque esse Rap não é sobre nada especial
É o Rap do 175 que peguei na Central
Agora estamos passando pelo bairro de São Conrado
Como o tempo tá fechando eu tô ficando preocupado
Ih, choveu, pronto tudo alagado
Uns vão nadando, outros morrendo afogado
E enquanto na favela tem barraco caindo
Não é que passa o prefeito num iate sorrindo
E se o nosso ex-presidente estivesse aqui
Ele estaria certamente num belíssimo Jet-Ski
Mas como nos não temos embarcações pra todo mundo
Esta triste situação tá parecendo o fim do mundo
Pra quem tá de carro,
Pra quem tá de ônibus
Nessa Rio-Babilônia no Brasil do abandono
E enquanto os governantes vão boiando Sorridentes
Vamos remando, bola pra frente
Porque esse Rap não é sobre nada especial
É o Rap do 175 que peguei na Central
E o pior de tudo é que nessa grande viagem
Nada nada disso do que aconteceu foi novidade
E as autoridades estão defecando
Ao que acontece ao cidadão brasileiro no seu cotidiano
Porque pra eles isso não é nada especial
No dos outros e refresco não faz mal
E fecham os olhos pro que até cego já viu
O revoltante retrato da vida urbana do Brasil
Eu não me refiro ao 175 ou qualquer linha da Central
Estou falando do dia a dia a qualquer hora, qualquer local
Porque esse Rap não é sobre nada especial...
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