sábado 26.8.2000 3:32 28-08-2000 Sábado eu desabo. Durmo até 12h30. Acordo bodeado, sem vontade de fazer coisa alguma. A apresentação de sexta foi uma porcaria. O povo até gostou, mas eu sei que poderia ter feito muito melhor. Meu chefe já me conhece o suficiente para saber que não estou rendendo o que poderia e me consegue mais dois dias. Quatro, se contar o fim de semana. Acabo de arrumar minhas coisas no flat novo e vou para a rua, câmera em punho, tentar fotografar os lugares pelos quais já andei e sobre os quais já escrevi. Desço toda a Rua das Amoreiras em direção ao Rato para comer na Real Fábrica, uma pastelaria bonitinha que há no largo, mas (surprise, surprise) ela está fechada. Aviso aos navegantes. Eu andei para diabo. O relato é o mais fiel possível portanto é bom ter fôlego se quiserem acompanhar. Sigo em frente pela Rua da Escola Politécnica, neste safári fotográfico que me leva a prestar mais atenção nos detalhes perdidos na correria da semana: os brasões nas paredes, os painéis azulejados, as caixas de correio (que são gira), os detalhes em cima dos postes de iluminação, a Imprensa Nacional, as placas de travessia de pedestre cujo desenho parece Fernando Pessoa, a entrada do Jardim Botânico, a fachada do Museu e Laboratório Zoológico e Antropológico, as calçadas a dar em lugar nenhum e as ruelas com o Tejo ao fundo. Vou nesta toada, parando a todo momento, até a Praça do Príncipe Real, contornando-a e descendo pela Calçada da Patriarcal até a Rua da Mãe d'Água. Subo-lhe as escadas e encontro uma das coisas que me fazem gostar de Lisboa cada vez mais: becos mínimos (Alto do Panalva) e o Arco do Evaristo. Ali parado, um carro, desses compactos europeus (hoje em dia ameaçados de extinção pelos jipes e pick-ups: the american way of life derrubando as últimas barreiras contrárias à mcdonaldslização do mundo putz, essa foi hard). Velho e novo, adaptação de um povo; a resistência à captulação inglória. São bravos. Desço de volta até as escadas que me levam à Rua da Mãe d'Água, por ali até a Praça da Alegria (sério!), onde fica o Jazz Hot Clube de Portugal, dobrando à esquerda pela Travessa do Salitre e daí abaixo até a Avenida da Liberdade. Atravesso a Avenida da Liberdade e chego à Rua de Santa Marta pela Rua Manuel de Jesus Coelho. Viro à direita e sigo por essa viela que passa por trás do prédio onde trabalho e que ainda não tivera tempo de apreciar. Amazing (com sotaque britânico, «británico» é a grafia aqui). Sobem delas travessas e calçadas que parecem levar a lugar algum. Uma delas é a Travessa Larga, do Garfo e Companhia. Sigo por ali e viro na Rua Cardeal de São José, que me põe em dúvida, já não sei mais em que século estou. Desço pela Rua da Caridade para mais um contraste lisboeta: a senhora da foto, pernas cabeludas à mostra, fala sozinha, lamentando algo enquanto sobe o rapazola de cavanhaque à lá Limp Bizkit. Desço de volta à Rua de Santa Marta que muda de nome para Rua de São José para registrar os azulejos. Poderia fazer um site só com eles. São uma instituição portuguesa. Há, é claro, um museu para eles, o Museu Nacional do Azulejo (no convento da Madre de Deus, Rua Madre de Deus, 4). A Igreja que aqui fica não descobri-lhe ainda o nome, mas tem uns entalhes com imagens que meus parcos conhecimentos do ideário cristão não me permitem compreender o que, óbvio, me deixa intrigado. A Rua de São José vai dar na Rua das Pretas, onde fica o Hongfa 2º, restaurante chinês (ah, vá...) que serve um Pato à Pequim quase perfeito. Mas vá munido de paciência: os atendentes mal falam português. E o pouco que falam é com o sotaque daqui Sigo pela Avenida da Liberdade até quebrar à esquerda no Largo da Anunciada, onde há o elevador da Lavra (que levar-me-á à Travessa do Forno do Torel quando eu aqui voltar). Dali pela direita na Rua de São José, que vira Rua das Portas de Santo Antão, até o Pátio do Tronco, através de uma passagem em forma de túnel que tem a seguinte inscrição em ladrilhos: A 16 de junho de 1552 foi preso às portas de Santo Antão por se envolver numa rixa Luis Vaz de Camões sendo trazido para a Cadeia Municipal do Tronco. No teto, a efígie de Camões. Os ladrilhos foram colocados em 1992. Para baixo, esquina com a Rua dos Condes, a cervejaria Odeon, que não parece mais funcionar. Ainda mais para baixo, fotografo o Teatro Politeama, e sigo pela Rua das Portas de Santo Antão até outra igreja sem nome. Volto pela Travessa de Santo Antão, atravessando a Praça dos restauradores até em frente à Estação Central do Rossio. Passo pela frente da estação pela Rua 1º de Dezembro e viro à direita na Calçada do Carmo, subindo as escadas até a Calçada do Doque, que subo até o Largo Trindade Coelho. Dali desço pela esquerda a Rua da Misericórdia até a Praça Luis de Camões, olhando a igreja Nossa Senhora da Encarnação de frente e esta de fronte à igreja Nossa Senhora do Loreto, as duas fazendo um portal para o Largo do Chiado. Ufa. Viro na Rua Paiva de Andrade para tomar um Häagen-Dazs, e para uma espiadela no Largo de São Carlos, onde fica o Teatro Nacional de São Carlos. Pego o metro na Baixa-Chiado até a Marquês de Pombal e vou pro flat, descarregar as mais de cem fotos que bati. Enough is enough. Tenho trabalho para a semana inteira |