Meu pager virou Tamagotchi

P.C. Barreto

Não há nada tão parecido com o bichinho japonês quanto certas estratégias publicitarias.

Desde que os camelôs começaram a vender uns reloginhos de bolso imitando pagers, parece que minha operadora resolveu se vingar sobre nós, pobres usuários.

Confesso que meu pager nunca foi muito útil. Atualmente, com um telefone comercial temporário e quase sempre tendo alguém em casa para pegar os recadinhos, praticamente não tenho recebido mensagens. Porém, numa visão a longo prazo, resolvi continuar a andar com o pager no bolso o tempo todo. Duas ou três vezes por mês alguém me manda uma mensagem, o que me faz crer que, em comparação com a mensalidade, o taxi não e’ assim tão caro para quem não tem medo de um téte à téte real de verdade que existe mesmo.

Acontece que ha’ muito tempo as mensalidades do pager não aumentam, e sem meios de melhorar muito seus serviços, o jeito e’ fazer como os donos de vans: se virar. Mais ou menos na época em que o Tamagotchi começou a se tornar noticia internacional, coisas começaram a acontecer.

O pager, de raro uso, começou a apitar quatro, cinco vezes por dia. Propaganda. De tudo: dez por cento a menos em restaurantes de comidas que não fazem meu gosto em bairros para onde eu nunca vou, CDs mais "baratos" nas lojas mais caras, programações culturais esdrúxulas, lançamentos de livros, assinatura de revista feminina (honi soit qui mal y pense...). Tudo com desconto, brinde, extra, grátis, qualquer coisa para acreditarmos que existe banquete grátis. E’ muito bip-bip-bip para a sua beleza? Ganhe 15 por cento num tratamento vip em nosso maravilhoso spa na verdejante região serrana.

Os anúncios são infalíveis. Ao contrário das mensagens pessoais, chegam em qualquer lugar da cidade, rapidamente, sem letras truncadas nem erros de ditado. Os anunciantes nunca devem se queixar, tal como meus amigos usuários da Internet, que a mensagem que me foi deixada na home page da operadora só chegou ao meu pager duas horas depois. Se chegou.

Ao contrário do e-mail, no pager não posso dar "ignore" automático para mensagens de certos remetentes. E, suprema vingança, a própria operadora anuncia todo santo dia a "promoção" (por tempo limitado?) de um modelo de pager mais moderno para humilhar este capiau que vos digita. Para que servira’ o pager mais moderno? Para acumular mais mensagens publicitarias, suponho.

E’ preciso ser implacável. Se a mensagem interessa e eu recebo, respondo-a logo. Se interessa e se perde pelo caminho, mando a operadora tomar jeito. Se não interessa e eu recebo, recebo, recebo e recebo, não ha’ acordo. E’ um conflito de interesses entre mim e a operadora.

Você pode argumentar que a televisão e’ pior, a programação e’ um extenso comercial vez ou outra interrompido por intervalos de notícia e entretenimento. Mas já pensou se a TV ficasse o dia todo, como certos computadores, hibernando em "economia de energia" e nas horas mais inesperadas ligasse sozinha para trombetear uma cartilagem de tubarão, um disque-loteria ou uma faca Ginsu?

Liguei para a operadora pedindo uma suspensão temporária dos serviços, com a desculpa de que passaria alguns meses no exterior, portanto, numa região fora da aérea de cobertura. Seria possível? "Nós não temos como suspender serviços; por acaso você não tem alguém aqui que possa ficar tomando conta do seu pager?"

Foi ai’ que comecei a deixar de considerar o conceito do Tamagotchi como mera piadinha japonesa. Ao menos quem usa o brinquedinho se submete voluntariamente a tomar conta de um aparelho de barulhinho infernal, e quem manda os apitos e’ a inocente inteligência artificial de um chip—e não poderosas inteligências superiores e refratárias a qualquer queixa.

[]s

P.C.Barreto

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