LOVE
Because
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All you need is “Love”
Ó, Senhores,
Perdoai-me.
Admito que, quando ouvi falar que vos aliaríeis a uma companhia mundialmente famosa de espetáculos, não cheguei a me entusiasmar. O Cirque du Soleil goza de excelente reputação, mas, convenhamos, não està à altura de vossa grandeza. Estariam meus mestres fazendo concessões? Eu sei, Senhores... Minha dúvida é grave. Em vossa infita grandeza, entretanto, haveis de compreender. Há pouco tempo lançastes o “1”, trabalho ímpar, mas que pouco acrescentou a vossos mais fiéis seguidores. Boatos circularam de que faríeis um “2”; meu coração gelava. Sim, já acusei vossos trabalhos de servirem à causa do mercado e pouco contribuírem para quem mergulha na música, buscando entendê-la.
Quando ouvi falar do espetáculo “Love”... tive medo de que se tratasse de um golpe publicitário, de uma aventura comercial, agora que dois de vós não estão mais aqui para controlar a sede dos mortais. Temi que o trabalho pouco acrescentasse a vosso legado, não tivesse relevância artística. Já sei, Senhores. Depois de tantos anos de dádivas incessantes, já deveria ter aprendido: deuses como vós não erram. Estou envergonhado, arrependido, humilhado.
Porém, devo ainda confessar que... reclamei... sim, reclamei quando soube da edição especial, com DVD-áudio. “Por que não fazem logo o DVD do espetáculo?”, pensei eu, em minha maldita ignorância. “Só para nos obrigar a gastar duas vezes”. Não sou digno de vosso perdão.
Confesso ainda – ó, Deuses, ajudai-me a lidar com a vergonha! – que não vi com bons olhos a notícia de que George Martin trabalhava com seu filho em colagens de canções. “Estão usando o nome de São Martin em vão”, pensei. “Isso é uma forma ridícula de adequar os Beatles a essa hipervalorização besta desses DJs que só ficam colando coisas para os ouvidos de quem nem sabe o que som estéreo.”. Mandai-me para o inferno.
Agora, finalmente em mãos com minha edição especial com o temido DVD-áudio, venho suplicar por vossa piedade. A princípio, vi como positivo apenas o incomum repertório, apesar de estranhar a ausência de canções dos primeiros LPs. “I wanna hold your hand”, aliás, parecia muito fora de contexto. Estaria ela ali só para agradar aos americanos? Quando os primeiros arquivos começaram a aparecer na internet, ainda fui a eles armado com meu preconceito. Foi preciso a muito mais do que magnífica versão orquestrada de “While my guitar gently weeps” soar para desamarrar meu coração e me recolocar no caminho da luz. A assinatura de São Martin aparece em cada nota do lindíssimo arranjo.
Motivado por esse momento de epifania, muni-me de meus headphones para ouvir todo o álbum, um dia à noite, e a beleza era tanta, e os sentimentos tão fortes, que em muitas momentos, naquele solitária madrugada após mais uma das intermináveis sessões de correção de provas, não soube definir se sonhava ou não.
Não se tratava de meras colagens. As lindas vozes de “Because” deram o tom. Temi que se tratasse da repetição do “Anthology”, mas o lindo fundo, com o cantar dos pássaros, deixou claro que algo mais havia li. As criações eram geniais, inusitadas. Logo reconheci a delicadeza, a dedicação, o prazer em trabalhar que só quem já foi tocado por vossa grandeza pode carregar. “Gnik nus”, sobre a qual eu já havia lido, sem grande interesse, mostrou-se a detentora de uma lindíssima melodia, e quem diria que a doce instrumentação indiana entraria ali. Vós me desarmastes completamente. Em uma seqüência perfeita, “Something” parecia ter nascido ali. “Drive my car”, enriquecida com “The word” e “What you’re doing”, foi o quebra-cabeça mais bem montado. E a nitidez! As guitarras de “Revolution” nunca foram tão belas. De faixa a faixa eu redescobri mais uma vez meu amor por vós, até a avassladora fala final. Desafiai quem tem um coração a se submeter a uma audição desse trabalho sem derramar lágrimas ao ouvir a despedida.
A experiência com o DVD-áudio, inclusive com os mp3 dos canais separados, foi não menos fascinante, e por muitos momentos me senti fora desse mundo. A incandescente embalagem, nas vivas cores do astro-rei, era o complemento perfeito ao projeto. Tudo fez sentido: o Cirque-du-soleil, as remixagens, as colagens, a edição especial. Obrigado por não incluirdes o espetáculo no DVD. Não queríamos imagens nos desviando desse inédita experiência auditiva.
Cada um de meus temores foi derrubado durante a audição. Principalmente, “Love” é o trabalho mais relevante para os aficcionados desde o “Anthology”, talvez desde “Let it be”, porque o material do “Anthology” já era em grande parte conhecido, e os detalhes presentes no novo álbum não têm precedentes. Ao contrário do que temia, o público mais interessado no CD são os colecionadores, os apaixonados, não o ouvinte casual que levou “1” ao topo das paradas mas nem sabe o que o “Álbum Branco”. “Love” é uma obra para quem entende de Beatles, entende de música, entende de gravação. Ele joga luz onde antes havia sombra, desvenda maravilhas onde antes havia vazio. Revela arranjos, instrumentos perdidos nas mixagens originais, detalhes curiosos.
Quase se poderia dizer que se trata na verdade de um trabalho de George Martin, que recebe assim a oportunidade de autenticar sua obra-prima como produtor, após décadas de assimilação, de digestão, de história. Esse novo olhar é compartilhado conosco: depois dessa experiência, ouvir Beatles será diferente. Toda essa delicada construção põe “Love” em uma condição de crescimento constante: a cada nova audição, a obra se revela e é percebida como melhor. Sabemos, no entanto, que fomos nós que melhoramos, por causa dela.
Para quem recebeu a notícia de seu nascimento com descaso e até arrogância, “Love” é uma lição. Ouvindo a linda letra de “All you need is love”, no final do CD, não se pode deixar de pensar nisso. Essa canção nos tira de nossa posição prepotente, mostrando que todos os feitos que temos como grandiosos nada mais são que uma manifestação de nossas potencialidades. Só podemos fazer porque podia ser feito; só podemos saber porque era sabido; só podemos mostrar porque está à vista; se estamos em um lugar, é porque temos que estar ali e ponto final. É simples.
É com agradecimento por essa linda lição de humildade, Senhores, que eu me apresento diante de vosso altar. Meu crime é grave, minha dúvida foi real. Mereço a punição. Vós me lembrastes com esse trabalho de que o fogo realmente é um artefato dos deuses e que aos mortais cabe apenas admirá-lo. Prometo no futuro lembrar-me de quem sois, e de quem sou. Se desejais, puni-me; não reclamarei. Lembrai-me de que sou eu que dedico anos, tempo, dinheiro, lágrimas, estudo, noites e dias a vós, por puro amor e deslumbramento por vossa obra, enquanto vós nem sabeis de minha existência. Mandai-me rever minhas guitarras Rickenbacker e minha coleção de CDs, apenas para que não me esqueça de quem é que manda aqui. Ri.
Se, porém, julgardes que meu delito é digno de perdão, que é fruto humano, de minha prepotência e ignorância, ou simplesmente efeito de um momento de fraqueza, nada façais. Continuai brilhando, apenas, permitindo que eu e outros como eu se banhem em vossa divina luz e, com um pouco de sorte, sejam veículo para que ela se manifeste com mais grandiosidade e ilumine ainda mais corações.
Amém.
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