Em maio/98 a imprensa noticiou, em grandes manchetes, a descoberta de medicamentos
eficazes no combate ao câncer de mama (ALLAIN, 1998), trazendo esperança às mulheres
acometidas pelo mal. Mas o que se sabe sobre as causas do câncer? Pouco se divulga à
população, mas há materiais de amplo emprego na agricultura e na pecuária que,
comprovadamente, induzem ao surgimento de tumores.
Os Perigos que Vêm do Campo
Dentre os materiais empregados na agricultura e na pecuária que induzem ao surgimento
de tumores e de outros problemas de saúde estão:
i) Nitratos (salitres) e nitritos:
os nitratos são extensivamente utilizados como fertilizantes, fornecendo nitrogênio ao
solo (BUDAVARI, 1989). Quando são aplicados em excesso, os nitratos podem se acumular em
determinados vegetais (cenouras, espinafre), sendo ingeridos pelos consumidores e, além
disso, permanecem no solo, como contaminantes. Quando chove, os nitratos se dissolvem e
são carregados com a água para as cidades. Os sistemas convencionais de tratamento de
água de abastecimento não são capazes de eliminar completamente os nitratos dissolvidos
(DAVIS e CORNWELL, 1991) e a população das cidades próximas a áreas de agricultura
intensiva estão sujeitas a ingerir diariamente grandes quantidades dessas substâncias,
que são tóxicas e comprovadamente geram materiais cancerígenos (LEDERER, 1990;
KOSTYUKOVSKII e MELAMED, 1988).
Como se não bastasse a contaminação acidental da água e dos alimentos, os nitratos
e nitritos são amplamente utilizados pela indústria alimentícia, estando presentes como
conservantes (códigos PVII e PVIII) em todos os prdutos derivados de carne, como
salsichas, presuntos, bacon, mortadelas etc. (BUDAVARI, 1989; DAVIDSON e BRANEN, 1996;
LEDERER, 1990). As indústrias argumentam que é necessário utilizar os nitratos e
nitritos como conservantes, porque tais substâncias são as mais eficientes no combate a
microorganismos patogênicos, como a bactéria Chlostridium botulinum, cujas
toxinas produzidas no alimento causam problemas graves à saúde dos consumidores. Por
outro lado, os nitritos produzem nas carnes curadas os atributos ideais para atrair o
consumidor, como sabor, cor, estabilidade frente à oxidação e resistência ao ataque
microbiano. Até o presente, nenhum outro conservante proporcionou afeitos comerciais tão
interessantes (DAVIDSON e BRUNEN, 1996). Por isso, as pessoas continuam a ingerir
materiais carcinogênicos sempre que se alimentam de produtos industrializados derivados
de carne.
ii) Pesticidas: Dentre os diversos materiais utilizados para proteger as plantações e
os produtos agrícolas do ataque de pragas, a maioria é comprovadamente tóxica para as
pessoas. A presença de resíduos de tais substâncias, ou de seus derivados, em alimentos
ou na água, tem sido apontada como uma provável causa do aumento dos índices de câncer
e de outras doenças graves junto à população (BAIRD, 1995; LEDERER, 1990).
São comprovadamente cancerígenos os inseticidas organoclorados DDT (e o seu derivado
DDE), toxafeno, aldrin, dieldrin, endrin, heptaclor, clordano, endossulfano, mirex
(declorano) (BAIRD, 1995; LEDERER, 1990).
Os inseticidas organofosforados diclorvos, paration, fenitrotion, diazinon, malathion,
dimetoato (cygon) representam um grande risco para a saúde dos agricultores e dos
consumidores, podendo ser fatais quando absorvidos por inalação ou via oral, ou atavés
da pele, durante a sua aplicação (BAIRD, 1995). O aldicarb, um pesticida do tipo
carbamato, é extremamente tóxico para o homem. Também representam sérios riscos à
saúde humana os carbamatos carbofurano e carbaril (BAIRD, 1995).
Estudos realizados pela Organização Mundial da Saúde demonstraram que o uso
intensivo de inseticidas organofosforados e carbamatos têm ocasionado a morte de centenas
de milhares de pessoas (inclusive por suicídio!!!) (BAIRD, 1995). Dentre os herbicidas, o
2,4-D tem sido associado ao aumento dos índices de câncer do tipo linfoma de
não-Hodgkin entre os agricultores que o aplicam (BAIRD, 1995).
As dioxinas são substâncias extremamente tóxicas e cancerígenas que ocorrem, como
contaminantes, nos pesticidas "agente laranja" (uma mistura de 2,4-D e de
2,4,5-T) e no PCP (pentaclorofenol). O PCP é amplamente utilizado como herbicida,
inseticida, moluscicida e fungicida (na preservação da madeira e no tratamento de
sementes), sendo considerado como uma das maiores fontes de dioxinas no ambiente (BAIRD,
1995).
iii) Um problema grave, pouco comentado, se refere à contaminação das águas de
abastecimento com materiais orgânicos provenientes de esgotos domésticos, industriais ou
de granjas de criação de animais (porcos e frangos). Nas estações de tratamento, a
água é submetida à cloração, visando a eliminação dos microorganismos patogênicos.
O cloro é um gás muito reativo, que mata a maioria dos germes presentes na água. O
grande perigo é que, havendo materiais orgânicos em suspensão na água, estes sofrem
reação com o cloro, gerando substâncias organocloradas que são cancerígenas e
extremamente danosas à saúde humana. Tais substâncias não são retiradas da água de
abastecimento que passa pelos processos convencionais de tratamento sendo, então,
consumidas pela população (BAIRD, 1995; BOTKIN e KELLER, 1995; DAVIDSON e BRANEN, 1996;
JOLLEY, 1975; SACCHETTI, 1997).
iv) Cádmo: O cádmo é um elemento tóxico, carcinogênico, que causa sérios danos
aos rins e aos pulmões. No japão, estudos apontaram que o cádmo é o responsável pelo
surgimento do "itai-itai", uma doença óssea grave que acomete as pessoas que
consomem água ou alimentos contaminados com aquele elemento (BAIRD, 1995; SACCHETTI,
1997).
O grande problema é que o cádmo é muito utilizado em produtos industrializados, como
em corantes em geral (para plásticos, detergentes e tintas), com componentes eletrônicos
(tv's, baterias de Ni/Cd são dispostas indevidamente, ocorre contaminação do ambiente
com este metal perigoso (BAIRD, 1995; SACCHETTI, 1997).
O cádmo também é encontrado, como contaminante, em fosfatos utilizados como
fertilizantes na agricultura. Por isso, é possível encontrar este elemento em vegetais,
animais e cursos d'água onde a agricultura industrial é intensiva (SACCHETTI, 1997). Há
suspeitas de que a difusão do cádmo no ambiente esteja diretamente relacionada ao
aumento dos índices de câncer de próstata (SACCHETTI, 1997).
v) Antibióticos, hormônios, anabolizantes: Uma particularidade da pecuária
industrial é o tratamento dos animais com uma grande variedade de produtos químicos.
Os antibióticos evitam as doenças que se espalhariam facilmente em locais
superlotados e, além disso, também são utilizados para aumentar o ganho de peso, já
que livram os animais de microorganismos que ocorrem naturalmente em seu corpo. O grande
problema é que o consumo contínuo de antibióticos ocasiona o fenômeno da resistência
entre os agentes patogênicos, surgindo indivíduos resistentes aos antibióticos que, à
medida em que se reproduzem, geram mais e mais descendentes resistentes (KOROLKOVAS e
BURCKHALTER, 1976).
Acredita-se que o consumo de antibióticos presentes como contaminantes no leite e na
carne esteja relacionado à ineficiência de diversos agentes antimicrobianios utilizados
em terapêutica. Por exemplo, está cada vez mais difícil curar pneumonias causadas por Staphylococcus
aureus, uma bactéria que em outros tempos era facilmente eliminada (MORICONI, 1997;
SACCHETTI, 1997).
A aplicação de anabolizantes e de hormônios muda o metabolismo dos animais, fazendo
com que os alimentos e a água sejam absorvidos com maior aproveitamento, aumentando o
rendimento de carne e diminuindo o de gorduras (MORICONI, 1997; SACCHETTI, 1997).
Por outro lado, as pessoas que consomem carne ou leite de animais tratados com
hormônios e anabolizantes absorvem tais substâncias, que são cancerígenas e interferem
no desenvolvimento corporal das pessoas jovens (KOROLKOVAS e BURCKHALTER, 1976; MORICONI,
1997; SACCHETTI, 1997).
Com certeza, depois de ler o texto acima, você deve estar se perguntando como está a
situação do Brasil com relação a tais problemas. Apesar da gravidade do assunto,
poucos estudos científicos são divulgados em nosso país, tratando da detecção de
contaminates na água e nos alimentos. Há relatos recentes sobre a presença de cádmo no
Recôncavo Baiano (TAVARES et al., 1998) e em um rio de Goiânia (NEVES et al.,
1998); de pesticidas do tipo carbamato em água (PARREIRA, 1998); de organofosforados em
tomate (KAIPPER et al., 1998) e de casos de intoxicação por agrotóxicos
(MONTEIRO, 1998).
Há leis brasileiras proibindo o uso de hormônios e de anabolizantes em pecuária
(PORTARIA NÚMERO 51, de 24/05/91, Ministério da Agricultura) e, também, exigindo o
controle químico de amostras de carne e de leite quanto à presença de tais
substâncias. Entretanto, os métodos de análise envolvem custos elevados e são de
difícil aplicação, devido ao grande número de amostras que é necessário para que se
obtenha um controle ideal.
Sugestões
No Brasil, a agricultura industrial tem causado grandes danos ao meio-ambiente e à
saúde das pessoas: a erosão de grandes áreas e o conseqüente assoreamento e morte dos
rios; a coantaminação de águas e alimentos com nitratos, pesticidas e outras
substâncias tóxicas; a desertificação de grandes áreas devido a práticas incorretas
de uso do solo e das águas, etc. Como mudar esta realidade? A peça-chave da mudança é
o consumidor. Afinal, tudo o que é produzido deve ter um mercado. Se o consumidor mudar a
sua postura, o sistema de produção terá que mudar também.
Há produtores que empregam técnicas alternativas de controle de pragas e de doenças,
e que tratam o solo de maneira correta, com controle de erosão, adubação orgânica etc.
Procure se informar e peça ao seu supermercado que forneça produtos sadios. Também
procure consumir a carne de animais criados de maneira sadia, sem hormônios e
anabolizantes ou rações industrializadas contendo antibióticos e outras substâncias
nocivas à saúde humana.
É possível produzir alimentos de maneira economicamente viável e, ao mesmo tempo,
sem danos ao meio-ambiente? As pesquisas demonstraram que a agricultura industrial, além
de danosa ao meio-ambiente, apresenta grande diminuição da produtividade ao longo do
tempo. Os produtores que optarem por técnicas orgânicas e sadias de produção terão,
além de um mercado consumidor crescente, a garantia de saúde para si e os seus e,
também, a manutenção da produtividade.
Toda a propaganda que se faz contra as práticas de agricultura e de pecuária
não-agressivas é financiada, certamente, pelas indústrias químicas, que têm
necessidade de manter seus milionários mercados de fertilizantes, pesticidas, hormônios,
anabolizantes..... e de medicamentos anticâncer!
Referências
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Sonia Corina Hess
Departamento de Morfofisiologia, DMF/CCBS
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
C.P. 549, 79070-900- Campo Grande, MS