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A Igreja Católica

A Igreja está muitas vezes em contradição com seus ensinamentos. Exige das almas que se purifiquem e melhorem, que abandonem seus erros e ao mesmo tempo declara ter o privilégio da onisciência e da onipotência. Não admite que seus conhecimentos de outrora já não possam bastar hoje; acredita que o mundo parou debaixo das naves das catedrais góticas. Em realidade, não há como pedir ao homem instruído e céptico de vosso século o que se podia exigir daqueles que se aterrorizavam com os castigos eternos. Os tempos fizeram sua obra: amontoaram as ruínas. As almas se renovaram; só a Igreja se obstinou em escorar o seu velho edifício, em reconstruir continuamente a temível fortaleza. Foi assim pouco a pouco separando-se na satisfação do poder e do orgulho, esqueceu a história das civilizações.
As exigências da evolução que as almas experimentam são tão fortes, que renovam a fé e a ciência. As antigas crenças são esquecidas por outras e a Igreja, por sua vez, deveria subir para a luz. Deveria ser o caminho natural das almas que se dirigem para Deus e oferecer-lhes todos os recursos reclamados por inteligências enamoradas de beleza, de grandeza, de verdade mais perfeita.
Ela impõe ao homem adulto os mesmos preceitos que à criança. Suas explicações, seus mandamentos são os mesmos para todos. Leva por toda a parte o desejo de unidade e a vontade de fixar as almas na comtemplação de seus dogmas.
A preocupação constante de sua vida e de sua existência deveria fazer-lhe compreender que fora hábil e forte abandonar, no momento preciso, os processos que haviam bastado para governar o mundo antigamente. Não se atrai o homem usando das mesmas palavras com que se seduz a criança, e o que dava bom resultado, em relação aos povos dos séculos idos, é hoje insuficiente. Hábeis espíritos o perceberam e tentaram emprestar um sentido místico e espiritual aos dogmas, apresentá-los como símbolos de algum grande pensamento. Mas, a Igreja, como instituição, não é acessível à reflexão sublime. As mediocridades se apossaram do poder e o que se viu foi a dura repressão daqueles ensaios inúteis, porquanto, se tal reforma se realizasse no tocante à fé, teria que se operar também com relação à conduta a seguir. Era preciso ter a coragem de simbolizar tudo, de mostrar que a Igreja conduzira os povos e os reis, porque uns e outros estavam ainda na infância; era preciso reprovar os erros, castigar o passado e renegar altamente tudo o que não estivesse de acordo com as novas vistas. Teria sido político. A Igreja, efetivamente, não mais representa hoje uma religião, no sentido próprio do têrmo: não procura unir as almas e sim governar os corpos, por todos os meios. Porém, para governar os corpos, precisava tornar-se senhora das almas e fora acertado atraí-las pelo emprego de alguns gestos hábeis, pela glorificação de algumas almas veneradas por todos.
Nestes tempos perturbados, em que ela parece sustentar o supremo combate, quer ter um poderoso auxiliar na pessoa de Joana (D'Arc). Seria necessário acusar explicitamente de impostura os juízes e apontá-los como agentes de uma autoridade não reconhecida. A Igreja tão desazadamente repeliu de seu seio tantos grandes homens, que facilmente pudera ter feito algumas vítimas a mais e assim encontraria a ocasião melhor indicada de colocar entre seus santos algumas de suas outras vítimas, sobre as quais se estende a piedade das próprias almas crentes. Como instituição, podia fazê-lo. Durante longo tempo, defendeu os juízes de Joana e agora procura justificar a antiga herética, mas muitos crentes inquirem onde está então o culpado da triste tragédia de Ruão.
Hoje, sabemos perfeitamente que Joana é uma santa, o povo a colocou entre as protetoras da pátria (França), mas a Igreja pretendeu, esgueirando-se por trás do seu pedestal, substituir-se à virgem, dando-lhe um lugar entre suas eleitas. Ninguém pode negá-lo: Joana é mais amada do que a Igreja e esta, que a condenou, não logrará desfigurá-la. Nós, porém, não podemos aceitar semelhante beatificação, que é uma manobra da Igreja, porquanto é mais um dos muitos atos que a celebrizaram justamente: uma semicovardia, originada de um cálculo, em que o interesse se mascara com desejo da verdade.

Jerônimo de Praga
Julho de 1909, pela escrita mediúnica.
Extraído do livro "Joana D'Arc"
de Léon Denis.
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