Fóruns de Discussão
Assunto: Reserva de vagas para
alunos de escolas públicas
Texto 1
Profa. Angela Carneiro
Admito: adoro dar
aula. Como é que alguém pode gostar da única profissão
do mundo cujo verbo é dar? Nem mesmo emprestar
aulas. Dar, na batata. Depois reclamam do salário,ora!
Gosto tanto que me formei em pedagogia, fiz mestrado
e comecei um doutorado na área, tudo isso para
exercer bem a minha profissão. E esse gostar me faz
estar na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
há 20 anos. Mas isso não vem ao caso.
O que vem ao caso é
o fato de o Senado ter aprovado a reserva de 50% das
vagas nas universidades públicas para alunos
oriundos de escolas públicas. A justificativa do
Chapeleiro Maluco é que, dessa forma, os estudantes
de escolas públicas terão as mesmas chances dos
alunos de escolas particulares, pois estes, como
sabem mais, abocanham, as vagas das universidades públicas,
certamente por serem melhores, ou por não exigirem
pagamento mensal , só anual, no Imposto de Renda de
todos os contribuintes. Mas isso não vem ao caso.
O que vem ao caso é
que há uma orientação do Governo para que as
escolas públicas não reprovem seus alunos. A lógica
do Mundo dos Espelhos reza que alunos reprovados
incorporam o sentimento de fracasso aumentando a evasão
escolar. E mais: com o natural amadurecimento vão
pegando no tranco. Uma professora de um colégio público
de Segundo Grau conta que recebeu um aluno
transferido que seguia o texto com uma régua,
mexendo os lábios. Tirou meio. Mas o boletim da
antiga escola trazia dez no primeiro bimestre e oito
no segundo. Ele explicou: "Não sei nada. No
primeiro bimestre, houve uma festa no colégio. A
professora disse que daria um ponto para cada prenda
que trouxéssemos. Levei dez prendas. No segundo
bimestre, houve um trabalho em grupo. O grupo era bom."
Mesmo tirando meio no terceiro bimestre e dois no
quarto, ele cumpriu o somatório de pontos necessários
para passar de ano. Está no segundo ano do Segundo
Grau balbuciando letras. Mas isso não vem ao caso!
O que vem ao caso é
que multas Pessoas que não podem pagar
juntamtrocados e colocam seus filhos nasparticulares,
como relatou o pedreiro: "Meus filhos iam pra
escola, aí a professora faltava. Qualquer coisa a
professora faltava. Não iam aprender nada, né?"
Mas isso também não vem ao caso!
O que vem ao caso é
que o Senado aprovou o destino de 50% das vagas das
universidades públicas aos alunos oriundos de
escolas públicas. Suponhamos que isso seja aprovado
e, além do visível declínio de formação que já
há nos ingressos, recebamos a metade pela janela. Ou
teremos dois vestibulares e mais gastos? Ou
participarão do mesmo vestibular e andarão com um
crachá no peito como os judeus na Alemanha nazista?
Teremos de pensar como distinguir um grupo do outro.
Filas separadas, como idosos e gestantes nos bancos;
dias separados de inscrição! Ah, mas isso não vem
ao caso.
O que vem ao caso é
como tratar o grupo da janela, os carentes, os EP na
universidade. Se o senador está certo, tais alunos
sabem menos. Se já é complicado lidar com as
individualidades, imagine com a metade da turma em
real ou esperada defasagem. Haverá dois currículos?
Dois critérios de aprovação? Dois profissionais
diferentes? Mas isso não vem ao caso!
O que vem realmente
ao caso é que assim não precisarão resolver as
mazelas do ensino público de Primeiro e Segundo
Graus! A reforma do ensino médio resolve tudo! Se
isso causará problema no Terceiro Grau? Claro! Mas não
é problema nosso. Não são autarquias? Não querem
liberdade, independência? Pois as universidades que
se virem. Bem, daí, quando isso ocorrer, melhorando
o País das Maravilhas, proponho que sejam cem por
cento das vagas. Viro a Rainha de Copas e, em vez de
dar aulas, ensinar, avaliar o aluno, saio logo
gritando: "cortem lhes a cabeça! "
Angela Carneiro é
professora adjunta da FAU/UFRJ e escritora