O cavalgar é igual
um escalar de montanha
cavalo em movimento
de suor todo se banha
as patas batem nas pedras
tiram fogo e se arranham
arrancam do cavaleiro
a alma a estatura
cavalga como voasse
de sentimento mais solto
de mais não sentir o peso
da vida da ferradura
por onde passa o galope
não sobra bicho sem susto
nem morte nem passarinho
nem sombra fria nem vulto
cavalo se ultrapassa
passa por cima das nuvens
salta por cima dos vales
cruza o limite dos muros
de vento mais a galope
o rio o ramo e o raio
que o cavaleiro tal qual
faz do brilho armadura
que o cavaleiro rival
com o animal se mistura
mas cavalgar tem seu preço
tanto de risco ou de custo
quanto mais fora do verso
fora do eixo do mundo
quanto maior o avesso
tanto mais perto o percurso
mais cavalgar é por isso
maior perigo e ventura
maior acontecimento
é cavalgar sem cavalo
sem pressa precisamente
vazia cavalgadura
Minas
não há só vilas em
Minas
há outros códigos e cânones
outros nomes e signos
outros signatários e insídias
outros assombros
há outros hábitos e sinos
outros sítios e álibis
outros sons
outras situações
outras insônias
e insolvências
outros labirintos
outros latrocínios
outros latidos
outros latifúndios de ódio
outras latitudes de ócio
outras edificações
há muitos negócios em Minas
muitas negociatas às escondidas
muitas negociações falidas
muitos juros perjúrios e
prejuízos
muita perversidade de mãos limpas
há outros muros e mitos
outros arrimos de família
outros mimos e violações
outras vidas assimétricas
outras miras mídias e admirações
há muitas grutas e gritos
muitos apelos e apitos
muitos apelidos esquisitos
muitas urnas ao ar livre
muito apanágio e pouco espírito
muitos cemitérios abandonados
muito minério e pouco imposto
muita imposição por quase
nada
muito sorriso para pouco rosto
muita fechadura enferrujada
muita pintura na fachada
muita descrição
e pouco desfecho
há outros mistérios em Minas
outras rixas e rimas
muito viés
outras evidências e vilões
Minas são várias avarias
várias conveniências
vários destinos e dinastias
várias desinências
vários donatários
várias conotações
muita pedra sob os pés
no meio do descaminho
muitos tropeços
muitas conjugações de interesse
muitos vales e vozes
muitas rezas veladas
muito comício no velório
muitas veleidades e arrelias
muitas cruzes e encruzilhadas
muitas emboscadas
muitas vinganças e vertigens
muitas vigas danificadas
muitas senhoras contidas
muitos senhores obesos
muitos senhores contritos
muitas senhoras com sede
muitos pendores cívicos
muitos pensadores míopes
muitas penhoras perdidas
muitas pendengas a esmo
muitos rumores crônicos
muitos penhascos e aterros
muito leite e pouco dinheiro
muito enfeite e pouco cesto
muitos doutores fora da lei
muita elegância pelo avesso
muita eloquência fora de hora
poucas metas e muitos pleonasmos
muita política e pouco acerto
pouca boiada e muito esterco
minas é isto sem exagero
pouco fogo e muito acero
muito porco e pouco peso
muito toucinho e pouco torresmo
muito riso e pouco ciso
muito cinismo sob a cinza
muitas vias de excesso
muita ordem e pouco progresso
muita liberdade tardia
muitas inaugurações às
pressas
muita história pouco processo
muito excesso na liturgia
poucos heróis muita profecia
pouco latim muita latomia
muitos eleitores poucos leitores
muitas letras poucas escriturações
muitas garagens poucas bibliotecas
muitas travessias e traições
muitas estradas e extradições
muitas estrelas e poucas constelações
muito boato pouca comunicação
muitos feitores e poucas benfeitorias
muita disputa pelo voto
muita apatia pelo povo
muita escuta e pouca fala
pouca empatia com o novo
muita empáfia quando diz
quando a platéia pede bis
muitas frases e sentidos
muita metáfora vazia
muita musculatura
muita academia
muitas reviravoltas
poucas revoluções
Minas são várias aporias
várias verdades e veredas
novos programas e versões
velhas velhacarias
muito texto
pouca contestação
muitas teses pouca consideração
muita festa pouca alegoria
muito governo pouca administração
muito circo e pouco pão
pouco afeto
muita afetação
minas é isto
sim e não
muita inveja pouca invenção
muita injúria muito mais injunção
Minas é mais ou menos
conforme a indecisão
Minas é mais ou menos
conforme seja o leilão
Minas é mais ou menos
conforme seja a lesão
Minas é mais ou menos
conforme a urgência
Minas é mais ou menos
conforme a ingerência
Minas é mais ou menos
conforme a gestação
é mais ou menos Minas
conforme a geração
conforme a geração de desemprego
conforme o desespero
conforme o desamparo
conforme o desagravo
Minas é isto
são e não são
Minas é isto
são só carvão
Minas é isto
são o que são
muita corte
pouca cortesia
muitos poeta
pouca poesia
poucos partidos
muitas igrejinhas
muita timidez
muita intimidação
muitos pretextos
muita pretensão
muitos revezes
a revisão necessária
muitos revertérios
o reverso da medalha
minas às vezes
a si mesma se retalha
minas às vezes
a si mesma se enxovalha
às vezes Minas se esconde
sob a mancha da toalha
Minas em si mesma é única
sobre vários prismas e entalhes
Minas é isto
em outras entonações
são muitos pontos de vista
são muitas interrogações
poucas glórias
muitas condecorações
muita oratória
pouca confraternização
muitos oratórios
pouca devoção
poucas notícias
muitas redações
muita gramática
muita cautela
muita análise sintática
muita seda sintética
muita retórica
pouca realização
muita paisagem degredada
pouca síntese na janela
Minas não é isto nem aquilo
nem por isto é mais tranquila
Minas é isto e aquilo
é muito mais em sigilo
Minas é antes da lapela
antes flor fosse mais bela
Minas é antes da legenda
lírica por omissão
muita fazenda
e pouca renda
Minas é antes da emenda
é minas por compulsão
Minas é antes da moenda
do engenho da compaixão
muita indiferença
muita indefinição
muitas referências
muitas malquerências
muita delicadeza no trato
muita frieza nas mãos
muita sutileza no contrato
muita rigidez na execução
antes de Minas a lei
antes de Minas o Rei
Minas
a jazida
o jazigo
o jargão
o jeito mineiro
de remediar o perigo
de reverenciar o umbigo
de referver a panela
de remexer a ferida
de remover o inimigo
de ir tocando a vida
de janeiro a janeiro
de maneira indefinida
Minas
a draga
a droga
o dragão
o drama em família
a adoração pública
a encenação
o jeito mineiro
de contornar a cidade
de contornar as dívidas
de confabular às escuras
de janeiro a janeiro
de contabilizar a usura
de elogiar a si mesmo
de mineiro para mineiro
ser mineiro nem sempre é chic
caberá Mins em um chip
Minas e seus escravos
Minas e suas excumunhões
Minas e seus alinhavos
Minas e suas aliciações
Minas e suas alianças
Minas e suas alienações
Minas e suas anuências
Minas e suas aliterações
Minas e suas bandas
Minas e suas bandalheiras
Minas e suas bandeiras
Minas e seus bandolins
Minas além das Gerais
Minas aquém de si mesma
aqui jaz minas
nos limites dos quintais
aqui jaz Minas
e suas minerações
aqui jaz minas
e suas indicações
aqui jaz Minas
e suas indiciações
aqui jaz Minas
e suas nomeações
aqui jaz minas
e suas deleções
aqui jaz Minas
e suas dicções
aqui jaz Minas
e suas lamentações
aqui jaz Minas
e suas procurações
aqui jaz Minas
e suas contradições
minas e suas procuras
minas e suas provocações
minas e suas figuras
e suas configurações
Minas e suas promessas
Minas e suas provações
Minas e suas escrituras
Minas e suas escriturações
Minas e seus escritórios
Minas e suas reconciliações
Minas é onde está
Estado de pura decantação
Minas é onde nunca esteve
nem aqui nem lá - em desterro
Minas mesmo é o outro lado
foge ao alcance das mãos
Minas mesmo o outro ladra
foge das mãos do ladrão
a palavra atrás da porta
a palmeira a palmatória
a palavra noite morta
a nota nada promissória
a palavra em código morse
vaga pela praça à fora
tudo a peso de ouro
a pedra o ferro os florões
tudo a peso de outros
a torre o bispo os peões
o barco sob a névoa
suas degenerações
Minas são vastas serranias
e devastações
arraiais
imensidões vazias
dessertões
há vilas vagas
burgos insonsos
freguesias
cidades
sobrados soberbos
soturnos subúrbios
e porões
há morros e montes
há sempre um belo horizonte
há marcos e arco-íris
severas demarcações
há pouca água nos rios
muita mágoa sob a ponte
sirenes e cincerros
serras e cercanias
se não há mar não
há
também porque deveria
há mais do que se vê
há mais do que se via
há mais do que se lê
bem mais do que se ouvia
não há só vilas em
Minas
há víboras à revelia
não há só vilas em
Minas
há capital e capitanias
se há vilas há vilas
há muito mais à vista
se há vilas há vícios
há muito mais valia
se há vilas há vínculos
há muito mais compadrio
se há vilas há vaias
por nadas se aviltaria
se há Minas há muitas
muitas diversas marias
valeria mais amar
amargas minas
valeria mais o mar
amáveis minas
valeria mais o marco
de antes das sesmarias
Minas e suas amarras
Minas e suas armadilhas
Minas e suas armas
Minas e suas auras
Minas e suas arenas
Minas e suas armações
Minas a margem
ou mais interior
pouco decoro
muita decoração
muito choro
pouco devotamento
muito dilúvio político
pouco ouro de aluvião
se não há mar não
há
também que mar seria
se não há mar melhor
mudar o seu movimento
mudar de Minas o norte
o rumo mesmo do vento
mudar de Minas o marketing
o prumo do monumento
mudar de Minas o verbo
independente do tempo
mudar de Minas o verso
indiferente ao aviso
mudar de Minas o acesso
independente da via
independente do mote
do uivo de suas matilhas
independente das mortes
que rondam por suas vilas
independente das vagas
independente dos links
independente do porte
da pose da hierarquia
independente de mim
independente de Minas
seja qual for o suporte
o mar que a noite vigia
seja qual for a paisagem
da virtual geografia
seja qual for o poeta
seja qual for o requinte
seja qual for o libelo
seja qual for o calibre
seja qual for a patente
seja qual for o limite
seja qual for a suspeita
seja qual for o palpite
seja qual for o profeta
seja qual for a magia
seja qual for o projétil
seja qual a transversia
nadar de Minas a Minas
independente das ilhas
nadar de Minas a Minas
independente das trilhas
nadar de Minas a Minas
independente do mar
nadar do mar o rumor
amar de Minas toda a poesia
de mar a mário
o poeta ri
destranca o rio do signo
se opõe ao ritmo
excumunga a rima
desanca o dicionário
de mário a margem
a pedra o descaminho
a extrema função do verbo
a extrema-unção do ofício
a extrema fruição
da língua
o fim da linha da página
a distopia
o estupim da fala
a carnificina literária
a desordem tupiniquim
o progresso
a estiagem
a cartilagem do excesso
após cinco séculos de gramática
de ginástica burocrática
da prática séptica
da oficina
o livro em branco
o livro de ponto
o ponto de safena
ao contrário do rio
não se derrama em cenas
o poemário prolclama
protesta
exclama
diante da bandeira em chamas
do calendário extático dos
trópicos
do relicário estético
do que resta da floresta órfica
do patético mobiliário da
sala
o anti-poético manifesto
no meio da festa
o que da penumbra do armário
salta no vazio
se instala
há um poema em cada gota de sangue
há um poeta em cada gota de saliva
nenhuma poesia em cada verso da gala