Ivan Furmann, nascido em 1981, é, ao que tudo indica, uma das grandes promessas literárias de nosso país. Em entrevista concedida à Poetas Brasil, ele nos conta um pouco de sua experiência como poeta.
Algumas vezes os poemas não são feitos de palavras,
talvez os
concretistas foram os poetas que clamaram para si esta causa, mas
como sou só um poeta de palavras não sei explicar. As minhas
poesias geralmente são feitas de sentimentos de um dado momento,
muitas vezes tenho medo de modificar uma poesia escrita anteriormente.
Números não exprimem muitas coisas, as poesias
podem ser gigantes ou minúsculas, hai-kais ou epopéias
o que importa é o sentimento que transmitem. Todavia o meu estilo
geralmente é de poesias de 30 há 15 versos. Acredito que
pelo próprio leitor brasileiro o poeta se influencia e condiciona
a escrever algo mais compatível com o público.
Escrever poesias muito longas para um leitor desacostumado é
perda de tempo e muito curtas para um leitor que não gosta de refletir
também. Todavia não critico o leitor brasileiro, mas todo
o momento histórico e social que o Brasil vive.
Você acredita possuir influências bem determinadas
em sua obra ou crê que é um mosaico pouco definível?
O poema "O meu primeiro poema" foi uma tentativa de parafrasear
MANUEL BANDEIRA com o seu poema "O meu último poema". Bem desde
o primeiro poema fui fortemente influenciado por diversos autores. Adoro
principalmente Carlos Drummond de Andrade, Mario Quintana e Manuel Bandeira.
Ultimamente Fernando Pessoa foi uma descoberta maravilhosa em termos
de poesia. Como ainda tenho 18 anos espero pelos próximos muitos
da minha vida admirar cada vez mais novos autores. Mas preciso confessar,
o meu ídolo (aquele que eu iria ficar muito feliz em conhecer) é
Luis Fernando Veríssimo.
As influências de uma forma ou outra são importantes
mas gosto de
tentar ser original, o que dificilmente consigo... criar para os
homens é descontruir e reconstruir, não aprendi a ser Deus...
Quando começou o seu interesse pela poesia? Quando você começou a escrever?
Nasci em Curitiba e fui morar em Foz do Iguaçu com 6 anos
de idade.
Voltei para Curitiba somente com 16 anos. Foi em Foz do Iguaçu
que comecei a escrever... acho que a primeira experiência com poesia
foi com 14 anos em uma oficina de poesia que participei na escola. O primeiro
poema que o ministrante da oficina mostrou foi um hai-kai interessante
de poeta japonês (não recordo o nome). Este poeta ao avistar
o monte Matsushima escreveu:
Matsushima, Ohhh!!!/Ohhh, Matsushima/ Matsushima, Ohhhh
O ministrante terminou a aula pedindo para cada aluno trazer uma
embalagem de produto vazia para a próxima aula. Alguém por
infelicidade, ou não, trouxe um vidro de maionese vazia. O ministrante
falou para tentarmos criar alguma poesia
pensando naquelas embalagens. Fiz esta: /Acabou a Hellman's, Ahhh/
Ahhhh, acabou a Hellman's/ Acabou a Hellman's, Ahhh./ Depois desta
experiência transcendental descobri todo meu potencial de poeta.
Curitiba é uma cidade boa para escritores? Qual
influência que você recebe da cidade?
Dalton Trevisan não sai de casa. Paulo Leminski morreu cedo.
Helena
Kolody só teve coragem de mostrar seu talento depois dos
80. Cristhovam Tessa dá aula na universidade federal (o que mais
sofre de todos)... bem, acredito que Curitiba não seja um local
pacifíco para escritores. Talvez seja porque há um mito de
que Curitiba seja a cidade mais certinha do país, ou porque os curitibanos
sejam geralmente pouco extrovertidos. O importante é que o
conflito aqui é oculto. O artista adora tentar enxergar
além do
evidente.
Poucos sabem que Curitiba tem favelas, todos sabem que Curitiba
tem
estações tubo de ônibus. Meu professor de Filosofia
usou uma frase perfeita para definir Curitiba: "Existem 8 positivistas
no Brasil; 12 deles estão em Curitiba."
Como trabalhar e veicular as poesias? A publicação em livro é o último destino da poesia ?
Talvez um dos grandes tabus da minha vida seja retrabalhar poesias.
Não consigo mudar nada em uma poesia depois que a escrevi. O resultado
na grande maioria das vezes é engavetamento. De modo geral quando
a auto-crítica consegue ser menor que a vontade de mostrar o trabalho
surge a divulgação.
Mostro ao amigos de faculdade. Divulgo em listas de discussões
da
internet e em páginas como esta. Algumas vezes entro em
concursos. Mas quando vejo alguns poetas vendendo poesias em sinaleiros
fico imaginando o que seria de mim se tivesse que viver somente de poesia.
O artista, na atualidade,
ou é fabricado por uma indústria cultural vinculante
(lembrando Adorno) ou fica subjulgado a uma situação constrangedora
de trabalhar com arte por
hobby. O exemplo que tenho em casa é desestimulante, tenho
um pai que pinta quadros de forma maravilhosa, um avô que também
pinta quadros e um primo na mesma situação. Todos são
funcionários públicos.
A indústria editorial também manipula a fabricação
de livros. Hoje para se publicar um livro o autor desconhecido tem que
pagar. Portanto na atual conjuntura o destino da poesia é o leitor,
pois não interessa os meios mas os fins. (Maquiavel) O destino da
poesia é a alma do leitor.
O que você diria a um poeta que está começando a escrever?
Esqueça tudo o que te dizem sobre escrever. Aquela velha máxima de que escritor lê até bula de remédio é uma grande balela. Escreva sem se preocupar se você é melhor que outro ou se leu mais ou menos as mesmas coisas que outro artista. Cartola escreveu alguns dos sambas mais lindos do Brasil e era semi-analfabeto. Poeta não é uma pessoa erudita em essência, poeta é sensível em essência. Saber sentir é mais importante.
Leila Miccolis é escritora, poeta, editora e empresária. Atualmente dirige a Editora Blocos, cujo Web-Site está entre os melhores sites de poesia nacional, comfirmado pelos inúmeros prêmios que vem recebendo.É possível vender poesia ? Em outras palavras, você acha que a poesia é vendável ? (Ainda de outra maneira, a poesia pode tornar-se um gênero popular ?)
Logico que é possível. Pergunte a Ferreira Goulart, a Gilberto MendongaTeles, a Joco Cabral, aos herdeiros de Paulo Leminski ou Cecília Meireles,Mario Quintana ou Carlos Drummond de Andrade se poesia não é
vendável. Quanto a poesia se tornar gênero popular, eu acho que também é possível, desde que ela deixe as elitistas livrarias e vá para a praça, a praia, o bar e o metrô, como fazíamos nas décadas de 70/80.
Quer poesia mais popular do que o cordel, no Nordeste, cantado e vendido em todas as feiras? Só que, para ser vendável, o livro, livreto, folder, etc. tem de ser "trabalhável". O autor não pode querer ter
lucro apenas com uma noite de autógrafos. Se divulgar e tentar colocar seu livro no mercado, mão-a-mão, boca-a-boca, site-a-site, com certeza venderá.Você acha que estamos tendo um revival da poesia ? Tenho a
impressão que as pessoas estão escrevendo muito. Há muita gente escrevendo.
Embora o nível geral seja ruim, quando há muito material surgindo sempre aparecem algumas coisas boas. Você nota uma nova geração de bons poetas surgindo no horizonte ?Embora eu pertença a "Geração 70", eu não gosto muito desta
catalogação. Como ela existe, porém, não adianta ignorá-la. De qualquer forma, eu acho que até possível falar de "gerações", quando algo une os poetas de um mesmo tempo — na época, condições históricas como o Golpe
Militar e a censura prévia uniram as cabeças pensantes brasileiras em torno de uma oposição acirrada; e, sem dúvida, a literatura alternativa foi
muito importante como pièce de résistence da cultura não oficial. Não vejo nenhuma característica que una as "Gerações" posteriores; mas também
não vejo necessariamente porque se falar de gerações ou vanguardas: conheço excelentes poetas que surgiram de 80 para cá; têm gente nova muito boa, de estarrecer. Aliás, toda década tem gente muito especial. Ainda bem!
Com relação à quantidade de poetas, vejo que tem muita gente escrevendo sim, por todo este Brasil, o que não considero como um fato necessariamente ruim, afinal é o exercício que faz com que aprimoremos qualquer potencialidade individual. Agora, não posso afirmar conscientemente se hoje em dia se escreve mais ou menos do que nas décadas anteriores (também havia muita gente escrevendo na época do
"boom alternativo"). Tomara que sim, porque a poesia propicia uma melhoria na percepção e na sensibilidade das pessoas, e as aproxima (pelo menos teoricamente); mas não tenho dados concretos que me afiancem esta hipótese.Você acha que hoje esta mais fácil para um poeta publicar seu livro?
A saída para os poetas hoje é auto-publicação. Sempre recebemos e-mails perguntando como fazê-lo e os custos disto. Qual o custo médio de publicação de um livro simples de poesia, nos preços do mercado ?Publicar nunca foi muito fácil, verdade se diga. Eu tenho uma editora, junto com Urhacy Faustino; a princípio, comecei a editar porque cansei de ter meus livros publicados de qualquer maneira por outras editoras, sem cuidado, sem carinho, sem ser consultada a respeito de nada e frustrada com o produto final. Com o correr dos anos, descobri que a editoração é uma arte tão difícil e prazeirosa quanto a literatura. Eu, pessoalmente, não saberia viver sem o livro. E acho que ele é mais importante na vida de
alguém do que possa a nossa vã filosofia imaginar. Há ano e meio, fui contratada pela TV Manchete para escrever a novela "Mandacaru", por causa de meu livro de poesia: "Sangue Cenográfico". A diretora da emissora leu, gostou e mandou me chamar. Então, eu acho que o livro
pode abrir portas sim; ele não seria a saída, mas a entrada para alargar horizontes. (risos) Assim como a Internet também pode dar esta chance.
Só que o livro "parece" ser mais caro do que o ciberespaco, a primeira vista. De fato, nao é: você paga provedor, luz, e, principalmente conta de telefone, sem falar do teu trabalho pessoal e dos desgastes do
micro. Mas estes gastos ficam meio diluídos e você não sente, porque paga aos poucos, mês a mês, sempre. Já um livro, não. Voce desembolsa duas ou
três parcelas de um valor que você considera alto e se assusta; acha caro, apenas porque o gasto é mais visível e imediato; mas se você computar o quanto você gasta no seu site, ou no nosso, gastamos durante
o tempo todo em que estamos na rede, provavelmente pararíamos de colocá-los on line (isto só em teoria, lógico, pois um grande prazer não se abre mão, mesmo sendo caro, já que ele nos gratifica de outra maneira, afetivamente). Então, acho uma das soluções para o poeta o
auto-investimento, inclusive pratico-o, como aliás, os grandes nomes tambem praticavam na época deles também (Manoel Bandeira, por exemplo).
Ninguém aparece sem publicidade: ator, comerciante, artista plástico, músico, dançarino, político, todo mundo investe em si,prioritariamente.
Menos poeta, que acha que as oportunidades devem cair do céu e que investir nele próprio é jogar dinheiro fora.Quanto aos custos da produção gráfica, variam muito conforme o número de páginas do livro, a tiragem, o numero de cores da capa, etc. A não ser as antologias que variam de R$ 50 a R$ 140, por página, nenhum livro individual — a não ser muito pequeno e fino — fica em menos de R$
2.000,00. De repente, até se encontra editora que faz por um pouco menos, mas com qualidade gráfica péssima, que inclusive compromete o conteúdo do livro; aliás, atualmente, todo mundo acha-se "editor", sem
entender nada de gramatura de papel, diagramação, computação gráfica, acabamento, cortes, efeitos especiais, tipos de para capas, manchas, fichas catalográficas, etc. Acha que é só mandar fazer o livro e pronto. Não há revisão, assistência técnica aos escritores, sugestões,
ajuda na divulgação ou no lançamento... não há experiência. Nós adoramos escrever e editar; só com a Blocos (antes de Urhacy eu tinha outra editora) já temos quase 10 anos e 100 livros. Investimos algum percentual em cada livro que gostamos, o que já reduz um pouco o gasto
do autor; mas não desvalorizamos nem o nosso trabalho nem o dos autores que editam conosco. Nossa meta nao é, como em geral vemos, fazer um livro por dia; queremos é fazer um livro que dê satisfação a ambas as partes, não importando se for um único por ano.Pediria encarecidamente alguns valores. As editoras detestam dar valores, mas o mercado esta ávido para saber quanto necessita para tal.
Valores são muito relativos, como eu te disse, porque dependem de "n" fatores; mas os orçamentos para livros sólos variam mais ou menos de R$ 2.000,00 a R$ 10.000,00 — ou até mais — se for feito em papel couché, por exemplo, com uma tiragem maior, capa policrômica e várias
ilustrações por dentro; mas a Blocos não faz apenas um tipo de livro; somos criativos... Temos idéias editoriais interessantes, como a que estamos lançando atualmente: livrinhos com 8 a 16 páginas, em que o
autor encomenda o número de exemplares que quer, de 10 em diante... Mais barato e fácil, impossível. Esta é a nossa "Coleção Made in Casa" feita para tiragens pequenas (agora, mínimas) e para propostas mais flexíveis. Enfim, tudo é possível quando se gosta do texto e quando se sente que o autor também reconhece o carinho especial que temos com cada livro em particular.Você acha que os poetas no Brasil estão mal organizados?
Não temos o mínimo de organização. A "classe" é totalmente desunida, por isto, escritor no Brasil não tem nem profissão regulamentada. Daí as infinitas arbitrariedades que se comete contra ele e que ficam
impunes. Escritor e teatrólogo nao podem nem ser contratados como tais por nenhuma Secretaria de Cultura, por exemplo, porque eles nao constam na Lei 6.533 de 24.05.78, regulamentada pelo Decreto 82.385, de 05.10.78 que dispõe sobre as profissões de Artista e de Técnico em Espetáculo de Diversões. No meu site eu coloco todas as categorias listadas por esta lei e ao final, pergunto: escritor é o quê ?...A minha impressão é que os poetas esperam prêmios e concursos governamentais para participarem e a grande maioria dos poetas ainda trabalha isoladamente.
Certíssimo. Embora eu escreva para cinema, teatro, tv, a literatura impressa, principalmente a poesia, é minha menina dos olhos. Mas eu acho os poetas muito acomodados, mais do que os escritores de qualquer outro gênero literário. E é por isso, também, que eles são os mais desconsiderados, pois se autosubestimam e não lutam pelos seus ideais.
Eles próprios se desacreditam, se menosprezam e se sentem derrotados por slogans pré-fabricados do tipo "poesia não vende" antes mesmo de tentarem. É muita ilusão os poetas quererem começar "de cima", ganhando uma "Bienal Nestlé" ou um "Casa de Las Americas"...
Todos querem publicar embora nem saibam se seus trabalhos estão prontos para tal. É como se publicar fosse o objetivo último da obra poética; como se a poesia não tivesse nenhum valor em si, se não publicada.
Fabiano, eu não creio que nenhum trabalho esteja "pronto para ser publicado". Meu primeiro livro não podia ser pior; mas, se eu ficasse com medo e não o lançasse, jamais teria um ponto de partida, nao teria a base para evoluir. Então, repito, acho a divulgação importante(publicação on line ou impressa). É preciso ousar mostrar os trabalhos
para ouvir opiniões, saber separar as críticas construtivas das destrutivas para crescer. O livro torna-se um registro importante até da receptividade do público. Agora, concordo que este afã de editar por editar, é tão ruim quanto escrever por escrever, viver por viver.
Literatura, é uma grande aventura neste país de terceiro mundo, cheia de perigos e percalços. E é preciso gostar muito dela para seguir em frente, para não se parar no meio do caminho, e voltar para a segurança de um emprego estável.Quando me refiro a vontade de publicar penso no cenário em que vivemos. Um oceano repleto de poetas ansiosos.
Exatamente, usamos a mesma palavra... Esta ansiedade, embora um tanto natural, pode ser bem auto-destrutiva.
Esta ansiedade, na minha opinião, vem justamente da falta de organização entre os próprios poetas e da total ausência de canais adequados para a divulgação das poesias que não seja a publicação de um livro.
A publicação de um livro é o canal mais oficial de todos. Mas existem programas de rádio que divulgam poesia, a própria Internet, que está repleta de sites poéticos, etc. e tal. Em Blocos, listamos mostras nacionais e internacionais. Só que, todos estes, são registros voláteis, transitórios. O livro é mais duradouro. Na minha opinião,
porém, creio que a ansiedade dos poetas em publicar seus livros vem da falta de informação sobre a sua própria poesia. Em geral, poeta não lê outro poeta; eles próprios não têm hábito de ler poesia... Então, eles
ficam inseguros, sem referencial. É preciso mudar a mentalidade do próprio poeta. Se ele começar a ler seus colegas, poderá se situar melhor no contexto e, ele próprio, julgar se deve ou não publicar seus trabalhos,naquele momento.
O que você pensa sobre a poesia na Internet ? Geralmente sou desconfiado em dizer que a Internet é revolucionária, mas no que se refere a poesia, parece estar trazendo grandes mudanças.
Embore eu adore a Internet, não vejo grandes mudanças neste sentido. Vejo-a como mais um "local público" para veicularmos nossas poesias, nada mais, nada menos.
As pessoas não estão prontas para lerem contos, romances ou até mesmo artigos pela Internet, mas lêem poesias. Acho que a Internet pode ser revolucionária para a divulgação da poesia.
Não sei... A tela me cansa muito quando preciso ler artigos longos; mas, acho que isto é um "problema" pessoal. Em Blocos, por exemplo, quase que fui "obrigada" a abrir a parte de prosa, de tanto contista excelente que nos escrevia. Agora, além de contos temos: crônicas, depoimentos, artigos, prosa poética e colaborações chovem, opiniões também. Creio que a literatura, como um todo — não especificamente a poesia — está sendo bastante beneficiada através deste "novo" canal.
Como tem sido a experiência do site da Blocos ? Vocês estão satisfeitos com a participação das pessoas ?
Ganhamos muito com a parceria do zaz, pudemos ampliar todas as partes, e ainda colocarmos em nosso site um chat e um forum (aliás a pergunta do forum é justamente esta: por que escrevemos muito e publicamos pouco?).
Estamos com quase 60 prêmios (a maioria internacionais, um belo reconhecimento público), e quase 50 mil acessos (na verdade já temos muito mais, mas não tínhamos contador no começo e, também, no primeiro semestre do ano passado ficamos com ele quebrado por muito tempo). Achamos um número significativo para um site cultural que privilegia a literatura emergente, independente, alternativa. É sinal de que dá certo e que o interesse literário é muito grande.
"O músico tem de ser mais poeta e o poeta mais músico" , P.Ravaglio
"Eu boto fé que uma hora ou outra surja uma geração que comece a produzir coisas boas.", P.Ravaglio
"(...) deveriam ser forçados (repito, forçados, como em "Laranja Mecânica") a ler todo tipo de literatura, do mundo todo (...) A gente iria notar coisas do tipo "esse cara realmente foi sobrecarregado de Machado de Assis!" - e não de mídia, de novela, e de comercial de TV, que é a única referência real que eles têm.", Gilmar FonsecaPoesia e Música.
Entrevista com Gilmar Fonseca e Peter Ravaglio, por Douglas Kirchner.Peter Ravaglio é um dos únicos críticos de letras de música em nosso restrito universo cultural brasileiro. Topou dar esta entrevista à Poetas Brasil para ser bastante franco, como o leitor notará.
Gilmar Fonseca é crítico de rock. Há algum tempo já no circuito vem tentando esclarecer a todos que o rock no Brasil ainda tem muito de evoluir.Em primeiro lugar, eu gostaria de colocar uma seguinte questão: existem bons letristas na música popular brasileira ?
P.R.— Sem dúvida existem, mas são cada vez mais raros. Um deles já era, Tom Jobim. Bons letristas que continuam produzindo poderíamos citar Chico e, quem sabe, Caetano, que só se torna bom pela mediocridade qualitativa que reina ao seu redor.
As letras das músicas estariam viciadas em seus gêneros ?
P.R.— É algo por aí. Os artistas que estão presentes no mercado não querem arriscar muito. Tem que fazer sempre um pouco de música açucarada pra vender, se não passam fome. Daí tudo acaba virando a mesma coisa, sem muita renovação. A bossa nova vira banquinho, violão, céu e mar. O pagode vira putaria. O sertanejo vira música brega e de corno. E mesmo aqueles que se propuseram alguma originalidade, como Falcão, Mamonas e
Tiririca acabam sendo juntados no saco de uma música de humor, por exemplo, e ficam imóveis, sem poder se mexer ou fazer uma coisa diferente. O pior de tudo é o perigo ainda de pintar um cara bom que não consegue emplacar porque o negócio é muito bom.G.F.- Ninguém quer arriscar por aqui. O Planet Hemp contratou o Mario Caldato Jr (dos Beastie Boys) para produzir o disco deles (aquele que foi "banido" etc), a embalagem toda ficou legal - mas o som... limpo, limpo, limpo, bem brasileiro, parece que aqui no Brasil não pode ter musica "suja",com samplers sujos e as vezes incompreensíveis, ate' o cd dos Racionais é
limpo, polido, em termos de música.E quanto ao rock nacional ? Português combina com rock ?
G.F.— Pode ate' combinar. Eu tenho uma fita de uma banda de rock basca, Hertzainak, e basco e' uma das linguas mais esquisitas do mundo, e e' bem legal. OK que eu não entendo nada, mas o som das letras e' legal. Os Young Gods eram bem melhores quando cantavam em francês.
Bandas de rock brasileiras cantando em inglês ? Uma opção ridícula ou viável ?
G.F.— Você acha que a Bjork é ridícula porque canta em inglês e não em islandês? Bandas ridículas vão ser ridículas cantando em qualquer língua. Talvez os Bee Gees não fossem tão ridículos se cantassem em português.
Falta poesia na música ?
P.R.— Sem dúvida. O relacionamento de poetas e músicos no Brasil é ridículo. O músico tem de ser mais poeta e o poeta mais músico. Só vão aprender isto quando se unirem e ensinarem as boas coisas uns aos outros. O fato é que um bom rock não se faz sem estar acompanhado por uma boa letra. Vejamos Raul Seixas. É música com conteúdo, que tem algo a dizer. Poetas e músicos deviam prestar mais atenção em seu exemplo. Ao
se juntar com escritores como P.Leminski e P.Coelho fizeram um encontro positivo, que melhora para todos os lados, em qualidade ou divulgação dos trabalhos. Outro exemplo é o Titãs, que tinha o Arnaldo Antunes, um cara que se preocupa com as palavras. E no final é coisa boa, que fica.Porque as letras vão de mal a pior ?
P.R.— A coisa começa na escola, que está uma merda e os professores despreparados para lidar com a galera que está por aí. A coisa vai piorando como uma bola de neve. Um cara escreve uma coisa medíocre, sem nada a ver, sem nem métrica, e abre as portas para que todos se sintam no direito de fazer coisa igual. É o famoso "esse gol até eu faço". Daí a coisa despenca e ninguém se preocupa ou está a fim de fazer algo decente.
Há saída ?
P.R.—Eu boto fé que uma hora ou outra surja uma geração que comece a produzir coisas boas. Daí há a possibilidade de se nivelar a coisa por cima e a garantia de que não é qualquer baboseira que será aceita. Hoje é um absurdo. Ë melhor mexer no equalizador para não ter de entender as
letras. Ou então, no rock, se refugiar no bom e velho rock
alternativo, que sempre tem algumas coisas boas, porque tanto nos EUA e na Inglaterra têm muita banda, e se o cara não trabalha o negócio direito não tem vez com a crítica.
A grande verdade é que não é preciso ser um Drummond, um Pessoa para escrever uma boa letra. Não é preciso ser brilhante, basta trabalhar um pouco mais.
Por outro lado, já que a entrevista é para a Poetas Brasil, vai um toque importante. Que os poetas deixem de ser misantropos e anti-sociais e dêem as caras, fazendo parcerias e colaborando para que se produzam boas músicas. Para uma boa música é imprescindível um boa letra. Ou por outro lado, letras ruins são suficientes para foder com uma boa música.G.F.- Uma saída possível é educação obrigatória mesmo. Os alunos tem que ser forçados a ler mais. Em vez de desperdiçarem anos e anos decorando fórmulas de química e de física (coisas que as máquinas podem fazer por eles) deveriam ser forçados (repito, forçados, como em "Laranja Mecânica") a ler todo tipo de literatura, do mundo todo. O processo psicológico ia ser bem
legal: os caras iam sair da escola com uma relação amor/ódio aos autores enorme. Se acabassem sendo músicos ou poetas a gente iria notar isso nas letras. A gente iria notar coisas do tipo "esse cara realmente foi sobrecarregado de Machado de Assis!" - e não de mídia, de novela, e de comercial de TV, que é a única referência real que eles têm.
Canuto Calmon Martins de Almeida já contabiliza 67 anos. Grande parte de sua vida tem passado defendendo a poesia, principalmente aquela que define como poesia romântica, poesia tradicional. Considerado por muitos amigos como um anjo protetor da poesia romântica, este vigoroso combatente deixa claro seus desgostos pela situação em que se encontra a classe dos poetas, a produção poética, as instituições e, essencialmente, a aceitação a sociedade dos poetas e dos trabalhos por eles desenvolvidos, até hoje em condições marginalizadas.
Hoje as pessoas têm feito mais poesia que antigamente ?
Não, a produção hoje está bastante fraca. Poeta é uma classe trabalhadora. Um trabalho utópico, pois viver de poesia ninguém consegue. Seria muito diferente dedicar-se dia e noite, num período integral, à poesia. A maioria da sociedade considera os poetas alcóolotras, só que nem todo poeta é alcóolotra e nem todo alcóolotra é poeta. Não é preciso beber para ter inspiração, só é necessário ter motivos, jogar pra fora emoções. Em geral as pessoas querem publicar, mas sem investir em seu próprio trabalho, sem colaborar financeiramente. Nossa classe não é unida. Para se ter uma idéia tem muita gente que usa a poesia para publicidade e outros fins e nem coloca o nome de seu autor, existem muitos plágios e desrespeitos ao direito autoral. É como nos diversos casos ocorridos no meio musical.
O que você tem a dizer para aqueles poetas que lutam para publicar seus trabalhos ?
Os poetas, para a publicação, têm que ser bem orientados. A maioria dos poetas fazem 2.000, 3000 cópias e esperam ter retorno. Para a publicação de um livro de poesias no Brasil o poeta deveria começar com 300, 500 livros no máximo, para a partir daí avaliar uma nova edição. O poeta também precisa rodar pelo Brasil para divulgar seu trabalho. Geralmente quem paga a edição é o próprio poeta. Isto dificulta para aqueles que não tem recursos, enquanto, por outro lado, os poetas ricos publicam e dão seus livros de presente. De qualquer maneira o poeta só é reconhecido depois que morre; daí se torna um imortal.A maioria dos poetas acaba morrendo mesmo, cedo, ficando doentes, de tuberculose antes e hoje de cirrose, por causa da bebida. É muita desilusão, aborrecimentos, falta de amor, falta de respeito. É uma classe marginalizada e acabam por aí.
Na sua opinião qual um grande poeta que não alcançou sua consagração ?
O caso de Mário Quintana é claro. Colocaram o J. Sarney, R. Marinho na ABL. É a inserção da política, diretamente.Isto tira a seriedade da Instituição. Na ABRAPES nós somos apolíticos. Lembrando da política, penso nas poesias de caráter político, engajado. Há muitos poetas que escrevem poesias políticas. Talvez até deveria haver mais poesias políticas, assim a teríamos maior aceitação do que a poesia tradicional, aquela baseada em elementos do romantismo.
Quando e onde começou a ABRAPES ?
Começou a pouco mais de uma década em Juiz de Fora, Minas Gerais, e tem uma abrangência nacional. Ficou parada por uns tempos, mas hoje eu estou dando continuidade aos trabalhos. É difícil, falta mais colaboração. Tínhamos até um programa de rádio só de poesias. Durou pouco tempo pela falta de patrocínios. Não há apoio e falta consideração com os poetas. É diferente da situação dos músicos, que melhorou muito recentemente, e hoje são bem mais respeitados. Poeta não tem apoio,só quando já é reconhecido.
Quem custeia o Jornal Revista da Poesia, veículo de comunicação cultural da ABRAPES ?
A própria arrecadação das vendas do jornal. A distribuição do jornal é difícil. Tem sido feita no corpo a corpo, pessoalmente, em Colégios, Centros e Academias de Letras, etc.... Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina são alguns estados em que temos vendido nosso jornal. Com isso objetivamos mais a divulgação dos trabalhos.
Qual é a composição da ABRAPES hoje ?
A maioria é composta por integrantes do Paraná. Aqui, no Paraná lê-se muito. Quanto aos sócios, eles estão em vários estados. O sócio, que deve ter trabalhos publicados, tem a vantagem de poder publicar seus trabalhos em nosso jornal. Já tivemos inclusive alguns poetas consagrados. Mais difícil são os acadêmicos, que não "se misturam", pois se colocam em outro nível.
Vocês tem realizado eventos ?
Sim, no ano passado tivemos o 3º Congresso da ABRAPES, na Bahia, com apoio de secretarias municipais de cultura. Conseguimos reunir mais de 130 poetas, que conseguiram aporte financeiro para a participação, como patrocínio de Secretarias Municipais da Cultura. O próximo congresso, o 4º Encontro, será em Maringá, com apoio do município. Esperamos centenas de participantes.
Em qual dos Estados você tem observado o surgimento de novos poetas ?
Na minha opinião, Minas Gerais é o berço dos poetas. Isto não tem se alterado até hoje. Neste Estado há um outro jornal, semelhante ao nosso, filiado à ABRAPES, " Jornal do Poeta".
Gostaria de falar algumas palavras finais ?
Tem horas que penso em parar com tudo. Ninguém ajuda, ninguém colabora financeiramente. Eu quero que o povo, i.e., a sociedade nos aceite melhor, tenha mais respeito, não compre jornais e trabalhos de poesia como se estivesse dando uma esmola, "ajudando" o poeta, que parem de "vou comprar para te ajudar" quando adquirem nossos trabalhos. Hoje eu sinto que falta alguma coisa. Eu ainda acredito numa volta ao romantismo, quando havia mais amor e grandes poetas.