Ovídio é o único a contar esta história, que só podia ter sido escrita por um romano. Um poeta grego jamais teria concebido uma ninfa dos bosques com vestes e penteados elegantes.
Dafne era mais uma dessas caçadoras jovens e independentes que abominam o amor e o casamento, e que são tão comuns nos relatos mitológicos. Conta-se que ela teria sido o primeiro amor de Apolo, e não é de estranhar que dele tenha fugido. Toda uma seqüência de jovens infelizes e amadas pelos deuses teve o terrível destino de matar secretamente os filhos ou ser vítima de assassinato. O melhor que uma delas podia esperar era o exílio, que para muitas mulheres era ainda pior que a morte. As ninfas do Oceano que visitaram Prometeu no rochedo do Cáucaso expressaram apenas o mais óbvio senso comum quando a ele assim se dirigiram:
Que
nunca me vejas, oh, nunca,
A partilhar o leito de
um deus,
Que nenhum dos
habitantes do Céu
Jamais se aproxime de
mim
Que esse elevado amor
dos deuses,
Aos quais a ninguém é
dado ocultar-se,
Jamais venha a ser meu!
A luta contra o amor de
um deus não é luta,
Mas apenas desespero.
Dafne
teria concordado plenamente com essas palavras, ainda que, na
verdade, também não estivesse interessada no amor de nenhum
mortal. Seu pai, o deus-rio Peneu, foi submetido a grandes
provocações por ter ela recusado todos os jovens belos e
altamente qualificados que a cortejavam. Censurava-a com brandura
e lamentava-se: "A prosseguires com tuas recusas, jamais
serei avô!" Mas, quando ela o abraçava e adulava, dizendo:
"Amado pai, deixa-me ser como Diana!", ele cedia, e
Dafne então mergulhava nas profundezas dos bosques, extasiada
com sua liberdade.
Mas chegou o dia em que
foi vista por Apolo, quando então tudo para ela terminou. Estava
caçando, de vestido até o joelho, com os braços nus e os
cabelos em desalinho, o que em nada comprometia sua encantadora
beleza. Apolo então pensou: "Como seria ainda mais bela se
estivesse adequadamente vestida e com os cabelos bem
arranjados!" Esta idéia fez com que o fogo que consumia seu
coração se erguesse em chamas muito mais fortes, e o levou a
pôr-se imediatamente no seu encalço. Dafne fugiu, e era uma
excelente corredora. Por alguns momentos, o próprio Apolo teve
dificuldade em alcançá-la, mas pouco depois, naturalmente, já
conseguia aproximar-se dela. Enquanto corria, fazia com que sua
voz a alcançasse primeiro, implorando-lhe, tentando convencê-la
e acalmá-la. "Não tenhas medo de nada", dizia,
"Pára e vê quem sou! Quem te persegue não é um rude
camponês, nem um simples pastor, mas o Senhor de Delfos, que te
ama!"
Mas Dafne continuou
fugindo, cada vez mais apavorada. Se fosse realmente Apolo que
estava a perseguí-la, sabia que estava perdida, mas estava
decidida a lutar até o último momento. Quando o fim já lhe
parecia próximo, pois sentia a respiração de Apolo em sua
nuca, avistou por entre as árvores o rio de seu pai. Em
desespero, gritou-lhe que viesse em seu auxílio, e no mesmo
instante sentiu uma espécie de entorpecimento, como se os pés
estivessem enraizados na terra sobre a qual corria tão
velozmente há pouco. Sua pele começou a transformar-se em casca
de árvore, e de todo o seu corpo brotavam folhas: tinha sido
transformada em árvore, um loureiro.
Apolo presenciou a
transformação com grande tristeza e pesar. "Ó mais bela
de todas as virgens, estás perdida para mim!", lamentava-se
ele. "Mas, pelo menos, serás a minha árvore a partir de
agora, e tuas folhas irão adornar as cabeças de todos os
vencedores dos torneios realizados durante as festividades a mim
dedicadas. Participarás, portanto, de todos os meus triunfos.
Apolo e o seu loureiro estarão juntos para todo o sempre, onde
quer que se cantem canções e se contem histórias."
A bela árvore de
folhas brilhantes ondulou sua copa, como se estivesse feliz e
aprovasse plenamente as intenções de Apolo.