17. SITUAÇÃO DO ENSINO BÁSICO
Os problemas escolares interessaram sempre os governantes, sobretudo em determinados períodos de importância e influência excepcionais. As convulsões políticas do século que vai de 1821 a 1920, para nos referirmos mais directamente a Angola, não permitiram que se fizesse obra de grande envergadura. Contudo, pode verificar-se facilmente que os primeiros anos do século XX foram marcados por um entusiasmo bem saliente e por iniciativas variadas e oportunas, embora a maior parte delas não conseguisse, devido a defeitos de origem, vencer os obstáculos que diante delas se levantaram.
Os territórios ultramarinos passaram a merecer aos governantes portugueses, a partir dos meados do século passado, as maiores atenções e excepcionais cuidados. Pode dizer-se que se encaminhou, em grande parte, para aqui a reserva moral da nação. Os grandes políticos foram, quase sempre, homens profundamente dedicados aos problemas africanos. Os assuntos escolares passaram a ocupar lugar mais destacado no conjunto das preocupações governativas. O que de útil e bom se fez em Portugal procurou fazer-se também, sem grande dilação, nos territórios ultramarinos, e isto não apenas no aspecto cultural como ainda noutros sectores da vida pública.
A instrução continuou a merecer aos homens que detiveram nas suas mãos os destinos de Angola uma relativa atenção, embora nesse período de excepcional actividade se dedicasse maior interesse à tarefa da fixação lusitana e à submissão dos povos nativos revoltados.
Desejando dar o possível desenvolvimento ao ensino primário, ao menos nos concelhos e povoações mais importantes do território angolano, o governador-geral António Eleutério Dantas solicitou ao ministro, em ofício com data de 12 de Julho de 1881, que fossem enviados para Luanda alguns mapas corográficos, mudos e falantes, que sabia existirem em depósito nos armazéns do Ministério da Marinha e Ultramar. Tencionava distribuí-los pelas escolas de Angola, que tinham grande necessidade deles. Confessava, a propósito, que a instrução pública pouco tinha progredido aqui, mas que alimentava a esperança de se desenvolver e ampliar, uma vez que o titular daquela pasta ministerial estava grandemente interessado em lhe dar impulso e favorecer a sua expansão.
Em 15 de Maio de 1885, foi pedido às autoridades de Angola o envio urgente de uma lista com a indicação das escolas primárias e secundárias que tinham funcionado no ano de 1884, indicando a população efectiva de cada uma delas. E esclarecia-se que esta medida deveria considerar-se, daí para o futuro, de execução permanente, no decorrer do primeiro trimestre de cada ano, em relação ao anterior. Pretendia-se organizar a estatística da instrução pública nas províncias ultramarinas, partindo-se dos dados que ela fornecesse, a fim de se promover o desenvolvimento futuro e acelerar o seu progresso.
A marcha do tempo, todavia, impunha alterações. Assim, a partir de 20 de Outubro de 1880, foi suprimido em Angola o pagamento de um imposto estabelecido no tempo de Sousa Coutinho e do Marquês de Pombal, o subsídio literário, cobrado de acordo com o que fora determinado pelo alvará régio de 10 de Novembro de 1772. Realmente, mal poderia admitir-se que tivesse valor e influência uma determinação com mais de um século de vigência.
O governador-geral Guilherme Capelo comunicava ao ministro, na sua confidencial de 12 de Março de 1887, a respeito das escolas da província, o seguinte:
"Nesta Província a instrução é deficientíssima, não só pela ignorância dos professores como pela incúria dos chefes de família, que deixam em desgraçado abandono a educação das crianças. O geral da população vive menos que modestamente, e raros são os pais que mandam educar os filhos na Europa. Não há aqui o menor interesse pela educação da mocidade, que é julgada completa e terminada com umas leves noções de leitura, escrita e algumas operações de aritmética. A própria Escola Principal apenas é frequentada por meia dúzia de alunos sem habilitações para poderem compreender o que ali se ensina, e se a frequentam é a pedido dos professores, que desejam conservar os lugares em que estão interinamente providos e que não têm tirado o menor resultado do ensino das matérias que leccionam".
Em 19 de Dezembro de 1891, foi ordenado às autoridades de Angola que enviassem ao Ministério da Marinha e Ultramar o mapa das escolas públicas da província, devendo indicar a designação dos cursos ministrados, o material escolar de que dispunham e a frequência registada.
As escolas estavam no pensamento dos governantes da época. Temos testemunho disso no que escreveram nos seus relatórios e disseram nos seus discursos os governadores-gerais. No relatório referente ao ano de 1887, dizia Guilherme Augusto de Brito Capelo:
"Há nos professores uma tendência natural para encarecerem os seus serviços; aumentam o número de alunos que frequentam as escolas, quando realmente nem metade dos matriculados consegue ter, em média, uma frequência regular de quatro meses. Com excepção de algumas famílias abastadas de europeus e de funcionários públicos, raros são os pais que obrigam as crianças a uma frequência assídua às escolas em que se matricularam. Uns não vão porque conhecem a indiferença dos pais, outros vão para a rua e nem entram na aula. Tem-se chegado a mandar colocar polícias nos arredores das escolas, durante as horas das lições, mas tudo é trabalho baldado. Chamados os pais e devidamente aconselhados, uns dizem que não podem conter os filhos, que fogem para a vadiagem, e outros declaram que precisam deles para os trabalhos das suas casas e lavouras, e que os não podem dispensar. Há ainda alguns, como os pescadores da ilha e península de Luanda, que declaram com a maior franqueza e convicção que os seus filhos não precisam aprender a ler e escrever para a vida futura, e que a escola só serve para os tornar inimigos do trabalho, preferindo a vadiagem na cidade ao trabalho da linha e do anzol nas suas canoas. Houve aqui um professor que, para ter a frequência constante de um certo número de alunos, distribuía semanalmente alguns cobres aos mais assíduos e estudiosos, conseguindo assim ter a aula com grande número de discípulos. Mas nem todos os professores estão no caso de praticar estas generosidades, porque morreriam de fome. Ainda se dá outra circunstância: o discípulo só estuda na escola; fora daqui não tem quem o obrigue a estudar em casa ou quem saiba ou queira fazer-lhe repetir a lição. Se estes casos se dão na capital, pode fazer-se ideia de qual será a situação da instrução nos concelhos do interior da Província".
Por sua vez, Álvaro António da Costa Ferreira dizia no seu discurso de 25 de Abril de 1894:
"A despeito de todas as diligências do Governo, pouco adiantada está a instrução elementar ministrada nas escolas de todos os concelhos da Província. Não tem isto derivado da falta de zelo e aptidão dos professores, nem da falta de interesse da parte do Governo pela difusão do ensino. O defeito provém, entre outras causas, da falta de frequência regular e aturada dos alunos em cada ano lectivo, que se matriculam mas abandonam temporária ou definitivamente as lições dos cursos. Este abandono deriva muito especialmente de que, com uma lamentável falta de consciência, os pais e tutores da mocidade que constitui a população das escolas, logo que os seus filhos ou pupilos sabem, ainda que incorrectamente, ler e escrever, lhes procuram empregos nos lugares mais subalternos das repartições públicas ou em qualquer estabelecimento comercial, da mais baixa plana que seja. Para que serve, portanto, que o Governo mantenha a Escola Principal, que existe há muitos anos nesta cidade, para que serve a criação de um liceu, se nestes institutos o programa das matérias a ensinar é de instrução complementar, quando se verifica que nem habilitados na elementar em cada ano se apuram senão em número muito limitado? Parece-me, pois, que devemos atacar o vício na sua origem, tão sobejamente conhecida, estabelecendo um regime de instrução elementar e obrigatória, de modo que se consiga que as crianças se instruam, frequentando a escola e aproveitando, pela sua assiduidade, o ensino que lhes seja ministrado".
Antes de prosseguir, queremos esclarecer que estas transcrições respeitaram o pensamento e a exposição dos seus autores, tendo sido feitas apenas breves alterações, para adaptar os textos à estrutura deste trabalho. Ajudam-nos a compreender o que se passou.
Vamos agora acompanhar mais de perto a vida escolar angolana, nos últimos vinte anos do século XIX. Esta romagem pelos domínios do passado não deixará de nos dar úteis e valiosos ensinamentos, ajudando-nos a compreender o que a seguir se passou, visto que em História os acontecimentos se encadeiam entre si, influindo no desenrolar dos factos e ocorrências.
Em 21 de Maio de 1883, determinou-se que fosse adoptado em todas as escolas oficiais da província o Método de João de Deus, na aprendizagem da leitura. Ordenou-se também que nenhum professor devia ser provido no cargo sem que demonstrasse, por documento ou perante um júri de exames, que era competente para empregar este método pedagógico no ensino das primeiras letras. Para que mais facilmente pudesse ser divulgado, as autoridades tomaram a iniciativa de mandar vir do reino mil exemplares da Cartilha Maternal. Declarava-se no mesmo diploma que seria dada preferência, em igualdade de circunstâncias, aos indivíduos que tivessem obtido o seu diploma em Angola, para desempenharem diversos cargos públicos, incluindo o do magistério. Dizia-se até que teriam preferência mesmo perante os indivíduos que apresentassem diplomas de exame feito nos liceus metropolitanos.
Nomeou-se uma comissão encarregada de fazer o estudo e apreciação dos compêndios escolares a adoptar nas escolas de Angola, fixar a época de férias e exames, os programas de ensino, as disciplinas componentes da instrução secundária, a orgânica das provas de apuramento. Faziam parte dessa comissão os seguintes indivíduos:
—Dr. José Baptista de Oliveira, médico;
—P. António Castanheira Nunes, missionário e professor;
—João António Ferreira Maia, major do exército.
O Dr. José Baptista de Oliveira tinha sido nomeado vogal do Conselho Inspector de Instrução Pública, em 2 de Outubro de 1882, estando então já na situação de reforma há dois anos, mas residindo ainda em Luanda; substituíra o professor Miranda Henriques, que pouco antes se retirara da província, talvez para São Tomé, talvez para Portugal. Os outros dois membros da comissão deixaram o nome ligado à actividade docente, demonstrando grande dedicação pelo ensino.
No dia 7 de Outubro desse ano de 1883, foi nomeado o júri que devia examinar os candidatos a professores, a fim de averiguar se tinham ou não capacidade e aptidão para aplicarem o método pedagógico elaborado pelo conhecido poeta, João de Deus, atrás referido. Esse júri era constituído por:
—Dr. Francisco António Pinto, que seria o presidente;
—P. António Castanheira Nunes, professor em Luanda;
—Alfredo de Sousa Neto, também professor na capital.
No dia 8 de Maio de 1892, foi inaugurado em Luanda, na sala de aulas da Escola Municipal Central, o retrato do conhecido pedagogo português João de Deus, copiado do que ilustrava a sua Cartilha Maternal e ampliado pelo estudante Júlio Ferreira de Lacerda. O jovem artista tinha sido orientado por seu pai, cujo nome ignoramos mas que deveria ser pessoa de destaque na cidade e de razoável preparação artística, e pelo conhecido missionário espiritano P. Carlos Wunemburger, seu professor. No acto inaugural fazia-se referência ao "Instituto Luso-Africano 15 de Agosto", de que o jovem desenhista era ou tinha sido aluno. Não nos foi possível recolher mais elementos relativos a esta organização. Nos discursos então proferidos, e a que a imprensa local deu divulgação, fizeram-se afirmações de bastante interesse; apenas queremos salientar uma que, pelo seu valor informativo, merece ficar registada. O cidadão Mamede de Santana e Palma, também professor de Angola, afirmou em certa altura da sua alocução:—"Crie-se aqui um liceu e já se terá dado um grande passo na senda do progresso intelectual e moral".
No ano económico de 1883-1884, o Orçamento-Geral de Angola previa a despesa de 7.140$000 com o ensino. Estavam previstos trinta e quatro lugares de professor, incluindo três para a Escola Principal de Luanda. O seminário-liceu, que em 7 de Outubro de 1882 tinha sido autorizado a transferir-se da capital para a missão da Huíla, recebia 2.166$000. E o Colégio das Missões Católicas Ultramarinas, de Cernache de Bonjardim, auferia 2.000$000. Pode fazer-se melhor a comparação da situação se atendermos aos dados que nos são fornecidos pelo esquema orçamental de 1888-1889. Incluía cinquenta lugares de professor, sendo onze do sexo feminino; o ensino custava ao erário da província 8.916$000, acrescidos de 1.920$000 para o ensino dos filhos dos sobas, manutenção das educandas da escola feminina do Bié e aquisição de material e mobiliário escolar. A administração eclesiástica custava aos cofres públicos a importância de 51.584$000, distribuída pelo bispo, sé catedral, missões instaladas em São Salvador, Santo António do Zaire, Bié, Bailundo, Huíla, Jau e ainda o seminário-liceu.
Em 27 de Julho de 1888, foi determinado que os administradores e chefes dos concelhos deveriam proceder a visitas de inspecção às escolas oficiais, durante o mês de Agosto, último do ano escolar, informando depois o Governo-Geral acerca da capacidade e comportamento dos professores, sua pontualidade e assiduidade às aulas, número de alunos leccionados, respectivo aproveitamento escolar e quaisquer outras circunstâncias dignas de menção.
O governador-geral de Angola, Guilherme Augusto de Brito Capelo, dá-nos um apanhado da situação escolar, no relatório apresentado na sessão de abertura da Junta-Geral da Província. Pode ler-se nele o seguinte:
"Autoriza-vos a lei a criar escolas de instrução primária, industrial ou comercial. Angola é a província mais desenvolvida entre as nossas ultramarinas, e contudo no que respeita à instrução primária conta apenas trinta e quatro escolas de primeira classe (primeiro grau) para o sexo masculino, dez para o sexo feminino, nenhuma de segunda classe (segundo grau) nem de ensino comercial ou comercial. Beneméritas vereações, como as de Ambriz, do Dondo e de Luanda, têm-se preocupado com a instrução, e por um generoso e espontâneo impulso têm procurado ultimamente atenuar o seu lastimoso estado, pela criação de escolas municipais. Mas é pouco ainda, e eu, não podendo ir além do que o Orçamento do Estado me permite, recorro a vós, lembrando-vos de que a lei vos faculta deliberar sobre a criação de escolas e votar os meios para acorrer à despesa que daí resulta".
Continuava, no entanto a situação anterior. Podia repetir-se o que alguns anos antes se verificara, reconhecendo que o ensino não correspondia na província às necessidades do povo e nem à despesa que se fazia com a sua manutenção. Procurando dar remédio aos males que afectavam o ambiente escolar, o governador-geral Guilherme Capelo nomeou, no dia 4 de Outubro de 1886, novos membros para o Conselho Inspector de Instrução Pública, procurando revitalizar este organismo oficial, responsável principal pela difusão da cultura e eficiência do ensino. Ficou a ser constituído, para além dos vogais natos, pelos seguintes indivíduos:
—P. António Castanheira Nunes;
—António Urbano Monteiro de Castro;
—Luís Filipe Berquó Poças Falcão;
—António Duarte Ramada Curto;
—Bernardo Nunes Garcia.
Admitia-se que o aproveitamento discente dependia de fiscalização séria das escolas e inspecção do trabalho dos professores. O Conselho Inspector de Instrução Pública deveria funcionar nos termos do decreto de 30 de Novembro de 1869, então ainda em vigor, mas confessava-se que não tinha cumprido em Angola a alta missão de que fora investido, estando naquela altura, como quase sempre, bastante desfalcado nos seus membros.
Em 14 de Maio de 1892, era publicada longa lista de livros e compêndios que podiam ser escolhidos pelos professores para uso nas escolas de Angola. Deverá ter sido esta a primeira vez que isso se fez neste território, pois não temos conhecimento de que isso tenha acontecido em data anterior, embora conheçamos as dos anos futuros. Pelo interesse que apresenta, e mesmo como simples curiosidade histórico-pedagógica, reproduzimos essa lista, que continha os seguintes títulos:
—Cartilha Maternal, de João de Deus;
—O Discípulo de Leitura Portuguesa, de A. Castanheira
Nunes;
—Leituras Correntes, de F. Adolfo Coelho;
—Livro de História (1ª Parte), de E. Vidigal Salgado;
—Livro de História (2ª Parte), de E. Vidigal Salgado;
—Quadros da História Portuguesa, de Silveira da Mota;
—Leituras Correntes, de João de Deus;
—Portugueses Ilustres, de Pinheiro Chagas;
—Selecta Portuguesa, de Luís F. Leite e Moreira de Sá;
—Gramática Portuguesa, de Manuel Francisco de Medeiros
Botelho;
—Aritmética e Sistema Métrico, de Júlio
Alberto Vidal;
—Dicionários portáteis, sem indicação de
autor.
Em 8 de Dezembro de 1905, era publicada nova lista de livros escolares cuja adopção seria obrigatória em Angola. Não sabemos se ao elaborá-la se teve em conta o que em 29 de Novembro anterior tinha sido determinado, mas tudo leva a acreditar que houvesse relação entre os dois documentos. Os livros que poderiam usar-se nas escolas eram os seguintes;
—Deveres dos Filhos, de João de Deus;
—Livro de Leitura (2ª Classe), de D. João da Câmara,
Maximiliano de Azevedo e Raul Brandão;
—Livro de Leitura (3ª Classe), dos mesmos autores;
—Livro de Leitura (4ª Classe), dos mesmos autores;
—Pautas e Exemplares Caligráficos, de Carlos Silva;
—Conjugação dos Verbos e Sinopses Gramaticais,
organizado pela Direcção-Geral de Instrução
Pública;
—Compêndio de Moral e Doutrina Cristã, de M. Anaquim;
—Aritmética e Geometria, de Almeida Lima;
—Corografia de Portugal, de Almeida de Eça;
—História de Portugal, de H. Lopes de Mendonça;
—Rudimentos de Agricultura, de A. X. Pereira Coutinho.
Podia usar-se ainda, na aprendizagem da leitura, a Cartilha Maternal, de João de Deus, não se excluindo a possibilidade de o professor adoptar outro método racional no ensino das primeiras letras.
Manuel José Martins Contreiras, professor da Escola Central Nº 20, de Lisboa, requereu autorização ao ministro para realizar em Angola um estudo acerca da instrução popular, propondo-se verificar a aptidão dos nativos para a aquisição de conhecimentos literários e industriais, assim como se teriam ou não capacidade para exercer o magistério. Este ponto estava desde há muito demonstrado, visto que se contavam numerosos professores indígenas entre os indivíduos que ensinaram nas escolas da província. Tinha ainda em vista, ao fazer o estudo proposto, investigar os meios de aproveitar em Angola o excesso de população mais ou menos ilustrada que no reino se tornava inerte, quando não prejudicial, ou emigrava para o continente americano, considerando a hipótese de poderem vir a ser utilizados os seus serviços em proveito da expansão da cultura.
O ministro, João António de Brissac das Neves Ferreira, concedeu a autorização solicitada, com a concordância do rei D. Carlos I, em 19 de Junho de 1893. O governador-geral de Angola deveria facultar-lhe os meios compatíveis com os estudos a realizar, sendo-lhe abonada a passagem de regresso à Europa, quando tivesse acabado de efectuar os seus trabalhos. Apresentaria relatório circunstanciado e minucioso dos estudos feitos e das conclusões a que chegasse. Assim o fez, com a data de 19 de Junho de 1894, por conseguinte no dia em que se completava um ano sobre a data da autorização para se deslocar a este território. Encontram-se disseminados por este trabalho diversas informações extraídas da sua exposição.
Manuel José Martins Contreiras colaborou em vários jornais e publicou, em 1885, um trabalho intitulado Análise das Teorias Gramaticais do Sr. A. Epifânio da Silva Dias e Crítica dos Rudimentos de Gramática Portuguesa do Sr. C. Claudino Dias. Se o segundo destes autores é inteiramente desconhecido, o primeiro é grandemente famoso pelo seu valor intelectual, sendo para admirar que Contreiras se atrevesse a analisar as suas teorias gramaticais...
A carência de livros didácticos foi sempre um grave problema escolar em Angola, desde que foi instituído aqui o ensino oficial. Este mal arrastou-se por longos anos e atingiu o período imediatamente anterior à independência. Em 28 de Outubro de 1897, o inspector da Fazenda, em Luanda, solicitava ao Ministério da Marinha e Ultramar a remessa urgente dos compêndios escolares previstos nos diplomas legais, e que anualmente deviam ser enviados para Angola como subsídio material para as suas escolas. Estavam a ser muito necessários, visto que não havia nenhum em depósito, deixando de ser atendidas, por tal motivo, as requisições dirigidas aos Serviços da Fazenda Pública.
No discurso pronunciado no acto da sua tomada de posse como governador-geral de Angola, em 1906, afirmou Eduardo Augusto Ferreira da Costa:
"Sem instrução não há progresso estável e, nos países coloniais, a sua difusão interessa tanto ao movimento civilizador como ao desenvolvimento económico. Em Angola, a instrução pública deve ter um carácter acentuadamente profissional e técnico. Já foi decretada uma escola desta espécie para Luanda, com a organização da qual não concordo completamente, por me parecer que a capital da Província precisa instituto de mais elevado grau. Contudo, farei tudo o que puder para a pôr em funcionamento regular, e para criar noutros lugares escolas de artes e ofícios e escolas elementares de agricultura, como base essencial do futuro desenvolvimento da instrução na Província inteira, que deve ter, como remate, ainda remoto, é certo, grandes institutos comerciais e industriais, em mais de um ponto do território".
As informações de Eduardo Costa são preciosas; transmitem-nos dados de alto interesse e dão-nos uma ideia sumária do pensamento deste governante; a transcrição sofreu ligeiras adaptações, sem atraiçoar o pensamento do seu autor.
Sabemos que o Governo de Lisboa autorizou, por decreto de 21 de Setembro de 1904, os governadores de Angola, Moçambique e Cabo Verde a criarem em cada um destes territórios uma escola prática para o ensino de algumas matérias de estudo, nomeadamente a Língua Portuguesa, o Francês ou o Inglês; pensava-se ainda em ministrar o ensino de alguns idiomas africanos de maior importância e mais difundidos, os que tivessem maior interesse nas relações entre europeus e nativos. O governador-geral de Angola foi autorizado a abrir um crédito de doze contos por ano, para poder estabelecer aqui a escola projectada. Deveriam ensinar-se nela, além do que já foi referido, Rudimentos de Contabilidade, inclusive a prática das operações comerciais mais úteis, mais simples e correntes. Não podemos afirmar que a iniciativa chegasse a concretizar-se, mas parece-nos que não, pois não encontrámos a menor referência à sua acção.
O decreto publicado com a data de 17 de Agosto de 1901 regulava a forma de provimento dos professores do ensino primário elementar, nas províncias ultramarinas. Tinha em vista a unificação das condições, harmonizando o que determinava o decreto de 30 de Novembro de 1869, ainda em vigor, com outros textos legais posteriores, que legislavam sobre o mesmo assunto. Eram exigidas aos candidatos as habilitações seguintes:
—Aprovação num curso de instrução superior;
—Aprovação no curso complementar ou curso elementar das
escolas normais;
—Aprovação nos cursos de habilitação para
o magistério ou nos cursos de instrução secundária
dos liceus, institutos industriais e comerciais, de Lisboa e Porto.
As escolas seriam providas por nomeação vitalícia, precedida de concurso documental, sob despacho do governador-geral, sujeito a confirmação régia. Eram exigidos para o concurso:
—Diploma de habilitações legais;
—Atestado de bom comportamento;
—Atestado médico comprovativo de não sofrer de moléstia
contagiosa;
—Comprovante do cumprimento das leis militares, para os candidatos
do sexo masculino;
—Documentos comprovativos de habilitações literárias
e serviço público (em carácter facultativo).
Para fazer a classificação, ter-se-ia em conta a categoria dos diplomas e a qualidade ou antiguidade do serviço de magistério oficial, a valorização dos documentos e as qualificações comprovadas. Se não houvesse concorrentes, o lugar poderia ser provido por transferência, se houvesse professores a requerê-la. Se o concurso ficasse deserto, seria provido em indivíduo sem as habilitações legais mas que oferecesse idoneidade para desempenhar o cargo. As nomeações interinas eram da competência do governador-geral; a sua validade, a não ser em casos extraordinários, não deveria exceder três meses. Os professores podiam ser transferidos, dentro de cada território, por conveniência de serviço; para isso seria ouvido o agente considerado e solicitada a concordância do Conselho Inspector de Instrução Pública; não havia limitação de tempo, mas no final o professor voltaria a ocupar o seu posto anterior. Nos lugares onde não pudesse ser ministrado o ensino em língua portuguesa, por se falarem apenas línguas indígenas, deveriam fazer-se exercícios de aprendizagem do idioma nacional, o português. E o Conselho Inspector de Instrução Pública teria em conta as determinações referidas, ao elaborar os programas do ensino. Assinou este decreto o ministro António Teixeira de Sousa e foi referendado pelo rei D. Carlos I.
No dia 29 de Novembro de 1904, a rainha D. Maria Pia, que então desempenhava as funções de regente do reino, por impedimento de D. Carlos, determinou que nas escolas do ultramar fossem adoptados os compêndios oficialmente aprovados para o reino. Em relação às matérias de estudo que nas províncias ultramarinas deveriam ser mais desenvolvidas do que em Portugal, ficavam os governadores autorizados a abrir concursos para a elaboração dos respectivos compêndios e sua aprovação, remetendo ao ministro o relativo expediente; os prazos para estes concursos não deveriam ser superiores a três meses. A Repartição de Fazenda venderia ao público os compêndios aprovados; depois de elaboradas as listas, ficaria proibido aos professores a indicação de livros diferentes dos que delas constassem, assim como o uso de compêndios manuscritos; não havendo para algumas disciplinas livros oficialmente aprovados, poderiam adoptar-se outros, mas não os que tivessem sido rejeitados. Ocupava nessa data o lugar de ministro da Marinha e Ultramar a conhecida figura histórica que foi Manuel António Moreira Júnior. Na mesma altura, adoptou-se em Angola o sistema métrico decimal, abolindo-se o uso dos antigos pesos e medidas; vinha-se lutando por isso desde há muito, pois a sua utilização permitia abusos graves, a que já nos referimos.
Um decreto com data de 12 de Junho de 1907 determinava que seriam adoptados no ultramar os compêndios escolares do ensino primário aprovados para o reino. No decorrer dos primeiros seis anos, deveriam ser publicados livros apropriados à feição especial de cada território, tendo em conta as etnias, o grau de cultura e o desenvolvimento económico da população. Esses livros seriam depois escolhidos em concurso e constituiriam compêndios das aulas. Careciam de ser previamente aprovados pela Junta Consultiva do Ultramar. O Governo reservava para si a definição das normas por que o concurso deveria reger-se. Os governadores ultramarinos enviariam as informações respeitantes ao assunto, a fim de serem tomadas em consideração. A escolha dos compêndios, dentre os aprovados para o reino, competiria ao Conselho Inspector de Instrução Pública de cada território, onde o houvesse, ou então às comissões especialmente constituídas, nos demais casos. Os problemas relativos a edições esgotadas ou outros de grande importância seriam resolvidos pelos governadores, que providenciariam nesse sentido, depois de terem obtido o voto afirmativo dos conselhos inspectores ou das comissões a que se fez referência.
Sendo geralmente reconhecida a importância do ensino técnico e profissional, como salientava o diploma de 2 de Dezembro de 1904, e convindo que o seu desenvolvimento acompanhasse as necessidades de cada região e ainda que se promovesse o aperfeiçoamento dos estabelecimentos de ensino e se aproveitassem ao máximo os serviços missionários para a difusão da alfabetização das massas, foi determinado, na data referida, que os governadores das províncias ultramarinas enviassem, com a maior brevidade, ao Ministério da Marinha e Ultramar, a fim de serem apresentadas ao Governo central, as propostas julgadas convenientes, acompanhadas dos respectivos orçamentos, sem esquecer a indicação dos quantitativos com que poderiam concorrer as autarquias locais para a realização dos projectos de escolarização.
O ensino primário estava a pedir reforma urgente. Por isso, em 9 de Maio de 1906, foi publicado o respectivo regulamento, acompanhado dos programas escolares. Era ministro da Marinha e Ultramar o cidadão António de Azevedo Castelo Branco. Alguns meses antes, em 8 de Setembro de 1905, tinham já sido publicados estes documentos, mas o Governo de Lisboa entendeu dever introduzir algumas alterações. Por tal motivo, tanto o regulamento como os programas tiveram de ser novamente editados. Sucedeu a mesma coisa com o Regulamento do Corpo de Inspectores, também novamente impresso, na data acima indicada.
O Conselho Inspector de Instrução Pública era constituído pelas seguintes individualidades:
—Governador-geral, que seria o presidente nato;
—Bispo ou vigário capitular da diocese;
—Director da Escola Principal de Luanda, depois Escola Profissional
D. Carlos I.
O secretário-geral substituiria o governador no seu impedimento e ausência. No primitivo texto, falava-se ainda de "três cidadãos que se distinguissem pela sua ilustração e amor às ciências e às letras", embora o texto definitivo se não refira a estes vogais, que mais tarde voltaram a ser incluídos, como teremos ocasião de ver.
O Regulamento do Ensino Primário estabelecia normas para a nomeação dos júris de exame e recrutamento dos respectivos membros. Os exames do primeiro grau eram feitos por júris nomeados pelos governadores de distrito; logicamente, os do segundo grau deveriam ter nomeação mais categorizada.
O ano lectivo iniciava-se em 15 de Abril e terminava em 31 se Janeiro.
O Regulamento do Ensino Primário assim como o Regulamento do Corpo de Inspectores foram elaborados por quatro conhecidas figuras do meio social luandense, que os cultores da História de Angola conhecem bem, pois se lhes referem frequentemente. Eram elas:
—Dr. Manuel Alves da Cunha, vigário-geral da diocese;
—Dr. Manuel Maria de Sousa Cruz Vieira, juiz de Direito;
—Ernesto Augusto Gomes de Sousa, capitão dos portos;
—Ralph Lusitano Delgado de Carvalho, professor da Escola Profissional
D. Carlos I.
Este agente do ensino tinha sido anteriormente professor da Escola Principal de Luanda, para cujo lugar foi nomeado em 10 de Outubro de 1902, sem direito a qualquer remuneração. E Ernesto de Sousa chegou ainda a exercer durante alguns meses as funções de governador-geral.
Os quatro membros da comissão foram louvados pelo interesse e dedicação com que desempenharam a missão que lhes foi cometida, por portaria provincial publicada no Boletim Oficial. Mais tarde, o Governo de Lisboa concedeu-lhes a medalha de ouro da instrução pública. Este galardão tinha sido instituído por decreto de 28 de Agosto de 1889, e tornado extensivo ao ultramar em 29 de Março de 1906, pelo que pode deduzir-se ter sido esta a primeira vez que foi conferido, quanto a Angola. Destinava-se a galardoar as pessoas que, por qualquer modo, se tornassem credoras de gratidão e beneméritas da instrução, quer fossem portuguesas quer estrangeiras. Admitia-se já então que o ensino primário deveria equiparar-se em todos os territórios da soberania portuguesa, do reino ou das províncias ultramarinas.
Henrique Mitchel de Paiva Couceiro foi um dos mais perspicazes e decididos governadores de Angola, que viu claramente o caminho a seguir. No discurso de tomada de posse, em 17 de Junho de 1907, afirmou com a convicção que lhe era peculiar, com a energia que sempre o caracterizou:
"As minhas atenções acompanharão a raça natural do país, no sentido de protegê-la e chamá-la aos hábitos de trabalho, obtendo por esse modo não só o completamento indispensável da obra económica, que sem o auxílio indígena não seria realizável, mas cumprindo ao mesmo tempo o alto dever moral da nação civilizadora que, pelo trabalho, promove a evolução para menos bárbaros costumes, no cumprimento da missão humanitária a que Portugal não quer nem mesmo saberia faltar".
E mais adiante, no decorrer da mesma alocução, afirmou ainda:
"Temos de valorizar a Província, empregando como meios pessoal científico e a instrução difundida por este país, principalmente a profissional e a técnica utilitária, dedicar-nos à investigação metódica das utilidades e riquezas contidas na terra, em harmonia com o solo e o clima, e proceder ao mesmo tempo, sob a direcção dessas investigações e estudos, à colheita de produtos naturais de valor reconhecido, à exploração de plantas mais variadas, nas fazendas, e ao incitamento, entre os indígenas, de certos cultivos e criações, como o algodão, o gado e outras, e trazer por último todo esse conjunto de mercadorias ao tráfego do mundo, por intermédio de adequados meios de trânsito, de facilidades de exportação".
Os dois passos do discurso, que transcrevemos, são sem dúvida um programa de promoção social de alto interesse. E ninguém pode dizer de Paiva Couceiro que tudo ficaria em palavras, pois ele era sobretudo um homem de acção, e a sua obra nesta província teve destacado mérito.
O bispo da diocese de Angola e Congo, D. João Evangelista de Lima Vidal, que era um latinista de muito mérito, escritor consagrado, de estilo agradável e primoroso, embora focasse temas nem sempre fáceis, tomou conta do governo do bispado em 17 de Agosto de 1909, poucas semanas depois de Paiva Couceiro ter deixado o Governo-Geral. Em 1 de Setembro seguinte, publicava uma instrução pastoral em que, falando das escolas e dos professores, dizia o seguinte:
"Antigamente — e oxalá amargas recordações nos não dessem o direito de confirmar pela nossa parte o que está na memória e na indignação de tantos — o mestre, o professor era uma figura odiada e temida; ia para a escola com os passos receosos e fúnebres de um condenado que marcha arrastadamente para a vergonha e para as chibatadas do pelourinho; a nossa imaginação, ao entrarmos nessa espécie de santuário transformado em câmara de tortura, ao subirmos a esse altar profanado, representava-o sempre de sobrolho franzido, de pupilas inflamadas, de olhar fulminante, de férula erguida para nos bater, uma fera sem entranhas nem paciência; nós perguntávamos uns aos outros: Não acabará nunca este suplício?! Assim, para infortúnio dos que tombavam nesse verdadeiro alçapão de Minerva, do horror ao mestre derivava pouco a pouco o horror à luz que dessa horrível maneira, à custa de lágrimas e de gemidos, jorrava das pancadas nefandas da palmatória. Hoje não. O semblante deste obreiro é feito de traços doces, amáveis, paternais; trata os seus discípulos com carinho, para não dizer só com esse respeito elementar que se deve a todo o ser humano, ainda mesmo aos mais pequeninos ou aos mais inferiores; tem para os seus alunos a longanimidade e o interesse infatigável das mães; despede-se dos que acabam com um coração saudoso, e em compensação deixa no mundo uma memória abençoada e respeitada por todos e um túmulo coberto de flores e de lágrimas. Faz lembrar João de Deus, a quem as criancinhas mandavam recados para Lisboa, no dia da sua consagração, e às quais ele respondia com beijos e versos. A própria cátedra começa a mudar de lugar, nas escolas; desce a pouco e pouco das alturas olímpicas em que se ostentava aos olhos humilhados do pequeno público, humaniza-se, democratiza-se, põe-se quase ao nível do chão; a palavra do professor já não cai do tecto como uma esmola atirada com maus modos ao seio do pobre, mas sai do coração aquecido pela ternura e transfigurada pelo amor dos homens. Eis o mestre, o ensinante, como as nossas aspirações o esboçam, como havemos pretendido sê-lo, durante treze anos de magistério, como desejamos e queremos que ele seja nas escolas cristãs desta diocese".
Este depoimento do grande bispo de Luanda, o último do período histórico que corresponde ao que estamos analisando, poderá parecer deslocado, pois não nos fornece indicações positivas quanto ao problema escolar angolano. No entanto, não quisemos deixar de o inserir, pois nos mostra o interesse do grande prelado pelos assuntos escolares, dá-nos o retrato das escolas antigas, talvez um tanto exagerado, e permite-nos antever as do futuro; além disso, a sua leitura vem quebrar um pouco, atendendo ao estilo em que está redigido, a monotonia cansativa das informações burocráticas que temos feito!
Em 6 de Agosto de 1909, o Conselho Inspector de Instrução Pública enviou uma circular aos agentes de ensino de Angola em que se chamava a atenção para o facto de algumas escolas missionárias, e possivelmente também as outras, não enviarem os mapas estatísticos, como determinava o Regulamento do Ensino Primário, e que outras os enviavam apenas depois de insistentes pedidos, por conseguinte com grande irregularidade. Na reunião de 19 de Janeiro desse ano, tinha sido resolvido que se fizesse constar que tais escolas eram, para todos os efeitos, consideradas oficiais e por isso obrigadas ao cumprimento escrupuloso das determinações legais, sujeitando-se as que não cumprissem esse dever às penalidades correspondentes, impostas e estabelecidas pelas leis vigentes. Quer-nos parecer que pouco se adiantou, pois os mapas em arquivo indicam continuar a ser grande a incúria do pessoal docente quanto ao cumprimento desta imposição das autoridades e das leis do país.
O desenvolvimento escolar era já relativamente grande, em Angola, nos últimos tempos da Monarquia. Sabemos que, em 29 de Julho de 1910, foi criada na Secretaria-Geral uma secção especial, denominada Secretaria do Conselho Inspector de Instrução Pública, que ficaria independente da Secção de Estatística, embora funcionando ao lado dela. Todos os documentos relativos à instrução pública seriam dirigidos para aquela secção, simplificando um tanto o serviço e dando maior brevidade à solução dos problemas que afectavam a actividade pedagógica. A iniciativa, no entanto, ficaria sujeita a apreciação superior, que daria ou negaria aprovação a esta resolução do Governo-Geral.
No dia 2 de Setembro de 1810, foi nomeada uma comissão encarregada de rever e alterar os regulamentos em vigor, isto é, o Regulamento do Ensino Primário e o Regulamento do Corpo de Inspectores, a fim de se alargarem algumas atribuições, de se actualizarem outras e de se ampliarem certas disposições Os trabalhos efectuados e os frutos obtidos não deixaram sulcos que nos ajudem a apreciá-los. A citada comissão era composta desta maneira:
—Dr. Manuel Alves da Cunha, vigário-geral da diocese;
—Dr. Alberto de Sousa Maia Leitão, médico em Luanda;
—Júlio Lobato, vereador e funcionário público;
—António Ferreira David, professor;
—Eduardo do Nascimento Moreira, professor.
Na classificação das escolas de Angola, foram designadas como de segunda classe ou segundo grau, depois chamadas simplesmente escolas primárias, as das sedes de distrito algumas mais, nas povoações de maior importância, como Novo Redondo e Catumbela (no distrito de Benguela), Ambriz, Golungo Alto e Dondo (no distrito de Luanda), e Porto Alexandre (no distrito de Moçâmedes). Pouco depois, em 3 de Maio de 1906, foi atribuída igual categoria às de Humpata e Chibia. A data referente às primeiras foi pouco anterior à registada.
Aceitando uma sugestão emanada de Luanda, o ministro da Marinha e Ultramar determinou que, a partir do ano lectivo de 1906-1907, inclusive, passassem a ser obrigatórias nas escolas de Angola as actividades de Desenho e Ginástica. A determinação, porém, não deve ter sido cumprida, visto que em 10 de Abril de 1912 foi publicado um aviso pelo qual se comunicava a todos os agentes do ensino ser obrigatório o ensino do Desenho e a prática da Educação Física, nas escolas primárias. Admitia que o desprezo a que eram votadas deveria ter origem na errada interpretação do ofício ministerial de 28 de Agosto de 1906, que desobrigava os professores dessas actividades, mas era apenas em relação aquele ano lectivo.
Poucos dias depois, a 13 de Abril, foi determinado, com carácter provisório e até ulterior resolução do Governo, que em Angola passasse a usar-se a reforma ortográfica recentemente aprovada e que tinha sido publicada no "Diário do Governo" de 12 de Setembro de 1911.
Não deve passar sem referência muito especial esta reforma ortográfica, que ficou a dever-se a um grupo de filólogos e estudiosos de alto valor, quase todos eles personagens de relevo intelectual, à frente das quais devemos colocar Teófilo Braga, primeiro presidente da República, em Portugal. Caracterizou-se por rigor científico notável e, tendo embora sofrido alterações ao longo dos anos, os seus princípios estão na base da ortografia oficial ainda hoje em vigor.
Em 29 de Janeiro de 1914, foi reorganizado uma vez mais o Conselho Inspector de Instrução Pública. Estava então a governar este território o conhecido colonialista que foi Norton de Matos; como sabemos, os problemas escolares mereceram-lhe grande atenção e interessou-se muito por difundir a cultura, sobretudo no aspecto prático e utilitário. A constituição daquele organismo ficou assim estabelecida:
—Governador-geral, presidente nato;
—Secretário-geral, seu substituto;
—Inspector dos Serviços de Agricultura;
—Chefe dos Serviços de Saúde;
—Três cidadãos distintos pela sua ilustração
e amor às letras e às ciências, nomeados pelo governador-geral
e confirmados pelo ministro.
No mesmo dia foram nomeados os três cidadãos em referência, tendo sido escolhidos para tal cargo o capitão de fragata Martinho Pinto de Queirós Montenegro, o capitão-médico Aníbal Celestino Correia Mendes e o engenheiro-agrónomo José Firmo de Sousa Monteiro.
Merece referência e transcrição um documento que a Secretaria do Conselho Inspector de Instrução Pública enviou, em 9 de Janeiro de 1914, à Inspecção Concelhia da Instrução, de Cambambe, e que deveria ter sido recebida também por outras, pois tinha jeito de uma circular. Pode ler-se nele o seguinte:
"Tendo sido frequentemente dirigidos a este Governo-Geral pedidos de ex-alunos das escolas primárias para serem modificados os seus nomes ou os dos pais, incompleta ou erradamente inscritos nos livros de matrícula e, consequentemente, nos termos de exame; reconhecendo este Governo-Geral a dificuldade de evitar erros desta natureza, relativamente ao meio indígena mais atrasado, mas sendo necessário restringi-los a um número mínimo de casos, em nome e com a anuência de Sua Excelência, o Governador-Geral, rogo se digne lembrar às escolas sob a inspecção dessa Junta que o acto da matrícula seja feito com todas as precauções, observando-se o determinado /.../ em todos os casos em que seja possível e tomando os professores as providências necessárias para evitar a inscrição nos livros de matrícula de nomes errados, dos alunos ou dos pais destes /.../".
Por determinação superior, com data de 13 de Abril de
1917, foi lançado o adicional de trinta por cento sobre o "imposto
de cubata", revertendo em favor da manutenção do ensino primário.
Procurava-se, deste modo, angariar fundos para pôr em execução
o plano elaborado pelo Conselho Inspector de Instrução Pública.
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