28. ESCOLAS-OFICINAS

A preparação das populações que a acção portuguesa influenciava preocupou os responsáveis desde os primórdios da expansão. Para compreendermos perfeitamente a importância e vastidão do objectivo de preparar profissionalmente os naturais das terras transmarinas, precisaríamos de atender ao que se fez nos diversos pontos do globo em que os portugueses se fixaram. No entanto, começaremos por ter em consideração que a maneira de actuar variou bastante de um lugar para outro, de acordo com o condicionalismo de cada região e as circunstâncias determinantes estabelecidas.

Angola foi desde muito cedo uma região que interessava sobretudo como fonte de braços para o trabalho a efectuar noutros pontos geográficos, verdadeira mina da escravaria, como alguns dos seus governantes chegaram a designá-la. Isso implicava que fossem menos salientes as preocupações da preparação profissional, sobretudo no aspecto artesanal, do que, por exemplo, no Brasil, desde sempre tratado como país de colonização europeia e fonte produtora de bens, agrícolas e mineiros.

Podemos encontrar em Angola exemplos da preocupação escolar, com utilidade prática e objectivos utilitários, com raízes no período dos descobrimentos. Houve quem quisesse acreditar — e fazer acreditar aos outros — que a sua organização social seguia os moldes modernos e adoptava metodologia evoluída. Mais exacto será admitirmos que deveria antes orientar-se por um empirismo rudimentar, adaptado às pequenas exigências do meio. Apesar de a informação da fundação de uma escola profissional no Congo, no final do século XV, nos ser fornecida por uma individualidade destacada do sector educativo, Simeão Nunes Vitória, que foi chefe dos Serviços de Instrução Pública, podemos pensar que a escola de São Salvador em pouco pudesse assemelhar-se a um estabelecimento dos nossos dias, que tendo embora organização muito rudimentar mesmo assim apresenta estruturação bem definida. O que se fez nos primeiros tempos não passaria, por certo, de um grupo de aprendizes de alguns ofícios, sob a orientação de mestres de oficina mais ou menos competentes, mas que não tinham sequer a noção do que era o ensino profissional organizado.

A primeira referência a um organismo que tinha a finalidade de ministrar sistematicamente conhecimentos profissionais aos seus membros deve ser procurada na segunda metade do século XVIII, o conhecido Trem, fundado por D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, relacionado com as actividades marítimas e a construção naval. Antes disso, a preparação profissional dos nativos limitar-se-ia a treinar um ou outro, mais habilidoso, para exercer misteres rudimentares — pedreiro, sapateiro, ferreiro, alfaiate, correeiro, etc. Quer-nos parecer que algumas referências às escolas-oficinas missionárias, já no decurso do século XX, podem ser consideradas como imitação próxima do treinamento tradicional, e só com relativa deformação vocabular podemos aproximá-las das escolas comuns.

Nas primeiras décadas da centúria decorrente, o século XX, a modalidade das escolas-oficinas contou numerosos defensores, alguns dos quais chegaram a exercer acção governativa em Angola. A eles se ficou devendo a criação destes estabelecimentos de ensino e preparação profissional elementar, com que contavam para promoverem o progresso material do território, mas que, por razões muito variadas, não puderam concretizar as esperanças neles depositadas, a sua influência junto das populações mais atrasadas ou menos protegidas. O tempo demonstrou que não estavam adaptadas às condições gerais, às aspirações comuns, e na forma de funcionamento registaram-se também desvios de orientação que comprometeram os resultados. Temos de aceitar que outra e melhor orientação poderia evitar o insucesso de mais uma tentativa de promoção social. Os professores e mestres deixaram-se arrastar pela tendência geral, que os governantes deveriam ter sabido encaminhar, pois lhes competia indicar o rumo mais conveniente.

O governador-geral e depois alto-comissário José Mendes Ribeiro Norton de Matos era partidário declarado do tecnicismo. O simples enunciado das escolas que foram criadas no seu tempo, embora o resultado nem sempre fosse lisonjeiro, mostra claramente qual era o pensamento do famoso colonialista. A maior parte dos autores que falam desta personagem histórica confirma tal asserção. Atribui-se-lhe a defesa intransigente da escola-oficina, em detrimento da preparação literária e humanista. Admitia-se no tempo que um operário letrado se interessava menos pelo seu ofício do que o analfabeto. Realmente, chegou a generalizar-se a ideia de que quem sabia ler apenas aspirava a ser funcionário ou escrevente. Pensava-se também se conviria criar a concorrência do técnico indígena, perante o artista mecânico europeu, sem se ter em conta que isso era uma odiosa forma de discriminação, deprimente e degradante.

A propósito do mesmo assunto, podemos informar que outro famoso e dedicado governador-geral, Paiva Couceiro, cuja acção militar mereceu louvores destacados e também reparos pertinentes, sobretudo da parte dos aborígenes, defendia igualmente que a escola deveria consistir num "complemento do ensino do trabalho, como auxiliar e subordinado deste, e nunca como pedagogia essencial ou dominante". Hoje pensamos de maneira muito diferente, mesmo antagónica em relação ao pensamento do famoso oficial.

Também não pode passar sem reparo a maneira como Norton de Matos apreciava a população angolana, dividindo-a em cinco categorias ou grupos muito curiosos:

—Os silvícolas ainda não influenciados pelo viver próprio dos brancos, com os seus costumes próprios;
—Os europeus que se embruteceram em contacto com os autóctones e adoptaram costumes e hábitos correspondentes;
—Os nativos assimilados mas sem ocupação útil, residentes nos subúrbios das cidades, conhecidos pela designação de calcinhas, na linguagem corrente;
—Os naturais que adoptaram costumes civilizados, integrando-se na vida social em moldes europeus;
—Os brancos que formavam o núcleo orientador por excelência, promotor da elevação cultural, económica e social.

Esta distinção e respectiva apreciação parece-nos hoje difícil e imprecisa, atrevida e um tanto especiosa. Ninguém com responsabilidade e um mínimo de autoridade teria coragem de a subscrever. E não porque hoje Angola é um país independente, já mesmo nos últimos tempos da dominação portuguesa isso acontecia. Afirmámo-lo noutro trabalho.

Norton de Matos teve dois períodos de governo, cada um deles dividido em duas fases. O primeiro vai de 1912 a 1915 (de 17 de Junho desse ano a 31 de Março de 1914 — primeira fase, de vinte e um meses — e de 2 de Setembro seguinte a 8 de Março de 1915 — segunda fase, de seis meses) e o segundo começou em 1921 e acabou em 1923 (de 16 de Abril desse ano a 18 de Junho de 1922 — primeira fase, de quinze meses — e de 18 de Outubro seguinte a 18 de Setembro de 1923 — segunda fase, de onze meses). A criação das escolas-oficinas e a concessão dos subsídios necessários para a sua instalação e funcionamento mereceram-lhe grande interesse. Embora muitas iniciativas não tenham dado fruto satisfatório, por não terem sido cuidadosamente estruturadas, não pode negar-se a dedicação que mostrou ter pela elevação cultural, social e profissional dos naturais de Angola.

Vendo as coisas com olhos do nosso tempo e observando-as sob o prisma da justiça e do bom senso, temos de pôr reservas à orientação dada ao estabelecimento e funcionamento das escolas-oficinas, que eram segregacionistas, contra o sentir geral português, pelo menos na expressão oficial, que se apresentava favorável à integração. Se aquela orientação persistisse e fosse reforçada, Angola teria sofrido os inconvenientes de uma mentalidade que se aproximaria do apartheid.

Também não podemos esquecer, para sermos justos em relação a outras figuras da governação angolana e até em relação a ele mesmo, que foi o governante que usufruiu mais largos poderes, nunca mais repetidos, podendo dispor de dinheiro com bastante liberdade e relativa abundância, condição imprescindível para se conseguirem bons resultados em todas as realizações e para se concretizar a grande maioria dos projectos.

Antes de entrarmos na enumeração das escolas que criou e subsidiou, queremos salientar que muitas iniciativas do tempo de Norton de Matos, muitos diplomas então publicados, se devem a um dos seus mais destacados colaboradores, Miguel de Almeida Santos, que o substituiu durante vários meses do seu segundo mandato e foi o seu sucessor. Os nomes dos dois governantes sobrepõem-se durante certo tempo, aquele como alto-comissário e este como encarregado do Governo. Os solavancos políticos da época e as exigências da guerra europeia afastaram Norton de Matos da governação de Angola, sendo substituído por outras figuras de destaque, no seu tempo, e nomeadamente pelo general António Júlio da Costa Pereira de Eça, nome estreitamente ligado às acções bélicas que se prendem com a subordinação dos povos da região do Cunene, onde combateu. Os mesmos solavancos políticos levaram Norton de Matos a ocupar durante algum tempo as cadeiras ministeriais, no Terreiro do Paço. Alguns anos depois voltou a Angola, exercendo pela segunda vez o cargo de chefe da província.

Referimos no primeiro volume desta obra que Norton de Matos criou, no seu primeiro período de governação, as escolas-oficinas de Luanda, Pungo Andongo, Nóqui, Bié e Caconda. Esta última, segundo indicações recolhidas de outras fontes, recebeu o seu próprio nome, à semelhança do que aconteceu em Luanda, à qual foi dado o nome de sua filha Rita Norton de Matos, por decisão e desistência de sua esposa. Porém, em meados do ano de 1919 fazia-se menção de um subsídio de 30$00 concedido à escola pela comissão municipal de Pungo Andongo, continuando a dar-se-lhe o seu nome.

No dia 15 de Outubro de 1921, sob proposta da Secretaria de Colonização e Negócios Indígenas, foi aprovada a distribuição de uma verba de trezentos contos, da tabela da despesa extraordinária, para a instalação de escolas-oficinas destinadas à preparação profissional dos aborígenes nos distritos de Luanda, Congo, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Malanje, Benguela, Moxico e Huíla. Temos aqui indicação de que o problema do dinheiro tinha sido solucionada; devemos, porém, salientar que algumas das escolas subsidiadas ainda não tinham sido criadas. A administração portuguesa tinha destas coisas!

Em 17 de Fevereiro de 1922, declarava-se que a Escola Rita Norton de Matos, de Luanda, tinha frequência média superior a cem alunas. Em face disso, foi alargado o respectivo quadro docente, nomeando uma professora ajudante para ensinar costura e trabalhos femininos. Segundo o mesmo diploma, a sua professora-directora teria categoria equivalente a um primeiro-oficial, estando em igualdade de circunstâncias as professoras de primeira classe; a mestra de costura e as professoras de segunda classe seriam consideradas na categoria de segundo-oficial; as professoras-ajudantes e professoras de terceira classe teriam categoria de terceiro-oficial.

No dia 23 de Fevereiro e do mesmo ano de 1922, foi criada na cidade de Luanda uma escola profissional elementar para apoiar as crianças do sexo masculino, equivalente à que fora fundada em 1912 para o sexo feminino, à qual foi dada a designação de Escola-Oficina 31 de Janeiro. Deveria funcionar em regime de semi-internato e, além da instrução primária rudimentar e da instrução moral e cívica, seriam ministrados ali conhecimentos técnicos relativos aos ofícios de marceneiro-carpinteiro, pedreiro, sapateiro e alfaiate.

Em dada altura, começa a aparecer referência a uma escola-oficina de Luanda que funcionava na Casa dos Pobres. A menção à Escola-Oficina 31 de Janeiro, por sua vez, desaparece. Isso nos leva a pensar que as duas fossem uma só e a mesma escola.

Na mesma data, foram criadas também as escolas-oficinas de Dondo, Belmonte (Bié) e Andulo, destinadas ao sexo feminino e que tomariam como modelo a sua correspondente de Luanda, a Escola-Oficina Rita Norton de Matos. Funcionariam igualmente em regime de semi-internato, ministrando conhecimentos de costura, trabalhos domésticos e afins, como sejam a economia familiar e a puericultura.

No dia seguinte, 24 de Fevereiro, outra portaria lembrava que a Escola Pátria Nova, do Bié, não tivera até então funcionamento satisfatório, por não ter sido dada execução à determinação legal que a criou, em 26 de Março de 1914. Foi-lhe concedido um subsídio de vinte contos, o que nos leva a perguntar se os diversos motivos por que não pôde cumprir a sua função estariam relacionados com as dificuldades financeiras. Destinava-se à preparação profissional das crianças dos dois sexos. Poderá pensar-se se esta escola e a que na véspera foi criada seriam distintas uma da outra ou se haveria sobreposição...

Em igual data, 24 de Fevereiro de 1922, era fundada uma escola-oficina na Humpata, também com duas secções, masculina e feminina. Curiosamente, determinava-se que ocuparia o edifício destinado à aviação, o que nos deixa um tanto surpreendidos! Havia já algumas crianças a receber instrução profissional no Lubango, numa escola de artes e ofícios anexa à Escola Primária Superior. No dia 2 de Abril de 1923, foi publicado um decreto do Alto-Comissariado da República Portuguesa em Angola pelo qual a escola-oficina da Humpata, sem perder as suas características especiais, era remodelada de acordo com a doutrina do Regulamento das Escolas-Oficinas. Em cada uma das suas secções deveria admitir, pelo menos, cinquenta crianças, o que nos dá o total de cem alunos. Receberia apenas filhos de indígenas. Manteria os departamentos necessários para que fossem ensinados os ofícios de marceneiro-carpinteiro, pedreiro-canteiro, alfaiate e sapateiro, especialmente destinados aos rapazes, e também noções do trabalho de costura, fiação e tecelagem, lavandaria, engomadoria e culinária, particularmente destinadas às raparigas. Esta escola funcionava ainda em 1935, pois sabemos que nas suas oficinas tipográficas foi impresso um folheto do governador do Bié, António de Almeida, contendo a alocução proferida junto do monumento a Silva Porto, em 18 de Junho desse ano. Na altura da sua criação não se considerava a hipótese da montagem da tipografia; isso viria a ser resolvido mais tarde, em condições mais favoráveis, por iniciativa de alguém que tinha dotes de empreendedor; encontraremos adiante a notícia e explicação da sua origem.

Ainda no mesmo dia, 24 de Fevereiro de 1922, foram fundadas as escolas-oficinas de Catete, Gabela, Vila Nova de Seles, Mussende (Gango), Calulo, Muxima e Luso.

Surgiu-nos a dúvida se foi criada ou não no mesmo dia a de Quibala, de que não temos notícia anterior, mas não vem incluída na alínea respectiva, só na da atribuição de oficinas. Quanto à do Luso, deve verificar-se aqui um anacronismo qualquer, pois nessa data ainda não tinha sido fundada a povoação, pelo menos oficialmente, o que só ocorreu em 25 de Fevereiro, portanto no dia seguinte.

O ensino profissional ou técnico a ministrar em cada um destes estabelecimentos abrangia os ofícios de ferreiro-serralheiro, carpinteiro e pedreiro, em todos eles, à excepção do Luso, que teria oficinas de carpinteiro, pedreiro e serrador — que tanto poderia ter carácter fixo como ambulante, e por isso não foi acoplada à primeira profissão referida.

No dia 10 de Março de 1922, foi criada a escola-oficina de Saurimo, destinada apenas ao sexo masculino e ao ensino das artes de carpinteiro, pedreiro e ferreiro-serralheiro. Foram fundadas também na mesma data as de Cabinda, Maquela do Zombo, Santo António do Zaire, Malanje, Ganda e Cubango (Ganguelas), onde seriam ministrados conhecimentos dos ofícios de carpinteiro, serrador e pedreiro, sendo também exclusivamente destinadas ao sexo masculino e a crianças indígenas, como era norma em todas ou quase todas elas.

Por disposição da portaria de 12 de Julho de 1922, a escola-oficina de Caconda, que funcionava de acordo com as determinações exaradas em 17 de Novembro de 1914, pela qual fora criada, passou a adoptar as que constam do diploma de 23 de Fevereiro de 1922, unificando-se na medida do possível o funcionamento de todas. Nesse estabelecimento seria ministrado o ensino das profissões de carpinteiro, ferreiro-serralheiro e oleiro. Este era mencionado apenas nesta escola-oficina, até àquela data.

Voltamos a ter referência às mesmas profissões na portaria do dia 18 de Julho seguinte, que criou a escola-oficina de Cuma (Lépi), também para o sexo masculino. As despesas a fazer com a sua instalação seriam custeadas pela verba atribuída em 7 de Julho ao distrito de Benguela para ser gasta na difusão escolar.

Em 28 do mesmo mês de Julho de 1922 foi criada a escola-oficina do Bailundo. Os seus alunos, todos do sexo masculino, seriam preparados para virem a fabricar tijolo e cal e adestrados nos trabalhos de carpinteiro e pedreiro. Existiria ainda junto do estabelecimento de ensino um horto agrícola, tratado pelos rapazes que a frequentassem. As despesas com a sua instalação seriam também custeadas com a verba atribuída ao distrito de Benguela, acima referida.

No dia 24 de Julho do mesmo ano, foi criado em Luanda um estabelecimento de beneficência e instrução profissional, destinado a recolher crianças desvalidas indígenas do sexo feminino, cujas famílias não estivessem em condições de as manter consigo, por razões pertinentes. Funcionaria como internato e semi-internato, anexos à Escola Rita Norton de Matos, e sob a mesma denominação, com a categoria de "escola-asilo". Deveria receber, de começo, cinquenta crianças, alargando este número na medida das possibilidades. A sua administração ficaria dependente da Liga Promotora da Instrução e Beneficência, recentemente fundada na capital de Angola. Os respectivos estatutos foram aprovados no dia 28 de Julho desse mesmo ano de 1922.

No dia 17 de Agosto seguinte, foi criada no Ambriz a sua escola-oficina, destinada ao sexo masculino. Ali seriam preparados ferreiros-serralheiros, carpinteiros e pedreiros. A despesa com a sua instalação seria satisfeita pela verba atribuída em 7 de Julho anterior ao distrito de Cuanza-Norte, para alargamento da sua escolaridade.

Em 31 de Outubro de 1922, era criada a escola-oficina de Andulo, igualmente destinada apenas ao sexo masculino; a preocupação de preparar profissionalmente as meninas não prendia tanto a atenção dos governantes daquele tempo. Nele seria ministrado o ensino das artes de carpinteiro-marceneiro, ferreiro-serralheiro e pedreiro-ceramista, ou seja talvez pedreiro-oleiro.

A euforia da criação de escolas-oficinas, que se julgava então ser a modalidade mais conveniente às populações indígenas, ou pelo menos assim pensavam os responsáveis europeus, estendeu-se, às mais afastadas regiões de Angola. Assim, no dia 16 de Novembro desse ano de 1922, foi criada a escola-oficina de Cangamba, no então distrito da Luchazes, com sede naquela localidade. Destinava-se a ensinar os ofícios de ferreiro-serralheiro, carpinteiro, oleiro, sapateiro e alfaiate, sendo frequentada apenas por crianças do sexo masculino. Teria uma dotação inicial de doze contos, sendo a terça parte desta verba para pagamento dos ordenados ao pessoal e o restante para despesas com a instalação e manutenção.

Entrámos no ano de 1923. Logo no seu início, no dia 3 de Janeiro, foi criada a escola-oficina de Cachingues, na zona do Alto Cuanza, na região biena. Deveria preparar carpinteiros e pedreiros-oleiros. A portaria que a criou saiu com data de 3 de Janeiro de 1922, o que é um lapso indiscutível. Estranhamos que estes erros fossem tão frequentes!

Em 25 de Janeiro de 1923, foi criada a escola-oficina para o sexo feminino em Malanje, designada também por escola do ensino primário técnico, denominação poucas vezes usada. Adoptaria o regulamento da Escola Rita Norton de Matos. Além da instrução primária elementar, ministraria o ensino das actividades de costura e outros misteres caseiros.

Em 25 de Abril de 1923, era criada a escola-oficina do Alto-Cuanza, destinada a crianças do sexo masculino. Não se indicava claramente a sua localização, sabendo-se apenas que ficava no Bié. Este pormenor, ligado ao facto de a portaria que criou a escola-oficina de Cachingues ter sido publicada com data errada, leva-nos a pensar se não seria a mesma!?

Sentindo-se a necessidade de criar condições favoráveis e pôr ordem quanto ao funcionamento de todos estes estabelecimentos, quando chegasse o momento de iniciarem a sua actividade, foi redigido um pormenorizado Regulamento-Geral das Escolas-Oficinas da Província de Angola, que obteve aprovação a 22 de Fevereiro de 1923, tendo sido imediatamente publicado nas páginas do Boletim Oficial de Angola. Pela sua leitura podemos deduzir o que se pretendia e o que se esperava da acção de tais estabelecimentos de ensino. Repare-se que eram consideradas de categoria inferior à das escolas primárias, pois tinham outra finalidade, que era a preparação dos nativos sob o aspecto do trabalho.

Nos anos seguintes, aparecem de vez em quando referências indirectas às escolas-oficinas de Angola e ao seu funcionamento. Assim, sabemos que em 30 de Julho de 1926 a verba atribuída à escola-oficina de Henrique de Carvalho (Saurimo) foi reforçada com a importância de 35.518$10 que havia sido atribuída à Missão Civilizadora Laica Lusíadas e não fora utilizada. Em igual data era reforçada com a quantia de 25.000$00 a verba atribuída à Escola Oficina de Saurimo, a cargo da missão laica. Estamos em dúvida se havia duas escolas ou se era só uma! Inclinamo-nos para a segunda hipótese.

Em 28 de Junho de 1927, foram criadas ou restauradas mais algumas escolas-oficinas em Angola, com a distribuição seguinte:

Congo

—Escola-Oficina Duarte Pacheco, de frequência mista, na Damba;
—Escola-Oficina Corte Real Delgado, masculina, em Sanza Pombo, circunscrição civil de Pombo;

Malanje

—Escola-Oficina 5 de Outubro, mista, em Nova Gaia, concelho de Songo;

Huíla

—Escola-Oficina Óscar Torres, mista, na Humpata;
—Escola-Oficina Cândido dos Reis, masculina, em Vila Pereira de Eça, no Baixo Cunene;
—Escola-Oficina Infante D. Henrique, masculina, na Chibia;
—Escola-Oficina Abílio Marçal, masculina, em Chibemba, circunscrição civil de Gambos;

Moxico

—Escola-Oficina Capelo e Ivens, masculina, em Cazombo, no Alto Zambeze;
—Escola-Oficina Portugal, masculina, em Vila Gago Coutinho, circunscrição civil de Bundas;

B i é

—Escola-Oficina 1º de Dezembro, masculina, em Serpa Pinto (Menongue);
—Escola-Oficina Teófilo Braga, masculina, em Catabola;

Cuanza-Norte

—Escola-Oficina Alexandre Herculano, masculina, em Cacuso, concelho de Pungo Andongo.

Na mesma data, 28 de Junho de 1927, foram extintas as duas escolas-oficinas existentes em Andulo, uma para cada sexo, e criada para as substituir uma escola-oficina de frequência mista, pois reconhecera-se ser desnecessário haver dois estabelecimentos equivalentes naquela localidade.

Em 22 de Agosto seguinte, foi extinta a escola-oficina da Ganda, distrito de Benguela, do sexo masculino, criada em 10 de Março de 1922, como se referiu na altura própria. Ignoramos as razões que levaram a tomar tal decisão.

No dia 22 de Dezembro desse ano, foi extinta a escola-oficina de Mussende, circunscrição civil de Gango, distrito de Cuanza-Sul, criada em 24 de Fevereiro de 1922. Seria substituída por uma escola rural, nos termos do diploma de 16 de Abril anterior.

A escola-oficina de Serpa Pinto, ou Menongue, veio a ser extinta em 30 de Junho de 1928. Pode pôr-se a hipótese de nunca ter chegado a entrar em funcionamento.

Quando em 25 de Novembro de 1929 se constituíram os quadros docentes de cada uma das categorias das escolas de instrução primária, não ficaram esquecidas as escolas-oficinas, que continuavam a merecer a atenção dos governantes. No entanto, introduziam-se alterações na sua estrutura, tendo em consideração o condicionalismo geral. Por isso, em 11 de Dezembro seguinte, todas as escolas-oficinas de Angola passaram a ser consideradas mistas, adoptando-se os regimes de internato, semi-internato e externato. Segundo determinação do correspondente diploma, poderiam receber alunos de qualquer etnia, mesmo que não fossem pobres. E em todas elas se faria a aprendizagem dos trabalhos agrícolas, em que mais se insistiria, e também em todas seria ministrado o ensino dos ofícios de carpinteiro e pedreiro, além dos que eram particularmente designados para cada estabelecimento. As raparigas preparar-se-iam para desempenharem com esmero os trabalhos domésticos. Na escola-oficina da Humpata haveria uma oficina de tipografia, que seria montada com a maquinaria adquirida para a de Santo António do Zaire. Já atrás fizemos referência a esta oficina de tipografia, que deve ter nisto a sua origem.

Temos certas indicações que nos levam a pensar ter sido admitida uma excepção para Luanda, conservando-se aqui as duas escolas, com separação de sexos, a de Rita Norton de Matos, para as meninas, e ainda outra para os meninos.

O diploma de 17 de Julho de 1930 estabelecia que a escola-oficina a funcionar em Muchinga, cerca de trinta quilómetros de Damba, fosse transferida para esta localidade, onde estava a sede da respectiva circunscrição civil. Em regra, indicava-se como se estivesse funcionando na Damba, sempre que se lhe fazia referência.

Segundo portaria assinada em 11 de Março de 1932, pelo governador-geral Eduardo Augusto Ferreira, "a prática demonstrara que a criação das escolas-oficinas não correspondera, por factores vários, aos resultados desejados, e que por isso se impunha o seu encerramento. O ensino profissional deveria ser divulgado metódica e gradualmente em toda a colónia, sem precipitações e com todos os elementos que o tornassem profícuo". Considerava-se que para o seu bom funcionamento era indispensável dotar as escolas-oficinas de mais vastos recursos materiais e humanos, e isso não podia fazer-se nas condições que então se viviam em Angola, pois passava por uma grave crise económica, com reflexos diversos em todos os sectores. Talvez por esses motivos, e por outros mal determinados que somente os especialistas poderão dissecar com exactidão, foram extintas as seguintes escolas-oficinas:

—Ferreira Deusdado – Cabinda;
—31 de Janeiro – Sanza Pombo;
—Duarte Pacheco – Damba;
—Damião de Góis – Maquela do Zombo;
—Luís Verney – Quibaxe;
—P. António de Oliveira – Luanda;
—Mota Prego – Catete;
—José de Sequeira – Dondo;
—Simões Dias – Caxito (Fazenda Tentativa);
—Jacob Rodrigues Pereira – Cacuso;
—Veríssimo Sarmento – Malanje;
—Gama Barros – Dundo;
—P. António Vieira – Quibala;
—Mª Amália Vaz de Carvalho – Vila Arriaga;
—Pedro Nunes – Lépi;
—Manuel Bernardes – Vila General Machado;
—Branco Rodrigues – Vila da Ponte;
—D. Dinis – Quipungo;
—Machado de Castro – Chitembo;
—Gil Vicente – Cazombo;
—Columbano – Vila Gago Coutinho;
—Gago Coutinho – Cangamba;
—Infante D. Henrique – Chibia;
—Afonso de Albuquerque – Chitemba.

Com a data de 1 de Outubro de 1932, foi ordenado que a Escola Profissional Pátria Nova, de Silva Porto, Bié, que estava a cargo do Grémio Pátria Nova, passasse para a administração directa do Estado, sendo transformada em estabelecimento de ensino comum dentro da sua categoria e ficando a ser designada por Escola-Oficina Pátria Nova. O pessoal docente que satisfizesse as condições legais seria mantido nos seus lugares, com todos os direitos e regalias conquistados. A câmara municipal local deveria inscrever no seu orçamento anual uma verba para subsidiar esta instituição de ensino profissional, do quantitativo antes destinado ao mesmo fim. Era imposta idêntica obrigação à circunscrição civil do Bié, que também contribuía com auxílio financeiro para que aquela escola funcionasse. Seriam ainda aplicadas aqui as verbas disponíveis da escola-oficina do Bailundo, cujo patrono era José Augusto Coelho, que não estava em funcionamento.

Procurando dar à escola-oficina do Luso, que ostentava o nome de Rafael Bordalo Pinheiro, os meios indispensáveis para levar a bom termo a sua missão, em 21 de Abril de 1934 foi reforçada a verba orçamentada para a alimentação dos alunos.

Segundo os termos do decreto de 9 de Janeiro de 1937, o ensino das artes e ofícios em Angola deveria ser limitado às zonas em que se reconhecesse ser absolutamente indispensável, tendo em vista as condições do meio e as exigências da região. Havendo isso em conta, e atendendo também à forma deficiente como até então tinham funcionado quase todas as que chegaram a ser estabelecidas, na mesma data de 9 de Janeiro foi publicado um diploma legislativo pelo qual as escolas-oficinas seriam substituídas por escolas elementares profissionais de artes e ofícios ou por escolas elementares profissionais agrícolo-pecuárias, conforme se visse ser mais conveniente. Abria-se uma única excepção para a Escola Rita Norton de Matos, em Luanda, que continuaria a funcionar regendo-se pela legislação que lhe era particularmente aplicável. O pessoal docente transitava das escolas-oficinas para os novos estabelecimentos, dentro das exigências legais e respeitando os direitos e regalias que cada um tinha adquirido.

Em igual dia, foram criadas as escolas elementares profissionais de artes e ofícios em Luanda (duas, sendo uma delas na Casa dos Pobres), Benguela, Bié, Malanje e Huíla. Quanto a esta última, não se determinava a sua localização exacta, que oportunamente seria definida.

A propósito da referência à Casa dos Pobres, recordamos que em 15 de Março de 1921 foi elevado para doze contos o quantitativo do subsídio anual concedido à missão religiosa portuguesa de Luanda, que sustentava um asilo para as crianças do sexo masculino, desde havia muito tempo, segundo afirmava aquele diploma legal. Atendia-se às graves dificuldades financeiras que se faziam sentir entre nós, ajudando a resolver as que directamente diziam respeito a esta instituição.

Na mesma data, e pelos mesmos motivos, foi também elevado para doze contos o subsídio anual concedido ao Asilo D. Pedro V.

A missão religiosa acima referida estava organizada nos termos do decreto de 2 de Janeiro de 1920 e, portanto, dentro das exigências da lei. As fugidias menções que se fazem à Casa dos Pobres, de Luanda, o facto de ali estar estabelecida uma escola de artes e ofícios, a recordação do que veio a ser a Casa Pia e a Casa dos Rapazes, levam a pensar se não haveria relação estreita entre a antiga missão e a instituição que existia cerca de vinte anos mais tarde!

O Asilo-Escola Rita Norton de Matos, que se governava por regulamento próprio, passou a partir de 12 de Março de 1938 a ser denominada por Escola Elementar Profissional Feminina, com o mesmo patrono, e adoptaria a organização, administração e tipo de funcionamento das demais. Continuava a ser, para todos os efeitos, verdadeiro asilo ou albergue de crianças indígenas pobres, garantindo-se-lhe, por portaria de 8 de Outubro desse ano, as dotações e subsídios correspondentes. Continuava, no entanto, em vigor a determinação de atender as necessidades sociais sem distinção de etnia, podendo receber crianças europeias ou africanas.

Foram extintos os ofícios de costura ou equivalentes nalguns destes estabelecimentos — Casa dos Pobres de Luanda, Pereira de Eça, Gabela, Saurimo e Santo António do Zaire.

Foi criada a Escola Elementar Profissional Feminina D. Filipa de Lencastre, em localidade que só mais tarde seria designada e que sabemos ter sido estabelecida em Benguela.

Em 11 de Fevereiro de 1939, foram distribuídas as verbas orçamentadas sob a rubrica "Construções e Obras Novas", às entidades:

—Escola Agrícolo-Pecuária de Catete                   40.000$00;
—Escola Agrícolo-Pecuária de Malanje                15.000$00;
—Escola Agrícolo-Pecuária de Humpata               12.500$00.

Convém esclarecer que estas verbas se destinavam a obras de construção de camaratas e senzalas. Assim o afirmam os textos oficiais.

Verificando-se que a região de Porto Amboim tinha oficinas particulares suficientes para satisfazerem e até excederem as necessidades locais da preparação de artistas profissionais, e reconhecendo-se a vantagem de dirigir os nativos para a prática dos trabalhos agrícolas, preparando capatazes e técnicos que pudessem servir nas explorações agrícolas e pecuárias dos europeus, a portaria de 18 de Março de 1939 transformou a Escola Elementar Profissional de Artes e Ofícios, da Gabela, em Escola Elementar Profissional Agrícolo-Pecuária.

A Huíla manifestou desde muito cedo e por diversas formas o seu interesse pelos problemas culturais. A explicação para isso talvez possa encontrar-se na profunda influência exercida pelos boers, ou bures, que ali se estabeleceram. Essa explicação parece muito mais plausível do que se quiséssemos baseá-la na presença dos colonos madeirenses, que na sua origem não mantinham estreito contacto com as coisas do espírito. Poderá ainda recorrer-se à tradição académica de Coimbra, trazida por personagens influentes na região. Seja o que for e como for, o certo é que dedicou particular atenção aos problemas culturais, amparando as iniciativas que visassem o enriquecimento espiritual.

Em 28 de Agosto de 1939, foi criada na Huíla uma escola de artes e ofícios para o sexo masculino, destinada a educar crianças pobres, de mais de doze anos de idade, brancas ou mestiças. Esta expressão pode levar-nos a concluir que seriam excluídas as crianças de cor preta, o que não podemos aceitar. Alguns anos antes dava-se exactamente o contrário, tendo sido criadas escolas-oficinas exclusivamente destinadas aos africanos.

A primeira metade do século XX, em que tão profundamente se fez sentir a influência de diversos países europeus sem tradições de colonização, foi uma época muito estranha, vazia de conceitos, oscilante e movediça, seguindo passivamente influências e influxos que não eram os lusitanos!

O projectado estabelecimento de ensino profissional elementar ensinaria aos educandos os ofícios de carpinteiro, serralheiro e sapateiro. O seu director seria escolhido entre os professores do ensino primário e os alunos receberiam instrução literária equivalente aos programas da quarta classe. Avançou-se já em relação às antigas escolas-oficinas que só preparavam até à terceira classe e nalguns casos só até à segunda. Ministraria as aulas o director do estabelecimento. Era obrigatória a assistência, mesmo daqueles que tivessem feito já o exame do segundo grau, que consolidariam a instrução anteriormente adquirida; estava também em causa o problema da disciplina.

Em 13 de Março de 1940, foi aprovado e posto em vigor o Regulamento da Escola de Artes e Ofícios da Huíla, a que se dava já a designação de Escola de Artes e Ofícios Artur de Paiva, esclarecendo-se que ficaria a funcionar em Sá da Bandeira.

Vem a propósito lembrar que teve o mesmo patrono a antiga Escola Primária Superior; foi extinta para dar lugar ao liceu.

Além do ensino primário elementar, a Escola de Artes e Ofícios Artur de Paiva, de Sá da Bandeira, ministraria a instrução relativa aos ofícios de carpinteiro-marceneiro, admitindo vinte alunos, serralheiro, com quinze aprendizes, sapateiro, também com quinze praticantes, podendo vir a montar a oficina de alfaiataria ou outras que se julgassem necessárias e convenientes, sob proposta do governador da província da Huíla, aceitando em cada uma das novas oficinas grupos de dez instruendos. O regulamento incluía programas pormenorizados, quer relativamente à instrução literária quer à preparação profissional.

Na primeira metade da década de quarenta (1941-1945), estavam a funcionar em Angola meia dúzia de escolas elementares de artes e ofícios. Duas delas estavam fixadas em Luanda — Rita Norton de Matos para o sexo feminino e Casa dos Pobres para o sexo masculino. Outras duas tinham a sede em Benguela — D. Filipa de Lencastre para as meninas e outra para os rapazes, sem patrono ou mal definido. Havia ainda a do Luso — umas vezes chamada Nun'Álvares e outras vezes Rafael Bordalo Pinheiro. Existia também a de Pereira de Eça, sob o nome de Cândido dos Reis.

Em paralelo com estas, funcionavam as escolas profissionais agrícolo-pecuárias localizadas em Catete, Cazengo, Malanje, Cuíma, Gabela, Silva Porto e Humpata, portanto em número de sete. Tanto umas como as outras devem ser consideradas de nível primário, inferiores portanto ao nível das escolas de designação idêntica mais tarde estabelecidas e que atingiram a data da proclamação da independência.



 
Índice
Anterior
Seguinte
  1