29. ESCOLAS AUTÓNOMAS
Vem de longa data o costume de dar o nome de "escola" aos mais diversos institutos, organismos ou serviços que se arroguem o papel de ministrarem qualquer tipo de instrução ou se dediquem, mesmo materialmente, a divulgar conhecimentos. Esta designação tanto se aplica aos cursos de instrução militar como à aprendizagem da condução automóvel, à preparação especializada de diversas profissões e ao treinamento intensivo em ramos muito particulares. Quem se dedique ao estudo sistematizado da actividade cultural poderá sentir-se perplexo e hesitar se deve considerá-los como elementos salientes da difusão do saber e da elevação do nível intelectual ou se antes deve reputá-los como empreendimentos de mero interesse particular com objectivo estritamente material e económico.
Realmente, essa dúvida manifesta-se por vezes de forma que chega a criar indecisões; mas, embora os serviços em questão tenham o aspecto de expansores do saber, contribuam para o alargamento do apreço pelas actividades intelectuais e generalização dos conhecimentos, resta-nos sempre o tópico de terem finalidade próxima, interesses imediatos, precisos e bem definidos.
Se procurarmos a origem da preparação profissional, particularmente a que se refere às artes e ofícios, não deixaremos de esbarrar com o empirismo organizado. Pouco o ultrapassava a estrutura de aprendizagem dos misteres da Idade Média, que se completava pela apresentação de um trabalho de reconhecido mérito e notória perfeição, inteiramente realizado pelo candidato à categoria de oficial-mestre, a sua obra-prima. No caso de ter sido aceite e classificada, ascendia à classe artesanal ambicionada, podia ombrear com os demais confrades.
Alguns serviços e instituições, tanto públicos como particulares, procuram preparar trabalhadores eficientes, ministrando-lhes a instrução profissional reputada indispensável. Aconteceu isso em Angola, em vários organismos, e é a eles que vamos referir-nos no presente capítulo.
Já tivemos oportunidade de mencionar algumas experiências e tentativas realizadas, nomeadamente a de Sousa Coutinho com a fundação do seu conhecido Trem, que preparava artífices da construção naval.
Uma das experiências mais interessantes foi, por certo, a da Escola dos Correios e Telégrafos, iniciada no final do século passado. Todavia, nos primeiros tempos não deixou rastos bem salientes, escasseia o registo da actividade desenvolvida, embora haja sintomas suficientes para admitir o seu funcionamento prolongado.
No dia 1 de Outubro de 1919, foi proposto que o número de alunos a admitir naquela escola fosse de vinte e cinco, dez dos quais receberiam subsídio; os outros quinze eram designados por "extraordinários", e não sabemos exactamente o que isso significava — talvez alunos voluntários, assistentes, ouvintes, sem compromisso de futura contratação. O regulamento por que se regia o estabelecimento tinha sido aprovado em 9 de Setembro de 1913, que se considera a data da sua fundação oficial.
Durante os próximos anos não aparecem referências
a esta escola, cujo funcionamento deveria ter sido irregular, adaptando-o
à necessidade mais ou menos premente de preparar funcionários
para os quadros, o que dependia da estruturação dos serviços
e também da dedicação e interesse dos responsáveis.
Apenas em 30 de Abril de 1927 surge a informação de ter sido
aprovado o novo Regulamento da Escola de Correios e Telégrafos
de Angola. Adoptou-se a partir de então o programa esquemático
seguinte:
1º ANO
—Magnetismo, Electricidade e Electromagnetismo;
—Telegrafia e Telefonia;
—Legislação Postal;
—Língua Francesa.
2º ANO
—Magnetismo, Electricidade e Electromagnetismo;
—Língua Francesa;
—Legislação Telegráfica;
—Telegrafia e Telefonia (montagem de aparelhos e instalação
de estações);
3º ANO
—Radiotelegrafia;
—Contabilidade;
—Língua Inglesa;
—Dactilografia;
—Telegrafia (avarias, reparação e montagem de linhas).
Em 25 de Abril de 1928, foi ordenado que a cadeira de "Magnetismo, Electricidade e Electromagnetismo", da Escola de Correios e Telégrafos, passasse a denominar-se "Electricidade e Telegrafia", ficando com a seguinte distribuição, indicada por anuidades escolares:
1º Ano—Noções Gerais de Magnetismo, Electricidade e Electromagnetismo;
2º Ano—Telégrafos e Telefonia;
3º Ano—Avarias e Processos de Reparação e Montagem de Linhas.
Segundo determinação oficial, com data de 4 de Julho desse mesmo ano de 1928, foi encerrada a Escola de Correios e Telégrafos, que tinha sido reorganizada a menos de um ano de distância; poucas semanas antes haviam sido introduzidas alterações nos programas e disciplinas. Isso nos leva a pensar que havia pouca objectividade nas medidas tomadas, incompreensíveis em datas tão aproximadas, devido a manifestarem um antagonismo de posições de difícil explicação; a remodelação do esquema didáctico deveria indicar-nos que a sua actividade e funcionamento estavam garantidos! Segundo afirma o diploma legal, reconhecia-se a inutilidade de se manter a funcionar, ignorando os motivos em que se baseia tal conclusão!
Ainda em 18 de Maio anterior tinha sido aprovada nova Organização do Serviço dos Correios e Telégrafos das Colónias. Esse diploma atribuía aos respectivos chefes, em cada território, o encargo de dirigirem a Escola Prática Elementar dos Correios e Telégrafos, que em Angola não havia.
Isso talvez viesse a influir para a decisão de 29 de Setembro
do mesmo ano, que aprovou o Regulamento da Escola Prática Elementar
dos Correios e Telégrafos de Angola, o que nos leva a pensar
que os responsáveis foram forçados a rever posições,
vindo assim a tomar atitudes condizentes. Dava-se nessa data ao correspondente
estabelecimento de ensino outra escalonação das matérias
de estudo, distribuídas por quatro disciplinas, como a seguir se
indica:
1ª DISCIPLINA
—Legislação Postal e Telegráfica, Nacional e Internacional;
—Geografia Postal e Telegráfica;
—Principais Linhas de Comunicação, Postais e Telegráficas.
2ª DISCIPLINA
—Noções Gerais de Mecânica, Física Geral
e Química (indispensáveis para o estudo da Telegrafia);
—Fontes de Electricidade;
—Noções Gerais de Telegrafia Eléctrica.
3ª DISCIPLINA
—Aparelhos e Instrumentos Telegráficos; Linhas e Sistemas Telegráficos;
—Medições Eléctrica (aplicadas à Telegrafia);
—Telefones; Telegrafia e Telefonia sem Fios.
4ª DISCIPLINA
—Noções de Contabilidade Postal e Telegráfica;
—Língua Francesa (prática de conversação
e redacção).
Nem ainda desta vez conseguiu injectar-se vitalidade a este estabelecimento de preparação profissional. Quer fosse por desinteresse da população que devia aproveitar os seus serviços quer fosse por falta de dedicação dos responsáveis e fraco apoio das autoridades, o certo é que em 17 de Abril de 1929 a Escola Prática Elementar dos Correios e Telégrafos era encerrada, por falta de frequência. Esta expressão, que outras vezes se usou, nem sempre deve aceitar-se na sua simplicidade e pureza, pois pode encobrir causas mais complexas e motivos mais profundos.
O mal não era ainda de morte. No vaivém das iniciativas governamentais podemos registar a decisão de 25 de Setembro desse mesmo ano, pela qual se determinava que a Escola Prática Elementar dos Correios e Telégrafos de Angola deveria reabrir, pois tinham sido admitidos alguns funcionários sem conhecimentos técnicos indispensáveis e que se reputavam necessários para bem exercerem as suas funções, pelo que se atribuía a este estabelecimento o papel de os preparar.
A Organização dos Serviços dos Correios e Telégrafos
da Colónia de Angola, aprovados em 12 de Fevereiro de 1931,
trata expressamente, no seu Capítulo XIV, do ensino profissional
a ministrar pela Escola Prática Elementar. Ao mesmo tempo, o documento
dá-nos o esquema das matérias ensinadas, que continuavam
a ser distribuídas por quatro disciplinas, embora os pontos focados
sofressem algumas alterações, que podem encontrar-se fazendo
a comparação com o anterior. O esboço agora introduzido
era assim ordenado:
1ª DISCIPLINA
—Legislação Postal e Telegráfica, Nacional e Internacional;
2ª DISCIPLINA
—Língua Francesa; —Mecânica, Física e Química
(indispensáveis para o estudo da Telegrafia).
3ª DISCIPLINA
—Telegrafia Eléctrica (Fontes da electricidade, aparelhos, instrumentos,
linhas e sistemas telegráficos, medições eléctricas
aplicadas à Telegrafia);
—Telefones, Telegrafia e Telefonia sem Fios.
4ª DISCIPLINA
—Geografia Postal e Telegráfica; Principais Linhas de Comunicações Postais e Telegráficas.
No dia 9 de Novembro de 1933, foi aprovado e entrou em vigor o Regulamento
da Escola Prática Elementar dos Correios e Telégrafos da
Colónia de Angola, que se dizia ter sido já aprovado
em 18 de Maio de 1928. Já referimos essa data, sob outro ponto de
vista. Uma vez mais se indicava o esquema das matérias de estudo
ministradas aos alunos que a frequentassem, estruturalmente pouco diferente
do anterior. O mais importante é que se fazia a distribuição
por anos de estudo, em vez de ser por disciplinas escolares. A título
de curiosidade, e até porque tem origem no Governo de Lisboa, e
se destinava a todas as escolas deste tipo, de todos os territórios
dominados por Portugal, incluiremos o escorço dos temas docentes,
que eram os seguintes:
1º ANO
—Legislação Postal e Telegráfica, Nacional e Internacional;
—Língua Francesa;
—Física Geral — Mecânica, Acústica, Calor, Óptica
e Electricidade, indispensáveis para o estudo da Telegrafia, Telefonia
e Radiotelegrafia);
—Linhas Telegráficas e Telefónicas — Telefone, Telegrafia
e Radiotelegrafia (Estudo prático dos aparelhos, instrumentos e
sistemas telegráficos; medições eléctricas
aplicadas à Telegrafia);
—Geografia Postal e Telegráfica — Principais Linhas de Comunicações;
—Aritmética — Noções de Contabilidade Postal e
Telegráfica;
—Manipulação e Recepção Telegráfica
Morse — Por fita e por acústica.
2º ANO
—Legislação; Electricidade; Química;
—Aritmética; Contabilidade;
—Instalações e Linhas — Aparelhos de Telefonia e Radiotelefonia;
—Principais Linhas Telegráficas, Nacionais e Internacionais;
—Transmissões — Por fita e por acústica.
O ensino geral era ministrado em Angola, na escola que funcionava em Luanda. O ensino especial continuava a ser ministrado em Portugal, na escola que funcionava em Lisboa.
Pode dizer-se que acabam aqui as referências à Escola dos Correios e Telégrafos, pois não volta a fazer-se menção dela no futuro. Não sabemos se os resultados obtidos justificaram toda a actividade legislativa e normativa que se registou.
Não podemos deixar de pensar na Escola de Correios e Telégrafos ao ter conhecimento de que, em 7 de Setembro de 1939, foi criada em Angola a Escola de Radiotelegrafia, com a finalidade de preparar operadores radiotelegrafistas e mecânicos electricistas. Os alunos deveriam ter idade compreendida entre os dezasseis e os vinte e cinco anos, exigindo-se como habilitação literária mínima o primeiro ciclo liceal (3º ano) ou equivalente, para a matrícula no curso de operadores, e o exame de segundo grau da instrução primária, vulgarmente designado por exame de quarta classe, para o curso de mecânicos electricistas.
A duração do estudo neste estabelecimento de preparação
profissional era de um ano. Os alunos não podiam frequentar a escola
mais de dois anos. No final do primeiro semestre lectivo, caso tivessem
aproveitamento, começariam a frequentar o estágio de prática
de serviço, em diversas especialidades. O programa dos estudos era
o seguinte:
CURSO DE OPERADORES RADIOTELEGRAFISTAS
—Noções de Electricidade e sua aplicação na Radiotelegrafia (Fenómenos eléctricos, condensador, corrente, magnetismo, rádio-electricidade);
—Máquinas Térmicas e Eléctricas (Ideia geral do seu funcionamento, motor
de combustão, gerador de corrente alterna e contínua);
—Manipulação e Recepção Auditiva (Transmissão correcta);
—Legislação Radiotelegráfica Nacional e Internacional (Interpretação dos
regulamentos sobre Radiotelegrafia, Radiotelefonia e Radiodifusão);
—Prática de Oficinas e de Aparelhagem Radiotelegráfica
(Reparação e construção de peças, montagem
e desmontagem de máquinas, condução e conservação
do material das estações).
CURSO DE MECÂNICOS ELECTRICISTAS
—Máquinas Térmicas e Máquinas Eléctricas;
—Prática de Oficinas e de Aparelhagem Radiotelegráfica (Idêntica à indicada para o Curso de Operadores Radiotelegrafistas).
Por diploma de 25 de Novembro do mesmo ano de 1939, foram fixadas as importâncias a pagar, como propina de matrícula, nesta escola. Quanto ao funcionamento, não dispomos de informações concretas que nos digam qual foi, assim como nada se sabe dos resultados obtidos. A circunstância de não ter deixado nome nem ter criado tradição é indicativo de que o seu papel foi limitado e reduzida a sua influência na vida angolana.
Em 23 de Abril de 1920, foi publicado o Regulamento da Imprensa Nacional de Angola, que fala da organização da sua biblioteca, e se refere longamente à estruturação da Escola de Artes Gráficas. Esta unidade vinha de longe, tendo sido estabelecida nos termos da portaria publicada em 9 de Setembro de 1913. No fim de contas, não era mais do que um grupo de aprendizes de composição, de impressão e de outras especialidades da arte tipográfica, naquele tempo de uso e aplicação correntes. Pouco se parecia com um estabelecimento de ensino como nós o imaginamos. Não deve ter dado resultados satisfatórios, pois nas reorganizações futuras deixou de se lhe prestar a atenção que desta vez ainda mereceu. Nunca mais colhemos notícias que se lhe reportem.
Em 5 de Junho de 1930, foi criada em Luanda uma escola técnica elementar, destinada a preparar pessoal para os cargos de apontador, chefe de conservação e hidrometrista. Desconhecemos até a sua verdadeira denominação, que o diploma legal não registou. A fundação desta escola, segundo se esclarecia no texto do documento, não trazia encargos materiais ao Estado; ficaria na dependência dos Serviços de Obras Públicas; os seus mestres, que ensinariam gratuitamente, seriam recrutados entre os seus funcionários superiores. A habilitação literária e profissional dos alunos obedeceria ao seguinte esboço programático:
—Aritmética e Geometria; Topografia e Hidrometria; Construção
Civil;
—Construção de Estradas; Sua Reparação;
Sua Conservação.
Segundo informações fornecidas por um diploma oficial com a data de 24 de Maio de 1922, foi criada em Luanda uma Escola de Sargentos e igualmente, ao lado dela, uma Escola de Oficiais, que se destinavam a preparar elementos para os quadros castrenses, dando-lhes instrução literária, técnica e estratégica que os levasse a bem cumprir os seus deveres e a exercerem a sua função com brio e dignidade.
Em 7 de Maio de 1941, era criada em Luanda a Escola Militar de Enfermagem. Pouco antes, tinham sido fundadas escolas para a preparação dos quadros militares, em diversas povoações de Angola e diversas corporações militares, a que se não faz referência por estarem fora das características que se pretende dar a este trabalho. A propósito, não deixaremos de informar que, pouco depois daquela data, foi estabelecida também a Escola de Artífices Militares Indígenas, a que também não dedicamos mais espaço, por motivos óbvios.
Quanto à Escola Militar de Enfermagem, diremos que preparava os futuros enfermeiros tendo em conta os aspectos teóricos, práticos e técnicos, em harmonia com o escorço que se segue:
Parte teórica
—Anatomia e Fisiologia Humanas; Higiene Geral; Água e sua purificação;
—Deveres do Pessoal de Enfermagem; Administração de Medicamentos.
Parte prática
—Primeiros Socorros; Respiração Artificial; Hemorragias;
—Injecções; Pensos; Fracturas.
Parte técnica
—Bolsa de Maqueiro; Maca; Autoclave;
—Ambulância; Posto de Socorros Portátil.
Em 19 de Fevereiro de 1938, foram atribuídos vinte contos de subsídio às bibliotecas de medicina instaladas junto dos hospitais de Luanda, Benguela, Silva Porto, Lubango Malanje e Maquela do Zombo. Seriam consideradas instituições de apoio às Escolas de Enfermagem, estabelecidas em cada uma das cinco localidades, sede das províncias que então havia em Angola.
Nos meados do ano seguinte, em 5 de Agosto de 1939, foi aprovado e entrou em execução o Regulamento das Bibliotecas de Medicina da Colónia de Angola. Haveria em Luanda uma Biblioteca Central, e seriam estabelecidas, se não estivessem já, as bibliotecas provinciais em cada uma das cidades mencionadas. Funcionava ali, excepto em Luanda, a respectiva Escola Provincial de Enfermagem. Desconhecemos tudo quanto a elas se refere.
Vamos agora referir-nos com maior atenção e com mais pormenores à preparação do pessoal de enfermagem, em Angola, ao funcionamento da Escola de Enfermeiros.
Sabemos que pela portaria de 4 de Fevereiro de 1919, assinada por Filomeno da Câmara Melo Cabral, foi aumentado o subsídio mensal concedido aos praticantes indígenas do Curso de Enfermagem, elevando-o para 15$00 mensais. Este número pode induzir-nos em erro, julgando-o extremamente baixo; ora isso não é exacto, pois se fizermos comparações e atendermos à valorização monetária concluiremos que mesmo algumas bolsas de estudo ficavam neste patamar. Foi exactamente nesta altura que começou a sentir-se inflação acelerada. Aquele subsídio era especialmente destinado a despesas alimentares, até então de tipo indígena, muito barato, e só a partir daqui começou a considerar-se a hipótese de ir sendo substituído pelo tipo europeu, mais rico de nutrientes, mais saboroso mas muito mais dispendioso. Os praticantes que abandonassem o curso teriam de reembolsar o Estado das quantias recebidas. O subsídio em questão, segundo esclarecia aquele diploma, tinha sido criado pela portaria de 10 de Janeiro de 1916. Naquela data era autorizada a abertura de um concurso para a admissão de dez praticantes de enfermagem, nativos do país.
A Organização dos Serviços de Saúde de Angola, aprovada em 1 de Março desse ano de 1919, previa que funcionasse no hospital de Luanda a Escola de Habilitação Profissional de Enfermeiros, dos dois sexos, europeus e indígenas, inteiramente subordinada ao director do estabelecimento hospitalar. Esclarecia-se que continuaria a ser mantido o Curso de Enfermeiros, alargando e aperfeiçoando o seu funcionamento. Além disso, criar-se-ia um Curso para Preparação de Enfermeiras-Parteiras Indígenas.
O Regulamento-Geral dos Serviços de Saúde da Província de Angola, publicado em 15 de Abril de 1920, dedicava um dos seus capítulos (o XII) à organização e funcionamento da Escola de Habilitação Profissional de Enfermeiros. O ano lectivo, nesse estabelecimento de ensino, começaria em 1 de Maio e terminaria em 31 de Janeiro; as matrículas efectuar-se-iam no decorrer do mês de Abril, embora naquele ano o prazo fosse prorrogado até 15 de Maio, marcando-se a abertura das aulas para o dia 17. No mês e ano em referência, em 20 de Maio, foi publicado o Regulamento da Escola de Habilitação Profissional de Enfermeiros da Província de Angola, estabelecendo como se processaria o seu funcionamento, em ordem a poderem colher-se os melhores resultados práticos.
Entretanto Angola, e sobretudo a sua capital, Luanda, foi assolada por uma epidemia de peste bubónica, que causou grandes apreensões. Em 21 de Outubro de 1922, foi aberto um crédito especial de mil contos para fazer face às despesas com os trabalhos de saneamento da cidade, a fim de poder pôr-se um travão à marcha da doença. Na mesma data, a Repartição Superior de Saúde e Higiene foi autorizada a requisitar, a bem da saúde pública, às farmácias, drogarias, armazéns e demais estabelecimentos comerciais, todos os desinfectantes que possuíssem em depósito; seriam pagos ao preço do custo, por consulta das facturas, acrescido das despesas supervenientes. A distribuição destes produtos pelos hospitais, repartições públicas, quartéis, escolas, serviços do Estado e indigentes seria inteiramente gratuita; as pessoas e entidades que não tivessem direito a recebê-lo de graça pagá-lo-iam pelo mais baixo preço que pudesse ser-lhes atribuído.
Apesar de se não tratar de uma actividade escolar ou cultural, não queremos deixar de lhe fazer referência, pois foi uma esplêndida lição, uma medida de defesa da saúde pública, que está na base de muito esforço, grande dedicação e notório interesse pelo bem-estar geral — fim último do papel e da acção dos governantes. Se muitas vezes apontámos deficiências, não deixaremos de reconhecer virtudes e salientar devotamento elogioso.
Embora não queiramos fazer a história do que foi sendo feito para garantir um regular e abundante abastecimento de água à cidade de Luanda, não deixaremos de dizer que, em 1 de Março de 1923, foi autorizado o resgate da concessão do fornecimento, para poder transformar-se em serviço público. Os encargos ficariam limitados a quarenta contos por ano, que seriam pagos até ao final do contrato.
A propósito desta importância e do crédito de mil contos atrás referido, cuja comparação apresenta uma disparidade inconcebível, e ainda em relação com o que dissemos ao falar do subsídio aos praticantes de enfermagem, devemos esclarecer e repetir mais uma vez que se registou nesse tempo, em Angola, uma desvalorização da moeda que mal podemos calcular e compreender. Referimo-nos a isto em vários pontos deste trabalho. A preocupação das condições sanitárias fez com que o problema da água subisse ao primeiro plano dos problemas governamentais.
Apesar de ser assunto um tanto marginal — e já que estamos a desviar-nos bastante do tema central deste capítulo — não deixaremos de dizer que, por determinação com data de 5 de Abril de 1929, foi dado o nome do conhecido médico investigador da doença do sono, Aires Kopke, ao pavilhão de cirurgia do Hospital Indígena de Luanda. Segundo se afirmava, seguia-se o princípio de dar aos estabelecimentos, obras ou melhoramentos importantes de utilidade pública o nome de figuras ilustres a quem a Nação deve reconhecimento pelos inestimáveis serviços prestados à colectividade. A determinação deste princípio valia também quando se atribuíam patronos às escolas.
Com a data de 24 de Junho de 1931, foi suspenso o funcionamento das escolas de enfermagem, para europeus, em todo o território de Angola, com excepção da de Luanda, devido às grandes dificuldades económicas com que se debatia o tesouro público. A Escola de Enfermagem de Luanda era mantida porque tinha melhores condições para a boa preparação profissional dos enfermeiros, devido a estar em contacto permanente com os doentes do hospital. Reconhecia-se, justificando deste modo a medida tomada, que seria suficiente para preparar o pessoal de enfermagem de que Angola carecia.
Em consequência do que fica dito, em 7 de Março de 1932, foram transferidas para a Escola de Enfermagem de Luanda todas as verbas orçamentadas para as demais, nos distritos de Bié, Congo, Cuanza-Norte, Huíla, Malanje, Moçâmedes, Moxico e Zaire, e destinadas à compra de material escolar. A sua soma atingia a insignificante quantia de... 5.500$00.
Por determinação das autoridades angolanas, subscrita em 13 de Fevereiro de 1937, procurou-se dar novo incremento ao ensino da enfermagem, em Angola. Verificara-se ser necessário dar conhecimentos técnicos suficientes, embora rudimentares, ao pessoal indígena que trabalhava nos hospitais, postos sanitários, enfermarias e casas de saúde, a fim de que os primeiros socorros e serviços de assistência mais elementares pudessem ser prestados nos locais em que se manifestava a sua necessidade, ou o mais próximo possível deles, com a perfeição desejável. Pretendia-se ainda combater a chamada medicina gentílica, assim como o curandeirismo, naquilo que se reputava nocivo; admitia-se que causassem o agravamento do estado de saúde dos enfermos, provocando a morte, incapacidade ou deformidades permanentes, sem falar no aumento de sofrimento que causavam aos padecentes. Tinha-se em vista favorecer o desenvolvimento demográfico angolano, considerando a população o maior valor de um país. Os governos de cada uma das províncias que então havia em Angola foram autorizados a criar a sua Escola de Enfermagem, dentro dos limites da sua jurisdição, incluindo no respectivo orçamento de receitas e despesas as verbas suficientes para o seu normal funcionamento. A Escola de Enfermagem da Província de Luanda, contudo, ficaria instalada em Maquela do Zombo, pois ainda ficava dentro dos seus limites geográficos, isto é, dentro dos limites da província que tinha a sua sede na capital angolana. Previa-se ainda a criação de uma Escola de Enfermagem no distrito de Cabinda. Os candidatos à frequência deveriam ter idade compreendida entre os dezasseis e os trinta anos. O ensino ministrado às raparigas seria particularmente encaminhado no sentido de as preparar para prestar assistência às mulheres grávidas, parturientes, recém-nascidos, crianças pequenas e outras actividades relacionadas com a Puericultura ou Pediatria, sem deixar de se insistir, de modo muito particular, nos preceitos e cuidados da higiene geral.
Em 2 de Outubro de 1937, foi aprovado o Regulamento das Escolas Provinciais e Núcleos do Ensino da Enfermagem da Colónia de Angola. Era este o respectivo programa:
—Noções sumárias e práticas da anatomia
e fisiologia humanas;
—Funções técnicas do enfermeiro;
—Conhecimento prático dos actos mais frequentes da enfermagem;
—Conhecimento prático da sintomatologia de fácil diagnóstico;
—Colheita dos mais elementares elementos de informação
clínica;
—Noções muito sumárias e práticas de dietética.
Em 4 de Fevereiro de 1939, reconheceu-se a necessidade de facilitar aos enfermeiros e auxiliares de enfermagem, nativos de Angola, a qualificação legal para poderem ascender às diversas categorias a que se referia o decreto do Alto-Comissariado da República Portuguesa, de 17 de Novembro de 1921, e tendo em consideração que haviam sido suspensos, em 24 de Junho de 1931, os cursos elementar e geral das escolas de enfermagem, ficando apenas a funcionar a de Luanda, determinou-se que os enfermeiros-auxiliares nativos, de primeira e segunda classes, pudessem requerer o exame do segundo ano do Curso Geral de Enfermagem, perante júri competente, constituído pelo chefe da Repartição Provincial de Saúde e Higiene, delegado de saúde, farmacêutico ou funcionário de secretaria em serviço na sede de cada uma das províncias. Os enfermeiros-auxiliares nativos, de terceira classe, que tivessem o exame do curso elementar, criado pelo diploma legislativo de 17 de Novembro de 1921, com cinco anos de bom e efectivo serviço e boas informações documentalmente comprovadas, poderiam prestar provas de exame do Curso Elementar de Enfermagem. As designações são idênticas, mas deveria haver nisto alguma diferença! Foram reabertos os cursos gerais de enfermagem previstos no mesmo diploma (de 17-XI-21), nas sedes dos distritos, adoptando-se os programas em vigor na Escola Central de Enfermagem, de Luanda. Contudo, estas iniciativas não poderiam acarretar despesas ao Estado, limitação muito singular e que nos deixa perplexos quanto à eficiência que delas poderia esperar-se e frutos práticos a produzir. Os legisladores tomam por vezes atitudes que não podemos deixar de considerar desconcertantes!
Em 29 de Janeiro de 1941, era aprovado e posto em execução
o Regulamento das Escolas de Enfermagem. Damos a seguir o esquema
dos seus programas, que nos parece ser a melhor forma de evidenciar a sua
actividade e o seu valor:
CURSO GERAL DE ENFERMAGEM
1º ANO
—Elementos de anatomia e fisiologia humanas;
—Prática de enfermagem;
—Noções elementares de farmácia;
—Elementos de obstetrícia (somente para o sexo feminino).
2º ANO
—Elementos de anatomia e fisiologia patológicas e prática
de autópsias;
—Prática de enfermagem;
—Noções elementares de obstetrícia e pediatria;
—Técnica administrativa, escrituração e legislação.
CURSO ELEMENTAR DE ENFERMAGEM
1º ANO
—As três primeiras disciplinas do Curso Geral;
2º ANO
—Noções gerais sobre doenças mais comuns na Colónia,
especialmente entre os indígenas, doenças contagiosas e epidémicas,
prática de autópsias;
—Prática de enfermagem;
—Noções sobre os medicamentos mais usuais, sobretudo
os que fazem parte das ambulâncias dos postos sanitários,
fórmulas terapêuticas mais utilizadas e designadas no formulário
oficialmente aprovado;
—Técnica administrativa, escrituração e legislação.
Seguia-se a este esquema a explanação pormenorizada dos temas referidos e dos tópicos a focar no ensino de cada disciplina.
Em 26 de Fevereiro de 1941, foi concedida a possibilidade de os europeus aprovados nas provas do primeiro ano do Curso Geral de Enfermagem e os nativos com aprovação no antigo Curso Elementar de Enfermagem ou no primeiro ano do Curso Geral requererem e fazerem exame extraordinário, na primeira quinzena de Maio. Era levada em consideração a circunstância de estarem habilitados com parte do curso, com validade legal, e não poderem frequentar as aulas a ministrar nas escolas de enfermagem então organizadas. A preparação profissional do pessoal técnico auxiliar dos médicos em exercício estava a merecer grande interesse aos responsáveis pela governação. Nos anos futuros este assunto voltaria mais vezes a ser focado, prestando-lhe a atenção merecida, e preparando projectos mais vastos, embora com características muito especiais, e que em breve se reconheceu não estarem adaptadas à realidade angolana, quer como território administrado por Portugal quer como país em vias de independência. Voltaremos a registar o que se foi fazendo, à medida que os factos surgirem cronologicamente.
Em 16 de Dezembro de 1942, foi publicada uma portaria que deu nova redacção a um dos artigos do Regulamento das escolas de Enfermagem, que se reconheceu não convir manter. Por isso, foram introduzidas algumas alterações nos programas, declarando-se que "a quarta disciplina era destinada somente aos alunos do sexo feminino, sendo comum ao Curso Geral e ao Curso Elementar de Enfermagem".
Em relação ao segundo ano do Curso Geral de Enfermagem, introduziu-se uma disciplina nova, ficando a ter cinco em vez de quatro. Era designada por Prática Farmacêutica e dava continuidade ao estudo feito no ano anterior; na enumeração atribuída ficou em terceiro lugar.
Referindo-nos ao Curso Elementar de Enfermagem, podemos dizer que foi introduzido nele o estudo de Noções de Obstetrícia e Pediatria — 2ª Parte, que constituía a quinta disciplina do segundo ano e era comum com a quarta disciplina do segundo ano do Curso Geral.
Um diploma legal assinado e publicado em 29 de Novembro de 1943 aprovou os programas dos exames finais de enfermeiros, de dentistas e de parteiras, sendo nomeados os respectivos júris, que seriam constituídos do seguinte modo:
Para exame de enfermeiro
—O director dos hospitais de Luanda e dois professores da Escola Central de Enfermagem;
Para exame de dentista
—O mesmo presidente de júri, o segundo cirurgião e o médico estomatologista dos hospitais de Luanda;
Para exame de parteira
—O director e dois cirurgiões dos hospitais de Luanda.
Quanto aos programas elaborados e adoptados depois da competente aprovação, abrangiam a matéria seguinte:
Para enfermeiros
—O programa do Regulamento das Escolas de Enfermagem, aprovado em 29 de Janeiro de 1941;
Para dentistas
—Anatomia e fisiologia da boca e dos dentes, patologia bucal e patologia dentária, dentisteria operatória e cirurgia buco-dentária, prótese fixa, prótese móvel e elementos de ortodôncia (Cada um destes pontos era minuciosamente explicado e subdividido);
Para parteiras
—Noções gerais da estrutura e funções do corpo humano, estudo anatómico da bacia da mulher, órgãos genitais femininos, fisiologia da menstruação, ovulação, fecundação, gravidez, anatomia e fisiologia do embrião, do feto e seus anexos, sinais da gravidez, deveres da parteira, higiene, assepsia e antissepsia, acidentes do parto, puerpério, distocia, auto-intoxicação gravídica, eclampsia, pielite, hemorragias e infecções dos recém-nascidos.
Na data de 18 de Setembro de 1940, foi aprovado o Regulamento da
Escola de Agrimensura, criada em 28 de Janeiro de 1916. Teria dois
graus de ensino. Para a matrícula no primeiro, seria preciso ter
como habilitações literárias e científicas
o curso complementar de ciências ou, pelo menos, o curso geral dos
liceus; para a frequência do segundo era exigido o aproveitamento
no primeiro grau. Os seus programas esquemáticos eram os seguintes:
1º GRAU
—Estudo dos instrumentos empregados nos trabalhos topográficos;
—Operações topográficas;
—Levantamentos fotogramétricos;
—Noções de astronomia aplicadas à topografia;
—Levantamentos subterrâneos;
—Escalas e projecções, usadas em trabalhos topográficos;
—Generalidades sobre relevo terrestre;
—Desenho topográfico;
—Legislação sobre concessão de terrenos.
2º GRAU
—Noções gerais sobre teoria dos erros;
—Trigonometria esférica;
—Ideia geral sobre a forma da Terra;
—Noções de Cartografia;
—Operações geodésicas;
—Observações astronómicas;
—Levantamentos cadastrais.
A longa enumeração das escolas autónomas pode deixar-nos a dupla impressão de se ter feito muito, se admitirmos que tudo obteve êxito, ou de o fracasso ser total, se aceitarmos que os resultados foram muito inferiores ao que seria razoável esperar. No balanço final, somos forçados a reconhecer que algo se obteve, embora pudessem esperar-se frutos mais abundantes.
Ao salientar os esforços empregados, quisemos simplesmente demonstrar
que os problemas não ficaram no esquecimento, tendo sido postos
em equação e tentada a sua solução. Para compreendermos
na sua complexidade o resultado obtido, teremos de entrar bem dentro do
jogo de causas e motivos que o determinaram. Devemos ter ainda em conta
que os planos elaborados visavam fins particulares, não pretendendo
atingir a extensão que possa atribuir-lhes quem não tiver
bem presentes as limitações específicas de cada um
dos casos considerados.
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