30. LICEU SALVADOR CORREIA
O ensino liceal era uma preocupação constante dos responsáveis pela governação de Angola. Desde longa data se sonhava com ele, chegando mesmo a fazer-se diversas tentativas, algumas de iniciativa e responsabilidade particulares, sem que o Estado se comprometesse com isso. No entanto, também os governantes tentaram estabelecê-lo por diversas vezes, sob a modalidade que parecia mais adequada.
Teoricamente, Angola dispunha do ensino liceal desde meados do século XIX, quando foi fundado o seminário-liceu de Luanda; na prática, porém, pouco ou nada se fez, a sua existência legal pouco ou nada adiantava. O seminário-liceu teve vida muito agitada e funcionamento muito incerto e muito irregular, diversas interrupções da sua actividade, resultados problemáticos e frequência oscilante. Não tinha continuidade garantida e, consequentemente, não oferecia condições de estabilidade.
Já no seu relatório de 1861 o governador-geral Sebastião Lopes Calheiros e Meneses defendia a criação de um liceu distrital em Luanda, autónomo do seminário, nos moldes em que funcionavam os seus congéneres metropolitanos; contudo, reconhecia que as condições locais não permitiam que viessem a esperar-se dele frutos abundantes. Outras referências poderiam reunir-se, se houvesse a preocupação de registar todas as iniciativas, todas as tentativas e hipóteses; mas não vale a pena dedicar a este pormenor interesse esgotante e preocupações exaustivas!
Ao longo das páginas anteriores fomos fazendo as necessárias referências a este problema. Dispensamo-nos agora de fazer repetições desnecessárias e fatigantes.
Em 1882, o seminário-liceu foi transferido para a Missão Católica da Huíla, onde se manteve até 1907. Durante todos estes anos, um quarto de século, Luanda esteve desprovida do ensino liceal e parece ter sentido pouco a sua falta! É o pior que pode dizer-se! A cultura intelectual não tinha então o interesse que hoje tem, sendo relativamente poucos os que a apreciavam. Todavia, não deve passar sem referência a circunstância de o período em questão registar na capital de Angola a existência e permanência de um grupo de individualidades que se tornou conhecido pelo valor intelectual e vastidão da cultura, sendo uma época característica do que mais tarde veio a ser designado por crioulidade angolense, de actuação destacada
Insere-se exactamente neste período a referência ao capitão Durão Pais, quando afirma que, no dia 25 de Abril de 1890, se reuniram perto de trinta africanos em casa de Caetano Vieira Dias, na cidade de Luanda, tendo resolvido solicitar ao Governo a criação de um liceu nacional nesta capital, onde fossem ministrados os estudos correspondentes, o que se reputava de grande interesse para a elevação do nível cultural angolano. Foi uma iniciativa infrutífera!
Em 7 de Abril de 1904, foi publicada uma portaria na qual se salienta que o estado da instrução pública em Angola não correspondia à importância da população indígena civilizada e ao crescente movimento de colonização europeia. Esta Província, pelo conjunto das suas condições naturais, constituía um importante núcleo de povoamento europeu, mas para que a persistência das famílias se prolongasse e fortalecesse importava criar os estabelecimentos de ensino que evitassem a deslocação dos filhos para Portugal e as avultadas despesas que isso acarretava. Angola merecia possuir um estabelecimento de ensino secundário que ministrasse a instrução de todas as matérias e disciplinas dos programas oficiais, até ao último grau do curso complementar, como acontecia já em Macau e em Goa. O mesmo diploma nomeava uma comissão encarregada de fazer o estudo indispensável, e que tinha a seguinte constituição:
—Dr. Manuel Teixeira de Sampaio Mansilha, secretário-geral de
Angola;
—Dr. António José Cardoso de Barros, procurador da Fazenda
Pública;
—Dr. José Soares Pinto de Cabedo e Lencastre, juiz de Direito,
em Luanda;
—Sebastião Nunes da Mata, capitão, director das Obras
Públicas;
—Julião Monteiro Torres, presidente da Câmara Municipal
de Luanda;
—Norberto Correia Lopes, vereador do pelouro da Instrução;
—Dr. Manuel Alves da Cunha, vigário-geral da diocese, que desempenharia
as funções de secretário.
Era-lhes conferido o encargo de determinarem as bases da criação de um liceu em Luanda, elaborando um relatório que seria apresentado à consideração e estudo do Governo-Geral, que afirmava esperar muito da inteligência, do zelo e da competência de todos os membros. Assinou esta portaria Custódio Miguel Borja, que desta forma deixou o seu nome ligado a uma iniciativa que poderia ter sido influente para a elevação cultural e valorização da população angolense. No primeiro volume desta obra já se mencionou o nome deste governante, salientando o seu interesse pela instrução popular.
A comissão acima referida veio a ser extinta em 8 de Agosto seguinte, depois de ter levado a cabo a missão de que fora incumbida; em 25 de Julho já o Conselho Inspector de Instrução Pública aprovava por unanimidade o relatório apresentado, que dois dias depois era remetido para Lisboa, onde se deve ter perdido naquele mare magnum de papéis.
Segundo um resumo de Alberto Correia, funcionário superior da Secretaria-Geral, poeta, correspondente do jornal O Primeiro de Janeiro, que se publicava na cidade do Porto, o liceu de Luanda, a ser criado, seguiria o plano e os programas dos liceus metropolitanos; a Câmara Municipal forneceria as instalações; os recursos monetários seriam realizados pela contribuição das câmaras e comissões municipais, com as verbas destinadas à Escola Principal, que seria extinta, e com um subsídio do Governo-Geral; o plano de estudos abrangeria cinco anos, começando com um, o primeiro, e aumentando outro em cada anuidade escolar; o ano lectivo começaria em 1 de Maio e terminaria em 11 de Janeiro; os alunos poderiam transitar deste para os demais liceus portugueses.
O diploma que dissolveu a comissão louvou os seus membros pela maneira proficiente, zelosa e inteligente como se desempenharam do encargo que lhes fora atribuído.
Quando o general José Augusto Alves Roçadas desempenhou o cargo de governador-geral de Angola, publicou com a data de 1 de Junho de 1910 o seu projecto de reorganização do ensino primário, secundário e profissional, da Província. Previa a criação de escolas móveis e do que ainda chegou a designar por Instituto Politécnico de Luanda. Este estabelecimento de ensino ministraria aos seus alunos as matérias que faziam parte do curso geral dos liceus e manteria paralelamente um curso normal e um curso profissional. O primeiro duraria cinco anos lectivos; o curso normal teria a duração de três anos, que era quanto tempo demorava também o curso profissional. Desconhecendo o esquema elaborado e os programas estabelecidos, não podemos fazer ideia exacta do projecto; ignoramos, por exemplo, se os cursos normal e profissional davam continuidade ao curso liceal ou se eram independentes. Não é fácil saber o que se pretendia com a criação do Instituto Politécnico; a expressão empregada, "curso normal", leva-nos a pensar numa escola para preparação de professores, pois aquela denominação empregava-se então com tal significado; quanto às profissões a ser ensinadas, também ignoramos quais fossem.
Nos anos que se seguiram à proclamação da República Portuguesa não se registaram tentativas sérias para estabelecer o ensino liceal em Angola, pois havia mais em que pensar! As preocupações dos governantes dirigiam-se para outros assuntos, então considerados mais prementes. Este é um dos maiores males da actividade política, deixa-se arrastar pelas solicitações e exigências ocasionais, pela pressão de grupos, momentaneamente exercida, relegando para mais tarde a solução de problemas importantes e sérios, de dificuldades profundas, mas que não impõem urgência terminante e solução imediata! Contemporizar é o grande método político, que por vezes ajuda mas que outras vezes prejudica gravemente!
Não está ainda suficientemente esclarecido como foi que, em 1919, surgiu a ideia da criação do liceu. Nessa ocasião funcionava, em Luanda, um estabelecimento que poderia e deveria substituí-lo, o seminário-liceu de Angola; reconheceu-se, natural e logicamente, que não satisfazia as aspirações e as necessidades da população. Alguns admiradores de Mons. Alves da Cunha atribuem-lhe o mérito de tal empreendimento, a que o governador-geral Filomeno de Câmara Melo Cabral e outros responsáveis pelo sector do ensino teriam dado entusiástico apoio. Mas isso não está suficientemente demonstrado. Todavia, não pode negar-se que o dinâmico e esclarecido missionário foi o seu mais sólido esteio. Filomeno Cabral, por sua vez, tinha também já mostrado grande interesse pelos problemas escolares e divulgação do saber e da cultura popular, quando esteve à frente da governação de Timor; mais tarde, durante o seu segundo período de governo em Angola, retomaria o assunto com decisão; mas isso não permite considerá-lo autor da ideia mas apenas o seu patrocinador. Mais lógico será aceitar a convicção comum e reconhecer o Dr. Manuel Alves da Cunha como o seu principal propulsor.
Na sua reunião de 19 de Fevereiro de 1919, efectuada numa das salas do palácio do Governo-Geral, sob a presidência de Filomeno da Câmara Melo Cabral, o Conselho Inspector de Instrução Pública aprovou por maioria a proposta apresentada por António Joaquim Tavares Ferro com vista à criação do Liceu de Luanda. Seria um pormenor de grande interesse, como curiosidade histórica, saber quais foram os vogais que votaram contra ou se abstiveram; cremos, no entanto, que isso nunca virá a saber-se. Os documentos próximos nada nos dizem.
Assistiram à sessão as seguintes individualidades:
—Filomeno da Câmara Melo Cabral, governador, que presidiu aos
trabalhos;
—António Joaquim Tavares Ferro, secretário-geral, redactor
da proposta;
—Carolino do Sacramento Monteiro, inspector dos Serviços de
Agricultura;
—João Gomes Salgado Júnior, chefe dos Serviços
de Saúde;
—Manuel Alves da Cunha, vigário-capitular da diocese;
—José Luís da Luz, secretário do Conselho Inspector
de Instrução Pública;
—Hermenegildo Augusto Faria Blanc Júnior, major de infantaria;
—Artur Rodrigues de Matos, alferes miliciano.
Desejamos esclarecer que, nalguns documentos, aparece o nome do major Blanc, enquanto noutros vem o nome do alferes Matos; não sabemos se estiveram ambos presentes (o mais lógico), se esteve só um e qual deles — que neste caso deveria ser o primeiro, mais graduado.
A publicação da portaria referente à resposta aprovada não tardou a fazer-se. Na data histórica de 22 de Fevereiro de 1919, Angola viu nascer um dos seus mais prestigiosos estabelecimentos escolares, o Liceu de Luanda. Vinha ajudar os jovens a subir a ladeira do seu aperfeiçoamento intelectual, contribuindo para a difusão da cultura, para ajudar os habitantes do país a tomar consciência da sua dignidade e mesmo — parece um paradoxo, mas não é — para criar condições que dessem possibilidades de se fazer a independência, pois passaram por aqui alguns dos seus próceres... Para tanto foram precisos cinquenta e cinco anos, que é um prazo muito curto em termos de historicismo. Transcrevemos o documento:
Com o parecer favorável do Conselho Inspector da Instrução Pública e com o voto afirmativo do Conselho de Governo,
O governador-geral de Angola determina:
Art.º 1º — É criado um liceu central na cidade de Luanda.
Art.º 2º — O Liceu Central de Luanda terá uma organização semelhante à dos liceus da Metrópole.
Art.º 3º — A regulamentação e programas do liceu constituirão objecto de uma portaria especial.
Art.º 4º — Provisoriamente, os professores das diversas disciplinas do Liceu Central de Luanda serão nomeados pelo governador-geral, com o voto afirmativo do Conselho Inspector de Instrução Pública.
Art.º 5º — As despesas para a instalação e manutenção do liceu serão custeadas pelas câmaras e comissões municipais da Província, que foram previamente consultadas.
Art.º 6º — As aulas abrirão em 15 de Maio do corrente ano.
CUMPRA-SE
Residência do Governo-Geral, em Luanda, 22 de Fevereiro de 1919.
O governador-geral
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
O fundador do liceu foi a discutida figura da História de Angola, Filomeno Cabral. O seu primeiro reitor e principal animador foi o grande missionário angolense, sacerdote católico, vigário-capitular da diocese de Angola e Congo, Dr. Manuel Alves da Cunha.
O ano de 1919 marca, efectivamente, a divisão de dois períodos distintos da História da Cultura em Angola. O que se fez antes não passou de tentativas e experiências quase sempre mal sucedidas, de frutos praticamente nulos; nenhuma delas ultrapassou esta em valor e resultados, assim como nenhuma delas diminuiu o seu interesse. A partir desta data, Angola passou a ter, definitivamente estabelecido, o ensino secundário oficial, o ensino liceal e por extensão também o ensino técnico.
A criação do Liceu Central de Angola, como também era oficialmente designado, pouco depois chamado Liceu Salvador Correia, foi como que o atingir de uma meta, a realização de um sonho. As primeiras dezenas de anos serviram para fazer experiências, corrigir defeitos, aperfeiçoar pormenores, melhorar o conjunto. O ano de 1919 foi, sem qualquer sombra de dúvida, de alto interesse para a vida cultural angolana, talvez o maior da primeira metade do século. Neste ano, além do liceu de Luanda, foram fundadas as escolas primárias superiores (três em teoria e duas na prática) que, evoluindo, deram origem ao Liceu Diogo Cão, em Sá da Bandeira, e à Escola Industrial e Comercial Infante D. Henrique, em Moçâmedes.
Apesar de ter sido criado por decreto governamental, o antigo seminário-liceu nunca chegou a ter validade plena, quanto aos estudos nele ministrados, pois nunca foi elaborado, aprovado e posto em vigor o respectivo regulamento. Poucos serviços prestou na formação do clero local, pois foi muito limitado o número dos que chegaram a ser ordenados sacerdotes, e menores foram ainda os serviços de liceu distrital que também deveria ser. Estava ao serviço da diocese de Angola e do bispado de São Tomé, cujo administrador apostólico era o prelado de Luanda. Como curiosidade, esclarecemos que podia ser frequentado também por estudantes do sexo feminino, como liceu oficial que era, de que se conhecem alguns poucos exemplos. O seu período mais brilhante, no período em estudo, corresponde ao da sua permanência na Huíla, de 1882 a 1907.
Decorrido um mês exacto sobre a data da fundação do Liceu Central de Angola, foi aberto um crédito de oito contos para custear as primeiras despesas feitas com a sua instalação e o funcionamento no primeiro semestre desse ano. Foi também publicado o texto da Organização do Liceu, que abrangia a primeira parte da portaria de 22 de Março de 1919, e o Regulamento do Ensino Secundário Particular, que preenchia a segunda parte do mesmo diploma. O problema em equação era levado a sério!
Chegou, porém, o mês de Maio em que deveriam começar as aulas. Espalhou-se a notícia de que a abertura do liceu seria adiada, para data a indicar oportunamente. Foi publicado um aviso nesse sentido, em 29 desse mês. Nessa altura já Filomeno da Câmara não estava em Angola.
Nota-se certa indecisão nos primeiros tempos de existência deste estabelecimento de ensino. A primitiva "Organização" foi alterada em 23 de Agosto do mesmo ano, ainda antes de o liceu começar a funcionar. Determinava-se que as aulas abririam no ano lectivo que estava a decorrer, prevendo-se o seu prolongamento para compensar o atraso. Segundo o que se dizia no documento publicado em 29 de Maio, reconhecia-se que falharia nos seus objectivos se não obtivesse o reconhecimento legal, dando aos seus cursos a equivalência aos que eram ministrados nas escolas metropolitanas. Esperava-se que o Governo de Lisboa publicasse o decreto que garantisse a paridade com o ensino oficial dos liceus portugueses, permitindo transferência de alunos e validade para ingresso nas escolas superiores, nomeadamente a Universidade. Chegou mesmo a afirmar-se que se pretendia evitar que os diplomas passados pelo liceu de Luanda fossem somente títulos literários sem valor e utilidade prática, ornamentos intelectuais que apenas servissem de decoração. Ninguém poderá negar que os responsáveis estavam pensando acertadamente.
O liceu de Luanda começou a funcionar em 15 de Setembro de 1919, num casarão que fora da Companhia de Ambaca e residência dos seus directores, na Rua da Misericórdia. Logo em Outubro mudou de instalações, transferindo os alunos para outra casa, melhor do que a primeira, que ficava perto, na Avenida Álvaro Ferreira, vulgarmente conhecida por Avenida do Hospital. Ali se manteve até ao final do ano lectivo de 1941-1942. Com o decorrer do tempo e o aumento da frequência, as instalações tornaram-se acanhadas, mesmo insuficientes, pelo que teve de espalhar algumas turmas de alunos por diversos edifícios da cidade, inclusive o primitivo. Há indicações de que chegou a recorrer-se a salas provisórias.
Em 23 de Agosto de 1919, foi criada uma Escola Comercial e também uma Escola Industrial que deveriam funcionar conjuntamente com o liceu. Quando em Março do ano seguinte foi publicado o edital avisando o prazo de matrícula para o ano lectivo que estava para se iniciar, já se não fazia referência àquelas escolas, pois no ano lectivo anterior, em que foram fundadas, não aparecera nenhum aluno a pedir a inscrição.
No primeiro ano de funcionamento, o Liceu Central de Angola funcionou com quatro professores:
—Dr. Manuel Alves da Cunha, que exercia as funções de
reitor;
—Dr. Manuel do Nascimento Almeida, médico em Luanda;
—Cyril Jakson Rogers, súbdito britânico residente na cidade;
—Ângelo David da Costa, capitão do exército, a
prestar serviço militar.
No segundo ano de actividade começaram a leccionar mais três professores, pois funcionou já com alunos de dois escalões, e eram eles:
—Dr. José Maria Antunes, médico em Luanda;
—Dr. Henrique Pereira do Vale, também oficial do exército;
—Dr. José Firmo de Sousa Monteiro, que tinha sido professor
no seminário-liceu e tinha a profissão de engenheiro-agrónomo.
Trabalhou, no primeiro ano, com dezassete alunos, treze rapazes e quatro meninas. Uma das alunas, Isaura Cassagne, faleceu durante o ano lectivo. Transitaram onze à classe imediata, obtendo aproveitamento.
Em 28 de Outubro de 1922, foi publicado em Angola novo Regulamento da Instrução Secundária, aprovado no dia 18 de Julho do ano anterior. Não se compreende bem a razão da dilação. Talvez se hesitasse entre as determinações antigas e as de agora! Talvez se levantassem dúvidas quanto à conveniência das mudanças! Talvez os governantes de então não estivessem de acordo com as directrizes preconizadas pelos seus predecessores! A título elucidativo vamos inserir um esquema organizado sobre aquele diploma:
CURSO GERAL DOS LICEUS CURSO COMPLEMENTAR
—Língua Portuguesa e Narrativas Históricas
Língua e Literatura Portuguesas
—Língua Latina
Língua e Literatura Latinas
—Língua Francesa
Língua e Literatura Francesas
—Língua Inglesa
Língua e Literatura Inglesas
—
Língua e Literatura Alemãs
—História
História
—
Filosofia
—Geografia
Geografia
—Ciências Naturais
Ciências Naturais
—Ciências Físico-Naturais
Física e Química
—Matemática
Matemática
—Desenho
Desenho.
Chegou finalmente o dia 30 de Janeiro de 1924. Por decreto desta data, a que se dava também a designação de "Diploma Legislativo Colonial nº 5", foi aprovada a fundação do liceu de Luanda e deu-se-lhe como patrono Salvador Correia, ficando a ser equiparado, para todos os efeitos, aos liceus centrais metropolitanos. Assinaram este documento o presidente da República Portuguesa, Manuel Teixeira Gomes, e o ministro das Colónias, Mariano Martins.
Com a data de 6 de Março de 1924, foi liberada uma verba de sessenta e cinco contos para as obras de ampliação do edifício do liceu. E em 1 de Agosto do mesmo ano era já concedido mais dinheiro para a construção ginásio e mais instalações. Com o tempo, outras exigências foram sendo feitas e outras necessidades surgiram; procurava dar-se aos alunos condições educativas satisfatórias. O diploma de 22 de Maio de 1929 inscreveu uma verba "para o pagamento das gratificações ao regente de Música e Canto", que se reconheceu fazer falta numa escola deste nível.
Em 11 de Dezembro do mesmo ano de 1929, foram superiormente organizados os quadros docentes dos liceus de Luanda e Huíla. Falaremos deste no lugar próprio. Quanto a Luanda, sabemos que ficou a ter dezasseis professores, incluindo neste número o instrutor de ginástica e o regente de canto; contava nove funcionários, somado o pessoal da secretaria, do laboratório e encarregados da vigilância.
O grande problema continuava a ser o das estruturas. No dia 2 de Abril de 1925, foi novamente alterado o sistema de funcionamento deste estabelecimento de ensino, introduzindo modificações no respectivo regulamento. As dificuldades económicas também se faziam sentir com muita premência, causando preocupações e sobressaltos aos responsáveis, pois influíam fortemente no aspecto da organização. Os programas foram mais uma vez alterados. No dia 5 de Abril de 1929, eram publicados em Angola os diplomas que adoptavam para este território os que o Governo de Lisboa tinha aprovado em 2 de Novembro de 1926, também com dilação considerável; mas incluíam-se neles as últimas alterações aos cursos complementares, cuja aprovação tinha a data de 14 de Janeiro daquele ano de 1929.
As alterações aos programas não podem deixar de nos parecer demasiado frequentes, sinal de que os estudos realizados não tinham a solidez e consistência que deveriam apresentar. Repetiam-se experiências sobre experiências, sem que houvesse tempo para consolidar a sua estrutura e firmar as iniciativas.
No dia 23 de Abril de 1931 foi publicado o texto dos novos programas do ensino secundário, assim como o que regulava as visitas de estudo e as excursões escolares. Pouco depois, em 2 de Abril de 1932, introduziram-se novas alterações, entraram em vigor novos programas, que tinham sido aprovados em 8 de Outubro do ano anterior. Continuavam a praticar-se erros antigos, não se corrigiam defeitos já tradicionais!
Com a data de 6 de Outubro de 1934, eram já aprovados programas diferentes, que também pouco tempo estiveram em vigor, visto que em 14 de Outubro de 1936 foram aprovados outros, tendo em vista a reforma estrutural do sector escolar.
Aquele ano de 1936 foi fértil em inovações, de cujo valor se pode duvidar, que deram origem a críticas acerbas e a acusações violentas, substituindo elogios destemperados que antes quase todos faziam. Torna-se difícil manter o equilíbrio e a serenidade no julgamento de posições que traduzam orientação política! Talvez se possa dizer que houve e continua a haver exagero nas duas atitudes; normalmente os méritos não são tão grandes como os seus defensores apregoam e os defeitos não são tão prejudiciais como os seus detractores nos querem fazer acreditar. Em política, os erros são preciosos auxiliares das oposições — que não deixam de se aproveitar deles mesmo quando não concordam com a sua vigência.
No dia 21 de Junho de 1935, foi ordenado que o decreto de 25 de Maio anterior, que instituiu o exame de aptidão para o ingresso na Universidade passasse a aplicar-se nos territórios ultramarinos, portanto também em Angola. A determinação afectava de maneira muito particular os estudantes liceais.
Não se deixava de ter presente os interesses dos académicos, não só os do ensino oficial como mesmo os do ensino particular. Levam-nos a pensar assim as determinações de 31 de Agosto de 1935, que autorizavam os alunos matriculados em colégios a fazer uso, para as suas experiências e trabalhos práticos, dos laboratórios dos liceus, nas condições que eram estabelecidas pelo mesmo diploma legislativo. E poucos dias depois, em 7 de Setembro, eram criadas as Salas de Estudo no liceu de Luanda, destinadas aos alunos do primeiro ano; a frequência seria gratuita e facultativa; o reitor poderia alargar o benefício aos alunos do segundo ano, se visse nisso vantagens notórias. Vem a propósito referir que, em 7 de Dezembro desse ano, esta regalia era tornada extensiva aos alunos do liceu de Sá da Bandeira.
Em 10 de Novembro de 1937, dando seguimento a uma sugestão da reitoria do Liceu Salvador Correia, foram tornados extensivos a Angola os pontos-modelo para os exames do ensino liceal, pondo de parte processos considerados antiquados, retrógrados, susceptíveis de permitirem injustiças lamentáveis. Este sistema mereceu a confiança dos professores, dos estudantes e do País durante mais de trinta e cinco anos, sendo substituído por novo sistema, em que se não souberam, não quiseram ou não puderam evitar erros incompreensíveis e inaceitáveis. As alterações do panorama social, as mudanças nas condições políticas levaram a seguir novos rumos e a trilhar novos caminhos, a tentar novas experiências. Devemos lamentar que muitas vezes se não queiram admitir e reconhecer as lições do passado!
A 21 de Julho de 1939, foram admitidos para Angola os exames de admissão aos liceus, que em Portugal estavam já em uso desde 1935, tendo sido estabelecidos em 5 de Junho desse ano. No ano lectivo de 1967-1968 foram novamente abolidos. Este assunto foi já abordado no primeiro capítulo do presente volume.
Com a data de 22 de Fevereiro de 1936, foi publicada uma portaria que regulava a forma de fazer a nomeação dos professores interinos para os liceus de Angola. Afirmava-se que o ministro tinha dado autorização oral para que se fizesse a publicação; veio a ser anulada em 4 de Dezembro desse ano, sob a justificativa de ter sido ilegal e abusivamente promulgada.
Este curioso pormenor leva-nos a perguntar a qual dos ministros se faria referência, se a José Silvestre Ferreira Bossa, que poucos dias antes da data da portaria deixou o cargo, ou a Francisco José Vieira Machado, que substituiu aquele!? Pela lógica, deveria ser Ferreira Bossa, não deixando de aceitar-se simplesmente que alguém, para nós desconhecido, tivesse cometido inacreditável abuso de funções!
Começou por esta altura a dedicar-se bastante interesse ao intercâmbio estudantil, às visitas de estudo e passeios escolares. Assim, em 12 de Maio de 1937, foi publicada em Lisboa uma portaria que regulava a maneira como devia ser efectuado um cruzeiro de estudantes dos liceus de Angola e Moçambique, a Portugal. Em relação aos dois liceus angolanos, tomariam parte quarenta e quatro alunos e seis professores; seriam preferidos os melhores estudantes naturais de Angola e que nunca tivessem feito esta viagem. Seria igual o número de pessoas de cada um dos liceus, vinte e dois académicos e três professores. Quanto a Moçambique, onde havia apenas um liceu, o cruzeiro beneficiaria trinta e seis alunos e quatro docentes. O tempo de viagem seria aproveitado para ministrar diversas aulas, em harmonia com as condições e a capacidade dos mestres, sendo considerado tempo lectivo. O período de permanência em Portugal considerar-se-ia tempo de férias, a deduzir das que se lhes seguiam. Os componentes do primeiro cruzeiro estudantil ultramarino desembarcaram em Lisboa a l6 de Junho daquele ano.
Em 17 de Julho de 1937, foi delegada no director dos Serviços de Fazenda e Contabilidade — exercia então estas funções o inspector superior de Fazenda, das colónias, em comissão naquele cargo, Guilherme Augusto de Meneses — a competência legal para adquirir um terreno e uma casa nele construída, situado na Avenida Brito Godins, em Luanda, aos herdeiros de Fernando Pimentel e a Ema de Sousa e Emília Perez y Perez, para aí ser construído o futuro edifício do liceu. A compra tinha sido autorizada pelo governador-geral em 8 de Junho anterior e o preço a pagar seria de cento e setenta mil oitocentos e sessenta e cinco escudos.
Este problema, no entanto, só em parte ficou resolvido. Em 22 de Outubro do ano seguinte, acentuava-se que o Estado tinha absoluta necessidade de adquirir a casa e o terreno dos herdeiros de Fernando Pimentel, no local indicado, para aí ser construído o liceu. Estando ausente em parte incerta a co-herdeira Maria Fernanda Marinho Pimentel, de cujo paradeiro a própria família não sabia, foi declarada de urgente utilidade pública a expropriação do referido terreno e prédio urbano aos seus proprietários — Fernando Pimentel Júnior, Ema Lucinda Pimentel Parreira, Fernando Pimentel França do Amaral, Fernando de Sousa Pimentel e a já indicada co-herdeira, Maria Fernanda Marinho Pimentel. O valor da propriedade era avaliado em cem contos e aceitava-se a expropriação por acordo, podendo recorrer-se também à desapropriação judicial ou contenciosa, se houvesse necessidade disso.
Fernando Pimentel Júnior foi um nome destacado do panorama escolar angolano e leccionou durante bastante tempo neste estabelecimento de ensino; encontram-se notas biográficas que se lhe referem no livro Patronos das Escolas de Angola e na monografia Liceu Salvador Correia, que antecederam este trabalho.
Recuemos, neste ponto, um período de tempo correspondente a meia dúzia de anos. Verificou-se muito cedo que as instalações do liceu não satisfaziam. Chegaram a construir-se dois pavilhões de madeira no terreno anexo ao edifício principal e houve até necessidade de utilizar edifícios dispersos pela cidade. Já nos referimos a este facto. Ao princípio, admitiu-se que a construção se fizesse no mesmo local, na Avenida Álvaro Ferreira, mas depressa se verificou que seria melhor construí-lo ao cimo da encosta que desce para o mar, à entrada do planalto. Conseguir-se-ia espaço mais vasto, ficaria livre dos inconvenientes da zona comercial e teria localização adequada ao futuro crescimento urbanístico de Luanda, com amplas vistas sobre o campo mas particularmente sobre o oceano.
O decreto de 30 de Junho de 1933 aceitava já que se construísse um edifício novo, obedecendo a certo número de exigências. Apontavam-se, em relação ao projecto a ser elaborado, os seguintes requisitos:
—Isolamento das instalações escolares da parte destinada
ao público;
—Isolamento das instalações para cada ciclo;
—Concentração das repartições e aproveitamento
do espaço;
—Grandes possibilidades de arejamento;
—Grandes superfícies de galerias cobertas, para recreio dos
alunos;
—Defesa contra a humidade e a insolação;
—Isolamento hidrófugo das fundações;
—Possibilidade de trabalho simultâneo para dezasseis turmas,
com salas privativas para cada uma delas.
No dia 15 de Março de 1937, efectuou-se num dos salões do palácio do Governo-Geral, em Luanda, uma reunião de individualidades de destaque, incluindo os órgãos de informação, a fim de se tratar do problema da construção do novo edifício do liceu. Assistiram à conferência:
—António Lopes Mateus, governador-geral de Angola;
—Luís Wittnich Carriço, vogal de Junta de Construções
para o Ensino Secundário;
—Vasco Lopes Alves, governador da província de Luanda;
—Guilherme Augusto de Meneses, director dos Serviços de Fazenda;
—Manuel Ferreira Rosa, director dos Serviços de Instrução
Pública;
—Afonso Brandão de Vasconcelos, director dos Serviços
de Obras Públicas;
—Luís Ribeiro da Cruz Aguiar, reitor do Liceu Salvador Correia;
—Manuel da Cruz Malpique, professor do mesmo estabelecimento;
—José Maria Antunes, professor liceal;
—José Luís Belchior Júnior, professor liceal;
—António Couceiro Martins, professor liceal;
—Abel Nogueira Godinho, professor liceal;
—Baeta Neves, representante da Câmara Municipal de Luanda;
—Albuquerque Cardoso, representante do jornal A Província
de Angola;
—Joaquim Faria, representante do jornal O Comércio;
—Vasconcelos Hasse, representante do jornal O Diário de Luanda.
Ao apresentar os desenhos, Luís Carriço explicou que se escolhera um tipo de edifício de características clássicas, para vincar bem a união espiritual que ligava os habitantes de Angola a Portugal, pondo de parte o estilo moderno, mais arrojado, sem se descurarem as exigências pedagógicas, higiénicas e de conforto. Teve-se em conta o condicionalismo climatérico e, quanto ao espaço, procurou-se o equilíbrio, fugindo de exageros, nem demasiado acanhado nem grandezas inúteis... Admitia-se que o problema do ensino liceal ficaria resolvido por um período bastante extenso... O anteprojecto, a respectiva planta e o caderno de encargos foram elaborados e traçados pelo arquitecto José da Costa e Silva; a construção do edifício foi adjudicada à Sociedade Técnica de Engenharia de Angola, Ldª; as obras começaram em 15 de Novembro de 1938; e a inauguração solene efectuou-se em 5 de Julho de 1942, com a presença do ministro Francisco José Vieira Machado.
Não nos alargamos com mais referências, pois as que poderíamos acrescentar foram na sua quase totalidade inseridas na monografia publicada para comemorar, em 1969, os seus cinquenta anos de actividade, a que atrás nos referimos.
O papel que o Liceu Salvador Correia desempenhou no historial das actividades,
organismos e instituições culturais, em Angola, apresenta-se-nos
com um brilho excepcional. Constitui marco saliente da divulgação
do saber, glorioso padrão da nossa acção civilizadora,
testemunho do interesse que algumas figuras dedicaram à elevação
do nível de vida dos seus habitantes e à dignificação
das suas gentes. Foi um farol a rasgar as trevas da ignorância e
uma esperança a brilhar no espírito das gerações
jovens, artífices do seu futuro.
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