33. ENSINO AGRÍCOLA

Angola baseou a sua economia sobre a actividade agrícola, sobretudo no último século da presença portuguesa, por razões de todos conhecidas e por motivos bem evidentes. Embora a forma mais fácil de adquirir fartos bens fosse através do comércio, este aproveitava-se de alguns poucos produtos agricultáveis ou então de produtos provenientes da sua fauna, sobretudo bravia. Desde longos tempos se viu ser indispensável desenvolver e modernizar a agricultura, a fim de que a terra pudesse produzir frutos abundantes, os preços fossem baixos e houvesse abundância de mercadorias. Tinha-se ainda em mira a fartura de géneros alimentícios, o que nem sempre se verificou, pois se registaram no decurso da História de Angola alguns períodos caracterizados pela fome e carência de alimentos.

Referimos já algumas iniciativas de promoção agrícola através das escolas e do ensino das técnicas correspondentes. Pode dizer-se que estas preocupações acompanharam de perto as da preparação profissional, sob outros aspectos, como sejam as artes e ofícios.

A primeira referência que encontrámos, relativa ao período correspondente a este volume, tem a data de 1 de Novembro de 1920. Por ela ficámos sabendo que a Escola Prática de Agricultura de Luanda tinha orçamentada para sua instalação e funcionamento a verba de oito mil e seiscentos escudos, que não era tão pequena como pode parecer.

Se olharmos as listas de livros oficialmente aprovados para uso nas escolas primárias, não deixaremos de notar que alguns tratavam expressamente da actividade agrícola. Podemos mencionar, por exemplo, o compêndio Agricultura, de António Simões Lopes, e o que tinha o título Botânica e Agricultura ou talvez Rudimentos de Agricultura, de António Xavier Pereira Coutinho. Usou-se ainda outro livro que tratava o mesmo tema, da autoria de José Fernandes Moura e Júlio Diamantino de Moura.

Em 28 de Março de 1927, foi criado o Posto Experimental Algodoeiro de Catete. Se ao princípio não era, positivamente, uma escola, a verdade é que com o tempo veio a ter anexo um estabelecimento de ensino das técnicas agrícolas e pecuárias.

O decreto de 9 de Janeiro de 1937, portanto uma dezena de anos mais tarde, volta a tratar do problema do ensino profissional agrícola. Nesse período, apenas poderia ter sido considerado um tanto esporadicamente, sem carácter sistemático. O diploma referido dizia que seria instituído em Angola, e nos restantes territórios ultramarinos sob administração portuguesa, o ensino profissional agrícolo-pecuário, destinado a preparar trabalhadores indígenas. Os respectivos estabelecimentos ficariam localizados junto das estações e postos de agricultura e pecuária. Tratava também do ensino rural, deixando entrever que consistia em ministrar aos alunos a prática dos trabalhos agrícolas, embora se procurasse também ensinar-lhes a ler, escrever e fazer as operações aritméticas. Os núcleos de ensino ficariam localizados junto das granjas administrativas, que lhes dariam o apoio de que carecessem.

Na mesma data, 9 de Janeiro de 1937, foi publicado um diploma legislativo pelo qual eram extintas as escolas-oficinas, que seriam substituídas por escolas elementares profissionais agrícolo-pecuárias. Foram criadas então as escolas agrícolo-pecuárias de Catete, destinada à cultura do algodão, de Cazengo, que se prendia particularmente ao café, de Malanje, de Bié, de Huambo e de Humpata, que tinham por objectivo cuidar dos problemas relativos a sementes e fruteiras.

Em 3 de Abril desse mesmo ano, foi feita a distribuição da verba de cento e oitenta contos para a instalação e entrada em funcionamento das escolas agrícolo-pecuárias recentemente criadas, pormenor que nos mostra haver relativo interesse em pôr estes estabelecimentos de ensino em actividade.

A 8 de Maio de 1937, foi aprovado o Regulamento Provisório das Escolas Elementares Profissionais Agrícolo-Pecuárias. Ministrariam o ensino técnico rudimentar da especialidade, reservado aos indígenas, tendo em vista a preparação de práticos de pecuária e de capatazes de postos, que pudessem encarregar-se da orientação dos trabalhadores não especializados e fossem auxiliares qualificados nas explorações agrícolas e nas fazendas destinadas à criação de gado, na posse dos europeus, portugueses ou de outras nacionalidades. Funcionariam em regime de internato, e semi-internato para os alunos que vivessem na mesma povoação. O curso tinha a duração de três anos; o ensino seguiria este esboço programático:
 

1º ANO

—Rudimentos de Botânica e Zoologia (em função das práticas agrícolo-pecuárias);
—Noções práticas dos instrumentos aratórios;
—Noções práticas das instalações do gado.
 

2º ANO

—Noções práticas de agricultura geral;
—Rudimentos de Arboricultura, Horticultura e Pastos;
—Noções práticas do material agrícola;
—Noções práticas do tratamento do gado.
 

3º ANO

—Rudimentos de Arboricultura, Horticultura e Pastos (continuação);
—Rudimentos de Silvicultura;
—Noções práticas do tratamento do gado (castração e vacinas);
—Rudimentos e noções práticas de Higiene Geral;
—Rudimentos e noções práticas de construções rurais

As autoridades esclareciam ainda que, além dos pontos focados, os alunos deviam ser treinados no conhecimento técnico e na prática das mais importantes culturas locais, com o objectivo de melhorá-las, a fim de que as populações pudessem tirar delas o maior rendimento, fazendo o seu aproveitamento cada vez mais perfeito e mais completo. Recomendava-se que fossem iniciados na técnica de certos trabalhos auxiliares da actividade agrícola e pecuária, como a carpintaria, serralharia, cerâmica, alvenaria, de aplicação prática na construção e reparação das instalações agro-pecuárias.

O recrutamento dos alunos seria feito através dos chefes indígenas, as autoridades tradicionais, a começar pelos seus filhos e parentes, entre os nativos que frequentassem os postos agrícolas e pecuários, e entre os educandos das missões, sobretudo as católicas. Dava-se preferência àqueles que soubessem ler e escrever (embora isso não fosse condição essencial da admissão), no caso de haver indivíduos alfabetizados que mostrassem interesse em frequentar as escolas.

Temos conhecimento de que em 2 de Outubro desse mesmo ano de 1937 "foi aprovado" o regulamento provisório. Recordemos que já tinha sido aprovado antes; apenas se pode aceitar que tenha sido posto em vigor relativamente a Angola.

A preparação literária ministrada aos alunos corresponderia ao ensino das primeira e segunda classes do ensino primário, de que ficariam encarregados os professores indígenas das escolas rurais ou das missões católicas. Vem a propósito esclarecer que a preparação literária destes mestres era já muito rudimentar, mesmo imperfeita, pois em regra os seus conhecimentos intelectuais não iam além dos programas da instrução primária. Estávamos a viver condições que correspondiam às da segunda metade do século XIX; deveriam ter sido largamente ultrapassadas, mas na verdade não foram!

Em 19 de Fevereiro de 1938, foram distribuídas verbas para a instalação e entrada em funcionamento de algumas escolas agrícolo-pecuárias, recebendo cada uma delas a quantia mencionada: — Humpata, cinco contos; Cazengo, dez contos; Catete, quarenta contos; Malanje, dez contos; e Bié, dez contos. Como é fácil de verificar, estas importâncias somavam a quantia de setenta e cinco contos.

Em 8 de Dezembro de 1938, foi publicado um decreto que criava, na província da Huíla, uma Escola Agro-Pecuária destinada a preparar pessoal para as diversas actividades relacionadas com o aproveitamento da terra e criação de gado, cuja necessidade e utilidade era reconhecida por todos, incluindo as autoridades cimeiras da administração portuguesa. Alguns meses depois, em 29 de Maio de 1939, era delegada no director interino da Direcção de Fazenda, no distrito da Huíla, Eduardo Correia Machado, a competência legal para adquirir, em nome do Estado, uma propriedade pertencente à firma Maximino & Companhia, da Humpata, a fim de ali ser instalada a referida escola. E ainda no decorrer do mesmo ano civil, em 28 de Agosto, foi publicada a portaria que regulava o funcionamento da Escola Agro-Pecuária da Huíla. O estabelecimento de ensino profissional em questão tinha a finalidade de preparar capatazes agrícolas e práticos da actividade agro-pecuária. Os respectivos cursos tinham a duração de três anos. Seguiam o esquema de programas aqui inserido:
 

CURSO DE PRÁTICOS AGRO-PECUÁRIOS
 

1º ANO

—Noções de Física e Química;
—Noções de fisiologia e exterior dos animais domésticos;
—Estudo elementar do solo e do clima;
—Culturas arvenses;
—Lavouras e amanhos;
—Máquinas agrícolas.
 

2º ANO

—Estudo da alimentação, higiene dos animais domésticos e primeiros socorros veterinários;
—Tecnologia agrícola e pecuária;
—Culturas tropicais especiais;
—Culturas arvenses;
—Pomares, palmares e cafezais;
—Estudo do solo e do clima;
—Rudimentos de Agrimensura;
—Noções de Legislação Agrícola e Pecuária.
 

3º ANO

—Zootecnia geral e especial;
—Tecnologia agrícola e pecuária;
—Culturas tropicais especiais;
—Culturas arvenses;
—Pomares, palmares e cafezais;
—Noções de Economia Rural, Escrita e Contabilidade Agrícolas;
—Rudimentos de Agrimensura.
 

CURSO DE CAPATAZES AGRÍCOLAS
 

1º ANO

—Noções de agricultura geral;
—Rudimentos de máquinas agrícolas;
—Exterior dos animais domésticos.
 

2º ANO

—Noções de tecnologia agrícola e pecuária;
—Noções de Zootecnia e Higiene dos animais domésticos;
—Generalidades sobre culturas especiais.
 

3º ANO

—Especialização por aptidões.

Para a frequência do Curso de Práticos Agro-Pecuários era exigido o exame do primeiro ciclo liceal ou equivalente; para o Curso de Capatazes Agrícolas bastava ter feito o exame do ensino primário, cremos que o de quarta classe. Quanto à idade, os candidatos deveriam ter mais de catorze anos, não se indicando a idade máxima, donde se conclui que não tivesse limites.

Em 22 de Maio de 1940, foi aprovado e entrou em vigor o Regulamento da Escola Agro-Pecuária Dr. Francisco Vieira Machado, que se dizia ter sido criada em 8 de Dezembro de 1938. Corresponde à data atrás apontada, tratando-se pois do mesmo instituto escolar.

Foi esta a primeira vez que se lhe deu tal denominação, atribuindo-lhe um patrono, embora se não faça referência expressa, o que não deixa de ser estranho. Continuava a afirmar-se que tinha em vista a preparação de capatazes agrícolas e práticos agro-pecuários. Não deixa de ser curioso que sempre se indique em primeiro lugar o curso menos qualificado, ao contrário da regra, que era apresentá-los por valor decrescente! As respectivas bases foram estabelecidas pela portaria ministerial de 28 de Agosto de 1939, a que já fizemos referência.

No dia 24 de Setembro de 1941, foi aberto um crédito especial de cento e sessenta contos para custear as despesas da conservação das propriedades em que deveria estabelecer-se ou já estava estabelecida a Escola Agro-Pecuária Dr. Francisco Vieira Machado, que com o tempo se tornou uma das mais conhecidas unidades académicas de Angola e que durante bastante tempo foi a única da sua categoria e especialidade. Ficava localizada na povoação de Tchivinguiro, no Lubango.

Em 7 de Janeiro de 1942, foi publicada uma curiosa portaria, assinada por Abel de Abreu Sotto-Mayor, encarregado do Governo-Geral, que uma semana depois, em 14 de Janeiro, publicou uma declaração em que afirmava ser nula e não produzir nenhum efeito. No entanto, pela sua interessante contextura, merece que se lhe faça referência.

Afirmava que a produção hortícola da região de Sá da Bandeira se mostrava insuficiente para suprir as necessidades da população e sugeria-se à Escola Agro-Pecuária Dr. Vieira Machado, visto possuir terrenos apropriados para tais culturas, que passasse a dedicar-se à sua produção. Recomendava-se a instituição de um regime de gestão semelhante ao das granjas militares e administrativas, cuja direcção ficaria confiada a uma comissão constituída pelo chefe da Repartição Provincial de Pecuária da Huíla, director provincial de Fazenda e o técnico encarregado das propriedades da escola, podendo ter com secretário um funcionário dos Serviços de Fazenda e Contabilidade. Deveria procurar-se que produzisse hortaliças, legumes e frutas para abastecimento das tropas que iriam ser aquarteladas em Sá da Bandeira — pormenor que não podemos dissociar do período histórico que se estava atravessando, pois travava-se então a segunda guerra mundial. As terras africanas não deixavam de ter interesse bélico e até posição estratégica. Voltando a reportar-nos àquela portaria, esclarecemos que, conjuntamente com a exploração agrícola, fazia-se a previsão da exploração pecuária, nos seus aspectos mais fáceis e mais rápidos — porcos, ovelhas, cabras, coelhos e aves de capoeira — cujos produtos se destinariam igualmente ao abastecimento da tropa.

Nos últimos anos da primeira parte do período abrangido pelo segundo volume desta obra — que engloba os tempos compreendidos entre a primeira grande guerra e a segunda guerra mundial — as autoridades angolanas dedicaram grande interesse à Escola Agro-Pecuária Dr. Vieira Machado, do Tchivinguiro, sendo frequentes as referências a este estabelecimento de ensino.

Em 16 de Setembro de 1942, foi aberto novo crédito especial de cento e sessenta contos, para fazer face às despesas com a conservação do núcleo de propriedades anexas à escola. E menos de um ano mais tarde, em 23 de Junho de 1943, era aberto outro crédito, desta vez de cento e setenta e três contos, para custear as despesas gerais da sua manutenção e sustentação. E em 24 de Maio de 1944 constituía-se novo fundo monetário, da quantia de novecentos e cinquenta contos, para pagamento de obras a realizar, incluindo a construção de um edifício que servisse de residência ao seu director.

Por decisão das autoridades competentes, o director do estabelecimento poderia expedir telegramas oficiais, usando como endereço a abreviatura "Agros". Referimos isto por ter sido a primeira vez que encontrámos menção oficial expressa relativamente à sua localização, pois até aí apenas se referia à Escola Agro-Pecuária da Humpata, ou Escola Agro-Pecuária da Huíla, havendo o perigo de se confundir com outra, de grau e importância muito diversos, a Escola Agrícolo-Pecuária da Humpata.

Em 23 de Junho de 1943, foram estabelecidas três estações climatológicas no sul de Angola, na serrania que domina a cidade de Sá da Bandeira. Ficavam a cargo da Escola Agro-Pecuária Dr. Francisco Vieira Machado. Estavam localizadas em Tchivinguiro e Chão da Chela, no concelho de Lubango, e Bruco, na circunscrição civil de Bibala.

Como curiosidade, não deixaremos de referir que, poucos dias antes, em 16 de Junho, foi delegado no governador da província da Huíla, capitão Eurico Rodrigues Nogueira, a faculdade de empossar nas funções de "encarregado do governo da província da Huíla" o engenheiro-agrónomo Alberto Ferreira da Silva, director da Escola Agro-Pecuária do Tchivinguiro, que deveria entrar em exercício logo que o governador se ausentasse, o que parece ter acontecido em breve. Este pormenor prova, pelo menos, que o estabelecimento era dirigido por pessoa de muito destaque, merecedora de alta consideração, a que poderemos acrescentar que deveria reunir destacados méritos!



 
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