42. SECTOR AGRÁRIO
Quando fixamos a nossa atenção sobre diversos períodos da História de Angola, não podemos deixar de reconhecer características bem definidas na actuação dos responsáveis e dos elementos mais preponderantes da população. Até aos meados do século XIX, quase toda a vida angolana girava em torno do comércio esclavagista, que se praticou ao longo de séculos e foi uma das mais fáceis e rápidas formas de um pequeno grupo enriquecer desmedidamente. Com a evolução da mentalidade que se ficou devendo às ideias filantrópicas difundidas naquela centúria, surgiram condições que levaram à abolição do tráfico e, consequentemente, a desenvolver novas formas de actividade e a procurar outras fontes de riqueza. Verificou-se que Angola poderia tornar-se um território progressivo se desenvolvesse a sua agricultura, procurando na exploração da terra os valores materiais que até então tinham sido arrancados da mina da escravaria, como alguns governantes lhe chamaram.
As primeiras tentativas da exploração agrícola intensiva vêm dos meados do século passado. Ao longo de cem anos podemos reconhecer que se fizeram diversas arrancadas, experiências nem sempre frutuosas. E começou a sentir-se desde logo a necessidade de preparar técnicos capazes de dirigirem as grandes explorações agrícolas, realizando as diversas tarefas de maneira a tirar delas o máximo rendimento. Não é difícil relacionar os períodos de entusiasmo ou de desânimo com causas aparentemente estranhas ao continente mas que podem inserir-se no contexto universal. Se em certo momento foi o café que prendeu as atenções, noutros períodos dedicou-se maior interesse ao algodão ou ao sisal, de acordo com as solicitações e exigências dos mercados europeus, acompanhando as alterações dos preços. O milho e o feijão chegaram a ter honras de produtos ricos, mas bastou que se calassem os canhões, na segunda guerra mundial, para que caíssem ao nível das culturas de subsistência, com reduzido interesse comercial.
Este trabalho não nos permite fazer o estudo das oscilações registadas na balança mercantil, sendo muito outro o nosso intento. As considerações que apresentamos apenas pretendem justificar o interesse que a preparação de técnicos agrícolas conseguiu captar no espírito daqueles que se preocuparam com o progresso de Angola, registado nas páginas já passadas e também nas que vão seguir-se. Em face do exposto, iniciemos breve revista às iniciativas escolares que se prendem com o sector agrário.
Em 28 de Março de 1945, foi aprovado e posto em execução o orçamento da Escola de Regentes Agrícolas de Tchivinguiro, oficialmente designada por Escola Agro-Pecuária Dr. Francisco Machado, que atingia a importância de trezentos e sessenta e dois contos; era director deste estabelecimento de ensino Alberto Ferreira da Silva, que subscrevia aquele orçamento. Poderíamos fazer repetidas referências deste tipo, mas entendemos que isso não oferece qualquer interesse; limitamo-nos a esta, a título de exemplo.
Dando cumprimento ao disposto no diploma de 15 de Outubro de 1956, foi
aplicado em Angola, com algumas alterações, o Regulamento
do Ensino Médio Agrícola, que neste território
era ministrado apenas na escola de Tchivinguiro. O estudo ali professado
tinha a duração de cinco anos e a denominação
e programas seguintes:
CURSO DE REGENTES AGRÍCOLAS
1º ANO
—Português; Inglês;
—História Geral e História Pátria; Geografia;
—Botânica; Físico-Química;
—Matemática; Desenho;
—Trabalhos Agrícolas; Oficinas (madeira e ferro).
2º ANO
—As mesmas disciplinas, substituindo a Botânica por Zoologia e
Mineralogia, esta sob a modalidade de "geologia aplicada".
3º ANO
—Zoologia; Físico-Química;
—Culturas Arvenses; Agrologia (Física Agrícola);
—Horticultura e Floricultura; Mecânica e Máquinas Agrícolas;
—Topografia; Oficinas (madeira e ferro).
4º ANO
—Culturas Arvenses; Patologia Vegetal;
—Arboricultura; Zootecnia;
—Tecnologia e Indústrias Agrícolas; Mecânica e
Máquinas Agrícolas;
—Hidráulica; Culturas Metropolitanas.
5º ANO
—Patologia Vegetal; Zootecnia;
—Tecnologia e Indústrias Agrícolas; Construções
Rurais;
—Silvicultura e Agricultura; Administração e Contabilidade;
—Culturas Metropolitanas; Higiene;
—Organização Política e Administrativa da Nação.
Em 13 de Outubro de 1956, foram tomadas medidas referentes à aplicação em Angola do ensino elementar agrícola, ou seja o ensino prático da agricultura, tendo em vista a preparação de feitores e capatazes. Ficaria na dependência dos Serviços de Instrução, ao contrário do que outrora se fizera, quando esteve subordinado ao sector oficial especificamente agrário. Ao mesmo tempo declarava-se que se daria novo incremento ao ensino médio, tendo em mente o que dois dias mais tarde se publicou e que acabamos de referir. Esclarecia-se, efectivamente, que este tipo de instrução seria ministrado na Escola Agro-Pecuária Dr. Francisco Machado, que nos parece ser designação nova, dada pela primeira vez por este diploma.
Demorou ainda alguns anos a organizar outra escola em que fosse ensinada a matéria apresentada e cursadas as cadeiras do respectivo curso. Apenas em 26 de Outubro de 1961 se menciona a localização de uma escola prática da agricultura, na cidade de Salazar (Dalatando), com referência expressa ao que cinco anos antes se legislara.
Alguns meses mais tarde, em 4 de Abril de 1962, foi revogado o diploma legislativo que, em 31 de Julho de 1957, se dizia ter estabelecido o modo de funcionamento das escolas práticas de agricultura, actualizando os métodos de ensino e a matéria do curso assim como os objectivos que se procurava atingir. O documento estabelecia dois anos de estudo teórico em que seriam professadas as cadeiras de:
—Língua Portuguesa e História Pátria;
—Ciências da Natureza;
—Matemática;
—Desenho;
—Iniciação Agrícola e Trabalhos Manuais.
Os cursos práticos abrangiam diversas actividades que tinham relação com a agricultura, a criação de gado e a exploração silvícola e eram apresentados sob as seguintes denominações:
—Curso de Práticos Agrícolas;
—Curso de Práticos Pecuários;
—Curso de Práticos Florestais.
Nas páginas que vão seguir-se, reportar-nos-emos a alguns estabelecimentos de ensino com historial digno de nota mas que não estavam na dependência dos Serviços de Instrução, pois eram mantidos pelos organismos públicos responsáveis pelo sector agrícola. A sua definição não é muito exacta e por vezes até surgem dúvidas quanto às denominações dadas e quanto à modalidade do seu funcionamento.
Em 13 de Agosto de 1947, num documento oficial reconhecia-se haver notória falta de pessoal preparado para colaborar com os Serviços Geográficos e Cadastrais, e em face disso determinou-se que o ensino do primeiro grau do curso ministrado na Escola de Agrimensura, cujo regulamento fora aprovado em 18 de Setembro de 1940, passaria a ser orientado pelos seguintes tópicos:
1ª PARTE
—Prática de campo, durante quatro meses, nas brigadas ou trabalhos técnicos dos Serviços Geográficos e Cadastrais, visando a obtenção de conhecimentos elementares relativos aos métodos de levantamento e aos instrumentos e aparelhos empregados.
2ª PARTE
—Curso teórico, de seis meses, sobre as matérias que constituíam o programa aprovado oficialmente.
3ª PARTE
—Tirocínio de campo, durante dois meses, sobre as matérias do curso teórico, para os alunos que tivessem obtido aproveitamento.
4ª PARTE
—Exame final, constando de uma prova escrita e uma prova oral, sobre as matérias do programa ministrado nas aulas.
No dia 29 de Setembro de 1948, reconhecendo-se ser necessário e urgente preencher as vagas existentes nos quadros dos Serviços Geográficos e Cadastrais e que o número de candidatos habilitados tinha sido insuficiente, foram admitidos a exame do primeiro grau da Escola de Agrimensura os indivíduos que tivessem o curso geral dos liceus, no caso de não haver número suficiente de candidatos com o curso complementar de ciências, ao tempo vulgarmente designado por "sétimo ano". Admitiam-se ainda ao exame final os indivíduos em condições de requererem a matrícula naquela escola, sendo submetidos a uma prova prática de campo, de que seriam dispensados aqueles que, por trabalhos anteriormente realizados, demonstrassem possuir os conhecimentos respectivos e, portanto, habilitação correspondente. Que confusão!
O Regulamento dos Serviços Geográficos e Cadastrais,
promulgado em 8 de Março de 1950, refere-se à sua Escola
de Topografia e Agrimensura, alterando um pouco a designação
que estamos habituados a encontrar. Afirma aquele documento ministrarem-se
ali os cursos elementar e complementar de topografia, a que se refere o
decreto de 14 de Novembro de 1946. O primeiro compreendia dois meses de
prática de campo, seis meses de aulas e quatro meses de tirocínio;
o segundo abrangia seis meses de estágio, durante o qual fariam
trabalhos práticos, assistiriam a um ciclo de palestras informativas
e elaborariam memórias descritivas sobre temas de interesse, relacionados
com o curso. Damos aqui os tópicos correspondentes
CURSO ELEMENTAR DE TOPOGRAFIA
—Estudo dos instrumentos empregados em trabalhos topográficos;
—Trigonometria esférica;
—Escalas e projecções;
—Generalidades sobre o relevo terrestre;
—Operações topográficas;
—Levantamentos fotogramétricos;
—Noções de astronomia aplicada à topografia;
—Desenho topográfico;
—Legislação sobre concessões de terreno.
CURSO COMPLEMENTAR DE TOPOGRAFIA
—Noções gerais sobre a teoria dos erros;
—Ideia geral sobre a forma da Terra;
—Noções de cartografia;
—Operações geodésicas;
—Noções de astronomia geodésica;
—Levantamentos cadastrais;
—Organização.
Uma portaria com a data de 21 de Outubro de 1959 distribuiu a verba global destinada à manutenção e sustentação da Escola de Topografia e Agrimensura. Por ela ficamos sabendo que estava ainda em funcionamento; outras referências à sua actividade são praticamente nulas. Tinha orçamentada a quantia de duzentos e cinquenta contos.
Em 16 de Fevereiro de 1963, determinou-se que continuasse a ser ministrado na Escola de Topografia e Agrimensura o ensino teórico e prático, recomendável para uma boa preparação profissional, aos funcionários e empregados dos Serviços Geográficos e Cadastrais, de que dependia. Fazia-se menção especial das matérias que diziam respeito ao aperfeiçoamento de operadores de restituição, desenhadores e montadores-preparadores de impressão de folhas. Tinha sido acordado entre aquele organismo e a Junta Autónoma das Estradas de Angola, através dos seus responsáveis superiores, que frequentariam a Escola de Topografia e Agrimensura cinco funcionários da Junta, sendo três operadores de restituição e dois desenhadores fotogramétricos. Os cursos poderiam ser frequentados ainda por outros funcionários, empregados nos Serviços Geográficos e Cadastrais, e durariam até 31 de Março de 1964, podendo este prazo ser prorrogado se houvesse vantagem nisso. Este pormenor leva-nos a pensar que o estabelecimento não tivesse funcionamento normal, mas realizasse cursos de preparação técnica e profissional quando se verificasse haver necessidade de preparar funcionários ou valorizar os antigos.
Em 22 de Maio de 1957, foi aprovado e posto em execução o Regulamento do Ensino Elementar Agrícola, para indígenas nas escolas do magistério de adaptação das missões católicas, e para os não-indígenas nas escolas elementares regionais de agricultura, nessa data criadas. O decreto esclarecia que a sua localização, não definida, seria mais tarde determinada pelo governador-geral. As escolas elementares regionais de agricultura que viessem a ser estabelecidas ficariam com pessoal docente recrutado entre os regentes agrícolas, professores primários, práticos agrícolas e enfermeiros. Ministrariam o ensino em três graus, a saber:
—Ensino primário elementar;
—Habilitações literárias complementares, incluindo
as disciplinas de Língua Portuguesa, História Pátria,
Geografia e Botânica;
—Preparação teórica profissional, julgada conveniente.
No dia 31 de Julho de 1957, foi aprovado o Regulamento das Escolas Práticas de Agricultura. O curso de prático agrícola, nelas ministrado, abrangia as cadeiras:
—Língua e História Pátria; Matemática;
—Ciências Geográfico-Naturais; Desenho;
—Noções de solo e clima; Operações culturais;
—Máquinas agrícolas e motores; Culturas arvenses;
—Horticultura e jardinagem; Noções de agrimensura;
—Noções de silvicultura; Pomares, palmares e cafezais;
—Culturas tropicais; Noções de tecnologia agrícola;
—Noções de tecnologia pecuária; Criação
e exploração de gados;
—Noções de fitossanidade; Economia e contabilidade agrícola;
—Noções de fisiologia externa dos animais domésticos;
—Alimentação, higiene e primeiros socorros veterinários;
—Noção de construções rurais e hidráulica
agrícola;
—Trabalhos de oficina (aproveitamento e utilização da
madeira e do ferro);
— Língua Francesa (curso livre);
—Actividades circum-escolares, incluindo os serviços de campo.
O corpo docente tinha agora constituição muito diferente da que poderíamos imaginar, pois era formado por cinco professores técnicos, um dos quais seria o director, um professor do ensino liceal e três professores auxiliares. Os cinco técnicos compreendiam três engenheiros agrónomos, um engenheiro silvicultor e um médico veterinário. O professor liceal ficaria encarregado de ministrar o ensino da Língua Portuguesa, História e Francês. Os professores auxiliares destinavam-se a ensinar Religião e Moral, Canto Coral, e Educação Física.
O plano de estudos abrangia dois anos para o ciclo preparatório e três anos para o ciclo profissional, sendo o último mais dedicado ao tirocínio. O documento que estabelecia os programas foi subscrito pelo chefe dos Serviços de Instrução, Rafael Ávila de Azevedo. Estamos inclinados para aceitar a hipótese de nunca este esquema ter sido plenamente executado; esta característica, infelizmente, era mais comum do que deveria ser, o que permite fazer muitos e antagónicos juízos, tirar muitas e discordantes conclusões.
Vamos encerrar este capítulo com referência a dois pontos
estranhos ao tema, apenas como elementos exóticos de escasso interesse.
Em 14 de Dezembro de 1960, foram fixados os salários dos aprendizes
da Imprensa Nacional de Angola — que podemos considerar alunos da Escola
de Artes Gráficas — e que eram dos quantitativos seguintes:
1º ANO |
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2º ANO |
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3º ANO |
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4º ANO |
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AJUDANTES |
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A idade de admissão era estabelecida dentro dos limites de treze a quinze anos para os candidatos que tivessem o segundo ano do curso industrial (que teriam preferência), ou dos doze aos catorze anos para os que tivessem apenas o exame da quarta classe do ensino primário (considerados suplentes em relação aos primeiros). A Escola de Artes Gráficas, estabelecida junto da Imprensa Nacional de Angola, não era um estabelecimento de ensino nos moldes habituais, mas sim um grupo de aprendizes de um ofício ou profissão, com base empírica, apoiada na prática prolongada do trabalho correspondente.
Também queremos referir que em 25 de Abril de 1945 foi tornada
pública a informação de que a Escola de Quadros Militares,
para a formação de sargentos e oficiais do exército,
que funcionou durante bastante tempo em Vila Teixeira da Silva [e a que
poderíamos fazer referências mais pormenorizadas, pois são
frequentes as notícias relativas ao seu funcionamento], passara
desde o dia 9 desse mês a funcionar na cidade de Nova Lisboa. Não
sabemos em que data foi fundada ou reestruturada a partir de outra anterior.
Funcionava nos moldes das suas congéneres de Portugal ou de qualquer
outro país. Manteve-se em actividade até ao final da presença
portuguesa em Angola. Tal como as demais atrás referidas, não
dependia sob nenhum aspecto dos Serviços de Educação,
pertencia ao foro militar. Ministrava aos seus inscritos a instrução
própria do Curso de Oficiais Milicianos e também do
Curso de Sargentos Milicianos.
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