48. CURSOS DE MONITORES ESCOLARES

Não se sabe ao certo quando foram organizados os primeiros cursos de monitores escolares, admitindo-se que tenha sido pelo ano de 1962

Recordemos que em Angola havia desde longa data a tradição de ministrar o ensino em condições nem sempre perfeitas, aproveitando as condições de momento e de lugar. Logo nos primeiros tempos da presença portuguesa, aparecem-nos no Congo nativos dos dois sexos a ensinar os seus patrícios, chegando a haver entre eles quem exercesse essa actividade até em Lisboa. No final do século passado e começo do século XX, o professor e funcionário público português José da Fonseca Lage dizia textualmente que "se alguma rudimentar instrução aparecia, era devida aos esforços dos naturais, que particularmente se ensinavam uns aos outros". Mais ou menos na mesma altura, embora com raízes antigas, salientava-se quanto os ambaquistas prezavam a ilustração, chegando a afirmar-se, como caricatura, que andavam sempre munidos dos apetrechos da escrita. E já neste nosso estudo tivemos ocasião de salientar que havia em todo o território angolano muitos indivíduos dedicados ao ensino, gratuitamente ou sob baixíssima remuneração. E até no primeiro volume, ao falar das escolas particulares, se destacou o pormenor de haver, entre os nativos, quem ensinasse os seus vizinhos e parentes. Nos últimos meses da presença portuguesa, quando os militantes dos movimentos de libertação se deslocaram para Luanda, vindo do mato, muitas das suas crianças se apresentaram nas escolas primárias oficiais solicitando o reconhecimento do seu saber por meio de apreciação sumária e individual, e muitos mostravam certo adiantamento. Era notório que os alunos ensinados pelos naturais tinham mais perfeita caligrafia do que os das escolas públicas.

Havia, pois, uma tradição que justificava a organização dos monitores escolares, ao serviço do ensino das primeiras letras. Desconhecemos quem fosse a individualidade que teve a ideia e realizou a iniciativa. Nunca conseguimos encontrar documentos que se lhe reportassem. Ignoramos de onde provinham os dinheiros necessários para a realização dos cursos de monitores, admitindo a hipótese provável de que saíssem do Fundo Escolar de Angola, que podiam ser mais facilmente utilizados do que os provenientes do orçamento estatal, que os trâmites burocráticos controlavam com mais aperto e havia maior rigor na apreciação das contas.

Seguindo uma tradição bem portuguesa, os cursos de monitores tinham muito de improviso. A preparação anterior dos aspirantes era quase sempre muito defeituosa, muito reduzida, pois grande parte tinha prestado provas de exame através dos cursos de adultos, de programas mais curtos e de menor exigência na apreciação.

Não pode dizer-se que houvesse um esquema bem definido de lições e de estudo, em cada momento se faziam as adaptações julgadas convenientes e que nem sempre o seriam. O tempo de duração era exageradamente curto, em regra um mês, durante as férias de Março ou de Julho/Agosto, para se poder dispor das instalações escolares, tanto para aulas-modelo como para refeitório e dormitório.

Embora se não trate de um serviço verdadeiramente institucionalizado, não deve passar sem referência bem clara; procurou-se, desta forma, dar resposta a muitas exigências de escolaridade, sobretudo em meios pequenos, de fraca densidade populacional, afastados dos que nós chamamos urbanizados.

Ao princípio, pensava-se que os monitores escolares seriam apenas encarregados das turmas mais atrasadas — preparatória, primeira e segunda classes — mas com o tempo foram tomando conta mesmo das mais adiantadas — terceira e quarta classes, pelo menos nalguns casos. As hesitantes experiências do começo estenderam-se depois a quase todos os distritos de Angola.

Devemos fazer justiça a esses humildes profissionais do ensino e reconhecer que cumpriram deveres espinhosos e desempenharam funções meritórias, dentro do condicionalismo em que estavam integrados, em lugares que os portadores de habilitação legais não estariam dispostos a ocupar, mesmo que houvesse elementos bastantes, que não havia. Foram os pioneiros da escolaridade e lançaram as bases para a cobertura posterior.

Podemos, no entanto, fazer desde já algumas observações que julgamos pertinentes. As autoridades escolares portuguesas iludiam-se se acreditavam na fidelidade desses agentes do ensino aos interesses lusos. Hoje sabe-se, sem sombra de dúvida, que eram simpatizantes de um dos movimentos de libertação, e isso não deixava de oferecer certo perigo, pois poderiam correr o risco de represálias. Declarando-se partidários de um deles, corriam o perigo das vindictas dos outros, que não eram assim tão hipotéticas ou imaginárias. Sob o aspecto particular da realização dos cursos, pode ter-se em conta que eram muitas vezes escolhidos os mesmos elementos, nem sempre reputados como os melhores. Havia quem estivesse disposto a fazer um pouco de turismo pago, embora se possa considerar mal remunerado o trabalho feito e o tempo ocupado. A escolha dos professores-modelo não deixava de motivar reparos, não só da parte dos preteridos como até daqueles que se desinteressavam, mas que mesmo assim faziam comentários!

Também se reparava na fraca preparação literária dos concorrentes, no seu limitado saber, e na impossibilidade de, em poucos dias, lhes transmitir conhecimentos e aptidões pedagógicas, que se baseavam, essencialmente, sobre o princípio da imitação — faz como eu faço.

Os candidatos provinham de meios em que o interesse cultural não existia. Se todos eles falavam correntemente a língua portuguesa, faziam-no com certo grau de incorrecções; quanto à escrita, tinham dificuldade em redigir e cometiam muitos e grosseiros erros ortográficos. E não havia a hipótese de, como autodidactas, aumentarem a sua cultura, pois não dispunham de livros, revistas ou jornais — quando muito, faziam uso do seu aparelho portátil de radiofonia.

A falta de elementos históricos documentais levou-nos a substituí-los pelas considerações formuladas. Poderiam apresentar-se outras e até mais desenvolvidas, mas a índole do nosso estudo não permite a análise exaustiva dos assuntos, não é essa a finalidade que nos propomos atingir, nem dispomos de condições e conhecimentos para tanto indispensáveis.

Na sua modéstia e humildade, os monitores escolares cumpriram a sua missão. Cumpririam mal, talvez, mas as maiores culpas não lhes pertencem, mas aos responsáveis que nem sempre quiseram ou puderam aproveitar meios e ocasiões.

Registamos as deficiências deste importante sector, mas não esqueçamos o que ainda realizaram. Tendo em consideração as condições em que actuavam, pode dizer-se que fizeram bastante. Encontramos numerosos atenuantes que explicam e até justificam as falhas encontradas. A grande deficiência dos monitores escolares residia na sua limitada e defeituosa, embora involuntária, preparação cultural.



 
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