A CLASSE DE T.O.(*) Célia R. PERAÇOLI e Rosângela A.T.R. VANNI Os alunos que freqüentam minha classe são considerados dependentes, mas conseguem desenvolver atividades muito interessantes. Quando se acredita no ser humano parece não haver limites. Sempre que são estimulados eles conseguem realizações às vezes inacreditáveis. A faixa etária destes alunos varia entre 12 e 28 anos cujo desenvolvimento intelectual é diferente em cada caso. Mesmo assim todos têm produzido de forma satisfatória. Uma das experiências realizadas com este grupo (e que se encontra registrada em vídeo), foi com um trabalho de pintura em porcelana. Acostumados a trabalhos mais simples, mesmo de pintura, havia quem não acreditasse que seriam capazes de realizar uma atividade tão delicada e minuciosa. Entretanto, tanto o processo quanto o resultado foram surpreendentes. A partir da descoberta do material já foi possível perceber uma certa intuição, nascida, com certeza, de suas vivências pessoais com materiais diferentes daquele. Descobriram, por exemplo, que aquela tinta em pó não era miscível em água e foram capazes de identificar o veículo usado (óleo) embora não soubessem qual era sua natureza. Prepararam os pincéis, limparam a porcelana, escolheram as cores, prepararam as tintas e trabalharam com uma coordenação tal que era realmente difícil de acreditar. O resultado do trabalho bruto foi surpreendente. Restava agora esperar a queima para ver o resultado final. Depois de queimada em forno de alta temperatura a porcelana muda um pouco de aparência, mas, mesmo assim, na hora de lhes entregar os trabalhos, foi uma surpresa perceber que todos eles encontraram suas peças com muita facilidade e foi grande a alegria de cada um ao recebê-la de volta para levar para casa. Duas alunas tinham trabalhado xícaras e pires, aplicando tinta de cores diferentes. Uma fez o pires amarelo com bolinhas azuis (dando um resultado em verde) e a xícara azul. A outra fez o pires azul e a xícara em amarelo com desenhos em azul. Na hora da entrega, eu juntei as peças pela semelhança de cor, isto é, xícara azul com pires azul e xícara amarela com pires amarelo. É impossível imaginar a "bronca" que eu levei porque inverti os trabalhos. imediatamente elas desfizeram o equívoco e cada uma delas, feliz da vida, completou seu jogo de porcelana. - Só vendo para crer! é o que diziam as pessoas. Mas eu digo agora: - Basta conviver para crer! Hoje eles trabalham normalmente na cozinha experimental, junto com colegas de outras classes. Está acontecendo um processo muito rico de socialização no qual se desenvolvem comportamentos de independência como prioridade e do qual decorrem outros muito mais simples que são exercitados na prática das atividades. Poderíamos dizer, por exemplo, que fazer a massa do pão ajuda a desenvolver a coordenação motora. Mas, será que só ajuda a desenvolver a coordenação motora e será que eles realmente ainda precisam desenvolvê-la depois do exercício da pintura em porcelana? Fazer o pão e trabalhar junto com seu grupo faz deles pessoas importantes, responsáveis e respeitáveis. Ajuda principalmente a melhorar sua auto-imagem e construir um auto-conceito positivo, apesar das diferenças. Um dia, quem sabe, eles também poderão ter um emprego com carteira assinada e tudo. "...Debulhar o trigo,
Recolher cada bago do trigo,
Forjar do trigo o milagre do
pão
e se fartar de pão..."
"Cio da Terra"
Milton Nascimento
______________________________ (*) Terapia ocupacional - Classe em que as crianças mais velhas ou com maiores dificuldades ou problemas desenvolvem atividades diferenciadas daquelas que acontecem em salas de aula comuns. |