JOGANDO COM O ESPELHO Idilene A. GIGLIOLI e Magali TERAOKA As atividades de sala de aula são um convite constante à pesquisa e à indagação. Quando iniciamos a busca de um caminho para a alfabetização, ainda que sem a preocupação da sistematização, achamos que seria interessante propor atividades para que as crianças pudessem perceber melhor as diferenças de pronúncia dos diversos fonemas. Resolvemos desenvolver a mesma linha de trabalho para as duas classes, de pré II e III. Sabíamos que havia diferenças entre os grupos, mas quisemos confirmar se estas iriam interferir no resultado da atividade. Usando um espelho, as crianças deveriam cantar uma melodia (*) cuja letra incluía sílabas com sentido, já que repetiam as notas da escala musical. No primeiro exercício as crianças do Pré II (**) se distraíram tanto com o espelho que não conseguimos mais do que cantar. Ninguém se preocupou em observar onde os sons se formavam ou quais as formas que a boca tomava para emitir esse ou aquele som.O que interessava era mesmo o espelho e o desenho que havia nele; era o objeto em si e não o seu uso que chamava a atenção das crianças. Numa segunda tentativa, mostrei às crianças o texto da música, conversando com eles sobre a quantidades de palavras que havia nele e a "arrumação" delas, que era o que lhe dava sentido. Usei outros exemplos para tentar definir o que era esta ordem. Assim: CACHORRO PRETO VIZINHA DA O É O CACHORRO DA VIZINHA É PRETO. Conversamos muito ainda para discutir que o som que sai da boca em forma de fala representa o pensamento e que as palavras que explicam esse pensamento são pronunciadas e escritas de maneiras diferentes. Só então lhes dei novamente o espelho e alguns já começaram a exercitar os diferentes movimentos da boca, incluindo as posições da língua na hora de pronunciar palavras. Cantando a música novamente, vieram observações como: - No RÉ parece que eu dou um sorriso, mas abro pouco a boca... - No LÁ eu coloco a língua no céu da boca e abro muito ela - No SI o ar sai espremido nos dentes... - O MI não sai direito porque a boca ficava fechada. Precisa abrir p’ra sair. - No SOL tem que fazer um biquinho comprido.. E muitas outras semelhantes. Quando o espelho cansou, retomei as figuras do verso para procurar outras palavras e verificar semelhanças de pronúncia. Descobriram coisas como: - Olha, o desenho do meu é um CARRO! - Igual a CAchorro... - CAdeira... - Cavalo... - O meu é um PATO! - PA de PAulo... - De Pablo... - De Pau... - Papai... Depois do exercício oral trabalhamos com o texto escrito, recortando as frase e montando novamente no formato inicial. A atividade feita inicialmente em grupo foi repetida por cada uma das crianças individualmente pois todos queriam guardar o texto da música no caderno. Resumindo, o que parecia ter sido um fracasso na primeira tentativa acabou sendo um sucesso depois de replanejado e estruturado. Se no primeiro momento o espelho foi mais importante que a atividade (o jogo foi com o espelho), agora que ele já era velho conhecido deixou de ter tanta importância e passou a ser mais um auxiliar no jogo com as palavras. Na classe de pré III (***) as coisas correram um pouco diferentes. o espelho era grande e usado coletivamente. Enquanto cantávamos a música, fazíamos caras e bocas para que as crianças percebessem os movimentos da face e as mudanças que ocorriam quando da emissão dos diferentes sons. Chamamos também a atenção para a saída do ar que provoca tais sons e questionamos sobre a quantidade de ar que saía. Exercitamos tentando prender e soltar o ar para emitir os fonemas surdos e sonoros e tudo se transformou numa grande brincadeira. Todo mundo queria ir até o espelho para ver como ficava a boca quando se pronunciava os nomes da notas musicais. - O MI encosta os lábios e prende o ar... - No DÓ a boca fica meio redonda... - No FÁ os dentes de cima encostam na boca (corrigimos, no lábio inferior)... - O LÁ, a língua bate no céu da boca... E continuamos cantarolando e observando os movimentos da boca bem como a entrada e saída do ar. A classe se manteve muito interessada e algumas crianças, mesmo depois de passarem para a fase seguinte do trabalho continuaram atentas aos movimentos da face, exercitando pronúncias com exagero. Em seguida jogamos com os nomes das crianças procurando, entre todos, os que continham na sílaba inicial a vogal A, a partir da pergunta: - Quem tem nome que precisa de muita saída de ar para começar? E vieram as respostas. As crianças cujos nomes se encaixavam no parâmetro vinham até a frente da sala. Alguns não conseguiam perceber e eram estimulados pelos outros. - RA faela, DA niela, GRA ziela, PA ulo, NÁ dia, MAR cela etc. Da mesma forma que na outra classe, trabalhamos com o texto da música escrito, recortando, montando novamente a seqüência no caderno e efetuando a leitura do texto reescrito. No momento de montar a seqüência, omitimos palavras no início ou no final das frases, fato este que algumas crianças não percebem. De qualquer maneira conseguimos atingir os objetivos estabelecidos, ou seja, desde este dia as crianças brincam com os fonemas e os sons dentro de palavras, procurando semelhanças e diferenças não só a partir da forma como ouvem, mas também a partir da maneira como emitem. Em resumo, concluímos com esta atividade que, dependendo da faixa etária das crianças um mesmo tipo de estímulo pode dar resultados diferentes, nem sempre chegando àquilo que é esperado. Isso nos leva a pensar na importância
de retomar cada projeto quando isso for necessário, deixando de
lado a necessidade (ou vaidade) pessoal de querer acertar sempre. É
importante saber que a cada retomada se consegue obter respostas mais e
mais significativas, especialmente quando se acredita na criança
e na própria capacidade de construir. |