JOGOS DE ESCRITA Valdete Aparecida Leda BERTTO Quando a Zilá apareceu para ser nossa orientadora fiquei (de início), muito feliz, pois imaginei que teria alguém que vinha para me orientar, esclarecer dúvidas e me ajudar a percorrer um caminho no qual eu acreditava mas vacilava por falta de conhecimento. Eu sabia que aprendemos vivenciando e construindo nosso aprendizado. As primeiras reuniões foram me deixando cada vez mais empolgada, na certeza de que este seria o caminho certo. Mas as coisas aos poucos foram mudando. Ela não dava mais respostas, obrigando-nos a procurar por nós mesmas a solução dos proble-
mas que surgiam, lendo muitos livros. Cada vez que perguntávamos ela respondia com novas perguntas. Vivia incentivando a leitura (hábito há muito perdido), sempre criando problemas onde parecia que estava tudo bem. Fui ficando confusa. Comecei a achar que não valia a pena procurar coisa alguma. Perdia o sono e pensava em esquecer tudo e voltar ao que era antes. Só que não tinha mais jeito. Não dava mais p’ra voltar, mas eu também não sabia como caminhar. A solução era começar a ler. Comecei a escolher eu mesma o que deveria ser lido, aplicando naquilo que cabia à minha classe. Muitos livros eram difíceis, complexos demais para que eu os entendesse na primeira leitura. Lia de novo e começava a perceber que muitas das dificuldades da prática se deviam ao desconhecimento da teoria. Comecei a pesquisar, ler, planejar melhor as atividades, OUVIR MEUS ALUNOS... Descobri então que muito daquilo em que eu acreditava estava em livros e que era feito por outros educadores desde muitos anos atrás. Percebi que eu não estava sozinha, mas que as dúvidas e incertezas estão presentes no dia-a-dia daqueles que querem realmente acertar. Percebi também que o curso de magistério deixa tudo muito vago e se alguém quer aprender tem que procurar seus próprios rumos, mesmo que considere seu tempo disponível insuficiente. (Imaginem que eu, além de ser professora, também sou mãe, esposa e dona de casa...) Muitas vezes tentei desistir, mas a cada dia as escolhas me faziam perceber que não tinha mais volta. Foi um tempo de muita angústia, mas aos poucos fui compreendendo melhor como deveria ser a proposta. Cursos, reuniões, trocas com as colegas, a orientação em sala de aula, a autocrítica do nosso trabalho e acima de tudo o apoio de uma profissional que conseguia ver sucessos e ganhos onde achávamos que só havia fracasso, com quem podíamos compartilhar nossas aflições, alegrias e vitórias... Apesar de não gostar do rótulo, entendi que conhecer o construtivismo não transforma só a maneira de agir da professora em sala de aula, mas transforma também sua maneira de pensar como pessoa. Nos ensina a viver melhor, a refletir, a ver as coisas criticamente, a não aceitar passivamente tudo que nos é imposto. Só que para haver tal transformação cada pessoa precisa travar uma luta árdua consigo mesma, pois é muito difícil romper com a linha de educação que nos vem sendo imposta há tanto tempo. Hoje posso dizer que estou mudando. Tentando percorrer meu caminho como educadora estou mudando como mãe, como esposa, dando o melhor de mim como pessoa, aceitando críticas e criticando a mim mesma ao tempo em que olho com mais atenção para o que acontece no mundo ao meu redor. Sei que tenho muito que aprender, mas posso dizer que depois desta caminhada sou uma pessoa mais feliz, realizada profissionalmente (apesar dos problemas), tentando sempre fazer o melhor (e me preparando para isso), já que realmente descobri que tenho paixão pelo que faço. Mas não era bem isso que eu deveria escrever! Na verdade gostaria de estar escrevendo sobre uma de minhas experiências na sala de aula. Minha classe tem o mesmo nível de classe de pré-alfabetização na pré-escola. Entretanto é constituída de crianças maiores que freqüentam a APAE. Sinto bastante dificuldade para ensiná-los porque eles também têm uma dificuldade maior para aprender e por isso tenho lido muito. Com as leituras pude verificar, mais do que no dia-a-dia que na prática do alfabetizador, ensinar a seqüência do alfabeto tem sido uma preocupação constante. Entretanto, conhecer as letras e saber seu nome não é condição suficiente para que a criança aprenda a ler ou escrever. Segundo NUNES (1992:59), "não é a quantidade de grafias aprendidas, mas a descoberta de semelhanças"... entre frases, palavras, sílabas ou letras... "que pode facilitar o ingresso da criança no segundo estágio (da escrita) em que parece descobrir a existência de relações sistemáticas entre elementos fonológicos na linguagem e elementos gráficos na escrita." A compreensão do sistema alfabético também é necessária mas exige que a criança trabalhe antes com atividades que lhe permitam fazer uma correspondência mais global entre elementos significativos, tanto do ponto de vista fonológico quanto gráfico e a grafia das letras. Os estudos de Emília FERREIRO e TEBEROSKY (1985) explicam exaustivamente esta passagem e LEMLE (1990), por sua vez, destaca que, antes de se preocupar com a relação entre sons e letras a criança precisa compreender o que significam os risquinhos pretos no papel, além de entender a organização topológica da página escrita, seja do ponto de vista da topologia do texto, da frase, da palavra ou da letra. Na tentativa de fazer com que a criança fizesse o reconhecimento de tais aspectos, decidi desenvolver atividades com blocos de madeira que, por sua flexibilidade de movimentação permitiam o reconhecimento das letras, tanto do ponto de vista de suas formas como da posição arbitrária em que tais formas são consideradas, seguindo alguns passos metodológicos descritos como segue: - jogos livres de manipulação; - jogos de análise das propriedades das letras (considerando: número de pontas, tipos de linhas - curvas ou segmentos de reta - formas fechadas ou abertas etc.) - jogos de escrita. Trabalhamos também com jogos de séries os quais exploram as letras em diferentes posições: A V E B Numa destas atividades, explorando os jogos de escrita (com palavras), pude dar conta do progresso dos alunos, coisa em que não acreditava antes. Os nove alunos da sala (o grupo tem dez crianças, mas uma delas havia faltado) foram divididos em três grupos com três participantes. Prof.a. - Você escreveu a mesma palavra com letras diferentes. O que acha que aconteceu? C: Eu não sei (começou a procurar mais letras entre os blocos, mas não achou o que queria). P: Olhe novamente o que você escreveu e tente descobrir o que você fez. C: Rapidamente percebeu e corrigiu, lendo alfabeticamente. P: Agora você vai montar a palavra "CABO" C: Começou a procurar letras, respondendo entretanto que não sabia. O Júlio, que era do mesmo grupo não agüentou esperar a resposta dele e se antecipou: É só mudar de lugar... BOCA fica CABO. JÚLIO CÉSAR: Escreveu o nome: J Ú L I O C É S A R e leu apontando com um dedo: Jú - li - o Cé - sar M A P A C A S A e leu: ma - pa ca - sa SEGUNDO GRUPO: ALESSANDRA e ALEXANDRE BRITO ALESSANDRA: Escreve o nome: A L E S S A N D R A e Lê: A le ssan dra - Escreve: P A R E D E O V O e lê: pa - re - de o vo P: Aponta PAREDE e pergunto: se eu separar estas duas ( DE ), como fica? A Responde: Palhaço. ALEXANDRE BRITO: Escreve: M A C A T U B A M A C A C O e lê: Ma - ca - tu - ba ma - ca - co P: Você consegue montar outras palavras com estas mesmas letras? A: C A C O M A P: Esta palavra existe? A: Não. P: E agora? A: M A C A C A C O C A M A ma - ca ca - co ca - ma TERCEIRO GRUPO: PATRÍCIA, LUIZ FERNANDO e JOÃO PATRÍCIA: Montou o próprio nome e leu corretamente. Prof.a. Gostaria que você montasse a palavra P A T O. Pat. Monta: P A T e lê: pa - to Prof.a. Leia novamente. Pat. P A T pa - to Prof.a. Não está faltando alguma coisa? Pat. Está. Prof.a. O quê? Pat. Uma letra. Prof.a. Qual? Pat. Acrescenta: P A T A e lê: pa - to Prof.a. Qual é a última letra? Pat. A. Prof.a. Leia então o que está escrito. Pat. P A T A Prof.a. O que eu pedi para escrever? Pat. Apaga o A e escreve: P A T LUÍS FERNANDO: Escreveu o nome: I Z F S L N ( Tira o N) Escreve novamente da direita para a esquerda: I L > Q O de N Fernando Luiz N Moura E A e falou: "Moura termina com A, coloquei errado." (Tirou o E e colocou o A) Pat. P. Leia: "É o nome de minha mãe". JOÃO: Montou: O B U O O M A Tirou as letras "O" e deixou: B U M A e leu correndo o dedo: BOI. P. Porque você separou estas letras? (Apontando as letras "O".) J. Porque são iguais. P. Leia. J. B U M A boi J. T O I U L O N cavalo J. O Z V N T N U P d gato J. Tia, você escreveu de ponta cabeça. P. Olhe o seu, João. J. Mudou a posição da letra "d". Era "P". BIBLIOGRAFIA FERREIRO, E. & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita, Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. LEMLE, Míriam. Guia Teórico do Alfabetizador, São Paulo: Ática, 1990. MACHADO, Marlene. Guia prático do alfabetizador. São Paulo: Ática, 1994. NUNES, Terezinha (Org.). Dificuldades na aprendizagem da leitura. Teoria e Prática. São Paulo: Cortez/Editores Associados, 1992.
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