DE VOLTA AO PLANETA AZUL Ana Cláudia ALONSO Mês de maio de 1995, classe de pré-alfabetização na APAE. O grupo conversa sobre vários assuntos, até que a Zilá chega na sala. - Olá pessoal! Que é que vocês estão fazendo por aqui? Muitas respostas, outras perguntas e começamos a conversar sobre a possibilidade de fazermos uma viagem. Mas, para onde ir? Resolvemos ir até Bauru. Zilá propõe que se use um veículo que ande bem devagar. - Só se for à pé. Diz um. - Demora muito, diz o outro. - De bicicleta, então. Arrisca a Zilá. - Ih! Também demora. Porque tem que ser devagar. Vamos de ônibus, é melhor. - Já que é para ir mais depressa eu não quero ir de ônibus, diz Zilá. Ele para muitas vezes pelo caminho. Vamos pensar noutro veículo. - E se a gente fosse de foguete? - Eh! Cara. O foguete vai depressa demais, passa de Bauru e não dá p’ra parar. - Então vamos para outro lugar, diz Zilá. Onde é que se poderia ir num foguete? - Vamos p’ra lua!!! - Isso, vamos p’ra lua!!! - Oba! - Legal! - Ótimo, vamos p’ra lua. E o que será que vamos ver por lá? - Montanha... - Buraco... - São Jorge... - São Jorge?! - É, e aquela mulher da cobra. Aquela santa que pisa na cabeça da cobra. - A Virgem Maria? - Eu acho que é. Eu não sei o nome dela. Eu só sei que ela pisa na cabeça da cobra e ajuda o São Jorge a matar o dragão. - Bem, se todo mundo concorda vamos p’ra lua. Todos p’ra dentro do foguete. E as crianças mergulham no faz-de-conta. Vestem as roupas de astronauta, entram na nave e se sentam para viajar. - Aperta o cinto, diz um deles. O foguete sobe. Soltam os cintos de segurança e olham pelas janelas. - A Terra está perto ou longe? Pergunta Zilá. - Muiiiito longe... - E a Lua, onde está? - Lá em cima... meio longe... quase perto... - Dá p’ra ver a terra daqui de cima? - Dá! Respondem em coro. - E o que é que a gente pode ver? - A Terra. - Claro, que pergunta boba esta que eu fiz. Mas de que cor ela é? - Marrom. - Azul. - Azul. - Cheia de pintinha de muita cor... - Ih! Não estou entendendo nada... Afinal, de que cor é a Terra? - Azul. - Azul... E porque será que ela é azul? - Não é não. É azul com montinho marrom. - Não entendi. Que montinho marrom é esse? - É montinho de terra. - Ainda não entendi. Deixem-me olhar pela janela... Hum... Estou vendo azul e muitas manchas verdes. Ah! Do outro lado algumas manchas marrons... Quem sabe me dizer o que é isso tudo? - Isso qual? - Hum... o verde, por exemplo. - É árvore. - Árvore? Como é que você sabe? - É que tem muita árvore na Terra. - Esperem um pouco. Eu ainda não consegui ver os montinhos marrons. - Ah! Vai ver que as árvores estão em cima. - E as manchas marrons grandes, do outro lado? - Lá é que arrancaram todas as árvores e virou deserto. - Deserto? Como é isso? - Quando arranca todas as árvores não chove mais e vira deserto. - Vocês concordam com isso? - É sim, lá no norte minha vó falou que ficou assim. - Então não se pode arrancar nem cortar as árvores? - Não, senão acaba a vida na Terra. - Bem, deixem-me olhar de novo. E o azul? Ainda não entendi o que é esse azul todo? - Deve (de) ser a água. - Que água é essa? - A água da praia. - Água da praia? Não entendi. - É daquele negócio que tem na praia e que a gente nada... - E como se chama? - .... - Será rio? pergunta Zilá. - Tem rio também, mas o rio é só o filetinho. Olha lá. Mas a água da praia é outra, é muita... - Alguém sabe como se chama? - ... - Será mar? - É, é isso aí, respondem em coro. Alguém interrompe a conversa. - Gente, "tamo" chegando. Olha o chão da lua aí em cima... - Opa! Mas se o chão da lua está em cima como é que nós vamos descer? Tem jeito de descer p’ra cima? - Nããão... (Sem paciência com a "ignorância" da Zilá.) O foguete dá a volta e a gente fica em cima da lua e daí a gente desce. - Ah! Desculpem! Agora é que eu entendi. E aí, comandante? Neuri assume: - Vamos descer. Todos já estão fora da nave. Ninguém se preocupou em perguntar se a atmosfera era respirável ou não e nós não nos lembramos de questionar. - Que é que nós vamos observar em primeiro lugar? - Vamos procurar São Jorge... - Onde? - Atrás das pedras... - Na caverna... - Nas montanhas... Andamos por todos os lados, olhamos em todos os cantos. - Onde é que está este São Jorge? - Não tem São Jorge nenhum, não! Diz um deles. - Tem sim. Ele mora aqui. Acho que é naquela caverna grande, perto do vulcão onde mora o dragão de fogo, mas acho que ele não "tá" aqui hoje, deve ter saído... O mágico se sobrepõe ao real. A criança não quer negar sua crença, mas ainda não quer aceitar a realidade desagradável. Para ela São Jorge existe, mora na lua, mas saiu agora. Sentamos para descansar. Temos que planejar nossa volta à Terra. - E aí, turma. Está na hora de voltar. Qual vai ser a rota? - Que é que é isso? - Onde a gente vai descer, seu bobo! - Rota é só isso? - Não! Tem que pensar no caminho do foguete. - E também tem que saber onde a gente vai descer... - Bem, bem, não precisam brigar agora. Onde vamos descer? - Em Macatuba. - Certo, mas em que lugar? - No meio da cana... - Não, não, Não... vai queimar tudo na hora de parar!... - Por que? pergunta Zilá - Porque o fogo do foguete pega na palha seca e queima tudo; aí "nós morre queimado". - E o que faremos, então? - Tem que procurar um campo que já foi colhido. - Não pode descer na estrada? pergunta Zilá. - Nãããão!!! respondem em coro. - Pode pegar um caminhão e matar tudo! - Então como vai ser? Precisamos pensar nisso. Será que olhando lá embaixo a gente enxerga Macatuba? - Não dá não! Tá muito longe. - E como é que nós vamos achar o caminho? - Tem que ... - Tem que o quê? - Tem que dar um jeito! - E como? - ... - Será que no foguete tem alguma coisa que pode ajudar? - ... - Instrumentos... - ... - O quê? Gente, não podemos ficar parados. Temos que pensar em alguma coisa! - ... - E se a gente tivesse um mapa. - É isso, o mapa é bom p’ra enxergar o lugar. Como não prevíamos que a conversa ia chegar até aí não tínhamos o material à mão e precisei correr para buscar um Atlas. - Gente, estamos salvos! Um Atlas! O que será que tem aqui? - Desenho da Terra. - Ótimo! Vamos aproveitar então e ver se tudo que conversamos até agora é verdade mesmo. Comecemos pela capa. O que tem aqui? - A Terra. - E ela é azul? - Tem bastante azul e uns pedacinhos de outras cores. - Ela é redonda, igual à lua. - E onde será que fica Macatuba? - Macatuba fica no mundo. - E a Terra, fica no mundo? - Fica. - E Macatuba fica na Terra? - Fica. - Dentro do mar? - Não, no meio da cana. - E como vamos procurar Macatuba? Dá p’ra enxergar o canavial aqui no mapa? - Não, aqui só marca onde tem floresta de árvore. - E como vamos fazer, então? - ... - Querem que eu ajude vocês? - Sim. - Sim. - Quero. - Sim. - ... - Então vamos lá. Antes de chegar a Macatuba, vamos procurar o Brasil. Quem sabe o que é o Brasil? - É a nossa terra. - Muito bem. O Brasil é o nosso país e Macatuba fica no Brasil. Vamos procurar no mapa. Vejam. Aqui está o Brasil. Fica dentro de uma espaço maior que se chama continente americano (manuseando o mapa físico). Todos olham atentos. - Por que será que tem tantas cores nesse mapa da América? Onde está o Brasil? O que será o verde? - Aqui, ó. (Aponta a Amazonia) O Brasil tá no meio desse verde aqui que é o Amazonas. - Floresta do Amazonas, seu bobo. - Quem ensinou a vocês que aqui fica a floresta amazônica? - Ninguém. A gente viu na televisão que tão cortando árvore lá e vai acabar as chuvas lá também. - É, mas eu estou vendo mais verde... - É, tem mais umas "arvinhas" aqui... aqui...aqui...(aponta outros pontos), mas eu não sei o nome. - Será Macatuba? - Não é não, Macatuba tem pouca árvore. - Aqui também tem. (Aponta as Guianas). - E esse vermelho aqui? (Aponta os Andes) - O que você acha? - Não sei. Árvore não é. - E o que pode ser, então? - ... - Tem vermelho em algum outro lugar? - Aqui. (Aponta a região da Serra do Mar) - Se o verde marca os lugares onde tem árvores, o que marca o vermelho? - O lugar onde tem fogo? - Por que? - Porque é igual o sol, vermelho e amarelo. - Será isso mesmo? - Não é não. Não tem sol no chão! - Mas tem fogo... - Só que o fogo queima tudo. - Bem, bem, mas ninguém me falou ainda o que é o vermelho. - ... - Querem que eu conte? - Conta!!! (Em coro) - São os lugares mais altos do continente. Têm mais de 1000m de altura. - Nossa! Quanto que é mil? - É muito!!! - Muito quanto? - Muito, muito, muito!!! - Tem jeito de medir? - Só se for com o foguete... - Mas o foguete vai p’ra lua... - Então só se for com o avião... - Muito bem! O avião leva os instrumentos para medir a altitude. - Assim ele não tromba, né? - Isso mesmo. Mas tem também alguns lugares marcados em amarelo. O que significa? - O lugar que não tem floresta. - E tem o quê? - Mato. - Muito ou pouco? - Mais ou menos. Mas cadê Macatuba? O mapa físico do continente não interessa mais. Viramos a folha para o Brasil físico. Alguém aponta para o centro do país, na região de Minas Gerais. - Aqui, ó. - Será aí mesmo? Eu sei que Macatuba fica no centro do Estado de São Paulo. (Olhamos o mapa político) São Paulo é esta região aqui (apontamos) Macatuba fica quase no centro. Neuri aponta. - Então é aqui. (E chega muito perto). - Muito bom! Achamos Macatuba. Podemos voltar agora? - Vamos!!! (em coro) - Cada um em seu lugar. Não precisam brigar porque tem janela p’ra todo mundo... Atenção. Firmes. Lá vamos nós!!! Olhem para trás. estão vendo a lua? - Ela tá pequena. - É porque tá ficando longe... - Não, tá faltando um pedaço. - Mas como está faltando um pedaço se nós visitamos a lua inteira? - Ela tá pequena, parece que quebrou um pedaço... - Acho que já sei. É que agora a Terra está na frente da Lua e esconde a luz do sol. Uma parte dela fica escura e parece que falta um pedaço. Zilá desenha no quadro o movimento da Lua em volta da Terra e desta em volta do Sol. - Tá tudo solto no ar? - Está, responde ela. Só que eu não sei explicar muito bem como é isso e eu vou ter que estudar um pouco para entender melhor. Eles aceitam a explicação e a justificativa, sem questionar o fato de a professora "Não saber alguma coisa". É natural. todos devem estudar para aprender o que não sabem. - E aí? Falta muito p’ra chegar à Terra? - Não. Eu já tô vendo Macatuba. - O campo tá pertinho. - Segura firme que já vai descer. - Atenção! Cuidado! Segurem-se! Três, dois, um... - DESCEUUUUUUUUU!!!!! Saímos da nave. - E então, gostaram da viagem? - Eu gostei. - Foi legal! - Foi jóia!!! Rostos corados e sorrisos. Foi uma aventura e tanto. - Agora vamos voltar p’ra escola e registrar nossa aventura. Como é que vai se chamar a história? - A viagem extraterrestre. - A lua. - O passeio de foguete. - O planeta azul. - Afinal, qual nome é o mais bonito? Fica O PLANETA AZUL. - Todo mundo concorda? - SIIIIM!!!! - Então, TRABALHANDO! E todos se concentram na volta ao planeta azul.
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