Um
perfil psicológico de Salazar
Anedotas |
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Poucas figuras da história de Portugal terão dado origem a tantas anedotas como Salazar. Ao princípio visavam apenas a sua política de verdadeira austeridade económica, que lhe valeu epítetos desprimorosos. Uns, para lhe diminuírem a qualidade do trabalho, chamavam-lhe «o guarda-livros da Situação». Outros, para bulir só na feição de avarento em que o figuravam, apodavam-no de «o bom ladrão».
Algumas das anedotas foram já divulgadas. É o caso, por
exemplo, da história do peru.
Salazar convidou pessoas amigas para almoçar com ele. Um almoço
menos do que frugal, insuficiente. Os convidados olhavam por baixo uns
para os outros. Quê? O almoço seria só aquilo?
Então Salazar diz à criada:
- Traga o peru.
Animam-se os convidados. A criada retira-se e volta com um peru vivo,
debaixo do braço. Coloca-o sobre a mesa e a ave, faminta, desata
a picar as migalhas.
Outra que se espalhou em Lisboa no mesmo dia em que foi lançado
à água o contra-torpedeiro «Douro» - 18 de Novembro
de 1933:
Ao fingir dar ao navio o impulso que o poria em movimento, Salazar
desequilibrou-se e caiu ao Tejo. Acudiu logo uma canoazita, cujo
único tripulante lhe estendeu a mão quando ele, depois de
mergulhar, veio à tona de água:
- Dê cá a sua mão!
Salazar olhou o marítimo e mergu]hou de novo. Torna segunda
vez ao de cima e o homenzinho da canoa estende-se mais ainda:
- Dê cá a sua mão!
Salazar volta a olhar o marítimo e a mergulhar novamente. Volve
terceira vez à superfície e o da canoa quase se desequilibra:
- Tome lá a minha mão!
Só então Salazar estendeu a mão para se salvar...
Mais esta:
- Já conheces a última maneira de cozinhar bacalhau?
- Qual?
- Bacalhau à Salazar.
- Como é?
- Só batatas. . .
Outra ainda:
Salazar mandava sempre fazer fatos sem bolsos:
- Para não me meterem as mãos nas algibeiras e levarem-me
o dinheiro sem eu dar por isso.
Aproveita-se a referência a pessoas ou factos estrangeiros:
Quando Lloyd George esteve em Lisboa, teve uma entrevista com Salazar.
Conversaram longamente e, a certa altura, o inglês propôs que
fossem jogar uma partida de golf. Salazar respondeu:
- Não jogo o golf. Não sei.
- Então o tennis?
- Também não sei. Não pratico jogos de campo.
- Iremos então a um jogo de sala. O bridge?
- Não sei jogar o bridge.
- Então um que saiba.
- Eu só jogo o rapa. . .
Definições:
Os Presidentes do Conselho mais em evidência na década
de 30 são :
Metaxas (grego).
Larachas (italiano - Mussolini)
Rachas (alemão - Hitler)
Sobretaxas (português)
Outra ainda a propósito de factos nacionais:
Quando Rolão Preto, chefe dos nacionais-sindicalistas declarou,
num banquete realizado em Fevereiro de 1933, que a uma ordem sua podia
fazer desfilar em Lisboa 5 000 «camisas azui», Salazar admirou-se:
—Quê?! Então apesar das minhas medidas de salvação
nacional ainda há em Portugal 5 000 pessoas com camisa?
Há as anedotas relativas ao gosto que alguns portugueses teriam
em que ele abandonasse o Governo. Foram os chamados reviralhistas primeiro,
depois os integralistas, os nacionais-sindicalistas, os comunistas, etc.
Há-os sempre.
Uma sextilha de origem integralista, composta no café Martinho,
quando se falava muito num monstro que aparecia num lago inglês:
Mas se isto dá uma volta
Por obra de Belzebú
Pegam nas tábuas e dão-lhe
Com elas todas no cu.
Um amigo de infância do Presidente do Conselho, que tinha ido
muito novo para África e por lá fizera a sua vida, juntando
uma grande casa, vem à Metrópole e visita-o. Visita-o para
matar saudades, mas aproveita para lhe pedir um conselho. É que
acabava de formar um filho em Ciências Económicas e Financeiras
e queria iniciá-lo no trabalho, aqui na Metrópole, antes
de ir para África entrar na gestão dos negócios paternos.
- Talvez tu mesmo pudesses ajudar-me. Um lugarzito em que ele entrasse
na prática...
Salazar sorriu:
- Nem de propósito! Esteve aqui há pouco o ministro da
Economia e falou-me da necessidade de um economista para um conselho técnico.
Sempre é um ordenado de seis contos...
- Seis contos?! Deus nos livre! Com um ordenado desses logo de entrada,
o rapaz perdia a noção das proporções. Desmoralizava-se.
Eu quero-o lá é para trabalhar.
- Então talvez um lugar de chefe de contabilidade num grémio.
São quatro contos e quinhentos...
- É muito. É muito ainda...
Salazar indicou a seguir mais dois ou três lugares equivalentes
e o amigo ia recusando sempre. Até que se resolveu a adiantar:
- Compreendes, eu não quero que ele comece por mandar, mas por
obedecer. Para saber como é. Para aprender, para se desemburrar.
Sem grandes facilidades. Uma coisa aí para um conto e duzentos,
um conto e quinhentos... Terceiro ou segundo oficial, por exemplo...
Salazar teve um gesto de desalento:
- Ah, isso é impossível! Só por concurso!...
Compreende-se a reacção de Salazar. Não se tratava
já de uma graça pessoal, mas de uma crítica séria,
sob roupagens de humorismo, a um sistema defeituoso de formação
de quadros. Também eram frequentes as anedotas sobre o longo governo
do Presidente do Conselho e a sua previsível longevidade, dado o
caso do pai, que morrera muito idoso, e das irmãs, mais velhas e
bem resistentes.
Entre elas, esta:
Um dia, alguém pensou em oferecer a Salazar, como presente, uma
tartaruga.
- Uma tartaruga? Que ideia! Onde ia eu meter um bicho desses?
- É muito simples. Basta um tanquezito com água. Não
dá trabalho nenhum, não incomoda, não faz barulho
e pode viver até aos duzentos anos...
- Ah, não! Não quero. Nós afeiçoamo-nos
aos animais, depois eles morrem e lá ficamos com pena de os perder...