Um perfil psicológico de Salazar 

Problemas da Guerra

Quem era Salazar ? 
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PROBLEMAS DA GUERRA

Estamos em plena II Grande Guerra. Os problemas sucedem-se, acumulam-se, resolvem-se, adiam-se, multiplicam-se. Na ordem interna levantam-se todas as dificuldades de uma população que, por índole e por deficiência de educação, teima em cindir-se em dois grandes clubes favoritos, como nos jogos de futebol, em vez de entender a necessidade de união em torno da mesma bandeira nacional.

Os dirigentes de cada um dos dois blocos em guerra faziam em Portugal uma propaganda dispendiosa. Alimentavam publicações caras. Sustentavam verdadeiras máquinas humanas de escrever, mais ou menos idealistas, mais ou menos mercenárias.

Um dia o director da P.I.D.E. telefonou a todos os jornais a pedir a presença de jornalistas para lhes mostrar algo de interessante para o público. Entre o material que lhes foi mostrado os jornalistas ficaram espantados com a revelação de nomes de camaradas seus estipendiados pelas propagandas estrangeiras. Era só uma amostra do que os países em luta tentavam em todos os planos.

A penetração dirigia-se também às forças armadas. O ministro da Defesa teve de proibir que os oficiais aceitassem convites para recepções, almoços, cock-tails, etc., das representações diplomáticas estrangeiras.

No fim da guerra houve quem dissesse que Salazar tivera muita sorte com o facto de havermos escapado à grande tragédia mundial. O Presidente teria respondido:
- Sabe Deus quantas noites em branco essa sorte me não custou!
Noites dessas houve - e não só noites - em que Salazar percorria em largos passos, rápido, de um lado para o outro, o corredor da sua casa da Rua da Imprensa. Depois parava, estendia-se sobre o canapé num dos extremos do corredor. Ficava-se ali, absorto, durante algum tempo. Súbito, voltava a levantar-se e a fazer depressa, nervoso, a mesma andança, corredor além, para voltar após a nova meditação. Isto durante horas.
No dia seguinte, quem recebia os ministros e os embaixadores, quem trabalhava com os funcionários, quem aparecia a público era a imagem estereotipada do homem sereno e frio...

Já na fase final da Guerra, o Adido Militar Alemão procurou o capitão José Catela, sub-director da policia internacional, e pôs-lhe a seguinte questão:
- Nós somos camaradas de tropa e como oficiais temos tido sempre relações que nos permitiram um certo à-vontade em troca de informações úteis nos lugares que ocupamos. Compreendo, porém, que nem tudo se possa dizer. E por isso lhe declaro desde já que não estranharei se nada me disser em resposta à questão que lhe vou pôr. O meu governo pergunta-me se temos conhecimento da instalação de aliados nas vossas ilhas dos Açores. Pode dizer-me alguma coisa a esse respeito?
José Catela, contava depois, mediu num instante a gravidade da situação. Se dissesse que não havia, o outro teria dentro de poucos dias a prova de que lhe mentia e os serviços secretos portugueses perdiam uma fonte de informações que lhe era útil. Se respondesse que não sabia, o alemão não acreditava, e o resultado seria o mesmo. Se dissesse o que sabia, trairia um segredo de Estado. Ficou-se por isso numa meia-resposta:
- Não tenho conhecimento de dados concretos sobre o assunto. Mas posso dizer-lhe confidencialmente que já houve da parte dos aliados quaisquer propostas a esse respeito. Até onde elas foram ignoro.
- Muito obrigado. É bastante para o que eu desejava saber.
O alemão, muito grato, foi-se embora. Catela estava fartíssimo de saber que a cedência de instalações na base das Lages estava para breve, que já havia muito que se preparavam campos de aviação em Santa Maria e na Terceira. Mas fizera uma inconfidência e foi dali, a correr, penitenciar-se a Salazar que o acolheu imediatamente.
Catela expôs-lhe o caso em pormenor, incluindo as razões que o levaram a dizer o que dissera. Estava certo da gravidade do procedimento e punha o caso nas mãos do Presidente. Este ouviu-o atentamente e, quando o inconfidente esperava uma palavra dura de condenação, limitou-se a dizer, serenamente. como se falasse para si próprio, naquela voz em que às vezes as cordas vocais obrigavam a transições inesperadas:
- Pode ser que tenha tido a sua vantagem. ..
José Catela saiu desnorteado. Raio de sujeito, aquele! Quando seria natural descompô-lo insultá-lo, demiti-lo, respondeu-lhe tranquilamente uma palavra sem sentido!
Poucos dias depois era anunciada a cedência de facilidades aos Aliados na Base dos Açores. O embaixador alemão correu a apresentar o protesto de Berlim junto do governo português.
Salazar ouviu-o e respondeu-lhe:
- Não posso aceitar o protesto apresentado por V. Ex.ª. O seu governo sabe que Portugal e a Grã-Bretanha estão ligados por um tratado com seiscentos anos. Se o tratado for invocado para defesa de qualquer dos dois signatários, o outro está obrigado a cumprir. O governo alemão sabe isso perfeitamente e faz-nos decerto a justiça de supor que respeitamos a palavra dada. Não se trata aliás de um acto inamistoso contra quem quer que seja. Esta a posição do meu país. Agora, particularmente, permita-me que lhe diga que estranho o protesto contra um facto apresentado como de surpresa, quando ainda há dias fiz prevenir o seu adido militar pelos meus serviços secretos...
O embaixador engoliu em seco. Não esperava por aquela.

Salazar ainda receou um acto de violência da parte da Alemanha. Para isso, aliás, haviam sido concertadas com os ingleses algumas medidas concernentes às possíveis necessidades da defesa civil e da organização da resistência. Esta ficaria centrada na Legião Portuguesa que (as ironias da vida!) era tida por germanófila. Houve, em segredo. contactos entre os dirigentes da Legião e dois especialistas ingleses, que estiveram entre nós. Especialistas da zona directiva, bem entendido, porque agentes havia muitos por cá disseminados. E um dos portugueses com quem estiveram mais em contacto foi o Dr. João Lumbrales, cujas simpatias pela Alemanha eram apontadas. Mas nem Salazar, nem ninguém, tinha dúvidas de que ele acima de tudo era português.

As preocupações de Salazar levaram-no a convocar uma reunião com os directores dos jornais de Lisboa e Porto, cuja matéria foi então considerada secreta. Nessa reunião em que estiveram presentes os directores de todos os diários de Lisboa e do Porto, incluindo a «República», francamente oposicionista, o Presidente do Conselho expôs a situação criada com a cedência de facilidades nos Açores e apelou para a necessidade de união, firmeza e serenidade dos portugueses. Não sabia ele qual seria a reacção alemã. Poderia ser de violência, considerando-nos beligerantes e ir até por exemplo, ao bombardeamento de Lisboa. Ele não se inclinava para isso. Seria um acto estúpido. Ora a Alemanha era um grande país e um grande país não comete erros estúpidos. Pode cometer actos violentos, cruéis, desumanos, mas com outros fins que não a simples estupidez. Em todo o caso deveríamos estar preparados, em perfeita consciência, para quanto pudesse advir e por isso ele apelava para o patriotismo de todos.
Foi a única vez que Salazar se reuniu com os directores dos jornais.


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1 de Setembro de 1997
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